8.Entre Provocações e Lâminas
O sol ainda nem havia despontado no horizonte quando Okita já estava no pátio, desferindo golpes precisos contra o boneco de treino. O som da madeira contra madeira ecoava no ar frio da manhã, quebrando o silêncio do quartel. Seu corpo se movia com fluidez e força, mas sua mente estava inquieta.
A conversa da noite anterior com Aoi ainda pulsava dentro dele. O jeito que ela o desafiava, a maneira como seus olhos ardiam de provocação, como se estivesse sempre testando até onde ele podia ir. Ela brincava com fogo, e Souji não sabia se queria apagar as chamas ou alimentá-las.
— Está treinando ou tentando matar esse boneco? — A voz de Hijikata interrompeu seus pensamentos. O vice-comandante se aproximou com os braços cruzados, observando-o com atenção.
Okita sorriu, mas não parou os movimentos. — Preciso me certificar de que estou preparado. Nunca se sabe quando teremos uma nova batalha.
— Ou quando terá que proteger sua noiva, não é? — Hijikata arqueou uma sobrancelha, e o sorriso do menor vacilou por um instante.
Ele não respondeu de imediato, apenas deu um último golpe, forte o suficiente para partir o boneco ao meio. Os pedaços de madeira caíram no chão, e ele largou a espada de treino, respirando fundo.
— Há boatos de que partiremos em breve. — Hijikata continuou, observando a reação do amigo. — Os superiores decidiram que devemos reforçar as tropas em outra província. Sua presença será necessária.
Okita fechou as mãos em punho, sentindo um desconforto inesperado crescer dentro dele. Partir agora significava deixar Aoi para trás. A simples ideia de se afastar, de não estar ali para ver aqueles olhos provocadores, para segurá-la pelo queixo e lembrá-la de quem ela pertencia, fazia seu peito apertar.
— Quando? — Sua voz saiu firme, apesar do turbilhão interno.
— Dentro de alguns dias. Prepare-se.
Hijikata se afastou, deixando Okita sozinho com seus pensamentos. Ele sabia que a guerra era inevitável, que sua vida pertencia ao Shinsengumi. Mas agora, pela primeira vez, sentia que deixaria algo para trás. Algo que não sabia nomear, mas que já queimava dentro dele.
Mais tarde, quando o sol já iluminava o quartel, ele avistou Aoi caminhando pelo jardim, conversando animadamente com Yukari. As duas pareciam mais próximas, e Aoi sorria de um jeito que ele não via com frequência. Mas quando os olhos dela encontraram os dele, a expressão mudou—o sorriso suavizou, mas a intensidade permaneceu.
Ele se aproximou devagar, e Aoi ergueu o queixo, desafiadora como sempre.
— Não tem treino para fazer, Okita? Ou está tão impressionado comigo que esqueceu suas obrigações? — A voz dela carregava ironia, mas ele percebeu o leve rubor em suas bochechas.
Ele sorriu de lado, inclinando-se ligeiramente para sussurrar próximo a ela.
— Partiremos em breve. — Ele viu a surpresa passar pelos olhos dela. — Espero que não tenha se acostumado com minha presença.
Aoi cruzou os braços, mantendo a postura firme, mas ele notou o pequeno tremor em seus dedos.
— E eu espero que volte inteiro. Seria uma pena perder um noivo tão irritante.
Okita riu baixo, estreitando os olhos.
— Então guarde bem essa provocação, princesa. Porque quando eu voltar, veremos quem irrita quem.
⸙
A refeição estava posta com esmero. O aroma do peixe grelhado misturava-se ao leve perfume do arroz recém-cozido, e as lamparinas espalhavam sombras quentes pelo cômodo. Todos já haviam se acomodado para o jantar, mas a tensão entre ambos era palpável.
Ela se sentou com a postura impecável, como uma dama deveria fazer, porém sua expressão era fria, quase entediada. Okita, por outro lado, mantinha seu sorriso sutil e provocador, os olhos afiados observando cada pequeno movimento dela.
— Não vai comer, princesa? — Sua voz cortou o silêncio entre os dois, enquanto ele levava um pedaço de peixe à boca sem cerimônia.
Aoi sequer olhou para ele ao responder:
— Estou apenas apreciando a refeição.
— Hm... estranho. — Ele inclinou ligeiramente a cabeça. — Pensei que estivesse sem apetite desde que foi cortejada na cidade.
Ela finalmente ergueu os olhos, desafiadora.
— Cortejada? Parece que você está exagerando. Um homem dirigiu-se a mim e foi devidamente ignorado.
— Ignorado? — Ele soltou uma risada baixa. — Engraçado. Ouvi dizer que você foi bastante educada com ele.
Aoi apertou levemente os hashis entre os dedos.
— Diferente de alguns, sei como manter a compostura.
Okita apoiou o queixo na mão, um brilho perigoso dançando em seus olhos.
— Ah, claro. Comportada e refinada. Mas fico pensando... será que teria a mesma compostura se eu resolvesse ser um pouco mais insistente?
Ela piscou, o coração saltando no peito.
— Está querendo testar meus limites, Okita?
Ele sorriu, lento, como um predador que já sabia que a presa não tinha para onde fugir.
— Apenas curioso para ver até onde sua arrogância vai antes que eu a quebre.
O olhar de Aoi brilhou, desafiador, mas antes que ela pudesse responder, Kondo pigarreou do outro lado da mesa.
— Espero que estejam aproveitando a refeição. Afinal, não teremos muitas noites como essa em breve.
Ela sabia que se tratava da partida dele, mas preferiu se abster e após o jantar ambos seguiram para seus respectivos quartos sem mais palavras ou troca de olhares, a confusão emocional em que se encontravam estava começando a incomodar.
⸙
O som de espadas se chocando ecoava pelo pátio de treinamento do Shinsengumi. O sol da manhã mal havia surgido no horizonte, mas Okita já estava ali, a lâmina cortando o ar com precisão letal. Seus movimentos eram rápidos, agressivos, quase impacientes.
Ele queria distrair a mente, depois da noite anterior mas era inútil. Desde a noite anterior, desde as palavras trocadas com Aoi naquele quarto, algo dentro dele não o deixava em paz.
— Parece que alguém está com a cabeça cheia hoje. — Hijikata comentou, observando-o da lateral.
Okita apenas bufou, parando por um instante para limpar o suor da testa.
— Só estou me preparando. Afinal, logo partiremos para nos juntar aos demais.
Hijikata cruzou os braços.
— Sim, mas se continuar desse jeito, vai acabar quebrando seu próprio corpo antes da batalha. E não precisa me contar, sei que tem haver com a sua noiva então apenas me escute.
Okita deu de ombros, sem realmente se importar, sabia que o mais velho falaria de qualquer forma e, ele precisava extravasar aquela energia, aquele incômodo que não conseguia nomear.
Então, como se o destino estivesse brincando com ele, um riso suave ecoou pelo pátio.
Aoi estava ali, parada com um leque nas mãos, observando-o com uma expressão que misturava curiosidade e ironia.
— E pensar que dizem que o grande Okita Souji luta como um demônio. — Ela provocou, os olhos brilhando de divertimento. — Mas, pelo que vejo, você só está batendo a lâmina no ar como se fosse um camponês irritado.
Os outros homens no pátio prenderam a respiração. Ele parou no mesmo instante, os olhos estreitando-se em um brilho perigoso.
— Quer testar isso, princesa?
Aoi fechou o leque devagar, um pequeno sorriso se formando nos lábios.
— Talvez. — Ela inclinou a cabeça, desafiadora. — Ou será que o temido capitão tem medo de uma mulher?
Os outros guerreiros engoliram seco. Ninguém desafiava Okita daquele jeito e saía ileso. Mas Aoi parecia encontrar prazer em atiçá-lo.
Ele sorriu, mas não era um sorriso gentil. Era afiado como a lâmina em sua mão.
— Pegue uma espada, então. Quero ver se sua língua é tão afiada quanto um fio de aço depois de treinar tanto comigo.
O pátio ficou em silêncio por um momento. Um dos samurais hesitou, mas trouxe uma shinai (espada de bambu) e entregou a Aoi.
Ela a segurou com naturalidade, testando o peso, os olhos ainda fixos em Okita.
— Se eu ganhar, quero um pedido meu atendido.
— E se eu ganhar? — Souji arqueou uma sobrancelha.
Aoi sorriu como se já soubesse a resposta.
— Você pode escolher o que quiser.
O ar ficou carregado de expectativa.
Eles se posicionaram no centro do pátio, os pés firmes no chão, os olhares fixos um no outro.
— Não vou pegar leve só porque você é uma princesa. — Okita alertou.
— E eu não esperaria nada menos de você.
O primeiro golpe veio rápido. Okita avançou sem hesitar, a shinai descendo na direção de Aoi com uma velocidade impressionante. Mas ela esquivou no último segundo, girando para o lado e tentando acertá-lo com um golpe lateral.
Okita bloqueou facilmente, mas seus olhos brilharam com uma nova centelha de respeito. Ela não era uma guerreira treinada como ele, mas definitivamente sabia se mover.
A luta prosseguiu, golpes trocados em um ritmo intenso. Aoi era ágil, mas Souji era um monstro no campo de batalha.
Em questão de segundos, ele desviou de um ataque e, com um movimento rápido, fez a shinai voar das mãos dela, parando a ponta de sua própria espada bem no pescoço dela.
— Parece que eu ganhei.
Aoi respirou fundo, o peito subindo e descendo com a adrenalina.
— Sorte sua.
— Não acredito em sorte. — Ele abaixou a shinai e se inclinou para mais perto, a voz baixa e perigosa. — Então, qual será minha recompensa?
Os olhos de Aoi faiscaram, mas antes que ela respondesse, um mensageiro se aproximou correndo.
— Okita-sama! A ordem chegou. Os capitães partirão ao amanhecer!
O pátio ficou em silêncio.
Aoi piscou, sentindo um frio inesperado no peito.
Okita segurou a shinai com mais força.
— Entendido.
Ele olhou para Aoi, e pela primeira vez, o desafio nos olhos dela foi substituído por algo mais incerto.
A guerra os chamava. E o tempo deles estava se esgotando.
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