Capítulo Seis
Eu irei morrer.
Eu certamente irei morrer.
Eu nunca passei da ponte, nunca fui ao Além da Ponte, eu não sei como sobreviverei um único dia. Mas aqui estou eu, com uma bolsa cheia de provisões e um arco atravessando o peito, assim como o estojo recheado de flechas. São flechas caras, afiadas, bem melhores que as que tenho em casa. O arco é bem maior, mais primoroso, as pontas são puxadas para vertical em linha reta. Além do charme, também leva o brasão da família Kim.
Consegui convencer o Sr. Kim a me emprestar a bússola. Não quero me perder — sei que irei com ou sem a bússola —, além de que se as coisas apertarem, posso vendê-la ou trocá-la. Além disso, ele também me conseguiu um cavalo, que eu certamente acho que não irá durar muito na floresta, porém espero que ele me ajude no grosso: voltar para Little Tawo, atravessar a ponte e adentrar o coração da floresta em busca de um unicórnio cujos poderes eu sequer entendo.
Trotando no cavalo, o dia mal amanhaceu e já deixei o casarão dos Kim. Estou deixando Ilmol South, indo rumo à minha casa, como se estivesse voltando de uma ilusão, de uma brincadeira, de volta para casa nos braços da minha mãe e no guisado de vitela com batata e maçã. Oh, como eu queria estar voltando para casa...
Cerca de meia hora trotando já me cansei, vou a galope. Não irei cansar muito o Major, assim chamado o cavalo oveiro negro que Salli conseguiu para mim. Eu estou trazendo comida para ele, mas sei que ele irá descansar quando passarmos da ponte. Ainda tenho bastantes dias para caçar essas criaturas, então não preciso me cansar nem cansar o animal. Além do mais, não sei a natureza dos unicórnios. Podem se assustar com muito barulho.
Ao passar por Little Tawo, será impossível não chamar atenção. Deixo uma carta para Jeno e sua mãe. Deixo outra carta para meus pais. Em ambas casas enfio a carta por debaixo da porta, porque sou covarde o suficiente para encarar eles. Estou fazendo algo que detestariam. Porque eu sei que quando Jeno me disse que uma hora ou outra eu iria atrás de unicórnios não quis dizer na floresta. E meus pais nem queriam que eu fosse trabalhar para a família Kim, quem dirás entrar na boca do inferno para caçar unicórnios. Eu estou decepcionando todo mundo. Faz parte.
Meu coração bate acelerado assim que subo em Major, após deixar a carta explicando tudo aos meus pais. Eu guio o cavalo para a torre vermelha abandonada que eu costumava brincar quando criança. Eu brincava de ser rei, de ser um mago, de guerras sem fim. Guerras são divertidas quando se tem um pedaço de pau, cinco anos e muita imaginação.
No início da floresta, ela parece bela e curiosa. Passamos pelas árvores menores, alguns frutos, dá para ver uma escada abandonada numa árvore. Os troncos vão engrossando em questão de tempo, assim como a extensão dos galhos. Eu vejo a ponte de longe, e quando chego perto, percebo que talvez tenha a visto apenas uma vez. Uma ponte que por alguns metros vem de uma trilha que está praticamente esquecida entre galhos e folhas caídas. A ponte de tijolos vermelhos está desgastada e cheia de limo. Entre os tijolos que a compõe, tem pequenas flores e gramíneas surgindo. Lentamente, eu a travesso com Major, daqui ouvindo o som do riacho passar por debaixo de nós. Depois daqui, tudo irá mudar. Eu tenho o sentimento de que minha vida nunca mais será a mesma.
Estamos vivos. Três dias e meio andando pela floresta não me enlouqueceram. Eu tenho conversado com Major sobre o tempo (provavelmente irá chover hoje), o que vamos comer na próxima refeição e por que eu nunca namorei. Quer dizer, ele nunca me perguntou sobre isso e me surpreenderia se uma hora ele falasse, mas eu quis dizer.
Acabei de acordar, dormimos numa clareira. Eu já alimentei o cavalo, então agora estou sentado no chão mordendo algumas nozes, um pedaço de queijo branco e pão seco. Bebo água da bolsa de água de couro que trouxe. Ela é grande, mas já está acabando, o que significa que se hoje eu não encontrar algum lago ou rio, estou ferrado.
Pego o mapa. Se eu continuar seguindo o norte, talvez hoje mesmo encontro um rio. Sim, isso que irei fazer. Espero que dê certo. Guardo tudo na bolsa e coloco presa na sela de Major. Vamos andando lado a lado. No meio do dia, eu já estou cansado da caminhada, mas tenho fome e avisto uma macieira. Isso me lembra Jeno, que me lembra meus pais e a hospedaria e tudo que estou lutando. Não sei, não tenho a mínima ideia se um dia encontrarei um unicórnio e não sei se eu teria coragem de matá-lo. Eu nunca matei animais maiores que meu braço inteiro, então seria novo para mim.
Puxo a bolsa de Major e deixo ele ao lado de uma arbustos. Da bolsa arranco uma faca, pois quero arrancar um galho inteiro para não precisar me preocupar com o que eu e Major iremos comer. E eu sei subir em árvore. As botas que Salli me arranjou se provam muito eficazes em me ajudar a subir na árvore. Além dela, estou usando um colete de couro e uma capa azul-marinho que fiz questão de tirar para subir. Com a faca entre os dentes, eu alcanço o galho perfeito para cortar. Só preciso de esticar e...
O relinchar de Major quase me faz cair. Uma movimentação lépida permeia a floresta ao redor de mim. Assim que o galho cai com as maçãs, eu desço o mais rápido que consigo sem cair e me machucar. Quando olho ao redor, não faço ideia de onde Major está. Se não tinha ninguém ao redor, porque eu chequei e não tinha, foi algo que o assustou para longe. Essa ideia me deixa arrepiado. Eu preciso encontrar um unicórnio e dar o fora daqui o mais rápido possível.
Meus pés estão doendo de tanto andar. Se hoje deixei Major descansar, também me afundei. Ele se assustou com algo e saiu correndo e não consegui achá-lo em lugar algum. Não sei se Major sobreviverá sem mim. Não sei se eu sobreviverei sem ele.
Mas, calma, acho que tudo irá se ajeitar. Consigo escutar o som de água, então quer dizer que estou próximo do rio em questão. Engulo em seco, porque estou exausto e só quero descansar, porém preciso encontrar água antes do pôr do sol. Respiro fundo e checo a bússola. Estou realmente indo no caminho certo.
Minhas pernas estão doendo quando empurro um arbusto e vejo o rio, o lindo e precioso rio, a alguns metros. Ajeito a mochila nas costas e seguro meu estojo com as flechas e o arco na mão. Sem Major, estou tendo que me virar ao máximo sozinho com todas as provisões.
— Graças aos céus — falo comigo mesmo ao jogar todas as coisas no chão e agarrar a bolsa d'água.
Caminho apressadamente à margem do rio, me inclino para beber o máximo de água que consigo agora. Depois, inclino meu corpo para trás e sento nas minhas pernas dobradas para encher toda a bolsa d'água. E só então que olho ao redor. E só então que, sob o sol do meio da tarde, eu vejo um rapaz a vários metros de distância, também se hidratando com a água do rio.
Eu tinha estranhado sua movimentação, ainda mais porque ele tem uma coroa de flores na cabeça e usa uma calça verde e uma camisa branca sob o colete marrom. Não sei explicar, mas a ausência de decoração e detalhes nas peças me fazem questionar de onde ele é. Não é a moda de Ilmol South tampouco de Little Tawo, além de que eu certamente o reconheceria se ele fosse da minha vila. Ele está descalço. E seu cabelo é laranja, sim. Nunca vi uma pessoa ruiva, a não ser em pinturas encontradas na casa da família Kim.
Nada falo. Termino de encher minha bolsa, dou mais um gole na água e me sento para descansar. Como duas maçãs que me custaram meu cavalo e cochilo por alguns minutos. Depois disso, cá estou eu seguindo a caminhada. Eu estou começando a pensar que realmente irei morrer.
Eu dei sorte. Este é meu quarto dia e antes do sol se pôr encontrei um coelho perdido. Estou sedento por carne, porque o que trouxe já acabou há um tempo. Gastei uma flecha acertando o animal, porém a recuperei. Sentei num tronco caído para tirar a pelagem e preparai o coelho para o jantar. Eu trouxe sal num dos bolsos da capa, além de algumas especiarias para temperar. Um espeto perfeito e a fogueira perfeita é tudo que precisei para garantir meu jantar.
Eu tenho certeza de que amanhã irá chover, hoje o dia foi úmido, de ventania e nublado. Eu preciso guardar um pouco de lenha e encontrar um local para dormir de maneira segura e seca. Não posso correr o risco de ficar doente ou molhar toda a comida.
Agora, esperando o coelho ficar pronto, tudo que tenho são as copas das árvores cobrindo parte do céu estrelado. Eu amo as estrelas, e todos os anjos que se escondem atrás das nuvens devem estar pensando que fui estúpido em agir por impulso, em inventar essa viagem, em prometer algo que não poderia conseguir. Mas eu preciso acreditar que irei conseguir. Se eu não acreditar em mim, qual o propósito disso?
Espera. Galhos se partindo. Folhas farfalhando. Há alguém ou algo por perto, está atrás de mim, na minha esquerda. Vagarosamente pego meu arco e uma flecha do chão. Meu tronco gira no instante em que o barulho aumenta.
— Fique parado — eu ordeno.
Olhando melhor, na bruxuleante iluminação da fogueira da comida, vejo que é o rapaz que vi hoje mais cedo no rio. Mesmo que esteja escuro agora, consigo reconhecer o cabelo ruivo e as roupas. Vendo-o mais perto que mais cedo, percebo que ele tem um rosto... agradável, se assim posso dizer.
— Desculpa — ele me diz, com uma voz baixa. — Eu não queria te assustar. Eu só estava procurando um lugar seguro para dormir.
— Está tudo bem — abaixo o arco e tiro a flecha. — Quem é você?
— Chenle — ele me diz. — E o seu nome?
— Jisung — coloco a flecha de volta no estojo. — Está procurando um lugar para ficar então, é? Pode ficar aqui, se quiser. Tem batata assada, estou assando coelho.
Sua expressão se torna um completo horror.
— Você está assando coelho?
— Sim. Nunca experimentou?
Ele abana a cabeça e percebo um desgosto na sua expressão.
— Eu nunca faria isso com um coelho — ele cruza os braços. — Eles gostam de lugares quentinhos e gostam muito de cenoura. Não deveriam ser alimento.
Eu quase rio com isso.
— Bem, estou com fome e eles são comida para mim — dou de ombros. — Se quiser, pode ficar com as batatas, então.
Ele abre a boca, como se estivesse prestes a aceitar, porque projeta o corpo levemente para frente. Mas então sua expressão se fecha e ele abana a cabeça outra vez.
— Não, obrigado. Boa noite, Jisung — e se vira para ir andando pelo breu outra vez. — E se eu fosse você, arranjaria um local coberto para ficar. Vai chover durante a madrugada.
— Obrigado — respondo. — Mas você não acha que...
Mas ele some no breu antes mesmo que eu termine de falar.
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