Semente


Mórbido.

É a única palavra que surge para descrever o cenário em que me encontro. Uma caverna profunda e com pouca iluminação. Das paredes escorre um líquido viscoso que preenche o ar, inevitavelmente úmido, com um cheiro mofado. Dentro dela corre um rio escuro que parece ser feito de piche e navegando por ele sem ter uma visão do que ficava para trás e seguindo para o mais absoluto nada... Eu.

Junto de uma figura esguia de braços esqueléticos que se faz de barqueiro para os mortos.

Esfreguei as mãos, não que fosse fazer alguma diferença, pois estavam frias como as de um cadáver deve ser.

Fechei uma delas e bati de leve na testa, de todas as mitologias, de todos os deuses que existem, quem diria que os gregos estavam certos e não era só uma base para filmes e livros infanto-juvenis.

— Me desculpe, Sr. Caronte — inclinei o corpo para o lado tentando ver a face do barqueiro —, eu não tenho nenhuma moeda de ouro comigo para pagar o... Transporte.

Silêncio, sem nenhuma resposta.

Abaixei a cabeça pressionando os lábios juntos e alisando os joelhos, a cada momento a situação fica mais estranha. Olhei para os lados procurando algo para desviar a atenção, batendo os dedos ritmadamente no colo enquanto o motorista das almas continuou fazendo o mesmo movimento repetitivo, forçando o barco a navegar para frente.

— É surpreendente a lugubridade do caminho, muito mais intenso do que os poetas descrevem no mundo real — comentei em voz alta —, não que seja ruim. Acho que é o esperado para o inferno, quero dizer, o Submundo.

O movimento dos braços de Caronte parou, a figura encapuzada se virou lentamente fazendo ranger as madeiras do barco. No lugar de seu rosto havia um espiral, ainda mais escuro do que o próprio nanquim. Infinitamente sem fim, contido apenas pelo véu de sombras surrado. Quanto mais olhava para aquele centro, mais me sentia perdida, como se a consciência da vida pós-morte estivesse sendo dissipada ali mesmo.

A mão esquelética de dedos longos e azulados entrou no meu campo de visão, quebrando o transe momentâneo, Caronte apontou para a minha direção. Instintivamente olhei para trás, nada havia. A figura se aproximou e com o indicador levantado encostou no meu colo.

Senti o corpo congelar e um puxão no pescoço, olhei para baixo e o barqueiro tinha o dedo curvado envolta um anel, ele tinha uma esmeralda brilhante no meio do filete prateado apoiado com uma pedra transparente de cada lado. Não me lembro de quem é, ou o que significa, mas o fato de estar preso a uma corrente parece um fator importante.

— Certo, o pagamento — minha voz falhou um pouco e foi necessário algumas tentativas para abrir o fecho do colar. — Imagino que moedas de ouro já seja uma coisa antiquada, existem tantas pedras preciosas nessa vida, não é?

— Quero dizer, aquela vida antes de eu morrer — tentei explicar, mas desisti logo depois —, é melhor eu só ficar quieta.

Entreguei a joia em sua posse, o anel sumiu em sua mão e o barqueiro retornou a sua posição original continuando o caminho. Agora, com um aparente fim.

Uma luz alaranjada surgiu revelando estar de costas para o destino final e não de frente. A própria jornada para o reino dos mortos era mais complicada do que o imaginado. Um labirinto de percepções e ilusões.

As paredes começaram a tomar forma, revelando pedras esculpidas. Meias colunas gregas, e as formas geométricas perfeitas que se esperava ver num gigantesco panteão. Escuras, em certo ponto pensei ser algum tipo de mármore, pois brilhava de maneira lustrosa e luxuosamente sombria.

O barco parou, fazendo soar um barulho incomum. Me inclinei e reparei que não era terra ou areia, e sim um amontoado de ossos brancos, de todas as formas e tamanhos.

Apoiei na lateral e coloquei uma perna para fora, sentindo a estabilidade do chão embaixo do meu pé. Não muito diferente de pisar numa pilha de conchas, passei a outra perna por cima da madeira e então soltei do barco.

Caronte se manteve virado na minha direção, segurei as mãos junto ao corpo sem saber realmente o que dizer. Não tem muitas descrições detalhadas sobre o transporte de almas.

— Obrigada, boa eternidade para você. Bom trabalho.

O barqueiro se manteve imóvel, e não querendo estender mais ainda o momento de estranheza, virei de costas e segui em direção ao portal que indicava o reino dos mortos.

Tenho potencial para ser a alma mais idiota que já passou pelo submundo.

Tochas estavam enfileiradas, praticamente serviam como uma seta indicando por onde devia seguir. Saindo da praia de ossos, o chão se tornou de pedras cinzas, me fazendo sentir menos culpada de pisotear o fêmur de alguém. Abracei meu corpo e continuei andando, a cada instante tinha mais certeza de estar caminhando para o centro de uma ruína antiga.

Desejei por um momento ter um pouco mais de interesse sobre os mitos gregos enquanto em vida, sei o básico, mas não me atentei sobre os tipos de eternidades possíveis. Deve ter um lugar para onde as pessoas boas vão, não necessariamente o céu, por ser domínio de Zeus ou algo desse tipo.

Havia também algo sobre um guardião da entrada, não é?

Um vento soprou, quente, acompanhando de um cheiro nauseabundo, fios de cabelo se soltaram e precisei virar o rosto para o lado desviando da corrente. Fechei os olhos por um momento, já tinha caminhado uma boa distância e o rio já não estava visível. Na verdade, parecia não ter nada, já que as tochas por onde passei se apagaram.

De novo o vento soprou das minhas costas, dessa vez com um odor mais forte. Ouvi o barulho de garras arrastando na pedra e a minha alma de morta temeu por sua não vida.

Lentamente me virei, presas gigantescas, um bafo quente, baba escorria da boca da criatura. Era tão enorme que uma simples mordida acabaria comigo, e se um não conseguisse, tinha mais duas bocas igualmente grandes para terminar o serviço.

O rosnado ecoou feroz acompanhado de um latido ensurdecedor, coloquei as mãos nos ouvidos. As pernas cederam e me fizeram cair no chão, curvada sobre os próprios joelhos, apenas aguardei para ser devorada pelo guardião do submundo.

Mais latidos soaram, dessa vez de todos os lados, um focinho bateu nas minhas costas enquanto os outros dois inspecionavam as minhas laterais. Ocasionalmente empurrando um pouco para o lado, de repente me senti mais como um brinquedo do que realmente um lanche.

Uma ordem foi lançada ao vento, fria como uma clara e cortante nevasca no inverno. Todo movimento cessou, e o que ecoou no recém-feito silêncio foram passos.

Ergui a cabeça para ver a barra de uma túnica preta e pés humanos. Levantando ainda mais os olhos, o que encontrei foi um rosto jovem e indiferente. Diria até com um certo desgosto pela minha presença. Seus olhos eram escuros como a noite e os cabelos pareciam ter sido desenhados com um pincel de nanquim.

— É com isso que você está brincando, Cérbero?

Isso, já é humilhação demais.

O homem cruzou os braços — Parece que o brinquedo fala, o que está fazendo no meu reino?

Meu reino...

— Hades! — exclamei surpresa — Senhor... deus?

— Todos eles — respondeu parecendo analisar meu rosto — que tipo de tola entra nos domínios de alguém sem saber? Como chegou aqui?

Por um segundo me senti tímida pela intensidade do seu olhar, não consegui responder, pois me perdi nos próprios pensamentos. O senhor do submundo que eu me lembrava era mais esquelético, completamente coberto de ossos e outras coisas mortas. E esse, de certa forma deslumbrante, não chega a ter o corado de sol de uma pessoa viva, mas também não é cinza cadáver. Os braços se cruzaram na frente do peitoral largo semi-coberto pelas vestes, destacando os músculos cheios de vigor e definidos.

Dois estalos de dedo na minha frente e então voltei aos sentidos.

— Certo, bem... Eu morri, e Caronte me deixou aqui.

Novamente a cara de desgosto — Não é possível.

— Achei que fosse o caminho natural, já que é assim que são contados os mitos.

O cachorro atrás dele parecia bem mais calmo, se não fosse seu tamanho até acharia fofo a maneira que estava balançando o rabo sem parecer uma arma mortal.

— É o caminho, mas não para você.

Abaixei a cabeça, pressionando os lábios juntos — Isso doeu um pouco, é porque eu não sou grega?

— Pareço com alguém que faz distinção entre os mortos? — rebateu ácido, o tom de voz ficando mais rígido do que os usados anteriormente, não que fossem particularmente gentis também. O deus do submundo deve ter ficado com pena e respirou fundo antes de se abaixar para ficar com os olhos na minha altura.

— É uma presença estranha — ele resmungou franzindo a testa e aproximando o rosto do meu.

— Obrigada por apontar isso.

Hades, pegou meu braço e puxou para levantar em seguida — Venha comigo.

— Espera um pouco — ele me olhou completamente desgostoso — seu cão... Vai me deixar passar?

— Por que não deixaria?

Me escondi atrás da sua figura — Parecia estar pronto para me comer.

Incomodado, ele se virou para o cão e em seguida para mim — Cérbero não come almas. Seu propósito é evitar que partam do meu reino, não que entrem.

Olhei para o animal, não é como se realmente fosse assustador. Mas o tamanho faz sua parte em toda a composição, as cabeças deitaram no chão e Cérbero lambeu o nariz mirando minha figura com antecipação.

— Até que ele é fofo, quando não está rosnando e babando para todos os lados mostrando os dentes.

Hades fechou os olhos por um segundo, colocou a mão no meu ombro, me guiando pelo caminho. Bati a mão na lateral da cabeça da direita de Cérbero num afago antes de seguir o senhor do submundo pelo caminho.

Quanto mais avançava para o interior, mais sentia o caminho se estreitar, e então depois de passar por um arco ornamentado, um cenário se abriu. Sombrio como esperado e ainda assim deslumbrante.

O céu parecia uma nebulosa, um universo inteiro, no centro dessa galáxia uma estrela brilhante se fazia de sol iluminando — mesmo que de maneira suave —, o reino de Hades. De cima quase parecia uma cidade, incrustada no solo com pequenas crateras luminosas. No centro dela uma montanha que se erguia em direção ao céu e então esculpida em suas pedras, um imponente templo.

Parece que o submundo tem algum tipo de organização, porque nem todas as almas pareciam condenadas a uma vida de sofrimento. Uma boa parte parecia estar trabalhando para manter o lugar funcionando, principalmente no templo.

— Me traga os relatórios dos últimos acidentes mundanos — Hades disse assim que entrou no que parecia ser seu escritório, já na montanha.

Diferente de mim que ainda pareço ter uma forma, o que estava andando pelo lugar não passavam de espectros. Formas nevoentas, quase humanas com um par de olhos brilhantes, sem rosto, mas com distintas pernas e braços.

Chegavam a gesticular, mas nenhum som saia de sua boca. É impressionante como consigo saber que o espectro está reclamando apenas por seus movimentos corporais.

Hades se sentou na luxuosa poltrona atrás de uma mesa o ignorando — Os mortos encontram seu caminho, ela não.

— Desculpe — levantei a mão chamando atenção de ambos —, tem algo de errado com a minha morte?

O deus do submundo deu um estalo e o espectro se dissipou no ar, Hades cruzou os dedos na frente do rosto e me olhou diretamente nos olhos — Sente-se.

— Estou bem de pé, não tem necessidade de...

Novamente ele deu um estalo e uma cadeira apareceu me forçando a sentar bem em sua frente.

— Como você morreu? — perguntou.

— Eu — minha língua travou não me deixando continuar a falar. Tudo que saia eram murmúrios, coloquei a mão na boca.

— Esse é o problema — Hades apontou —, você não pode responder por que não morreu em primeiro lugar, não por completo.

— Isso é ruim?

— Sua alma não vai ficar entre os vivos, no seu corpo, e nem entre os mortos. Fica vagando pela eternidade porque se perdeu no meio do caminho — respondeu sem tirar a expressão entediada do rosto.

Levantei a mão para a cabeça massageando de leve as têmporas — Parece horrível, tem alguma maneira de voltar?

— Não sei, nunca aconteceu antes.

Respirei fundo — Você é bem direto, não é?

— Não tenho motivos para florear assuntos. Me perguntou, respondi.

É uma divindade da mitologia grega, não posso esperar ter uma conversa fácil com alguém desse tipo. Entre suas muitas bênçãos, ainda são pintados como orgulhosos e egoístas. Ainda que fosse com palavras beirando o rude, senti alguma esperança nascer em mim. Então não é o fim da linha, porém, Hades parece não ter uma resposta para minha presença no submundo.

— Tem algo de errado com meu rosto? Parece estar contemplando em silêncio por tempo demais.

— Com o rosto não, mas confesso estar esperando um fogo azul no lugar dos seus cabelos — respondi antes mesmo de saber o porquê das palavras.

Sempre o silêncio acompanhado de uma feição de julgamento — Ficará no meu palácio enquanto descubro o que fazer com sua alma. Os espectros vão cuidar de você, não saia, não faça nada estúpido, se possível não se mexa. Terei problemas se as outras almas se aproximarem de você.

— Parece mais um cativeiro do que uma medida protetiva.

— Sinta-se em casa.

De um círculo no chão surgiram dois espectros, fizeram uma mesura e indicaram a porta para eu sair. Os acompanhei uma vez que não tinha outra opção, olhei para trás uma última vez vendo que Hades já tinha os olhos grudados nos pergaminhos em sua mesa. O local estava meticulosamente organizado e as pilhas de trabalho pareciam estar acumuladas, deve ser o motivo das olheiras que o senhor do submundo tinha envolta dos olhos.

Suponho que até os deuses não podem escapar das suas obrigações legais.

Luxo é uma das palavras para descrever, apesar de ser dentro da montanha escura, o interior do palácio de Hades é claro como o dia. Adornos de ouro e mármore branco estavam em todas as partes, apesar de toda a riqueza não machucava os olhos visualmente, é incrivelmente limpo.

Me levaram para um quarto, havia uma grande e fofa cama junto de uma janela enorme com longas cortinas brancas que se abriam para uma sacada. Tinha também uma lareira junto de um conjunto de poltronas e uma mesa de centro, para completar uma mesa de estudo com alguns armários.

— É impressionante — comentei.

Os espectros indicaram uma porta que a princípio não vi e descobri ser uma espécie de banheiro com uma piscina de chão.

Um dos servos de Hades indicou o local e o outro segurou um vestido pelas alças.

— Está pedindo para me limpar? — perguntei e eles acenaram — Vai fazer alguma diferença? Já sou uma alma mesmo.

Os dois seres se olharam, um deles levantou dois dedos na minha direção em sinal de 'V' e em seguida juntou a mão como se fosse a boca de um boneco.

— Mímica? — perguntei recebendo um aceno e logo depois os mesmos gestos — 2 palavras.

As mãos novamente começaram a se mexer, primeiro a palma esticada com a outra fazendo um movimento de serra.

— Meio? — chutei e recebi uma afirmação, em seguida um clássico movimento de morte passando o indicador no pescoço — Meio-morta, você tem um ponto. Isso significa que meu corpo é mais humano do que o resto dos mortos que vagam por aqui?

Mais um acerto.

Até fazia sentido, não sabia se ia sentir alguma diferença, mas aceitei a oferta. Com alguma surpresa senti um alívio a temperatura do meu corpo pareceu esquentar, o que me levou a acreditar que a friagem anterior foi por estar perto do rio e vagando pelas cavernas.

Durante o momento com os espectros descobri que não tinham nomes, que eram 108 no total e que trabalhavam a total comando de Hades. Foram almas um dia, mas por algum motivo se destacaram aos olhos do rei do submundo e agora o serviam pessoalmente. Entre mímicas e perguntas de sim ou não até que consegui algumas informações.

— Não é transparente demais? — questionei me olhando no espelho que ia do chão ao teto. A túnica era linda, dois broches dourados prendiam as alças uma em cada ombro, havia um decote generoso em forma de 'v' e o tecido tinha um caimento reto depois de se prender na minha cintura com um cinto.

Os dois espectros negaram levantando o polegar em seguida, tombei a cabeça para o lado ainda incerta de toda aquela vestimenta. Ao menos pareço parte da ambientação e não uma peça solta.

Apesar de Hades ter dito para não me mexer, resolvi andar por seu palácio, afinal ele não devia estar falando sério. Foi apenas um aviso para impedir de eu fazer algo desnecessário... Certo?

Parece que se passaram horas, além dos corredores longos com sensação de infinito havia muitas salas fechadas e quartos. O porquê não sabia dizer uma vez que Hades não parece ser do tipo hospitaleiro e os espectros pelo que entendi não tem nenhum tipo de necessidade.

Internamente o lugar que mais me chamou a atenção foi a biblioteca, nunca vi tantos livros, relíquias e obras de artes reunidas num mesmo lugar. Nem mesmo se passasse as 24 horas do dia lendo pelos próximos 100 anos conseguiria ler todos os livros dispostos ali, além dos pergaminhos e outros documentos. Entre os corredores, estátuas de mármore e pinturas magníficas ficavam expostas.

Acompanhada das duas figuras nebulosas, atravessei o local, acabando numa espécie de jardim, grama verde se estendendo até onde podia correr os olhos. Flores e arbustos perfeitamente alinhados em volta de uma grande fonte de água cristalina, usei o caminho de pedras para me aproximar e sentar na beirada da fonte.

— Essa é uma grata surpresa — mergulhei as mãos na água fria, e me deitei na base de pedra olhando para o céu falso, fechando os olhos em seguida.

Meio-morta.

Mesmo que tentasse puxar na memória, não consigo me lembrar de uma única coisa sem que fosse uma luz intensa e o barulho de pneus. Nem mesmo sobre a minha vida, tudo parecia confuso e borrado, como olhar para um espelho embaçado.

De repente da escuridão, surgiu um rio, dominado pelo barqueiro que leva as almas, essa é a primeira lembrança clara que tenho.

— Que parte do não fazer nada, não entendeu?

Quando abri os olhos, o próprio senhor do submundo tinha o rosto sobre o meu. O céu parecia mais escuro e o que antes era o sol, se fazia de lua.

— Não estou fazendo nada — rebati me sentando.

— Faça o seu nada dentro do palácio — Hades disse olhando envolta.

— Você é sempre tão charmoso desse jeito? — Sarcasmo pingava da minha voz, aparentemente uma meia-alma também pode dormir e acordar de mau-humor.

Minha recém-chegada companhia manteve os olhos no meu por um instante, e em seguida se virou apontando para o rio que corria não muito distante do jardim — Aquele é o Cócito, rio das lamentações. Um dos cinco grandes que correm o submundo, almas geralmente se juntam nele para lamuriar, pode virar uma morta por completo se for descuidada.

Balancei a cabeça — Era mais fácil ter me dito algo como isso desde o começo.

Sem um pedido de desculpas, ou reconhecimento. Hades apenas mudou de assunto me questionando o porquê de estar no jardim em primeiro lugar.

— É bonito, é impressionante que o submundo tenha um lugar como esse.

Surpreso, se virou — Pensa mesmo isso? Ainda que esteja rodeado de mortos?

— Mas as flores estão vivas — dei risada me levantando e batendo as mãos no vestido — é um bom jardim. Quem cuida dele, deve ter certo apreço.

— É apenas um hobby ficar cuidando de tarefas administrativas por éons é cansativo — respondeu em seguida se virando para retornar ao palácio —, não pareça tão surpresa, é ofensivo.

Os espectros balançavam os braços indicando para eu o seguir.

— Desculpe, é uma informação inimaginável. Achei que desse a sentença para todos os mortos que aparecem por aqui.

— É demorado e contraproducente, tenho juízes para isso. Osíris tem essa aproximação mais... Individual, comparar cada coração humano com uma pena é trabalhoso.

Parei de andar — Espera, Osíris? Existem outros deuses?

— Uma verdade pode ser distorcida e continuar sendo uma verdade, enquanto pessoas acreditarem, outros como eu existem.

— Então, porque vim parar aqui? — questionei — Sem ofensa, não acho que tive alguma relação muito próxima com gregos.

— Alguma ligação deve ter.

— Honestamente, não me lembro. Na verdade, não me lembro de nada.

Hades deu um passo em minha direção, se aproximando. Sem aviso, colocou os dedos no meu queixo, forçando-me a levantar a cabeça. Intensamente olhou nos fundos dos meus olhos por alguns instantes.

— Estranho —, resmungou e aproximou o rosto do meu, quase a ponto de encostar nossos narizes. Orbes brilhantes como duas joias de obsidiana, sua respiração bateu em minha pele causando calafrios.

— Tem usado bastante essa palavra para se referir a mim — engoli seco e me afastei esfregando os braços para me livrar da sensação desconhecida.

O deus do submundo ponderou por um segundo — O que mais você está sentindo?

— Frio, calor, sono, e agora confesso que poderia aproveitar uma refeição.

Ele colocou a mão no queixo ainda pensativo — Deve ser um reflexo do corpo vivo.

— Foi o que os espectros disseram.

— Não devia ser possível se comunicar com eles — apontou olhando para as duas figuras que levantaram os braços em rendição.

— Na verdade, foi mais algo como 'Imagem & Ação' , sabe? — seu rosto novamente ficou inexpressivo — É como um jogo de mímicas, sem falas.

— Estranha de fato — Hades pareceu respirar fundo e se virou continuando a andar, os espectros apontaram na direção em que ele saiu indicando para eu o seguir —, uma humana como você nunca apareceu nos meus domínios.

— E isso é bom, ou ruim? — perguntei dando alguns passos mais rápidos para me aproximar. Nesse instante Hades parou me fazendo bater em suas costas.

Coloquei a mão no rosto, sua cabeça se virou e os olhos escuros me fitaram intensamente por cima do ombro.

— É inesperado.






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