Capítulo Quatro


Embora eu não deixe a barba crescer, já sou um homem. Eu devo me virar sozinho. Devo aguentar ficar na carroça que me arrumam, devo aguentar ser empurrado pelos outros passageiros e aguentar os solavancos na estrada de terra para Ilmol South. Se o rei não ajeita as estradas com nossos impostos, que diabos ele faz? Espero que se alguém souber que pensei nisso, que me perdoe, eu estou com fome e suado e não conheço ninguém aqui. Só consegui me despedir de Jeno e da mãe dele pouco antes de ser jogado nesta porcaria de carroça caindo aos pedaços.

O homem que veio à hospedaria trabalha para a família Kim, se chama Jaehyun. Ele não queria ter de vir me pegar nem de bater boca com meus pais, e aparentemente só fica no castelo. Ele está bem mais à frente da carroça, no seu alazão bonito que com certeza foi um presente do Sr. Kim. Eu não sei quem são eles. Sei que administram negócios exteriores pelo mar, então certamente têm navios e muito dinheiro.

Se eles tiverem uma filha, pode ser bom. Posso tentar me aproximar dela, seguir o conselho de Jeno, arranjar alguém para casar e que possa me dar suporte financeiro. É ridículo pensar nisso, parece uma novela barata, mas é tudo que consigo pensar ensopado de suor e passando pelo paralelepípedo de Ilmol South. Queria saber em quais bandas Lucas está. Vai que nos encontramos em algum lugar?

A carroça para e um terço das pessoas descem na frente de um prostíbulo. Eu não quero saber o que irão fazer lá, mas um homem baixo faz um gesto para que entrem. E então a carroça volta a estar em movimento até os subúrbios de Ilmol South. A capital parece um mundo totalmente diferente. Eu já vim quando era mais novo, mas não gosto dela. Muitas pessoas e muito barulho, todo tipo de comércio e as mais finas e elegantes pessoas. De onde venho, como dito, o aluguel de cavalo é o negócio mais caro que temos. Aqui, as famílias mais ricas podem ter até contato direto com o rei.

As ruas são largas, o paralelepípedo pode fazer pessoas acostumadas com a grama e a terra demorar um pouco para se acostumar. Pessoas como eu. Algumas carroças menores estão cheias de frutas pequenas e sem graça, algumas murchas até. Há comércios que vendem perfumes, há alfaiates chamando clientela pelo grito, enquanto outros estão ocupados demais vestindo noivas para seus casamentos. Especiarias são vendidas em pequenos quitandas e eu juro que nunca vi um peixe tão grande sendo carregado pelas ruas como estou vendo agora. Há uma escadaria, um grande arco duplo que forma uma passarela entre uma construção a outra, não sei se uma hospedaria restaurante.

Um homem tropeça num barril de carvalho em frente a uma taberna. Mesmo de fora, consigo espiar que lá dentro emana vida e muita bebedeira. Uma jovem experimenta um lenço na cabeça e a mãe parece aprovar. Enquanto isso, a carroça segue como se estivesse indo para longe do centro de Ilmol South.

Com mais espaço, eu consigo me segurar melhor e passo a encarar o céu, já cansado de tanto sacolejo. Quando a carroça para outra vez, estamos num local lindo, extremamente lindo. Jaehyun está sobre o cavalo ao lado da carroça e balança a cabeça como quem diz "sai daí". Eu me levanto e num pulo saio da carroça, porém fora tanto tempo sentado com as pernas dobradas que elas ficam bambas e doem no instante em que piso no chão. A carroça segue sem nós e percebo que estamos na entrada de um casarão gigante, parece um castelo.

Passamos direto pelos guardas que usam o brasão dos Kim e uma armadura de ferro, seguimos pelo caminho até o jardim que tem tantas flores que sequer vi na vida. Um lago de cines enfeita a frente do casarão, que tem árvores médias ao redor, perfeitas para descansar sob a sombra. A estrutura da casa se assemelha a um castelo, mas não acho que seja grande o suficiente como um, embora caiba pelo menos cinco hospedarias do tamanho da que temos em Little Tawo. Eu apenas seguro uma trouxa com algumas roupas num saco de pano, a textura contra meus dedos dizem que não estou sonhando, isso é real. Estou num local que nunca achei que teria acesso.

O telhado da casa é de duas águas, de cerâmica, acima dos prováveis cinco ou seis andares. A área é grande, como se a casa fosse um espaço aleatório jogado no meio da paisagem natural, como uma flor solo tentando desabrochar mesmo em meio ao repúdio. Em todas janelas há jarros de flores para decorar, e parecem serem as flores do jardim, porque são vermelhas e brancas. Deve ter lírios e tulipas. Eu gosto de lírios, porque uma vez o vi no cabelo de uma moça e desde então nunca esqueci.

Criados andam aqui e ali, mas não aparentam tanta pressa. Levam objetos e tecidos caros, roupas sujas e comidas. Alguns alimentam o casal de cisnes do lago e até consertam um banco ornamentado num pergolado próximo ao lago. Atrás da casa, lá no fundo, há vários quilômetros, dá para ver, há um rochedo que certamente leva ao mar.

— Eu vou te levar à governanta — Jaehyun fala comigo e só agora me lembro da sua existência. Ele costuma andar sem fazer barulho e essa é uma informação que devo guardar.

Atravessamos a grande varanda lateral do casarão até entrarmos pela cozinha. Ele me apresenta à Salli, uma mulher com o dobro da minha idade, com cara de cansada, sendo a pessoa responsável por administrar os criados. Ela diz que irei limpar os corredores, servir os senhores e, caso haja, convidados à mesa e ser ajudante pessoal do primogênito da casa: Kim Doyoung. Dessas tarefas, a pior é ajudar Doyoung. Não há algo pior do que ter que ser cordial com primogênito de rico, porque todos eles são os demônios vivos na terra em termo de senso, educação e humanidade. Minha sentença começou. Eu sorrio fingindo que estou bem.


Como esperado, a pior parte de ficar na casa da família Kim é ter de ajudar Doyoung. Segundo Salli, terei de encher a banheira para o tal Doyoung antes que ele volte do turfe. Ela comentou que ele pode estar com as coxas assadas devido ao cavalo, por isso ainda pediu que eu levasse uma pomada para ele. Ok, aqui estou eu nos aposentos dele e nem sei por onde começar, porque a banheira dele é maior do que as banheiras da hospedaria.

Minha tortura começa com eu indo e voltando do poço diversas vezes para encher essa droga. Na minha terceira volta com o balde cheio para jogar na banheira, noto uma certa movimentação nos aposentos do jovem Kim. Até perceber, no caminho para a banheira, que talvez ele esteja aqui e eu não consegui encher a tempo.

— ... não, shh — escuto algum homem falar. — Onde você conseguiu?

— Com aqueles meninos que ficam perto da Alfaiataria Encanto Suave. Eu notei o tecido roxo ao redor do braço e abordei. Sem o cara de sempre fica complicado, mas já conversei com um dos moleques ali na frente da Alfaiataria e eles vão trazer mais para nós — uma outra voz masculina fala desta vez.

— Vem, vamos dividir — há uma movimentação que vejo atrás da pilastra. Acho que eles ainda não me viram e se eu não me mover, também não irei vê-los. Quartos de pessoas ricas parecem ter dois ou três cômodos dentro de um só.

Eu deixo o balde no chão suavemente, não sei o que fazer diante dessa situação. Escuto um barulho de algo na madeira, como se estivesse cortando leguminosas, porém bem devagar. Depois, uma pausa. Eu dou alguns passos à frente e saio da área de refeição, consigo ver dois rapazes na escrivaninha curvados, com os rostos próximos à madeira maciça.

Quando levantam o tronco rapidamente, fungando, eu já sei do que se trata. Escondo-me atrás de uma parede para que não me vejam, porém um espelho na parede em frente à minha que me permite ver o que estão fazendo. De repente, tudo acontece: os olhos deles, antes castanhos, começa a brilhar e se tornar  púrpura, entre magenta e violeta. Eles sorriem com a façanha, como se já soubessem aonde isso vai dar, como se esperavam que de fato acontecesse. O brilho é quase irreal, parece irromper como se fosse dono do mundo, porém de maneira natural e diluída. Ele diminui a medida que o tempo passa e os olhos se enchem d'água. Quando a primeira lágrima desliza pelo seu rosto, está roxa, mas não de um jeito esquisito ou falso. Parece que... é perfeito. Parece ser perfeito, como se... fosse assim de verdade.

Sinto meu corpo ficar mais leve, quero ir ver como funciona, quero saber como aquilo pode nos mudar, como pode me mudar. Dou outro passo a frente, pensando que se eu me aproximar, talvez eu tenha as respostas, talvez as lágrimas digam o que há de errado comigo ou como consertar tudo... e se eu for lá e...

Um barulho de algo pesado caindo do lado de fora da casa me assusta e chama a atenção do que estava prestes a fazer. Eu estava atraído a usar essa coisa? Sem pensar duas vezes, dou meia-volta e deixo o quarto o mais rápido possível.

— Eu literalmente tropecei no balde e bati de cara no chão — Doyoung grita comigo pela terceira vez após eu voltar aos aposentos dele para terminar de encher a banheira.

Fiquei fora por cerca de uma hora, pensando no que fazer a respeito. Na verdade, foi mais eu fugindo da responsabilidade do que lamentar que o filho mais velho da família Kim, que emprestou dinheiro aos meus pais e agora está me escravizando, provavelmente é viciado em chifre de unicórnio. Foi a minha primeira vez vendo aquilo e eu quase caí na tentação de usar também. Agora, consigo ver um leve rastro roxo no seu rosto, se não fosse pela limpeza e provável maquiagem que ele pôs por cima.

— Desculpa, senhor — eu abaixo a cabeça.

Ele deve ter aproveitado muito o chifre, porque tropeçou num balde que estava no canto de uma área que nem era de grande circulação. Simplesmente a ponta do guarda-roupa. Ninguém vai ali a não ser que esteja realmente doidão.

— Eu não quero desculpas. Qual o seu nome mesmo?

— Jisung.

— Pois então, Jisung, espero que seja trezentas vezes mais atento agora — ele me dá um empurrão no ombro direito. Continuo com a cabeça baixa.

Doyoung é só um pouco mais alto que eu. É bonito, o cabelo preto é curto, porém ele usa bastante dourado na roupa: uma jaqueta, uma camisa que deveria estar bem amarrada na região do peito, porém está solta. A calça é de um tecido que não conheço, porém sei que é caro devido a textura que aparenta. Eu quase senti falta da bainha da espada, mas ela está sobre a escrivaninha.

— E prepare logo o meu banho — continua Doyoung, com mais um empurrão. — Eu vou sair e quando eu voltar, quero encontrar pronto.

— Quando o senhor irá voltar?

— Não é da sua conta.

Respiro fundo para não revirar os olhos.

— Sim, senhor — concordo.

Se eu não conseguir fugir deste lugar, espero que algo aconteça e me liberte. Quando Doyoung passa por mim, me dando uma cotovelada, eu tenho certeza de que se essa for a minha rotina, eu vou acabar com a mão na cara dele.

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