Flor


— Onde estão os mortos do dia? — pedi assim que entrei no escritório, tirando o casaco pesado dos ombros e pendurando cuidadosamente no apoio.

— Será que você consegue ser menos indelicado? — Motoya respondeu erguendo os olhos da própria pilha de documentos — Contratos Kiyoomi, contratos, as pessoas já perderam seus entes queridos, não precisam ficar lembrando a todo instante que estão mortos.

— É a verdade, evitar falar não vai fazer eles levantarem do caixão — rebati abrindo as cortinas, só porque estamos numa funerária não quer dizer que precisamos trabalhar nas sombras. Quando os panos foram empurrados, a luz do sol iluminou as partículas de poeira e também a soleira da janela completamente marcada com o acúmulo delas.

— De quanto em quanto tempo estão limpando o escritório? — questionei mantendo os olhos fixos nas manchas.

— Duas vezes na semana, por completo e todos os dias o básico — respondeu.

— Faça quatro — alcancei a última gaveta de minha mesa, tirando de dentro dela um pano para me livrar da aparência horrorosa da janela. — A funerária Shikusa não pode ficar mal apresentada.

— Nosso avô estaria se revirando de alegria ao ver como você cuida dos negócios da família. Antes de sentar para revisar os contratos, preciso de aprovação neste aqui.

Motoya colocou uma pasta em cima da minha mesa — A família quer fornecer por conta todos os arranjos.

Puxei a cadeira me sentando em seguida e empurrando a pasta de volta para ele — Negado, não fazemos esse tipo de serviço. É feito completo, que procure outro lugar.

Meu primo voltou a empurrar na minha direção — Ao menos olhe seu idiota, não querem redução de valor. A filha que está responsável pelo contrato disse que iria trazer algumas amostras agora de manhã.

Puxei a pasta com um dedo e em seguida abri para revisar a proposta, o que meu parente disse era verdade. Inclusive eles já tinham feito uma parte do pagamento, o morto era um homem de 68 anos que faleceu de um problema de coração. E aquela que estava querendo quebrar as regras de funcionamento da funerária era a mesma que assinou no fim.

[Nome] Sayano.

— Podemos ao menos ver os arranjos — Toya tentou intervir para o lado da cliente —, se não atingir seus padrões, diremos ser impossível.

— Por que está tentando ajudar? — questionei fechando a pasta em seguida, erguendo os olhos para o rapaz.

Ele colocou as mãos no bolso da calça social, desviando os olhos para a janela. Geralmente nem eu e ele cuidamos do fechamento dos contratos, temos um setor comercial exclusivo para isso. O ver tão empenhado em discutir algo que para começo nem devia ser cogitado, me fez pensar que algo aconteceu enquanto estive fora.

— Ocasionalmente nos deparamos com esse tipo de família, mesmo no velório de um familiar, querem usar o nome Shikusa para mostrar status. A viúva exigiu falar diretamente com um dos responsáveis, já que o falecido é um magnata da indústria de energia. Como você não estava aqui, eu as atendi.

Explicou, e continuou.

— Uma queria tudo do mais caro, enquanto a outra estava levando em consideração as preferências do morto. Você pode pensar por eliminação qual é qual — ele levantou uma das mãos para o cabelo —, fiquei com um pouco de pena. Foi o único pedido que a filha fez, parece ser uma boa garota.

— Se abrir exceção para todas as pessoas que chegarem aqui com lágrimas e problemas familiares, vamos falir.

Um longo suspiro — Posso lidar com as suas retaliações depois, pode até me demitir se quiser. Mas seja um pouco mais humano, apenas dessa vez, rei dos mortos.

O apelido que ganhei pelo modo de tratar os negócios me forçou a fazer uma careta. É verdade que depois que herdei o posto de diretor, os negócios prosperaram a ponto de se tornar uma franquia, com serviços cobrindo todo território do país. Porém, o nome não é particularmente agradável.

— Se for uma perda de tempo, vou descontar do seu salário.

— Que assim seja.

Não muito depois, como combinado previamente, a secretária que atendia na recepção e guiava os potenciais clientes bateu na porta, avisando que havia chegado uma senhorita com diversos arranjos e que tinha uma reunião. Motoya me olhou, quase dando um pulo quando percebeu que tinha o rosto completamente virado em sua direção.

— Leve-a para a sala de mostruário, aquela que está vazia. Já vamos a encontrar.

— Claro. Sr. Komori.

A velha pareceu deslizar no chão como um espectro, silenciosamente, atendendo os pedidos como ordem suprema.

Meu primo ajeitou a gravata nervosamente enquanto sob meus olhos — Pare de me olhar dessa maneira. Está me dando calafrios.

— Não estou olhando de nenhuma maneira em particular, só estou achando estranho que antes estava tão confiante na boa ação e agora parece preocupado. — disse me levantando e em seguida ajeitando o colete e as mangas da camisa social preta. Com passos calmos, andei até onde o paletó estava pendurado e o vesti, pronto para cumprir a promessa com meu primo de ao menos avaliar.

O mármore branco e quase espelhado do chão ecoava com meus passos ritmados, completamente liso, imaculado, contrastando com as paredes de cores frias defendendo nosso ramo de atuação. Nas laterais do corredor principal, a vista para o jardim externo e a capela, onde os clientes podiam chorar suas tristezas enquanto assinavam um contrato para garantir que o enterro seria bem executado.

Morte não é um tabu, é mais natural do que podemos imaginar. Existe uma frase que diz que começamos a morrer no momento em que nascemos, e nada define mais a vida do que isso.

Quando contratei as floriculturas responsáveis pelos arranjos, as visitei individualmente, escolhi a dedo os melhores profissionais. Sabia ter exclusividade com os mais experientes artesãos de flores, mas o que encontrei quando abri as portas duplas do recém-reformado e vazio mostruário foi algo que nunca havia visto.

Era como uma visita da própria primavera.

Não tinham muitos arranjos, mas eles se complementam de maneira única, as rosas que eram as flores mais comuns e conhecidas foram colocadas de lado e os arranjos de cores branco e vermelho foram tomados por flores de cravo e margaridas.

Mostrava a qualquer um com bom conhecimento dos significados das flores que a pessoa que partiu era respeitada, amada e que deixou para trás boas lembranças. O arranjo parece que foi manejado por um profissional, perfeitamente equilibrado e disposto.

— Senhorita Sayano, obrigado pela visita, como disse vamos avaliar os arranjos e se possível-

— Quem fez? — interrompi me aproximando das flores —, nossos contratos de exclusividade não permitem que ninguém faça arranjos por fora. Não existe maneira de ter sido feito por alguém que não é nosso funcionário.

— Desculpe, mas... Fui eu que fiz.

Até aquele momento, a presença da tal cliente foi insignificante. Porém, quando ela disse que havia feito com as próprias mãos, a situação mudou um pouco.

Virei para a figura, ela pareceu se encolher sob meu olhar, porém não desviou dos meus olhos. Consegui ver nesse momento as marcas de olheira envolta dos olhos, e a pele pálida junto da feição cansada. As mãos que estavam juntas na frente do corpo tinham alguns curativos, provavelmente por manusear as flores apressadamente durante a madrugada.

— Você tem uma floricultura? Trabalha com arranjos?

Ela balançou a cabeça — Não, eu só gosto. Eram as favoritas do meu pai, mas não tinha no catálogo proposto, por esse motivo pedi ao Sr. Komori para fornecer por conta.

Certo, esse era o principal motivo. Meu primo olhou para mim com um sorriso semi-vitorioso no rosto. Ele me conhecia bem o suficiente para entender que quando me interesso em algo, vou até o fim.

— Vou abrir a exceção dessa vez — disse —, com uma condição.

O rosto dela se iluminou, trocando um breve olhar com Toya, que foi o intercessor do seu pedido.

— Trabalhe para mim.



— Então quer dizer que trabalho para você? — [Nome] perguntou enquanto deitada na cama de hospital. Alguns dias após acordar, nosso primeiro encontro foi apenas uma das muitas histórias que contei dentro daquele quarto de paciente.

— Não exatamente — respondi analisando os balanços financeiros —, no papel somos sócios. Depois de algumas reuniões eu consegui te convencer a abrir uma floricultura, exclusiva da Shikusa, o que é provavelmente o motivo da sua mãe me odiar.

Silêncio, se ela lembrava até o acidente do pai, os sentimentos divididos comigo naqueles primeiros dias ainda eram bem recentes. A chamavam de herdeira, mas no fim ao invés de ajudar no império do pai, ela queria uma vida bem mais simples e florida. O que conforme as vontades da mãe não seria possível, [Nome] em seus olhos era a substituta dele.

— Posso imaginar o tipo de coisa dita — ela suspirou alto olhando para o teto — desde criança meus gostos eram mais terrenos. Diferente da minha mãe, que sempre esteve no luxo, eu achava um par de botas com lama e uma pá de jardim a coisa mais maravilhosa do mundo. Ela dizia ser lixo, que meus gostos eram ruins e que eu precisava abandonar logo aquelas bobagens.

Fiz uma careta, parece com o tipo de coisa que já presenciei sendo dito nos três anos que estamos juntos.

— Infelizmente não posso afirmar que ela ficou particularmente feliz com a decisão.

Um riso seco escapou da sua boca, a cabeça tombando para o lado a fim de olhar para mim, ainda havia diversos machucados do acidente. Fora a memória que aparentemente levaria algum tempo para retornar, o restante das feridas pareciam estar se curando bem.

— E a sua família? — ela perguntou.

— Indiferentes, enquanto os negócios vão bem. Não interferem — expliquei —, exceto Toya, quando convém.

— Eles... Gostam de mim?

Voltei a olhar para os papéis — Meus pais já são velhos demais para ter vontade de opinar em algo, e meus irmãos estão mais interessados em gastar sua fortuna. Se por bem, quer dizer juntar-se nas festas obrigatórias de família para tirar sarro de mim, então, sim.

— Parece que vocês tem uma competição de Imagem & Ação acontecendo, não sei dos detalhes — apontei —, Motoya deve ser capaz de dizer melhor já que ele mantém o placar.

— Espero poder lembrar logo, devem ser memórias preciosas — comentou com um sorriso tenro.

Por um momento, me lembrou dos sorrisos que recebia depois de um longo dia no trabalho. Apesar de ser um serviço feito para os mortos, lidar com os vivos que ficavam para trás não fazia da profissão exatamente fácil. Contudo, tudo parecia se dissipar quando chegava em casa e tinha aquele mesmo sorriso me recebendo de volta.

É inimaginável pensar que todos os momentos coletados nesses anos vivem apenas na minha cabeça. [Nome] é ela, apenas isso. Eu não sabia o que era a vida antes de aparecer.

Conhecia o dever, as obrigações, sabia lidar com as expectativas que os outros colocavam em mim e seguir com suas decisões. Mas não pensar por mim mesmo, e tomar ações puramente para atender os desejos do meu coração.

— Me diga algo, Kiyoomi — chamou fazendo meu próprio nome soar desconhecido — disse que eu te pedi em casamento. Como foi?

Seus olhos estavam repleto de curiosidade, porém as lembranças me fizeram levantar os ombros. Uma funerária passa longe de ser o lugar ideal para um pedido desse tipo, principalmente quando se está na presença de dezenas de caixões.

— Peculiar.

Uma gargalhada rompeu no quarto em seguida para ser interrompido repentinamente. [Nome] colocou a mão na cabeça, em seguida fechando os olhos e fazendo uma cara de dor, imediatamente me levantei pronto para chamar o médico.

Porém, antes de completar a ação, a senti segurando meu braço.

— Suponho que eu não deva fazer reações tão bruscas — apesar da feição dolorida, ela sorria — estou bem. Para minha condição no caso.

— Ao menos seu terrível senso de humor continua intacto — respirei fundo e me sentei na beirada da cama. Ela ainda tinha a mão no meu braço, incerto coloquei a mão por cima da sua, sentindo seu calor contra a pele.

— E isso é bom, ou ruim? — ela perguntou.

Levantei os olhos para seu rosto — É inesperado. Porém, tende a ser mais para o bom.

— Tem alguma coisa te incomodando, o que é? — perguntando, como sempre vendo direto através das minhas barreiras.

Não foram, uma ou duas vezes que ouvi de pessoas próximas sobre a minha sinceridade desmedida. Já me coloquei em algumas situações complicadas por responder o que penso e não encobrir as palavras com açúcar. Motoya costuma dizer que nunca encontraria alguém como [Nome] novamente, disposta a me entender, com falhas e tudo.

— O que vai fazer se não recuperar suas memórias?

[Nome] olhou para o teto novamente — É uma pergunta que eu também gostaria de ter a resposta, porém ainda não cheguei a uma conclusão.

Que tipo de pessoa acorda de um coma, descobre que está noiva de alguém que não se lembra e fica bem com isso? Se eventualmente ela quisesse que nossa história tivesse um fim, nada faria além de a ver andar para fora da minha vida com uma profunda tristeza.

— Suponho que seria apenas um pouco mais de trabalho para você — disse dispersando todos os pensamentos enevoados da minha mente —, vai precisar fazer eu me apaixonar de novo. Se bem que com esses dias de companhia, garanto que já teve uma ótima largada.

Deixei espaço para ela continuar, pois sabia que sua fala não iria parar ali.

— Deu para perceber na primeira visita que não é alguém que fala muito, se eu tivesse que chutar também não é do tipo de pessoa com dezenas de amigos. Mas colocou algum esforço em preencher todas as lacunas do que esqueci e veio me visitar diligentemente todos os dias. Conversa comigo mesmo quando está cheio de papéis para revisar — [Nome] levantou a mão livre para o colo. — Meu coração lembra, mesmo que a cabeça não, ele acelera toda vez que passa pela porta.

— Sei disso, dá para escutar — acariciei as costas de sua mão com o polegar. Apontando para a máquina que media seus batimentos, a mesma acusou a aceleração provando meu ponto de imediato.

— Minha mãe diz que me sequestrou, então tome responsabilidade por suas ações e continue cuidando de mim.

Soltei os ombros olhando para a janela e o fim de tarde — Primeiro, é um delírio da sua mãe. Como pode ser um sequestro quando você mesma me pediu para tirar da casa?

— Fiz isso?

— Sim, e ainda ameaçou andar a pé até minha residência caso não o fizesse — nunca fiquei tão surpreso numa madrugada como aquela. — Segundo, eu continuaria cuidando de você enquanto me quiser por perto, independente da situação.

Me inclinei em sua direção beijando o topo de sua cabeça, não soltando a mão que segurava a minha.

Dia após dia, por pouco mais de duas semanas, aquela promessa se provou ser verdadeira. Não houve um único dia em que não estive na companhia de minha noiva com problema de memória. Fosse respondendo suas perguntas ou conversando sobre notícias mundanas e passando o máximo de tempo juntos.

Até que enfim chegou o dia em que [Nome] recebeu a alta.

Depois de uma ordem restritiva da polícia, um processo por difamação, sua mãe se manteve quieta. Provando que a preocupação era apenas uma fachada. Seu interesse real era na herança do falecido marido magnata, que estava todo no nome da filha.

Ter [Nome] de volta em casa, fez meu coração se acalmar de uma maneira que não imaginei que aconteceria. Assim que ela colocou os pés no caminho de jardim, três grandes e redondas manchas pretas vieram correndo em sua direção, os rabos abanando e mais animados do que a hora de comer.

Estalei a língua para os manter controlados, tentando evitar que pulassem nela com euforia demais. Imediatamente eles se acalmaram.

— Você tem cachorros! — disse animada olhando os três que nos rodeavam choramingando e pedindo por atenção. — Nunca pensei se fosse um cara de animais, parece tão certinho.

— Eles são treinados, apesar de estarem agindo como filhotes, são menos bagunceiros do que aparentam — respondi a chamando para continuar andando.

Levava sua bolsa em uma mão, o outro braço estava dobrado enlaçado com o seu, servindo de apoio. Abri a porta de madeira escura e indiquei para que entrasse.

Por estar no meio do dia, a iluminação natural do sol deixava o ambiente claro, apesar da maioria dos acabamentos serem escuros. No primeiro andar havia um pequeno lobby com sofás fofos junto a uma sala de jantar e uma cozinha completa com balcão. Um corredor levava para os fundos onde ficava uma grande e confortável sala de estar com visão para o jardim extenso da casa, e além dele a estufa de [Nome].

Escritório e quartos ficavam no andar de cima, além do principal, haviam dois hóspedes que geralmente ficavam para Toya ou qualquer um dos meus parentes que vinha visitar.

— Eles não entram na casa? — minha noiva perguntou vendo os três cães sentarem comportados na porta.

— Aqui não, tem acesso à sala de estar pelos fundos, mas não costumam visitar outros cômodos. Preferem ficar no seu jardim.

Juntos andamos pela casa, os olhos explorando cada canto, as mãos leves de toque delicado acariciavam os móveis, sentindo as texturas das paredes como se fosse a primeira vez. Sua feição, repleta de realização, pareceu incrédula quando avistou o jardim atrás da grande parede de vidro que separava a sala de estar do quintal.

Haviam corredores de flores, de diferentes tipos e cores. Bailando suave com o vento soprando fraco no meio-dia. [Nome] soltou meu braço, andando com passos incertos em direção à divisória de vidro.

— Tudo isso é meu? — sua voz soou falha quando virou a cabeça para me encarar por cima do ombro. Todas as estrelas do universo pareceram brilhar dentro dos seus olhos, mesmo sendo de dia.

— Sim — coloquei a bolsa apoiada na mesa de centro —, e muito mais. Tem uma fazenda inteira de cultivo.

— É como um sonho...

A voz soou distante, talvez um pensamento que não devia ser dito em voz alta.

— Temos algum tempo para gastar — comentei — o que quer fazer? Está com fome? Posso pedir algo.

Ela segurou a mão no peito, andando até o sofá e se sentando nele devagar, mantendo as mãos no joelho após bater no estofado, me convidando a se juntar a ela — Que tal um filme, e almoço? Mal posso esperar para comer algo de verdade, comida de hospital é tão insossa.

A careta que surgiu em seu rosto foi quase infantil, causando um riso sincero para puxar os cantos dos meus lábios.

O pedido foi feito no restaurante favorito, e na hora de escolher um filme... Só havia uma opção.

— Hércules? — ela pareceu surpresa — A animação?

— Já perdi as contas de quantas vezes assistimos juntos — me sentei ao seu lado —, não porque eu pedi.

A música característica do desenho animado começou a tocar, as musas dançavam na tela contando a criação do mundo pelos olhos dos gregos. [Nome] parecia vidrada, ao menos aquela cena era familiar. Inconscientemente ela resmungou junto, e seus dedos também tamborilaram no ritmo.

Porém, algo inesperado aconteceu.

"Tão comovente."

Bastou uma frase, [Nome] soltou um grito estridente que fez até mesmo os cachorros na varanda latirem.

— O que foi? — me virei para ela, procurando qualquer indício de dor. Seus olhos estavam completamente abertos apontando para a figura de pele cinza e cabelos azuis de fogo que apareceu na tela.

— O Hades! É você!

— É um dos apelidos que você me chama mas-

Cessei minha fala quando senti seu corpo se juntar ao meu, um calor desaparecido há algum tempo, mas nunca esquecido. [Nome] tinha cada perna de um lado do meu corpo e antes mesmo de pensar minhas mãos seguraram sua cintura com firmeza. Lábios suaves, doces junto aos meus, provando que aquilo era, sim, a vida e não um sonho.

— Eu me lembro — a voz chorosa soou —, céus. Kiyo, eu...

Um soluço de choro rompeu sua fala logo depois do apelido familiar, a segurei ainda mais próxima do corpo.

— Se eu soubesse que tudo que eu precisava era desse desenho, teria a feito assistir antes — seu rosto se afastou do meu pescoço, os caminhos de lágrimas lavando as bochechas coradas.

— Desculpe, aquele dia eu devia ter te escutado — esfreguei seus braços trêmulos —, foi uma bobagem. Era só um buquê, eu não tinha que sair num dia de chuva naquela noite. Não ia fazer nenhuma diferença entregar na manhã seguinte.

— Pare — pedi —, não vai fazer diferença. Já aconteceu, ter você de volta depois de uma experiência de quase morte. É mais do que qualquer coisa que posso pedir ao universo. A culpa de um, ou de outro, não importa, se tem um culpado é o bêbado que dormiu ao volante e bateu no carro aquele dia.

— Isso também — ela acariciou meus cabelos —, sabe que agora tenho memórias do hospital também. Eu sabia que tinha odiado o jeito que eu te pedi em casamento.

— Odiar é uma palavra muito forte — respondi tentando esconder meu próprio riso —, tem outras alternativas que me pareciam mais apropriadas. O que me lembra...

Coloquei a mão dentro do bolso da camisa, puxando o anel — Isso pertence a você. Um dos motoristas da funerária o encontrou no assoalho do meu carro.

Tomei sua mão, voltando a joia para seu lugar original, o anel de noivado comprado depois do pedido de casamento, ele tinha esmeralda brilhante no meio do filete prateado apoiado com um diamante de cada lado. Beijei as costas de sua mão antes de voltar a fechar meus braços envolta da sua cintura. Encostei a cabeça em seu colo, escutando o coração batendo com vigor.

Enfim, minha primavera retornou.

— Qual o nome do motorista? — ela perguntou — Preciso agradecer, ele sempre parece cair do meu bolso quando vou para a fazenda.

Sorri contra sua pele, correndo a mão pela extensão da sua coluna e me afastando para poder olhar nos seus olhos e responder.

— Caronte.











N/A: Eeee acabou, espero que vocês tenham gostado desse presente. É curtinho mesmo só pra dar um gosto, não importa o universo Saku[Nome] sempre será muito fofo.

Como eu disse no começo toda essa série Gods Tales é um agradecimento pelos 6k de seguidores.

Kishi Kaisei termina com 9.995 palavras, 3 dias de publicação.

Obrigada pelo apoio de sempre.

Até mais, Xx!

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