Capítulo 17

— A evacuação já está quase completa — Vasti disse se recostando em seu assento.

— Ótimo — minha mãe falou enquanto tamborilava os dedos sobre a mesa.

— O comandante do sul chega hoje — Ettore se pronunciou. — Os dos outros vilarejos provavelmente chegam amanhã.

— Provavelmente? — perguntei incrédula.

Não havia tempo para "provavelmente", precisávamos de todos na vila o quanto antes melhor. Não há garantia de que Meliha venham na lua cheia, ela pode vir antes do previsto, e deveríamos estar preparados.

— Eles vem — Ettore se corrigiu.

— É bom que venham — tentei soar como uma ameaça e não uma suplica. — Eles receberam uma ordem e não um convite.

— Isso não aconteceria se tivéssemos um líder com pulso forte — minha mãe desdenhou.

— Não vou cair nas suas provocações hoje — a encarei —, temos preocupações maiores.

Ela apenas arqueou uma sobrancelha.

— Ariost — chamei o homem que permanecia calado desde o inicio da reunião.

— Em que posso ser útil? — sua resposta mostrou que apesar de calado, ele estava atento a tudo.

— Como estão os feitiços de proteção?

— Cuidei disso pessoalmente, está tudo pronto para serem acionados assim que os sinos soarem.

— Perfeito — sorri em agradecimento.

— Mas há um pequeno inconveniente — ele disse passando a mão sobre os cabelos grisalhos, a medida que sua fisionomia mudava para preocupado.

— E qual seria esse inconveniente? — minha mente foi tomada por preocupações antecipadas.

— Nossa magia está fraca, não poderemos manter os escudos por muito tempo.

— Só precisamos deles para retarda-los por um tempo — disse mais para mim mesma que para eles.

Apesar de nossa magia conjurar o gelo, podemos usa-la para feitiços básicos, porém eles requerem certos ingredientes.

— Quem irá proteger o templo? — Vasti perguntou, embora sua expressão revelava que ela já sabia a resposta.

— Meus guerreiros e eu — respondi.

Vasti apenas abaixou sua cabeça — um lamento.

Meus guerreiros eram os homens e mulheres que escolhi para minha armada pessoal, e isso incluía Eylem.

— Eu disse a ela que não...

— Todos temos um papel nessa batalha, e ela deve cumprir o dela — Vasti me interrompeu. — Não irei me opôr.

— Prometo que irei cuidar dela — disse na tentativa de tranquiliza-la.

— Obrigada.

— Bom... — ouvi a voz de Ettore. — Se isso for tudo...

— Ainda não — minha voz fez com que meu primo desistisse de se levantar.

— Acho que já acertamos tudo — minha mãe olhou-me, confusa.

— Quero a senhora e sua legião guardando a entrada da montanha — disse.

— Não — um sorriso presunçoso acompanhou a palavra.

— É uma ordem — a encarei.

— Que não irei acatar.

— Irá — a desafiei. — Porque a senhora sabe melhor que todos aqui, que devemos concentrar todas as nossas forças para defender o templo.

— Minha legião irá defender os muros — ela insistiu.

— Sua legião protegerá a Fortaleza Branca.

— Não...

— É minha última palavra — a cortei. — O clã do sul guardará os muros.

Ela permaneceu em silêncio por alguns segundos.

— Como quiser — ela disse entredentes.

— Que bom que concorda — assenti me recostando na cadeira. — Ettore — o chamei —, quero você com os arqueiros nos muros — meu primo assentiu em concordância. — Agora podem ir.

Ettore foi o primeiro a se levantar para sair apressadamente. Embora não nos entendemos na maior parte do tempo, sei que ele é o mais indicado para liderar os arqueiros.

— Não se preocupe, Atali — Vasti disse ao ficar de pé —, iremos vencer essa batalha.

— Sei que iremos — sorri em agradecimento.

Vasti segurou no braço do pai que já se encontrava de pé com um largo sorriso esperançoso ao me olhar, observei ambos deixarem a sala de reuniões, deixando-me sozinha com minha mãe.

De repente a sala parecia pequena demais, silenciosa demais. Olhei para a mulher com olhos espertos que me encarava do outro lado da mesa.

Não sei quando nossa relação chegou nesse nível, muito menos como parecemos duas estranhas desde que meu pai morreu. E no fundo, acho que por isso não consigo confronta-la, porque ao invés de nos aproximarmos devido a perda, nos distanciamos mais ainda.

— Posso lhe fazer uma pergunta? — quebrei o silêncio.

— Já fez — sua resposta foi rápida e afiada.

Emiti um resmungo de desdém.

— Mas pode fazer outra — ela gesticulou com a mão em minha direção para que eu prosseguisse.

— Por que gosta de me desacatar na frente de todos?

— Porque sou sua mãe e sei o que é melhor para você — outra resposta de superioridade.

— E eu a líder dos Drak, e sei o que é melhor para o Desert.

— Como acreditar em uma criança que se diz rei, e que chega aqui falando que seu pai está vivo, e...

— Eu...

— E a leva para Morninghn com a promessa de que ele está vivo? — ela me cortou.

— Mas ele poderia estar — sibilei.

— A resposta de uma criança que precisa de um mentor — ela emitiu um estalo de língua.

— Deixa eu adivinhar!? — sorri com ironia. — E você seria essa mentora?!

— Estou tentando ser — ela me encarou. — Mas você é tola demais para entender.

— Não sou tola, só vejo as coisas com um pouco mais de empatia do que a senhora — respondi.

— Tudo que eu faço é para o seu bem.

— Não tenho dúvidas disso — fui sincera. — Mas não posso deixar o rancor me cegar, como ele faz com a maioria do nosso povo.

— Você fala como uma sonhadora — ela desdenhou.

— E é isso que lhe incomoda — sorri. — A senhora tem medo de mudanças.

— Não tenho medo de mudanças. Tenho medo das consequências que elas trazem.

— O mundo precisa de mudanças — afirmei.

— Acho que nada deveria ter mudado, a começar pela liderança dos Drak.

— Você quer dizer, que meu pai não deveria ter morrido? Porque foi isso que me fez ser a líder dos Drak.

— Que bom que me entende — ela sorriu. Fiquei confusa. — Coisas ruins precisam acontecer para que haja mudanças.

Suas palavras causaram mais efeito do que o esperado, e tudo que pude fazer, foi me calar. Me calar, porque havia perdido todos os argumentos com aquela simples e dolorosa frase.

Ouvi apenas o ranger da cadeira sobre o mármore quando minha mãe se levantou e passou por mim. Vi pelo canto do olho o vulto verde de seu vestido passar lentamente a medida que ela se afastava.

Meu coração doeu. E por breves segundos o ar me faltou. Tudo que ouvi foi o barulho de suas botas no piso, passadas curtas e confiantes. O andar de uma mulher triunfante, que não  perdia jamais. E bastou somente observar os detalhes, que pude entender algo: um dia eu teria essa confiança.

— A senhora tem razão — minha voz saiu mais alto do que o esperado.

— Como? — ela parou à porta. Seu semblante era confuso.

— A senhora tem razão — repeti me pondo de pé. — Sempre acontece coisas ruins para que haja  mudanças. Porém, são essas coisas ruins, que nos fazem amadurecer e melhorar.

Ela apenas se virou e saiu. Entretanto, sabia que isso significava que ela aceitara minha resposta, caso contrario, voltaríamos a discutir.

Mais mudanças viriam, e eu estaria pronta para recebe-las.

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