Capítulo 8
Descobri algo durante essa viagem até Morningh... Descobri mais do que apenas uma coisa. Primeiro; que cavalgar é incrível, mas somente durante um dia. Segundo; que não é nem um pouco emocionante uma jornada de seis dias, passa a ser entediante e cansativa na companhia de desconhecidos. Terceiro e mais importante; que não há nada mais precioso do que um banho descente.
Nesses dias só tive a sorte de quatro banhos, o que me deixou extremamente irritada. E nas únicas vezes que consegui esse privilégio foi em algum riacho ou cachoeira, tendo que me manter alerta para algum bisbilhoteiro. No entanto, qualquer um que tentasse me espiar estaria morto antes que visse demais.
Há mais mulheres em nosso companhia, já que no Desert todos somos tratados como iguais, no entanto, elas já estão acostumadas com essa vida. Eu sou a única que está irritada com essa situação, e pensar que terei de enfrentar o mesmo ritual na volta para casa. Por varias vezes me amaldiçoei por não ter permitido que Eylem nos acompanhasse, porém, sei que o que a encarreguei de fazer durante minha ausência é fundamental para uma possível aliança.
Não duvido que minha mãe, ou até mesmo Ettore, matariam Thierry assim que eu virasse às costas. Se isso acontecesse tenho certeza que Kian cumpriria sua promessa, e isso só resultaria em uma guerra tola. Minha mãe sabe disso. Ela preferiria uma guerra a uma aliança com Morningh. Entretanto, eu sei quando devemos deixar nosso orgulho de lado e unir forças contra algo maior.
O que está prestes a chegar é maior que toda a magoa e rivalidade de nossos povos. Por algum motivo Meliha quer os Pylares dos deuses, e a única utilidade dele é abrir os portais do submundo. Quando os deuses forjaram os Pylares, eles presentearam as cinco maiores e mais poderosas nações da terra, com o único objetivo de nos fazer um povo unido.
Os Pylares é um portal para o submundo, uma forma de rever um ente querido, ou trazer forças desconhecidas para nosso mundo. Os deuses separou esse objeto, dando um Pylar a cada líder de sua nação, sendo que eles só podem ser unidos em uma ordem especifica a cada lua cheia, formando uma estrela. Isso serviria para que houvesse entendimento entre os povos, que sempre nos manteríamos unidos, com uma força escondida que derrotaria qualquer inimigo que ousasse nos desafiar.
Agora Meliha quer trazer essas forças para usar contra nós, já que quem invoca os seres é aquele que o domina, por isso os cinco líderes deveriam fazer o ritual juntos, para terem controle igualmente. Só não sabemos o que ela irá tirar de lá, pois nunca houve união entre os povos, sempre fomos gananciosos para dividir tal poder. No fim cada um escondeu seu Pylar, e jamais os uniram.
Kian parece não saber desse fato, ou consegue manter uma calma inexplicável diante do possível fim de uma era. E ao contrario de mim, o rei não parece nenhum pouco abalado com a viagem, o que me faz sentir uma tola por achar que ele estava odiando tudo isso, e que desejava o conforto de seu castelo. Nem mesmo a chuva que enfrentamos pouco antes de chegar em Alphard o abalou.
Alphard... Não conhecia a cidade, e confesso que fiquei meio impressionada, contudo não deixei transparecer. Não quero que Kian me veja deslumbrada como uma criança vendo algo novo. Embora realmente seja tudo novo para mim, todavia, preciso me manter centrada em meus objetivos.
A cidade era bem acolhedora e colorida. Havia tendas com lonas coloridas, nas quais vendedores de diferentes idades exibiam produtos dos mais raros aos mais exóticos. Crianças corriam despreocupadamente pelas ruas calçadas e sem lama ou neve — diferente do Desert.
Percebi que o que diferenciava Alphard do Desert era o sol e as cores. Enquanto em Alphard tudo parecia cheio de cor e felicidade, no Desert era sempre cinza e escuro. Não que não fossemos felizes lá. Somos o povo mais alegre que já conheci em minha pouca experiência nesse mundo. Porém, nunca vimos um céu sem nuvens, onde apenas o sol brilhava com seus raios vermelhos. As construções apesar de aconchegantes são sem cores, assim como nossas roupas, que sempre são couro ou alguma cor escura, além de serem pesadas e grossas devido ao frio.
Neste exato momento estávamos em um caminho iluminado pelos raios dourados do sol, árvores com flores roxas e vermelhas ladeavam a trilha — a entrada da cidade capital de Morningh. O que me fez lembrar que no Desert não crescia flores, a neve e o gelo não permitem que floresçam.
Como se repentinamente uma voz soprasse em meus ouvidos que estava a alguns minutos de rever meu pai, meu coração acelerou. Alcancei Kian que estava à minha frente cavalgando silenciosamente.
— Quero ver meu pai imediatamente — disse atraindo sua atenção.
Kian não respondeu, tampouco me olhou.
— Entendo sua ansiedade em revê-lo, mas estamos cavalgando desde o amanhecer — ele disse calmamente depois de alguns segundos intermináveis. — Deveria descansar primeiro, comer algo e precisa de um banho — ele me lançou um rápido olhar.
Se não fosse a raiva por Kian ter dito para que eu esperasse mais para rever meu pai, eu teria ficado envergonhada por ele ter dito que eu precisava de um banho.
— Não preciso descansar — disse entre dentes.
— Seria preferível que você esteja em perfeitas condições ao falar com ele — Kian disse casualmente. — Ou prefere correr o risco de desmaiar de fome na frente dele? — ele arqueou uma sobrancelha.
Trinquei os dentes para conter o ódio que invadiu meus sentidos, antes que eu desmoronasse e acabasse o congelando antes de cruzarmos a entrada da cidade.
— Não se preocupe — Kian voltou a falar calmamente. — Ele não vai a lugar nenhum.
Não respondi, apenas continuei seguindo em frente. Raiva misturada a tristeza e ansiedade me consumiram até avistarmos um grandioso portão de ferro entre os muros alto de pedra.
Estava quase lá. Mais alguns segundos e veria meu pai. Olhei para o alto do muro e pude ver os soldados em suas armaduras prateadas guardando a entrada de Morningh. Assim que nos avistaram pude ouvir os sons metálicos e o ranger do portão sendo aberto.
Os soldados de Morningh seguiram na frente, Kian continuou ao meu lado, e alguns de seus homens permaneceram perto de seu monarca, talvez temendo que fossemos idiotas para tentar mata-lo em seu território. Os guerreiros Drak seguiram atrás de mim guiados por Howard, Bert se manteve pouco centímetros afastado de onde eu estava.
— Bem vinda à Morningh — Kian disse ao meu lado assim que cruzamos o portão.
Fomos recebidos por um aglomerado de pessoas que se empurravam e gritavam saudações a seu rei. As ruas estavam lotadas de pessoas de diferentes idades, me permiti observar as construções, e percebi que em alguns lugares elas eram decadentes, algumas até apresentavam sinais de rachaduras e telhados quebrados — a parte pobre da cidade.
De acordo que avançávamos para o centro da cidade as construções iam tomando formas mais requintadas e elegantes, passamos por um amontoando de barracas onde comerciantes vendiam seus produtos, no entanto, eles pararam seu trabalho e se juntarão a multidão que comemorava a volta de seu soberano.
Enquanto Kian recebia olhares de admiração, e despertava suspiros nas jovens que se empurravam a fim de conseguir um segundo de sua atenção, eu encontrava olhares curiosos e assustados das pessoas. Não os culpo. Talvez saibam quem eu seja, e mesmo se não, eles já viram nossa estandarte e perceberam que somos do Desert de Neu, que somos guerreiros Drak, antigo aliado de Morningh, mas agora inimigos.
Seguimos em silencio, rumo ao castelo. Kian não sorriu ou acenou para a multidão como imaginei, ele se manteve serio e pensativo durante todo o trajeto. Algo parecia incomoda-lo. Outro portão de ferro foi destrancado, revelando o pátio do castelo — uma construção enorme e hipnotizante.
Kian desceu de seu cavalo e se aproximou do meu segurando a rédea de minha montaria me oferecendo a mão para me ajudar a descer.
— Eu sei descer de um cavalo — resmunguei recusando sua ajuda já descendo da sela.
— Só estava tentando ser educado — ele fez uma careta. Ignorei seu comentário.
Em segundos Bert e Howard se posicionaram ao meu lado como duas sombras. Kian se aproximou de um guarda com uniforma preto como o que Thierry usava.
— A senhora está bem? — a voz de Bert chamou minha atenção.
Estava olhando fixamente para as portas do castelo, imaginando se eu entrasse correndo por ela quanto tempo levaria até encontrar meu pai. A ideia parecia tola, já que o lugar era enorme, e eu não sabia como era por dentro, provavelmente me perderia e não o encontraria.
— Estou sim — respondi.
Um nó se formou em minha garganta, e de repente respirar se tornou impossível. O sol estava se pondo, e a angústia em meu peito aumentou. Ele estava tão perto. Como Kian teve a ousadia de me pedir para esperar?
— O comandante Baldwin irá providenciar as acomodações de seus homens — Kian disse voltando a me despertar de meus devaneios. — Somos ótimos anfitriões, não deixaríamos vocês acampados a céu aberto em um lugar desconhecido — seu tom foi extremamente sarcástico, e sua indireta não passou despercebida.
— Tínhamos motivos o suficiente para desconfiar de vocês — quase gritei.
— Também tenho motivos para não confiar em vocês, e mais ainda, estou correndo mais risco que vocês, já que podem congelar essa cidade se quiserem — Kian sibilou.
— Que bom que se lembra desse detalhe — quase sorri.
— Isso é uma nova ameaça? — ele arqueou uma sobrancelha.
— Um lembrete — dei de ombros.
— Vão aceitar as acomodações, ou são bons demais para isso — ele foi sarcástico.
— Tudo bem — assenti contendo um xingamento. — Howard, Bert — os chamei. — Vocês estão encarregados de mantê-los sob controle.
— Sim senhora — Bert assentiu.
— Mas e quanto a senhora? — Howard questionou. — Não que eu esteja dizendo que precisa de alguém para mantê-la sob controle — ele se adiantou. — É que...
— Não se preocupe eu sei me cuidar sozinha — respondi secamente.
— Eu não vou feri-la — Kian se intrometeu.
— É nosso dever...
— Me obedecer — cortei a fala de Howard. — E eu lhe dei uma ordem espero que a cumpra.
— Sim senhora — ele respondeu.
— Ótimo. Podemos ir? — me virei para Kian.
— Por aqui — ele apontou para a direção da entrada do castelo. Então o segui.
Não gosto de ser rude com meus soldados, porém, o fato de Howard ser um espião de minha mãe me faz querer mantê-lo longe.
Entramos em uma ampla sala, assim que cruzamos a porta fomos recebidos por uma fila de criados, todos em simples uniformes em tom de marrom e preto. Eles se curvaram em uma longa e entediante reverencia diante de Kian.
Enquanto o rei falava algo com uma mulher baixa e um pouco gorda, que trajava um vestido vermelho simples, mas elegante o suficiente para que eu reparasse que seu cargo no castelo fosse mais alto do os dos demais, me permiti olhar à minha volta.
A sala era grande o suficiente para acomodar centenas de pessoas, havia vasos com plantas verdes em alguns cantos, as paredes eram de uma tonalidade amarela com detalhes dourado. Alguns quadros estavam dispostos nas paredes — todos os antepassados de Kian, notei pela cor dos olhos. O piso de mármore azul estava perfeitamente polido e encerado, uma escada conduzia ao andar de cima.
— A senhora Ayers a levará até seus aposentos — Kian parou à minha frente.
— E quanto ao meu pai? — quis saber.
— Conversaremos mais tarde sobre isso. Como eu disse descanse primeiro — ele respondeu. Mas em nenhum momento olhou em meus olhos.
Apesar do calor insuportável — e estar usando um casaco de couro não ajudava em nada —, senti um calafrio percorrer meu corpo. Não estava gostando do tom de voz que ele passou a usar desde que chegamos aqui.
— Tudo bem — concordei.
— Senhora Ayers esta é Atali Balts líder e herdeira do Desert de Neu — Kian disse para a mulher que se curvou em uma reverencia para mim, no entanto seus olhos estavam alarmados. — Ata... Senhora Bal... Que droga — Kian praguejou baixinho. — Como deveria chama-la? Majestade?
Arquei uma sobrancelha. Poderia pensar que ele estava zombado de minha cara caso seu semblante não revelasse que ele estava realmente confuso.
— Senhorita Balts? — ele tentou novamente.
Nem eu mesma pensara nisso. Senhora geralmente é usado para mulheres casadas ou viúvas, entretanto, meus soldados me chamam assim, porém é por respeito a sua superior. Majestade? Bom... Eu era líder e herdeira do Desert, mas não tínhamos títulos como rainha ou rei. Apenas Atali, era íntimo de mais para um desconhecido.
— Senhorita Balts está ótimo — respondi como se não estivesse com dúvidas também.
— Senhorita Balts — ele prosseguiu satisfeito. — Esta é a senhora Ayers, encarregada dos empregados e de tudo que se diz respeito a ala doméstica do castelo.
A cumprimentei com um rápido aceno de cabeça.
— Nos vemos mais tarde, então falaremos sobre seu pai — ele disse.
Não respondi, apenas segui a mulher escada acima. Por instinto minha mão se agarrou ao punhal preso na lateral de meu corpo, e me arrependi amargamente de ter entrado sozinha na casa de meu inimigo.
Acho que minha mãe acertou. Eu cai em uma armadilha.
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