Capítulo 15
Os únicos sons presentes naquele momento, eram os de nossas respirações que se condessavam à nossa frente, e o baixo ruído crepitante da lareira que ardia preguiçosamente. A velha cabana decrépita parecia que cederia a qualquer momento sobre nossas cabeças, os vários buracos nas paredes de madeira contribuíam com a gélida brisa que inundava o local.
O cheiro fétido de poeira misturado a mofo, invadiam nossas narinas. Era possível ouvir o barulho dos animais na floresta, o cântico dos pássaros e o piado das corujas.
Thierry me olhava com receio e preocupação, entretanto, não abaixou a cabeça ou ao menos deu sinal de fraqueza. Ao contrário, o guarda fiel de Kian, parecia lutar contra seus medos e continuava a me olhar nos olhos, embora houvesse um brilho de medo naqueles olhos azuis, que a luz do fim do dia quase pareciam verdes.
O soldado ainda trajava as cores de seu uniforme, na calça escura era possível ver manchas de poeira, assim como na camisa branca amarrotada que ele usava por baixo do casaco pesado, o qual possuía detalhes vermelhos na gola e nas mangas. O brasão de Morningh bordado em seu peito me despertou um sentimento doloroso.
Eylem se mantinha quieta e atenta ao meu lado. O guarda e amigo de Kian, parecia aguardar sua sentença.
— Não — disse quebrando o silêncio. — Eu não vim para lhe matar.
O olhar preocupado, imediatamente se tornou confuso.
— Você estava errado — continuei. — Eu fui a mais idiota por acreditar nele.
Observei a boca do soldado se abrir, pronto para dizer algo, mas imediatamente ele a fechou. Outra vez foi o silêncio quem reinou entre nós.
— Eu sinto muito — Thierry disse por fim.
Vi em seus olhos o que mais enxerguei nos últimos dias, pena. O odiei por esse sentimento. Não queria que sentissem pena de mim, que me olhassem como se eu fosse um fracasso, uma garotinha que precisasse da compaixão deles.
Engoli o desespero e a raiva. Eu havia prometido ser forte, e eu seria forte. Meu pai estava morto, e nada o traria de volta, eu deveria honrar seu nome. Se eu falhasse, acabaria com um legado de séculos dos Balts.
— Não temos tempo para lamentações, tenho que tirar você daqui ainda hoje — disse recuperando meu autocontrole. — Minha mãe quer sua cabeça, e eu prometi lhe enviar vivo para Morningh.
— Prometeu? — ele indagou.
Talvez pensasse que eu estava furiosa depois que descobri que tudo era uma farsa, e que agora pretendia cumprir com minhas tolas promessas de vingança.
— Fui idiota uma vez, não pretendo ser novamente — o encarei. — Eu vi aquela bruxa de cabelos vermelhos... Vi muitas coisas nessa viagem, não irei por em risco a vida de meu povo.
— Então, você acredita em meu rei, agora? — ele perguntou erguendo uma sobrancelha incrédulo.
— Acredito no que vi — respondi.
— O que você pretende fazer? — Thierry continuava a me olhar com curiosidade.
— Iremos lutar — Eylem quase gritou com empolgação. — E mataremos aquelas vadias no processo.
Thierry desviou o olhar para minha amiga ao meu lado, seu sorriso presunçoso surgiu no mesmo instante.
— E se isso não funcionar? — ele levantou uma sobrancelha, uma pergunta e uma provação.
Eylem era temperamental, adorava uma boa batalha, e odiava ser desafiada ou subestimada, e ao que parecia, Thierry havia descoberto seu ponto fraco.
— Se não funcionar — disse para poupar minha amiga que ameaçava se irritar com ele —, iremos torcer para que seu rei não falhe ao proteger seu Pylar.
— Pensei que iríamos unir forças — Thierry se voltou para mim com um tom de raiva na voz. — Você disse não iria ser idiota novamente, mas está fazendo exatamente isso, se...
— Não ouse falar assim comigo — vociferei. — Você está em meu lar, e não importa sua bandeira, você me deve respeito. Lembre-se que você só está vivo por minha causa.
— Que seja — ele continuou, porém, seu tom de voz diminuiu. — Mas não iremos conseguir deter aquelas vadias imortais sozinhos, precisamos nos unir.
— Não precisamos de um bando de soldadinhos com armaduras brilhantes — Eylem riu com escárnio.
— Olha aqui sua garota de boca suja...
— Quieto os dois — sibilei.
— Perdão, Atali — Eylem abaixou a cabeça.
— Não prometi nada a seu rei — me voltei para Thierry, o qual me olhava com uma fúria contida. — Ele mentiu para mim... Mas no fim isso serviu para eu ver o que estava por vim, e nos deu tempo para nos preparar, e é só por isso que você continua vivo.
— E você irá nos abandonar? Deixará que lutemos sozinhos? — ele perguntou perplexo.
— Não posso prometer ajuda. Não sabemos como isso irá terminar, pode acontecer de ficarmos impossibilitados de lutar uma outra batalha, ou podemos vencer e vocês não irão precisar mover um dedo contra ela — disse.
— Vocês começaram essa guerra, o mais justo seria vocês a resolver tudo — Eylem sibilou. — Mas são incompetentes de...
— Chega, Eylem — a reprendi. — Morningh e o Desert eram um só quando isso começou. Não vamos procurar culpados agora. Já basta a minha mãe com todo esse ódio.
— Atali, mas a culpa foi do rei deles...
— E seus descentes sofreram por séculos, sob as ameaças e conflitos que Meliha criou — a encarei. — Enquanto nós, os Drak, regressamos para casa, ficamos escondidos nesse deserto gelado, cercado por esses muros, tendo nossa magia e uma floresta assassina ao nosso redor para nos proteger. Nós fomos os covardes.
— Você está blasfemando contra nosso povo — Eylem vociferou. — Você está nos desonrando...
— Só estou falando a verdade — vociferei. — Uma verdade que ninguém mais ousa dizer. Fugimos, e nos escondemos por medo, porque perdemos nossa magia, perdemos nossos dragões. Ficamos tão assustados que nos enterramos em meio a neve.
— Atali, você só está com raiva — Eylem ergueu a mão em minha direção. Dei um passo para trás para desviar de seu toque.
— Me diga você — olhei para Thierry que permanecia calado. — Me diga o que você pensa sobre nós. Você parece ser o único que fala o que pensa.
— Eu... Eu — Thierry estava nervoso. — Acho que já sabe o que penso — ele se esquivou.
— Mas quero que diga — insisti.
— Não é só eu — ele começou —, todos os acham uns covardes egoístas. Desde Morningh até as montanhas sagradas de Sadamelik. Todos dizem que vocês nos abandonaram para que perecêssemos sozinhos.
— Ora — Eylem se voltou para mim. — E desde quando nos importamos com os nortistas? — ela riu com escárnio.
— Desde que estamos em guerra. Desde que a guerra chegou a nós — a encarei contendo a raiva. — Desde o momento que uma legião de bruxas pretende abrir os portais do submundo, e se vingar de todos nessa terra.
— Vai se juntar a escória? — ela perguntou.
— Também fazemos parte da escória — disse por fim. — Você lutará comigo, ou pretende me abandonar?
— Eu sirvo ao Desert e a quem o governa — Eylem disse por fim. — E mesmo discordando de você em alguns detalhes, sou sua amiga. A seguirei até o fim — um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
— Ótimo, esse assunto encerra-se aqui — disse. — Agora preciso que leve-o até a ponte — apontei para Thierry. — Os gêmeos estarão esperando por ele — disse a Eylem.
— Esperando?! — Thierry voltou a falar.
— Dei a minha palavra a seu rei, que o escoltaria em segurança de volta a Morningh — respondi.
Thierry permaneceu nos olhando com cautela.
— Se você me acha inconveniente — Eylem disso com um largo sorriso no rosto —, espere até conhecer os gêmeos — ela riu.
— O quê? Como assim? — Thierry me olhou preocupado.
— Eylem fala demais, não dê ouvidos a ela — disse contendo um sorriso para minha amiga que ainda ria. — Os gêmeos são os mais hábeis para essa tarefa, lhe garanto que chegará em segurança em seu lar.
Thierry olhou de Eylem para mim com certa desconfiança. Quase senti pena dele. Os gêmeos são de estrema confiança, mas são um pouco falantes e irritantes às vezes.
— Adem logo, já está anoitecendo, vocês vão acampar perto daqui essa noite, não é seguro cruzar a floresta com esse tempo e com pouca visibilidade — disse para ele.
A Floresta Branca é coberta por gelo, por isso é o lar de algumas bestas que ninguém gostaria de encontrar, ainda mais durante a noite.
— Obrigado — ele disse por fim.
— Pelo quê?
— Por não me matar — ele riu.
— Garanto que isso está sendo um grande esforço — disse sorrindo.
Pela primeira vez em dias eu estava sorrindo espontaneamente. Aproveitei cada segundo desse pequeno momento, pois sabia que em pouco tempo, o Desert estaria banhando em lagrimas, gelo e sangue.
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