𝒊𝒊. first conversation

ꉂ'🍥'˖ *FIRST CONVERSATION
──★ ˙supntrl, 2024 ̟ !!

A CABEÇA DE DIEGO ERA um turbilhão de pensamentos a cada segundo, e, mesmo tentando se concentrar no trânsito durante o percurso, sua mente insistia em lhe sabotar. Cada semáforo parecia um lembrete doloroso da confusão em que se encontrava, enquanto lembranças de Lila e Cinco invadiam sua consciência.

Após minutos que se arrastaram como uma eternidade, ele finalmente adentrou um bar com a fachada brilhando em um vermelho neon intenso. O calor do ambiente contrastava com a frieza que ele sentia por dentro, mas não se importava.

Seu único propósito ao entrar naquele bar no centro da cidade era se afundar em copos de bebida alcoólica, afastar o peso dos últimos acontecimentos e, quem sabe, esquecer as dores que o atormentavam. A atmosfera era familiar ― as luzes em tons avermelhados, posicionadas em lugares estratégicos, o som abafado de conversas e risadas, e o tilintar ocasional de copos ao fundo. Não havia nada de especial ali, pelo menos era o que ele pensava enquanto caminhava até o balcão.

Ele estava lá, sentado em uma das banquinhas, afundado no próprio silêncio, tentando esquecer o peso do que acontecera. A música baixa e a luz suave criavam um ambiente quase anestesiante, perfeito para se perder em pensamentos. Não esperava nada além de uma noite comum, talvez até vazia, exatamente como ele se sentia.

Entretanto, o tilintar familiar do sino suspenso acima da porta de entrada ressoou, e, por puro instinto, ele virou a cabeça para o lado. Seu olhar se encontrou com a figura que entrava, uma presença que se destacava entre a penumbra do bar.

Uma mulher de cabelos loiros, de baixa estatura, vestia roupas que, com certeza, a fariam congelar no frio que fazia lá fora. Ela adentrou e passou os olhos por todo o salão, que estava lotado. O brilho das luzes refletia em seus cabelos, criando um halo ao redor de sua figura delicada.

No mais, Diego não se demorou muito encarando-a; logo desviou o olhar e voltou a encarar o copo vazio, resolvendo pedir outra dose. Sua quarta, pelas suas contas.

Ergueu a cabeça, procurando pelo barman que o atendera minutos atrás, mas não o encontrou. Em vez disso, a mesma mulher que entrara segundos atrás agora estava em sua frente.

Ela devia trabalhar ali, pensou.

─ Boa noite. O que vai ser? ─ perguntou, educadamente, um sorriso amigável nos lábios.

─ Mais uma, por favor. ─ respondeu, tentando manter a voz firme, mas notando que ela soava mais cansada do que pretendia.

Ela assentiu e virou-se para o bar, deixando-o momentaneamente sozinho com seus pensamentos. Enquanto aguardava, Diego se questionou se estava apenas buscando distração ou se era algo mais.

A mulher voltou com mais uma garrafa de cerveja, colocando-o na frente dele com um sorriso.

─ Você parece que teve um dia difícil. ─ comentou ela, observando-o com um olhar perspicaz. ─ Posso me atrever a perguntar o que aconteceu?

Diego balançou a cabeça, um riso amargo escapando de seus lábios.

─ Não sou muito bom em compartilhar.

Ela sorriu, um sorriso que parecia entender mais do que palavras poderiam expressar.

─ Às vezes, falar ajuda. Eu sou Khalisse, a propósito.

Ele hesitou, intrigado pela facilidade com que ela se mostrava aberta e acolhedora, pensando se deveria compartilhar o que realmente estava acontecendo. No entanto, algo no jeito dela era reconfortante, e ele decidiu que não faria mal contar um pouco.

─ Diego. ─ disse ele, pegando a garrafa e dando um gole. A bebida queimou sua garganta, mas ele não se importou. ─ Estou passando por um momento difícil. Minha vida virou de cabeça pra baixo, e eu só... só queria um tempo para processar tudo isso.

Ela o observou atentamente, e Diego se perguntou se ela já tinha passado por algo semelhante. O olhar dela parecia carregado de compreensão.

E ele não estava errado.

Duas noites atrás, Khalisse havia passado por algo muito parecido com o que Diego estava vivendo, mas de uma forma bem pior. Ela tinha encontrado seu futuro marido na cama com outra mulher. A traição havia despedaçado suas certezas pela segunda, e o mundo que ela conhecia desmoronou em um instante, novamente. Agora, ao ouvir Diego, ela reconhecia a mesma dor e confusão que ainda pesavam em seu próprio peito, embora estivesse tentando esconder.

─ Eu entendo. Todos nós temos nossos demônios, não é? Fazer o quê, é a vida. ─ disse Khalisse, como se falasse de algo que conhecia bem.

─ É isso. ─ respondeu Diego, soltando um suspiro pesado. ─ Confiei em pessoas que não devia, e agora tudo tá desmoronando.

─ Hm, típico do ser humano. Acontece todos os dias.

─ É só... uma noite complicada, sabe? ─ Diego hesitou, olhando para o copo em sua mão. ─ O tipo de noite que você gostaria que nunca tivesse acontecido.

─ Sinto muito. Mas, se você parar pra pensar, todos nós temos essas noites; então, tecnicamente, você não tá sozinho nessa. ─ ela respondeu, sem perder a suavidade. ─ A questão é: o que você vai fazer a respeito?

Diego a encarou, a pergunta ecoando em sua mente. Ele pensou em todas as escolhas que fizera, em como havia chegado até ali, no bar, tentando afogar suas mágoas no álcool.

─ Não sei. ─ admitiu Diego, um pouco mais vulnerável. ─ Eu só... quero esquecer.

─ Às vezes, esquecer não é a resposta, porque isso não vai desaparecer do dia para a noite; vai continuar aí, te corroendo por dentro. ─ Khalisse ponderou, com sua voz suave, mas cheia de convicção. ─ Enfrentar o que nos machuca pode ser mais libertador do que qualquer bebida.

Diego a observou, sentindo um desconforto familiar diante da intensidade de seu olhar. Ela estava certa, e ele sabia disso. Mas confrontar a dor parecia uma montanha impossível de escalar, e ele não tinha certeza se ainda possuía forças para isso.

— Como você sabe disso? — perguntou, a curiosidade transparecendo em sua voz.

Ela sorriu novamente, mas dessa vez havia uma sombra de tristeza em seus olhos.

─ Cada um tem suas próprias batalhas. Eu, por exemplo, estou aqui porque estou tentando deixar algumas coisas para trás.

─ Trabalha aqui há muito tempo? ─ perguntou ele, tentando desviar o foco da conversa.

Khalisse sorriu, ainda achando curioso como as pessoas sempre a viam apenas como mais uma atendente ou garçonete, quando, na verdade, era a dona do lugar.

─ Desde que eu era uma menininha. ─ respondeu, um toque nostálgico em sua voz. ─ Meu pai me ensinou tudo sobre esse lugar. Até o dia em que precisei assumir tudo sozinha.

Diego franziu a testa, confuso.

─ Você é a dona?

─ Ah, muito prazer. ─ ironizou ela, com um sorriso sarcástico.

Ele soltou uma risada nervosa, claramente sem graça, e abaixou a cabeça.

─ Desculpa, não sabia... ─ murmurou, tentando se recuperar do momento.

─ Tudo bem. ─ respondeu ela, suavizando o tom, ainda com um leve sorriso. ─ A maioria das pessoas não imagina. Acho que gosto assim, sendo a invisível por trás de tudo.

Diego ergueu o olhar, ainda meio sem jeito, mas agora curioso sobre ela.

─ Deve ser complicado... carregar tanta coisa sozinha. ─ comentou, tentando entender melhor a situação.

Khalisse suspirou, olhando ao redor do bar, como se visse mais do que apenas o espaço físico.

─ Às vezes é, sim. Mas é o legado da minha família, sabe? E apesar de tudo, me sinto conectada a isso. Mesmo nas noites difíceis, como essa.

─ E não pensa em sair daqui, fazer algo diferente? ─ Diego perguntou, genuinamente interessado.

─ Às vezes penso. Mas sair daqui seria como deixar para trás uma parte de mim. ─ ela respondeu, pensativa, mas logo sorriu. ─ E você? Parece que também está carregando mais do que deveria.

Diego se inclinou um pouco para frente, refletindo sobre suas próprias palavras antes de responder.

─ Talvez. Mas, assim como você, às vezes é difícil deixar certas coisas para trás.

Ao fundo, os borburinhos das conversas seguiam, acompanhados do tilintar dos copos, luzes piscando, e um palco que se destacava na escuridão do bar. Uma única luz se focou no centro do palco, chamando a atenção de Khalisse.

─ Olha só, a melhor parte da noite vai começar. ─ murmurou, dando a volta no balcão com um brilho nos olhos.

Diego virou-se para olhar, sentindo uma onda de curiosidade.

─ O que vai acontecer?

─ É a noite de talentos! ─ respondeu Khalisse, animada. ─ Algumas pessoas da casa costumam se apresentar. Sempre tem surpresas.

Ele sorriu, começando a se sentir mais à vontade.

─ Ah, então você já participou disso?

─ Uma vez ou outra. ─ ela respondeu, dando de ombros com um ar despreocupado. ─ Mas prefiro deixar isso para os outros. Estou aqui para apreciar.

Diego observou enquanto mais pessoas se reuniam em torno do palco, criando um clima de camaradagem e animação. Ele se lembrou de como a música e a performance podiam mudar o humor das pessoas.

Um músico começou a tocar, sua voz ecoando suavemente pelo bar, preenchendo o espaço com uma melodia envolvente.

─ Uau, ele é bom. ─ comentou Diego, sentindo a música envolver a atmosfera.

─ Ele sempre traz uma energia incrível. É como se a música tirasse um pouco do peso das coisas, sabe? ─ disse, deixando-se levar pela batida, seus olhos brilhando com animação. ─ Eu poderia ouvir isso a noite toda.

Diego deu um gole na bebida, sentindo a tensão começar a se dissipar.

A intenção não era ficar até o bar fechar ou simplesmente apagar após várias garrafas de cerveja, mas foi exatamente o que aconteceu com Diego.

Já passava das duas da madrugada quando Khalisse, Charlie — sua melhor amiga que trabalhava com ela — e outros dois funcionários terminaram de limpar e organizar tudo. O bar estava quase em silêncio, exceto pelo som suave de uma música ao fundo.

─ Tá, o que a gente faz agora? Não dá pra deixar ele aí, precisamos fechar. ─ Charlie pontuou o óbvio, olhando para Diego que estava encostado no balcão, já em um sono profundo.

─ Liga pra alguém? ─ sugeriu Thomas, um dos funcionários, com um olhar despreocupado.

─ Ah, é, gênio? Quem? ─ Charlie respondeu, cruzando os braços. ─ Ele mesmo já disse que não tinha ninguém pra chamar.

Thomas fez uma careta, percebendo a frustração dela.

─ Cadê a Khali pra resolver isso? ─ resmungou, a impaciência transparecendo em sua voz.

─ Ela está terminando a contabilidade no escritório. Você sabe que ela sempre faz isso. ─ lembrou Charlie, com um tom compreensivo.

As portas laterais que levavam aos corredores da cozinha e do escritório se abriram, e Khalisse adentrou no salão, com um semblante cansado.

─ O que que manda, patroa? ─ perguntou Thomas, tentando manter o clima leve.

Khalisse suspirou, sentindo o peso da responsabilidade nos ombros.

─ Eu posso levar ele pra minha casa. Não é a primeira vez que faço isso. ─ disse, movendo os ombros de forma descontraída.

─ Você tá maluca!? E se ele for um psicopata ou um serial killer!? ─ exclamou Charlie, os olhos arregalados, horrorizada com a ideia da amiga levar um estranho para casa.

─ Aí vocês vão encontrar meu corpo amanhã de manhã. ─ respondeu Khalisse, com um tom ácido, um sorriso sarcástico brincando em seus lábios.

─ Às vezes você fala cada merda. ─ Charlie resmungou, balançando a cabeça em descrença.

─ E vocês deveriam estar acostumados.

Thomas e Charlie se entreolharam, ambos céticos.

─ Brincadeiras à parte, você realmente quer fazer isso? ─ perguntou Charlie, a preocupação evidente na voz.

─ Olha, alguém precisa cuidar dele, e se eu não fizer, quem vai? ─ Khalisse insistiu.

─ Então tá, mas você vai nos ligar assim que chegar em casa. ─ Thomas afirmou, cruzando os braços.

Khalisse assentiu, já se preparando para lidar com a situação, enquanto se aproximava de Diego para dar um leve toque no ombro dele.

─ Diego, ei! Acorda, precisamos te levar embora.

Ele murmurou algo incoerente, ainda mergulhado no sono. Khalisse trocou olhares com os outros, sabendo que teria que fazer um esforço extra.

─ Vamos, Diego. Hora de ir pra casa. ─ Ela disse, mais firme, enquanto tentava levantá-lo.

Com a ajuda de seus melhores amigos, Khalisse conseguiu acomodar Diego em seu carro, posicionando-o cuidadosamente no banco de trás para que ficasse confortável. Antes de partir, ela se virou para Charlie, que estava segurando a porta do carro, e pediu que fechasse tudo.

─ Passa amanhã na minha casa e deixa as chaves. ─ ela instruiu, tentando manter a voz firme, apesar da exaustão que começava a se acumular.

─ Deixa comigo, eu cuido do resto. ─ respondeu Charlie, com um olhar decidido, enquanto se preparava para assumir a responsabilidade de organizar tudo.

Aquela era, de longe, a noite mais longa que Khalisse já tinha vivido, e tudo o que ela mais desejava era uma boa noite de sono. Enquanto dirigia pelas ruas tranquilas, sua mente se enchia de pensamentos confusos. No entanto, mesmo com um completo estranho ao seu lado, ela não se sentia ameaçada.

─ Por que ela sempre pede pra você fechar tudo? ─ Thomas implicou, observando o carro da melhor amiga desaparecer na rua deserta.

─ Porque ela gosta mais de mim do que de você. ─ retrucou Charlie, com um sorriso provocativo.

─ Ah! ─ exclamou Thomas, indignado. ─ Até parece! Ela me conheceu primeiro.

─ E daí? ─ respondeu Charlie, revirando os olhos. ─ Você é um idiota.

Ela não deu ouvidos ao rapaz quando voltou para dentro do bar, ignorando os resmungos e as reclamações indignadas que ecoavam atrás dela.

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