Capítulo Cinco
A primeira semana tem sido infernal: Doyoung é um lixo de pessoa, todo dia é preciso trocar as flores dessa casa e eu definitivamente detesto me livrar da água do banho de Doyoung e mais ainda ter de lavar as escadarias do casarão. No entanto, não há nada melhor do que uma boa e velha fofoca de criados. No meu terceiro dia, comendo na cozinha descobri que a família Kim não está tão bem financeiramente e acho que é por isso que decidiram cobrar todos que estavam devendo eles — e acredito que isso inclui meus pais.
Acabei de trocar a roupa de cama de Doyoung e como ele está fazendo sabe-se-lá-o-quê com os amigos dele, esse é o momento que vou descansar no meu dormitório compartilhado — eu durmo na alcova de um pequeno aposento com mais outros dois criados.
— Jisung! — escuto a voz de Salli atrás de mim e me viro para receber mais uma tarefa. — Sr. Kim está com um convidado no escritório dele. Prepare um Borichá para eles e sirva.
— Sim, senhora — me direciono para a cozinha.
Felizmente, preparar um chá de cevada é o menor dos meus problemas. Ainda tenho que dar um jeito de sair um pouco daqui, encontrar Lucas e ver se consigo entrar em contato com meus pais. Como não tenho dinheiro para comprar uma pena e matéria de escrita, creio que posso roubar de Doyoung nessas suas saídas diárias e conseguir alguém para entregar para mim, o que seria difícil, porque nem dinheiro para pagar essa pessoa eu tenho.
Queria explorar Ilmol South também, porém não deixo a propriedade para nada. Talvez possam me deixar sair para acompanhar Doyoung, no entanto duvido que seja tão cedo assim. Jaehyun me olha pelo canto do olho quando me vê passar. Acho que ele teme que eu fuja. Eu realmente gostaria de fugir.
Preparo o chá rapidamente, confesso que não estou dando meu melhor. Não sou eu que faço questão de estar aqui; muito pelo contrário, eles insistiram tanto para que eu viesse. Se sou incompetente, talvez a culpa não seja inteiramente minha.
— Entre — Sr. Kim fala de dentro do escritório assim deixo batidinhas na porta.
Abro a porta com a bandeja na mão esquerda e me dou de cara com um local da casa que ainda não tinha entrado. Aqui tem tantos livros, miniaturas de navios e mapas que talvez seja o local mais surreal daqui. Me distraio com alguma ilha remota num mapa que pende ao lado da porta. Sr Kim dá um pigarro para chamar minha atenção.
Viro-me para eles e me curvo para deixar o pires com as xícaras sobre a mesinha de centro. Com minha ação habitual, eles sentem que podem continuar a conversa de outrora.
— O que eu estava falando é que precisamos disso — Sr. Kim começa. — Se uma droga de sereia tivesse sido capturada, se é que existem, poderíamos ter sucesso, afinal o que não nos falta é homens no mar que sabem explorar o oceano de cabo a rabo. Mas unicórnios...
— Pois é — o homem barbudo que está com o Sr. Kim concorda num movimento da cabeça. Enquanto isso, eu sirvo ambas xícaras com o chá vagarosamente. — Veja. Ficam na floresta e você bem sabe que não temos pessoas de confiança para isso. Pelo menos, não ainda. Mas acha que entregar um unicórnio ao rei seria uma boa ideia para mostrar a potência da família Kim?
— Há tempos o rei está querendo entender as criaturas — Sr. Kim pega a xícara da minha mão. Para ouvir por mais tempo a conversa, eu derramo um pouco de chá na mesa e finjo que foi sem querer. Ele apenas bufa com raiva e resmunga alguma coisa sobre eu ser incompetente, porém continua a falar. — Ouvi dizer até que coleciona chifres, mas ainda não tive a chance de ver. Daqui a duas onzenas teremos um banquete com as principais famílias, afinal o príncipe herdeiro quer casar e acham que poderão anunciar o noivado na ocasião. Temos uma boa relação com a Coroa, mas desde que o quarto navio naufragou, meus negócios não andam bem. Desse jeito, podemos não só falir como também perder pontos com a família real, que utiliza os produtos que importamos de tão longe. Oferecendo um unicórnio ao rei, podemos ter dinheiro e valorização dele.
Entrego a xícara cheia ao convidado e termino de limpar a mesa. Após me curvar, saio do escritório e volto para a cozinha. Enquanto lavo a chaleira, vou pensando no que posso aprontar com essa informação. Eu quero sair daqui, porque estou trabalhando de graça, sendo que quero dar menos dor de cabeça aos meus pais. Talvez eu possa ter duas coisas ao mesmo tempo.
Enxugo as mãos na minha roupa, um longo tecido liso na parte superior e uma calça justa preta. Eu sei o que estou para fazer e sei que meus pais odiarão isso, porém é a única coisa que consigo pensar para nos livrar desse areia movediça. Seleciono pães árabes que o Sr. Kim tanto gosta e sigo meu caminho.
Em poucos minutos, cá estou eu outra vez em frente ao escritório do Sr. Kim. No corredor há uma grande janela, que dá pra a frente da casa, o enorme jardim, o lago de cisnes e os salgueiros. Consigo ver os lírios brancos desabrochando no calor e carinho da primavera. Eles me lembram que eu posso um dia ter uma vida só minha. No entanto, escolher como viver é um privilégio que não pude nem posso ter. Estar entre esses corredores é como enfiar um pedaço de pau na ferida. Minha dor é branda e eu queria pelo menos fazer algo, algo espetacular.
Jeno me disse que, para ter o que comer, onde morar e o que vestir, eu deva fazer algo extraordinário ou me casar com alguém rico. Eu não quero me casar com Doyoung e, honestamente, não acho que eu seja capaz de fazer algo extraordinário. O que me sobrou foi o desespero. E é o desespero que me acorda para vida no instante em que o convidado do senhor da casa sai do escritório se despedindo e é acompanhado por outro criado até a saída.
Eu entro no escritório para recolher as xícaras e deixar o pão. Ele nada diz, ainda está sentado na poltrona, tamborilando os dedos na perna como se pensando em alguma coisa.
— Senhor — eu digo. — Perdoe interromper.
Ele demora para se dirigir o olhar a mim.
— O que é?
— Não pude deixar de ouvir a conversa com o convidado — engulo em seco e aperto a bandeja com mais firmeza. — Mas creio ter o que o senhor precisa. Sabe, eu sou Jisung...
— O moleque da família Park, aquela da hospedaria? — ele me interrompe e suas sobrancelhas não parecem amigáveis. Ele está zombeteiro, pelo tom de voz. A maneira como pronunciou aquela hospedaria disse demais.
— Sim — aquiesço. — Eu sou de Little Tawo. Naquela região, há alguns anos, foram encontrados unicórnios dentro da floresta. Embora poucos ousem se aventurar lá, eu cresci por ali e sei andar. Caso o senhor queira, eu posso caçar o unicórnio que precisa para impressionar o rei.
Sua expressão é de confusão, ele descruza as pernas e põe ambas mãos nos descansos de braço da poltrona marrom. Ele está desconfiando da minha proposta. Não é bondade, se é que ele quer saber. Eu não sou bom.
— Sua família me deve bastante e é por isso que está aqui. Por que quer ir atrás de um unicórnio por mim?
— Porque aí ficaríamos quites — sento-me na poltrona do convidado. Um pequeno sorriso ladino corta o canto dos meus lábios. — O senhor me libera do trabalho e esquece a dívida dos meus pais. Além disso, se patrocinar a hospedaria, seria muito bom para a imagem da sua família, afinal ela estará cheia de pessoas à procura de unicórnio na região. Claro, isso se... — faço uma pausa dramática, olhando ao redor do escritório por alguns segundos até parar nos olhos nele. — Se o senhor concordar, óbvio.
— E se eu não concordar?
— Eu trabalho por um ano, mais um navio naufraga e outra família traz ao rei outro presente, talvez mais chifrin que um unicórnio, só que mais valioso do que mãos vazias. Não é?
Ele parece pensar no assunto, porque desvia o olhar para a mesinha de centro.
— Como posso confiar em você? Pode simplesmente fugir e voltar para aquela hospedaria.
Aqui está ele de novo com "aquela hospedaria", num azedume de tom. Suspiro. Eu não vou responder sobre isso.
— Eu conheço aquela área e preciso mais disso do que o senhor. Tudo que quero é resolver nossa pendência. Eu entro na floresta, que já conheço, e procuro por um unicórnio. Já foram achados vários unicórnios lá, o senhor sabe muito bem. Só pararam de explorar porque pessoas de fora decidiram se aventurar por onde não conheciam. Mas eu conheço mais do que ninguém.
— Então precisaremos de um prazo — ele se levanta repentinamente.
Seus passos pesados o levam até a mesa de mogno maciço, repleta de pesos de papel, papéis, objetos decorativos de cerâmica e uma bússola preta com o brasão da família na tampa. Ela me chama a atenção, porém desvio o olhar. Sr. Kim senta-se na sua cadeira e puxa um papel e uma pena. Ele escreve algo que não consigo ver o que é, porém reconheço ser uma assinatura.
— Você deve voltar em 18 dias com o unicórnio intacto — ele passa o papel para mim. — Senão eu tomarei a hospedaria e, tenha certeza, a primeira coisa que farei será destruí-la.
— Eu vou voltar — olho a folha. Ele criou uma espécie de contrato, um trato para garantir que terá o que quer. Eu quase sorrio ao assinar meu nome. Claro que ele seria esperto o suficiente. — Mas, para isso, preciso de alguns suprimentos e armas.
— Vou mandar Salli te ajudar com isso — abana a mão no ar desprezando a importância disso.
Ora, não é ele que irá morrer de fome ou vítima de algum animal se não tiver o necessário numa bolsa.
— Você parte pela manhã bem cedo amanhã. E se você morrer...
— Eu não vou morrer. Tenha certeza. Não irei.
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