Capítulo 6
Dois segundos, foi o tempo necessário para que meu cavalo disparasse em meio as árvores. E Kian não demorou mais que isso para me seguir. Os enormes pinheiros não eram eficientes para nos esconder, diferente das árvores menores e arredondadas da Floresta Cinza.
Olhei para trás na esperança de que a bruxa e o Dain houvesse nos seguindo, permitindo assim, que nossos exércitos escapassem. No entanto, tudo que avistei foi o rei de Morningh centímetros atrás de mim, o rosto pálido e os olhos atentos no caminho à frente, nenhum sinal dos nossos perseguidores.
Sumiram em meio as árvores, ou voltaram para alertar o resto das bruxas sobre nossa presença. Foi fácil imaginar um exército Colchi nos cercando, pensar como seria para os irmãos demônios sugar nossas almas foi mais fácil ainda. Se um deles estava aqui à poucos segundos atrás, os outros dois não estão longe. O que significa que a líder das Colchis também está perto. Dizem que ela é tão cruel quanto Meliha, porém seus métodos não são tão sangrentos — são piores que isso.
Puxei as rédeas de meu cavalo o fazendo parar imediatamente, Kian fez o mesmo segundos depois. Ele alinhou seu animal ao lado do meu, os olhos buscando em meio a floresta silenciosa por qualquer sinal inimigo. Contudo, os únicos sons que ouvimos foram o do rio há alguns metros de distância, e barulho de pássaros .
— Onde eles estão? — Kian sussurrou.
Silêncio. Nenhum grito de homens desesperados, o que significa que eles não foram atrás de nossa comitiva.
— Você não deveria ter vindo — respondi. — Você não imagina o que iremos enfrentar.
— Para começar, não deveríamos ter entrado naquele lugar — ele sibilou. — E não sou idiota, eu sei o que são eles.
— Ótimo, então sabe o que vão fazer conosco?! — rebati irritada.
— Pensei que tinha ouvido você dizer que sabia o que estava fazendo.
— Sabia, até você resolver me seguir e arruinar meu plano.
— Você...
— Quieto — o silenciei.
Um barulho de galho se partindo chamou minha atenção, olhei para frente ao mesmo tempo que Kian. Entretanto, o que procurávamos não estava lá.
Fui jogada de cima do cavalo tão rápido quanto bati com a cabeça em um tronco velho de árvore que estava próximo. Minha visão se tornou turva e minha cabeça latejou. Lutando contra a dor, me coloquei sobre os pés, a menos de dois metros a bruxa me encarava furiosa.
A criatura se pôs entre mim e o rei que cogitava descer do cavalo para me ajudar, ou provavelmente fugir, já que teria de passar pela criatura. A bruxa continuava com os olhos em chamas, as finas ramificações negras em seu rosto bronzeado, os cabelos prateados, agora estavam quietos no lugar, e não flutuando ao seu redor.
— Ele é todo seu — ela olhou para o ser de trevas que encarava o monarca. — Eu irei cuidar dessa vadia, temos contas a acertar — ela virou o rosto, revelando um corte na bochecha esquerda, de onde sangue negro saia.
Droga — xinguei mentalmente. Colchis são estupidamente preocupadas com a aparência física.
Olhei para Kian que empunhava a espada na direção da criatura. Não sei quem estava mais encrencado, se eu ou ele que iria enfrentar um dos irmãos do submundo. Não era problema meu, Kian sabia no que estava se metendo quando me seguiu. Todavia, a parte que estava grata pela noticia de meu pai estar vivo, me permitiu sentir pena dele.
— Fuja — gritei para ele, que nem se moveu. — Idiota — disse quase inaudível.
Levei os dois dedos a boca e assoviei uma nota aguda e longa, o animal saiu em disparada quase derrubando o rei que estava despreparado. Agradeci a Bert por me ensinar esse truque assim que Kian desapareceu de minhas vistas. Porém, a criatura desapareceu em um rompante de fumaça negra, e eu sabia que ela o seguiria.
— Agora somos só você e eu — disse para a bruxinha.
A adrenalina que corria por meu corpo me impediu de sentir medo, porque, embora eu seja treinada em várias técnicas de combate, eu estava diante de um ser quase tão antigo quanto o próprio mundo. As coisas que ela já vira em sua imortal existência, eu jamais ousaria imaginar.
Saquei as espadas de minhas costas e caminhei em sua direção, a mulher puxou os dois punhais novamente e sorriu. O primeiro golpe que desferi em sua direção, ela o recebeu com maestria ao se defender, parando a primeira espada na altura de seu pescoço e a segunda na lateral de seu corpo, usando as adagas, um sorriso presunçoso surgiu em seus lábios.
Tão rápido quanto o primeiro, avancei um passo puxando as espadas e a girando no ar para o segundo golpe, ela recuou um passo e se abaixou quando as duas espadas cortaram o ar onde segundos antes sua cabeça estava. No entanto, ela demorou tempo demais para voltar a posição, tempo esse, que usei ao meu favor. O golpe de meu joelho pegou abaixo de seu queixo a derrubando no chão no mesmo instante.
Caída no chão, a bruxa ergueu uma das mãos até o rosto, quando ela me encarou novamente, sangue negro manchava sua boca. Um vento forte varreu as folhas marrons sobre os meus pés, semicerrei os olhos para evitar que algum cisco entrasse neles. A garota ergueu a mão ensanguentada em minha direção, e antes que eu pudesse entender o que ela estava fazendo, algo se enrolou em meus pés me jogando no chão.
Fui arrasta em meio as folhas e em seguida arremessada no ar em direção a uma árvore. Bati as costas em seu tronco caindo em seguida no chão novamente. Minha visão ficou embasada, minha cabeça latejava, e minha ira aumentou.
Pisquei algumas vezes para afastar a sensação nauseante, olhei em volta em busca de minhas espadas, mas essas estavam caídas ao lado da bruxa que agora estava de pé. Obriguei-me a levantar, o que fez meus ossos reclamarem, antes que eu pudesse ficar de pé, a garota ergueu sua mão novamente.
Me abaixei antes que um cipó acertasse meu rosto, porém, outro se agarrou em minhas pernas, me deixando pendurada de cabeça para baixo. A Colchi se aproximou lentamente com um sorriso satisfeito em seu rosto, parou à minha frente, e passou um dedo coberto de seu sangue sobre meu rosto, depois deu dois tapinhas em minha bochecha.
— Cerys irá ficar muito satisfeita quando eu a entregar em suas mãos — ela disse com certo orgulho em sua voz. — E mais satisfeita ainda com aquele possuidor de fogo. Talvez eu seja promovida — ela riu.
Espero que Kian não esteja morto, mas se estiver, será merecido. Provavelmente ele já esteja estripado em alguma árvore, será impossível vencer aquela criatura. Nem todos os nossos guerreiros mais poderosos poderiam, os Dains são imunes a tudo, menos ao fogo. E pelo que me lembro das historias que ouvi, são eles que deixam as Colchis mais fortes.
Os três irmãos demônios — escuridão, violência e mal. Seres vindos do submundo, criados pelo próprio Anaon, para espalhar o caos na terra. Dizem, que o deus do submundo se apaixonou por uma humana, uma humana surpreendentemente bela, cujos os cabelos eram prata como a lua. Ela era uma curandeira, que fora expulsa de seu lar por alegarem ser uma bruxa. Humilhada e violentada jurou vingança. Porém não tinha as armas para isso. Até encontrar o rei do mundo sombrio.
Temendo que ela morresse, ele lhe concedeu imortalidade e certos dons na magia. Mas seu maior presente foram os irmãos demônios, criados para servi-la. Para protege-la dos homens que habitavam a terra.
Com todos os dons adquiridos, ela montou seu próprio exercito, garotas burras demais para venderem a alma ao deus do submundo em troca de magia. Quanto o rito de passagem está completo seus cabelos se tornam prata como os de sua rainha. Depois de séculos, ele a levou consigo para seu reino no lago de chamas eternas, e elegeu uma segunda líder para às Colchis. Como tudo tende a ter um ponto fraco, o destino foi sarcástico com ela, sendo o fogo sua mais dura e cruel fraqueza.
E nesse momento amaldiçoei o deus Agnih por ter punido os Rein, retirando sua magia. Talvez tivéssemos uma chance, se Kian possuísse o dom de sua linhagem, mas nem mesmo o rei Taras teve tal honra concedida.
— Você está muito confiante — disse para ganhar tempo.
— Não sou eu quem está pendurada em uma árvore — ela sorriu.
— Mas como você mesma disse, o rei, é um possuidor de fogo. E fogo é sua fraqueza — blefei.
A bruxa passou uma unha sobre minha bochecha. Já estava começando a ficar incomodada com a situação.
— Mesmo que ele consiga passar por Caligen, não creio que ele cometerá alguma estupidez quando ver que você foi capturada.
Então esse é o nome de um dos irmãos — Caligen. Qual será os dos outros dois?
— Você está me subestimando — disse.
A sensação de ficar de cabeça para baixo é extremamente desconfortante, e só piora tendo uma bruxa sedenta por sangue preste a lhe matar.
— Me cansei de conversar com você — ela se virou de costas.
Caminhando a passos lentos ela foi até onde minhas espadas estavam caídas no chão. Observei ela pega-las enquanto eu materializava uma lamina de gelo nas mãos.
— Nem pense nisso — ela disse chamando minha atenção.
Fui arremessada contra outra árvore, o que fez a lamina de gelo cair. O cipó que estava amarrando minhas pernas, se soltou me fazendo cair de costas no chão. Senti algo quente em meu rosto, um gosto metálico invadiu minha boca — sangue. Tentei ficar de pé, porém, o esforço foi inútil.
A Colchi se aproximou novamente, no entanto, tudo que vi foi um borrão negro e prata acima de mim. Algo pressionou meu peito, me tirando todo o ar. Tossi engolindo sangue.
Só preciso respirar... A magia fará o resto — pensei. Contudo, respirar se tornou difícil. A bruxa mantinha um joelho em cima de mim, me prendendo com todo o peso de seu corpo.
*Respira... Se acalme... A magia se encarregará de curar os ferimentos internos — lembrei-me da fala de meu pai, durante um treinamento.
Lutando contra o cansaço, tentei fazer exatamente o que ele me instruiu. Não podia morrer. Não quando estava prestes a revê-lo.
Aos poucos minha visão se ajustou a claridade da floresta. O rosto da jovem bruxa estava tomando por veias negras novamente, ela posicionou um punhal em meu pescoço, e sorriu.
— Queria que minha rainha tivesse a hora te lhe matar, deixar com que ela descontasse sua ira em uma Drak. Seria uma grande distração, depois do que Meliha nos fez... — ela parou de falar, seu semblante mudou para arrependimento.
— Depois que Meliha fez o que? — questionei curiosa.
Estava preste a atravessar uma estaca de gelo em sua perna, entretanto me deixei levar pela curiosidade.
— Não é da sua conta — ela vociferou.
O vento soprou ao nosso redor, seus cabelos ondularam em volta de sua cabeça. Desisti da pergunta e atravessei uma ponta de gelo em sua coxa. Com um grito de dor, ela saiu de cima de mim. Me coloquei de pé já pegando minhas espadas que estavam próximas, rapidamente as enfiei na bruxa. Pude sentir o metal se enterrando em sua carne, cortando tecidos e veias. Sangue negro escorreu pela boca da bruxa.
— Você não pode me matar com isso — seu sorriso estava manchado de sangue.
— Não... Mas, talvez se eu separar sua cabeça do corpo, eu consiga tempo o suficiente para ir embora, antes que suas companheiras a coloquem no lugar — sorri.
Ela arregalou os olhos, fazendo com que eles ficassem vermelhos. Congelei as espadas até as pontas, o que fez a bruxa urrar de dor quando sentiu gelo cortar sua carne novamente.
— Talvez se você contar o que aconteceu aqui, eu seja misericordiosa — provoquei.
— Não sei do que está falando — ela sibilou.
— Ah, tenho certeza que sabe. Eu não sou idiota como está pensando. Quero saber porque mencionou o nome da Meliha? — a encarei. — Isso tenha alguma relação com o motivo de uma bruxa como você, estar vagando pela floresta na companhia de um Dains, e não ter mais nenhuma Colchis por perto?
Sabia que algo estava errado no exato momento que os vi. Colchis só andam em grupo de quatro, e os irmãos demônios só aparecem quando há algo extremamente errado.
— Vai falar ou não? — empurrei as espadas mais fundo, ela gritou de dor.
— Vá para o inferno — ela sibilou.
Fiz com que o gelo na lamina de minhas espadas formasse pequenas e afiadas agulhas, a bruxa gritou quando sentiu o gelo pontiagudo em seu interior. Sangue negro manchava a grama verde sob nossos pés.
— Diga logo, antes que você perca o valor para mim — alertei.
— Tomara que ela vá até seu lar, e os roube como fez conosco — um sorriso amargo surgiu em seu rosto.
— O que ela roubou de vocês? — indaguei.
— Não é da sua conta, vadia — ela cuspiu em meu rosto.
Fiz com que gelo se ramificasse no chão e subisse por suas pernas, a congelando até a cintura. Soltei as espadas deixando-as ainda presas em seu corpo, a bruxa tentou solta-las, arranca-las de si, mas foi em vão. Com a manga de minha blusa, limpei o sangue misturado a saliva que acertou minha bochecha.
— Quantos anos você tem? — perguntei curiosa.
— Por que quer saber? — ela me olhou com ódio.
— Porque você não luta como uma Colchi, não como as das histórias que eu conheço. E apesar de vocês serem imortais, você parece ser muito jovem e estupida.
— Vá se fuder — ela rosnou.
— Viu só. Está ai, sua imaturidade — sorri. — Me diga o que Meliha roubou e eu a deixo ir.
— Vai ter que me matar então — ela riu alto.
— Como quiser — respondi.
Com uma agulha de gelo, fiz um segundo corte em sua bochecha, ela tentou me acertar com as mãos que ainda estavam livres. Peguei seus braços no ar, os segurando firmemente.
— Ultima chance — disse.
Ela se debateu tentando se soltar. Me concentrei no sangue latejando sob sua pele, quando ela gritou, e gritou mais alto ainda, soube que funcionara. Congelei seu sangue, fazendo brotar agulhas de gelo que atravessaram sua pele. Uma técnica que aprendi com Howard.
— Você pode me dizer o que quero saber, ou posso continuar a fazer isso até não restar mais o que congelar em você — ameacei. Ela continuou em silencio. — Tudo bem então.
— O Pylar — ela gritou me fazendo parar com a mão próxima a seu pescoço. — Ela levou o Pylar sagrado de nosso templo.
Minha respiração parou.
— Há três dias atrás, ela invadiu nosso templo sagrado, e levou o Pylar.
— O que ela quer com ele? — me forcei a perguntar.
— Não sabemos. Mas, até eu sei que ele só pode ser usado juntamente com os outros quatro. Elas já possuíam o primeiro. O segundo ela pegou de nós. O terceiro — ela sorriu. — O terceiro está no Desert, no seu lá. E eles tem quer ser posto na ordem certa.
Ou seja... Ela irá para o Desert.
— Por que eu acreditaria em você?
— Eu não pedi para acreditar em mim — ela disse quase engasgando com o próprio sangue.
Meliha está juntando os Pylares novamente. Um calafrio percorreu meu corpo. Kian estava certo, ela pretende por um fim a essa guerra patética. E ela pretende vencer.
— Agora me solte — ela resmungou impaciente.
Puxei as duas espadas ainda com as pontas de gelos, a bruxa gritou de dor.
— Sua desgra...
O corte foi rápido e certeiro. A cabeça da garota caiu aos seus pés antes que ela terminasse o xingamento. Desfiz o gelo que cobria as espadas e as embainhei novamente às costas. Caminhei deixando o corpo congelado e a cabeça decepada da Colchi para trás. Segui na direção em que vi Kian desaparecer, clamei a Atali, e até mesmo a Agnih, para que Kian estivesse vivo. Pois iria precisar de toda a ajuda para deter Meliha.
Se ela quer os Pylares dos deuses, só há uma razão para isso. Meliha pretende abrir os portais do submundo.
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