Capítulo 07

Haenim, Reino da Luz. Hyunggwanshi, Clã da Luz, 13-09-977.

O dia amanheceu com uma tempestade de neve forte. Os olhos curiosos de In Su observavam pela janela enquanto a neve acumulava rapidamente nas casas e cobria as ruas.

— Mamãe — ele chamou Ryo Su, correndo até a cozinha. — Porque estão todos em casa? O dia está lindo lá fora.

A voz animada do pequeno e as mãos gordinhas puxando sua saia a fizeram sorrir, então se abaixou e deu-lhe um beijinho na testa.

— Está frio lá fora, meu bem — explicou com voz doce e In Seok chegou com uma cara de sono.

Assim que ele avistou seu filho, abriu os braços e fez careta, pronto a pegar o moleque, que abriu um grande sorriso e ficou na mesma posição que o pai. Avançando por baixo, pegou o filho nos braços, dando-lhe vários beijos pela barriga, enquanto o pequeno gargalhava e puxava as tranças do pai.

— As feras de gelo vão congelar nosso mundo! — ralhou com uma voz monstruosa, sentando o garoto na mesa e fazendo cócegas nele com a cabeça.

— Papai! — In Su gargalhou. — Papai, para eu vou fazer xixi!

Sorrindo para o seu filho, vendo sua face feliz, deu-lhe um beijo na bochecha, sendo abraçado.

Se levantando, sentou In Su na mesa e começou a arrumar seus cabelos, por fim desfazendo as suas tranças, que estavam assanhadas, enquanto In Su olhava para a neve caindo lá fora.

— Eu gosto da neve — declamou lentamente, quase como um ditado.

— Você gosta? — In Seok perguntou, amarrando a segunda trança e alinhando o resto dos fios rebeldes. — Você nasceu num dia de neve assim.

— Sério? — indagou animado.

— Também parece o dia que nos conhecemos — Ryo Su solfejou, fazendo os olhos de In Su brilharem.

— Papai e mamãe? — perguntou, obtendo um aceno positivo da cabeça de ambos.

Sentando em uma das cadeiras, In Seok o pegou e o deitou na sua barriga, o envolvendo no lençol que estava na cadeira ao lado.

— O papai estava passeando na floresta — In Seok introduziu em um tom firme e In Su ficou caladinho, curioso pela história. — Estava nevando muito, mas o papai estava tentando caçar um monstro na floresta alta. Meu jantar estava em jogo!

— A irmã do papai estava doente — Ryo Su falou, terminando de descascar uma batata. — Muitos ficaram. O inverno tinha acabado de começar e ele queria fazer um ensopado!

— Então o papai se esgueirou na escuridão da floresta! — In Seok cobriu o rosto de In Su com o cobertor, fazendo-o gargalhar ao ser erguido e levado ao sofá de pele fofinho.

Se desvencilhando do cobertor, In Su sorriu ao ver a face animada do seu pai, que logo começou a fungar nas suas roupas.

— Então o papai achou um bicho grande! — parou, fazendo In Su arfar e voltar a sua postura curiosa.

— E a mamãe?

— A mamãe tomou a atenção do papai bobão que perdeu sua caça — Ryo Su apareceu limpando as mãos após atear fogo nos galhos do fogão. — E pegou a caça para si.

— A neve ao redor dela estava derretendo e o papai ficou hipnotizado pelo cabelo vermelho dela — In Seok completou, um pouco avoado pela beleza da sua esposa, após ela sentar ao lado de In Su.

— Então o papai se aproximou da mamãe e a cortejou.

In Seok olhou traquino para sua esposa, lembrando claramente da enorme discussão que se iniciou pela reivindicação da caça, acabando em uma divisão meio a meio, algumas piadas e um encontro marcado para o próximo dia, mas escolheu deixar assim, para o divertimento do filho.

— O que é cortejar?

— Ele foi um cavalheiro, meu bem — Ryo Su sorriu, olhando para o envergonhado In Seok que se encolheu com a lembrança. — Ele apanhou uma flor nos arbustos e me entregou. Ah, era um lindo narciso.

— Narciso? — In Su questionou, fazendo uma réplica da flor com sua linda magia.

— Sim, meu bem, esse narciso — In Su fez um bico e segurou forte a sua criação, entregando-lhe a sua mãe. — Porque você me deu?

— Porque quero ser um cavalheiro, assim como o papai — as palavras do garoto soaram e imediatamente formaram um sorriso nos seus pais orgulhosos.

— Assim você vai encontrar sua garota.

— Num dia de neve? — sorriu.

— Talvez — ambos responderam.

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Haenim, Reino da Luz. Arredores de Shichu, Clã do Ar, 25-12-977.

Logo quando o dia raiou, receberam um deprimente relatório de um mensageiro, no dia anterior, com indícios de invasões infernais isoladas entre o clã da água e o clã do ar, além da informação que mais quarenta e cinco celestiais morreram por causas desconhecidas, com claros problemas respiratórios.

Min Ju tinha certeza que tinha algo haver com a estranha névoa que se dissipou por Haenim desde meados de 963 e, por esse motivo, deixou sua filha aos cuidados do pai e seguiu Ryo Su e Jo Han, junto a um batalhão de outros vinte, até o oeste, procurando as respostas que queria.

O som de passos apressados soava junto dos galhos sendo esmagados. Corriam rapidamente pela floresta sombria, seguindo rastros de uma neblina densa, guiados por um estranho cheiro adocicado, até que pararam numa parte da floresta que circundava o lago das almas, onde um rastro de destruição e estendia até o riacho que levava às traiçoeiras águas.

Dando alguns passos à frente, com extrema cautela, avistaram a vila de Takwol e, mais ao oeste, Shichu. Os soldados que os seguiram ofegavam cansados, se jogando à grama e descansando, quando a neblina que os rodeava começou a ficar mais densa.

— Jo Han, pode tentar encontrar algo? — Ryo Su questionou, esperançosa, obtendo um aceno negativo da cabeça dele.

— Infernal ou seja lá o que foi que causou essa destruição, mesmo com os sentidos da kumiho, nesse cheiro adocicado... — suspirou — impossível. Meu nariz já está ficando louco.

— Unnie, — Min Ju chamou — acha que esse miasma tem haver com Kud?

— Não descartaria a opção, Min Ju. — Ryo Su reforçou.

— Hyun Seung deve ter ficado furioso por ter ficado de fora — Min Ju riu.

— Ele precisa proteger sua cria — Ryo Su afirmou, prendendo a bainha da sua espada à sua cintura. — Os Vulpinos querem Hyun Shik morto a todo custo.

— Pobre criança...

Dando fim à conversa, seguiram mais à frente sem dizer uma única palavra, até avistarem uma criaturinha humanoide, caminhando pacatamente ao redor das pedras que circundavam as águas do lago, seguindo diretamente à floresta de onde os celestiais vieram minutos atrás. Ele olhou mais uma vez naquela direção, levantou suas longas orelhas e bateu as mãos peludas pela camada de pelo semelhante à um xale que envolvia seus braços.

— Pensei que Swam Hyi só vagassem pela noite — Ryo Su questionou intrigada.

— Como se eles soubessem o que é ou não noite nesse nevoeiro — um soldado justificou, vendo alguns outros se juntarem.

Uns com xales mais extensos, as fêmeas, aqueciam alguns outros pequenos que se esgueiravam entre as pernas de suas mães, balançando o pequeno rabo e soltando baixos grunhidos.

— Esqueçam os animais e comecem a pedir aos deuses que não encontremos nenhum Kewmyïr — Jo Han advertiu, olhando em volta. — Não quero lutar contra um espírito vingativo.

— Min Ju, faça seu trabalho enquanto damos uma olhada por aqui. Precisamos confirmar se algum infernal está se escondendo nas nossas terras — Ryo Su avisou, obtendo um aceno positivo da mais nova, que prontamente foi às margens do profundo lago, coletando amostras de uma gosma cinzenta como a neblina e guardando em alguns potes.

Ryo Su e Jo Han seguiram em direções opostas, adentrando a floresta mais uma vez.

Jo Han andou um pouco pelos rastros de uma corrida imprudente de um ser desacostumado com florestas. Talvez estivesse sendo seguido. Única explicação além da insanidade para correr dentro de uma floresta densa. Ao voltar para a trilha que fizera minutos antes, seguiu pelo lado contrário, guiando-se por um cheiro incomum, uma mistura do adocicado forte e cinzas, encontrando o fluxo de um rio, onde se esgueirou lentamente pelos arbustos, tentando se manter em silêncio, ordenando o mesmo aos seus soldados.

O cheiro era forte.

Um cheiro semelhante àquela névoa, que irritava seu nariz e o fazia se sentir sufocado.

— Mas o que diabos... — murmurou, espantado.

Ryo Su seguiu bravamente em uma corrida até a planície dos lobos no momento que ouviu um rosnado grotesco, diferente de qualquer uma das feras de Haenim daquela região. Não, um rosnado seria diferente, teve a certeza. Era como se fosse um estalar de dentes, um murmúrio de uma criatura falando em língua antiga.

Após chegar próxima aos campos, ouviu novamente, junto a um murmúrio como se fosse um mantra. Freou abruptamente, tendo o vislumbre da silhueta de um ser encapuzado. Ao se aproximar um pouco mais, tentando ser silenciosa, constou que o ser estava desenhando atrás de um rochedo, algo que ela não reconhecia. Uma linguagem diferente à linguagem antiga, então rapidamente se posicionou atrás do seu alvo, a poucos pés de distância.

— Quem é você¹? — Ryo Su questionou em língua antiga, após avançar e marcar o fio da sua espada no pescoço daquele ser.

— Não imaginei que um celestial me encontrasse tão rapidamente² — retrucou, ficando imóvel e entre olhando nos olhos da guerreira, que imediatamente confirmou. A pupila marcada em uma linha reta, como os olhos de um gato. Um infernal.

— Saia da nossa terra³.

— Sua terra logo será nossa terra! — bradou, voltando à linguagem normal, fazendo um movimento brusco de encontro com a lâmina, cortando seu próprio pescoço profundamente. — Que a dinastia⁴ do deus das sombras reine!

Caindo inconsciente ao chão, Ryo Su o viu ainda respirar dolorosamente e, vendo que não havia mais salvação, fincou sua espada no peito do infernal, terminando com sua vida. Olhando atentamente para o círculo que ele desenhava, encontrou exatamente a mesma coisa que ele falou a poucos instantes: "Syïr Thum hyon", o deus das sombras reine, um pouco inacabado.

— Senhora Ryo Su! — um soldado se aproximou, batendo continência. — O senhor Jo Han encontrou algo.

Ryo Su olhou por mais alguns instantes o corpo sem vida do infernal, lançando-o um olhar de desdém e claro ódio, cerrando os dentes e os punhos, virando as costas e fazendo-o arder numa intensa chama.

Correndo como um flash, a general logo chegou ao local onde Jo Han estava abaixado, rodeado por névoa. Ela se aproximou lentamente e, quando chegou perto, identificou o mesmo círculo, o qual formava a neblina incansavelmente, com as mesmas gravações: "Syïr Thum hyon". Ele brilhava intensamente, num vermelho vivo, pulsante.

Com sua espada, Ryo Su cortou o círculo, fazendo a névoa começar a se dissipar lentamente, até que Min Ju se aproximou, segurando uma pequena porcelana.

— Reagiu com minha purificação — ela anunciou, quando viu o círculo. — Infernais?

Com apenas um aceno positivo de ambos, tiveram a certeza de que aquela névoa era coisa de Kud e, mais que isso, não seria a última vez que destruiriam tais gravações.

Chegando à Shichu, foram à cabana designada ao exército. Jo Han tossia incansavelmente e Min Ju se aproximou, encostando o ouvido no peito do hwarang, que recuou um pouco até bater na parede.

— O que diabos você pensou, ficando em meio àquela névoa densa? — Min Ju exasperou irritada. — Se queria se matar, encontrasse um método menos doloroso.

— Desculpe, eu acho — pontuou com uma voz sofrida, iniciando mais uma sequência de tosses e respirações pesadas.

— Acha que pode concertar ele, Min Ju? — Ryo Su questionou com os braços cruzados, escorada no vão da porta.

— Devo conseguir... — se afastando dele, o fez deitar enquanto ativava sua brilhante magia de luz, purificando o miasma dentro do seu corpo enquanto Jo Han tentava conter as tosses.

— Infernais invadindo Haenim? — Ryo Su discorreu, demonstrando irritação. — Como diabos Palk não notou a invasão?

— Ele não notou a kumiho também — Jo Han recordou, arrancando um suspiro profundo de Ryo Su.

— Imagino se os Vulpinos já não notaram a névoa... estão longe de Kodaeshi, mas estão conquistando aliados em toda Haenim... — a guerreira sentou-se ao lado de Min Ju, puxando alguns fios de Jo Han e fazendo trancinhas. — Isso será só mais um motivo para brigas e conflitos...

— Essa névoa vem circundando o lago das almas a uma década — uma voz arrastada e cansada invadiu o recinto, fazendo os três virarem seus olhares naquela direção.

— O lago das almas sempre foi um lugar úmido. As névoas sempre existiram — Min Ju elucidou, concentrando-se no seu trabalho de purificar Jo Han.

— Uma névoa adocicada... seca como as cinzas, letal como um gume — a senhora, que Ryo Su imaginou ter mais de cento e cinquenta anos pelas feições enrugadas, começou a declamar. — Nos primeiros anos, os pobres animais que rodeavam a floresta sucumbiram lentamente e putrefaram. Agora nosso povo está morrendo...

— Porque não comunicaram ao exército antes? — Jo Han se pronunciou após tossir mais uma vez. — Min Ju, por favor seja um pouco cautelosa... — ele sussurrou e a celestial sorriu envergonhada, gesticulando um "desculpe", enquanto abria levemente o hanbok, revelando a enorme cicatriz em seu peito.

— Durante uma guerra, o povo sofre com as mortes... pelo aço e pelo infortúnio. Deuses não sentirão o sofrimento de algumas dúzias de criaturas moribundas, se arrastando pelas vielas como vermes.

— Está errada, minha senhora — Ryo Su se levantou e se curvou um pouco, demonstrando respeito à velha. — Palk nunca viraria as costas para o seu povo enquanto pedem por ele.

— Então por que lutam? — ela soltou um sorriso melancólico. — Porque os yinw⁵ do Leste atacam Syïr Myos⁶? Abandonados à própria sorte, nosso povo clama e canta por piedade.

Ficaram em silêncio. A vida além de Hyunggwangshi. O sofrimento que a própria guerra causava... que os assuntos divinos repercutiam nas vidas daqueles que apenas viviam pacatamente em suas casas, vivendo na sua paz cotidiana, que estavam sendo negligenciados por causa de uma patética guerra, onde os infernais os atacavam sem pudor enquanto brigavam entre si...

— Os Vulpinos estão certos quanto a sua raiva com Palk... — Jo Han mencionou após ficarem sozinhos novamente. — Não sobre matar inocentes por acreditarem que a divindade está certa... Palk está negligenciando nossa raça.

— Precisamos nos centrar na verdadeira guerra e não nessa briga patética por poder... — Ryo Su comentou, deitando, quando Min Ju finalmente terminou sua purificação.

— Vai tossir ainda uns dias — avisou. — Talvez solte algumas secreções cinzas...

— Ah! — ele censurou, amarrando o hanbok. — Entendi.

— Por que a Unnie está tão irritada hoje? — Min Ju questionou ao ouvido de Jo Han, que logo se aproximou para responder.

— Pensei que as mulheres tinham períodos no mês que ficavam mais sensíveis — cogitou.

— Acha que a Unnie está nesse período? — ele concordou com um aceno, recebendo uma tapa no topo da cabeça. — Pare de brincadeiras... Unnie!

Ryo Su se virou letargicamente e Min Ju se deitou ao seu lado, abraçando-a e se enroscando nos longos cabelos vermelhos da guerreira. A mais velha se virou e a abraçou apertado, encostando sua bochecha na testa dela.

Enquanto Ryo Su brincava com os cabelos brancos de Min Ju, Min Ju observava um cordão com um pingente de narciso, em um lindo cristal. Involuntariamente, levou a mão até a joia, arrancando um sorriso de Ryo Su.

— In Su fez para mim — ela murmurou, num tom alegre. — É linda e calorosa, confortável... fico feliz que ele tenha herdado a magia de In Seok e não a fúria das minhas chamas.

— A magia de In Seok é perigosa — Min Ju considerou num tom infantil.

— Por isso estou temerosa... meu filho é incrível... quero vê-lo crescer e se tornar um homem maravilhoso... um cavalheiro maravilhoso... — os olhos da guerreira marejaram e ela fungou, controlando as lágrimas que ameaçavam cair. — Tenho medo de que meu tempo com ele não seja o suficiente para lhe ensinar sobre a vida... para vê-lo beijar uma garota, ou aconselhá-lo a amar...

— Não precisa ter medo, Unnie. — Min Ju a apertou, alisando-lhe as costas. — Seu filho irá crescer, e você irá acompanhar cada crescimento dele. Cada momento na sua vida. Vamos ganhar essa guerra contra os vulpinos e ficarmos livres da nossa guerra destinada contra os infernais.

— Imagino que Palk tenha chamado sua presença após o nascimento de Min Sun — Min Ju concordou com a cabeça. — Eles são os escolhidos.

— Um brilhante futuro os aguarda. Vamos ver nossas crias se tornarem celestiais incríveis — ela sorriu ao final, demonstrando, acima de tudo, esperança. — Nossos filhos trarão a paz.



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Vocabulário:

"Quem é você", em linguagem antiga, é Wyis mer yat.

"Não imaginei que um celestial me encontrasse tão rapidamente": Mya twukyom wïr yinw ew twe mös sat.

"Saia da nossa terra": Där own nür hoh.

"Que a dinastia do deus das sombras reine": Jhat moksu own Syïr Thum hyon.

Yinw: Da língua antiga, celestial, a raça.

Syïr Myos: Deus da Luz, Palk.

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