[CAPÍTULO 04]
– Então você acha que o conhece? – Namjoon perguntou enquanto arrancava um pedaço da torta e a enfiava na boca.
– Ele não me pareceu estranho. – respondeu Jimin, petiscando a cobertura de limão. – Não sei dizer de onde eu o conheço, mas algo nele me chamou atenção.
– Talvez ele seja algum cara que você conheceu em uma dessas festas. – sugeriu.
Jimin chacoalhou a cabeça para os lados.
– Eu me lembraria se fosse. – refutou. – É como se eu tivesse prestado atenção nele em algum lugar. Sabe quando você olha demais para uma pessoa e dias depois quando você a vê de novo algo te diz que ela é familiar? Pois bem, é assim que estou me sentindo agora.
– Ok, então vocês não se conhecem formalmente, mas você acredita que já o viu antes? – Namjoon disse, não como uma dúvida, mas uma observação. – Olha, Jimin, você lida com muitos clientes e fornecedores, não duvido que ele seja só mais um dessa lista.
Jimin se endireitou na cadeira, seus olhos ficaram distantes com recolhimento. Ele não disse nada, mas sua mente já tinha fabricado uma resposta para aquilo. O motoqueiro por quem ele matutava a cabeça para descobrir quem era não estava incluso na lista de clientes da empresa, muito menos em suas memórias festivas.
Talvez um dia você descubra, Jimin se recordou das palavras dele quando lhe ocorreu de perguntar o seu nome. Apesar de não obter a resposta que gostaria, aquilo de certa forma lhe soou como um desafio. Se ele gostava de competições, Jimin entraria nessa disputa.
Pego nessa tontura inebriante, Jimin escutou a campainha retinindo pela terceira vez. Uma vez em pé, Namjoon enfiou outro pedaço de bolo na boca e correu para atender a porta. Depois de devolver a chave para Hoseok, eles o convidaram para passar a noite juntos. Seungwan, namorada de Hoseok, também foi chamada.
– Desculpem o atraso. Eu tive que passar no supermercado para comprar umas bebidas. – disse Hoseok ao entrar na casa.
Jimin se virou para eles ao som de sua voz e acenou sobre a cabeça. Hoseok lhe devolveu o gesto enquanto Seungwan apenas sorriu em retorno. Ela removeu o casaco dos ombros e pôs sobre o espaldar da poltrona. Hoseok deslocou-se para a cozinha, onde colocou as sacolas sobre a ilha e começou a retirar as garrafas.
– Nós sabemos que ainda não é o melhor momento para comemorar nada, mas quisemos trazer algo para te distrair. – Seungwan falou para Jimin, que abriu os dentes em agradecimento.
– Bela tentativa. – acrescentou Namjoon. – A propósito, eu imagino que essa ideia tenha surgido de você, senhorita.
– O que está insinuando? – Hoseok emergiu na sala com quatro taças em mãos. Namjoon riu.
– O que quero dizer é que sua namorada tem um bom gosto. – ele reformulou, obtendo um par de olhos observadores.
– Isso me pareceu um pouco ofensivo. – Hoseok pensou, entretendo-se.
– Não seja bobo, amor. Namjoon está caçoando de sua cara. – Seungwan interviu, abraçando-o por trás. – O que acha de cortar os limões para fazermos a limonada?
Com um rápido selinho em seus lábios, Hoseok desapareceu para dentro da cozinha. Ela pegou a garrafa de vinho e começou a despejar o conteúdo nas taças. Jimin guardou o que sobrou da torta de limão na geladeira e retornou para ajudá-la. Namjoon, desse modo, optou por dar uma mãozinha a Hoseok.
Jimin não tinha notado que a televisão estava ligada no volume baixo. Ele se deu conta disso quando, muito de repente, se flagrou olhando à distância e encontrando a sua imagem refletida na tela. Não era possível ouvir o que estava sendo dito, mas ele sabia que tinha a ver com a investigação.
Ao observar o detetive Chul falando ao microfone, Jimin se aproximou da televisão com o coração batendo mais rápido e aumentou o volume. Ultimamente, ouvir o detetive Chul falar lhe causava um enxame de borboletas no estômago, seja por medo ou por qualquer outra razão que ele não poderia entender.
– Estamos trabalhando arduamente neste caso. Tudo o que posso dizer é que temos grandes suspeitas de que o assassino não tinha problemas direto com a família Park, portanto acreditamos que alguém o pagou para isso. Tudo ocorreu de forma premeditada, não há testemunhas oculares além do próprio filho do casal. Se estivermos certos, o assassino é de aluguel e ele não esperou encontrar uma testemunha no local, por isso também não a matou, pois a ordem que lhe foi dada sugeria apenas os pais.
"Os sicários, como são conhecidos esses assassinos de aluguel, geralmente matam os alvos certos, sem ferir uma terceira pessoa. Eles fazem isso por dinheiro, não poder. São manipuladores, engenhosos, pessoas comuns que frequentemente fazem parte de organizações criminosas. Se o homicídio em questão fosse um homicídio qualquer, a testemunha não estaria viva, o que significa dizer que se a testemunha está viva, mesmo com o assassino sabendo disso, podemos garantir que Park Jimin não estava em sua mira".
"O que também não quer dizer que ele não venha se tornar um alvo. Os sicários são mestres em serviço perfeito, eles demoram muito para executar seu plano, mas quando o fazem, geralmente não deixam rastros. Nós vamos checar a listagem com o histórico de pessoas que foram assassinos de aluguel, qualquer ligação parental ou ambiental pode nos levar ao autor do crime..."
Com isso, a televisão foi desligada. Jimin olhou por cima do ombro e encontrou o olhar de Seungwan. Ela estava com o controle em mãos, olhando para ele de modo peculiar. Sua amiga pôs uma mão ao redor de seu ombro e apertou os cantos da boca em lamentação.
– É melhor evitar assistir essas coisas. Pelo menos por agora. – ela sugeriu em um tom baixinho, quase aconchegante.
Jimin expressou um pouco de raiva em seu rosto, não pelo pedido em si, mas pelo que ouviu na televisão. O país inteiro estava sabendo desse ocorrido, seu nome estava na boca de muitas pessoas, inclusive na de seu tio, Dongyul, que muito provavelmente estava cruzando os dedos para tudo dar errado.
– Ele deve estar rindo agora. – disse Jimin, quase concernente ao seu pensamento anterior. – Digo, o cara que matou meus pais. Ele deve estar feliz com todo esse espetáculo. Eu consigo imaginar ele sentado no sofá assistindo essas reportagens e rindo do desastre que causou.
– Jimin...
– A mídia não para de falar sobre isso, Seungwan. As pessoas ficam me olhando torto, acham que eu tenho culpa no cartório. Sem contar que eles não estão preocupados com o que aconteceu, a única preocupação dessas pessoas é com o conteúdo que vão transmitir no fim da noite, e nada melhor do que usar o homicídio de uma família muito conhecida. Isso é um prato cheio para a imprensa.
– Isso é revoltante, eu sei. Mas não adianta culpar a imprensa por estar fazendo o trabalho deles. Além do mais, todas essas informações podem ajudar no caso, sabe, sobre manter a população informada.
– Ou, quem sabe, deixar o tal do assassino contente. – Jimin acrescentou com indiferença.
– Contente ou não, uma hora ele será descoberto. A população inteira está revoltada com isso e a polícia está trabalhando dia e noite. Meu pai disse que daria todo suporte necessário a polícia. Nesse momento, você tem que deixar que eles trabalhem, sem tomar ações precipitadas.
O pai de Seungwan tinha grande influência na política, se alguém poderia ser útil nessa busca, esse alguém era ele. Sendo um velho amigo da família, Son Hyunjae se mostrou igualmente determinado a descobrir quem era o responsável pelo crime. O detetive Chul aprovou a sua participação nesse caso, mas, obviamente, sem muitas interferências. Ele ainda tinha em mente que o mandante estava por perto e podia ser qualquer pessoa.
Claro que achar o assassino não traria seus pais de volta, Jimin pensou, mas alimentaria sua sede por justiça. Olho por olho. Dente por dente. Ele não estava somente preocupado em descobrir quem causou tudo isso, mas o porquê de ele ter feito aquilo.
– Quando você vai na delegacia fazer o retrato falado? – sua amiga perguntou de repente, atraindo os olhos dele de encontro aos seus.
Ele balançou a cabeça, cansado, folheando sua memória de longo prazo na esperança de ter acesso às lembranças daquela noite. Os detalhes eram vagos, mas a sensação de pavor continuava fresca em suas veias.
– Combinei com o detetive de fazer amanhã. Ele não mostrou o rosto, mas consigo me lembrar da máscara. – ele fechou os olhos brevemente, exalando. – Mesmo que isso pareça não servir, é tudo o que me lembro dele.
– Já é um ponto de partida. – disse Seungwan, sorrindo. – Primeiro a máscara, depois as roupas e, quem sabe, o rosto. Não tente se lembrar de tudo de uma vez, comece com os mínimos detalhes. É como um quebra-cabeça. Primeiro você monta as peças e depois forma o desenho.
– Limonada geladinha saindo. – disse Hoseok, trazendo uma bandeja com quatro copos grandes cheios de limonada.
Jimin e Seungwan se viraram para ele. Era possível ver os pedaços de limão na borda de cada copo. Namjoon surgiu logo atrás, enxugando as mãos em um pano de prato. Eles reuniram as bebidas sobre a mesa, como de costume, e colocaram as garrafas na bancada. A ideia de experimentar vários sabores de bebidas em uma mesma noite começou por Jimin, anos atrás, e se consolidou entre seu grupo de amigos.
Jimin olhou lentamente em torno da mesa, com um tipo de olhar de não requerimento. Ele realmente estava considerando melhor não tomar aquilo. Semanas atrás ele teria escolhido beber para alimentar sua distração, mas agora essa opção estava bem longe do topo de sua lista.
Levou um curto tempo para ele e Seungwan se juntarem aos demais. Estar com eles era legal, Jimin pensou, isso o espairecia, lhe fazia esquecer daquelas engrenagens mentais que sempre o carregavam de volta ao momento do homicídio. No entanto, essa estratégia não estava dando certo ultimamente, apesar de seu enorme esforço.
– Não vai beber, Jimin? – a voz de Namjoon o tirou de seu devaneio. Ele o encarou do outro lado da mesa.
– Não sei se quero beber. Eu estou me sentindo mal.
– Só um gole. – Hoseok insistiu. – Prometo que você vai amar a minha limonada.
– A nossa limonada, você quis dizer. – Namjoon corrigiu, o fazendo dar de ombros, em seguida voltou-se para Jimin. – Olha, não precisa beber todos se não quiser. Ao menos experimente a limonada.
– Estamos tentando te animar. Faça um esforcinho, sim? – Seungwan acrescentou gentilmente enquanto se acomodava no colo de Hoseok.
Jimin soltou um baixo gemido, se rendendo àquela insistência.
– Tudo bem, vocês venceram. – disse Jimin, encarando-os por um instante. – Mas nada de embriaguez, não quero ter que lidar com vocês vomitando pela minha sala. Exceto a Seungwan, claro, porque nem comigo ela trabalha.
– O privilégio de ser dona do próprio nariz. – ela adicionou em triunfo.
Hoseok cutucou o quadril dela por baixo e lhe deu um olhar cúmplice. Ninguém entendeu aquele gesto, mas Jimin supôs que seria algo particular à relação deles, uma piada interna talvez. Namjoon virou a cabeça para olhar para Jimin, se mostrando igualmente alheio àquilo. Seu amigo tentou ignorar a fagulha de desconforto em seu estômago e fabricou seu melhor sorriso em retorno.
Ele não estava nada bem. A reportagem despertou suas piores lembranças e as deixou flutuando em sua cabeça. Jimin não quis manifestar qualquer sinal de consternação, por isso pegou um copo de limonada e tomou dois goles, fingindo estar integrado.
Namjoon, percebendo o gesto dele, pigarreou e disse:
– E vocês, Seungwan, já decidiram quando vão procriar? – Hoseok se engasgou com a bebida, tossindo contra sua mão. Sua namorada o encarou feio.
– Bem, eu já estou no meu período fértil, então depende do Hoseok.
– É sério? – Namjoon fingiu uma falsa incredulidade. – O que está esperando, Hoseok? Não me diga que está com medo de fazer um filho.
– Claro que não! – ele se recompôs. – Acontece que ainda não é hora para pensar em ter filhos. Minha princesa sabe disso.
– Sei? – ela lhe perguntou duramente.
O rosto de Jimin era um retrato perfeito de quem se abstém de assuntos terceiros. Ele sabia que sua amiga sonhava em ter um filho, mas não se podia dizer o mesmo de Hoseok, que demonstrava não compartilhar o mesmo desejo que ela. O gênio matemático possuía outras prioridades, o que gerava algumas discussões passageiras entre eles.
– Amor, nós vamos ter um bebê, mas não por agora. Já falamos sobre isso. – Hoseok tentou uma abordagem mais afetuosa, uma das muitas usadas por ele para reduzir a carranca de sua namorada.
– Essa é a sua quinquagésima promessa. – ela observou, saindo de seu colo para se sentar na cadeira ao lado.
Com isso, Hoseok deu a Namjoon um olhar assassino, o que acabou arrancando uma risadinha de seu colega de trabalho. Eles viviam se provocando com coisas do tipo, mas nunca brigavam de verdade. Jimin nem precisou se meter antes que eles começassem uma briga mais séria, pois Seungwan se dedicou a encher seu segundo copo, desta vez ela optou pelo vinho.
– Bem, eu nem penso em ter filhos, pois já tenho a minha princesinha. Suni. – comentou Namjoon, roubando uma batata frita do pacote que Hoseok trouxe.
– Quem diabos é Suni? – Hoseok perguntou.
– A coelhinha dele. – foi Jimin quem respondeu. – A propósito, você já alimentou ela?
Namjoon bateu a mão na testa, gesto esse que indicava esquecimento. Ele resmungou um xingamento e então correu para a cozinha. Jimin sorriu um tiquinho com aquilo enquanto o observava desaparecer de seu campo de visão.
– Eu não sabia que ele gostava de coelhos. – disse Hoseok, parecendo vasculhar suas lembranças. – Aliás, ela está por aqui? Eu amo animais, mas não sou muito amante dos coelhos.
– Por que não?
– Ele tem alergia. – explicou Seungwan, dando de ombros. – Nós visitamos um zoológico mês passado e o Hoseok ficou quase uma semana se coçando.
– Agora está claro porque você chegou no trabalho parecendo um pimentão. – Jimin adicionou com uma risadinha.
– O seu pai me deu uma bronca porque achou que eu tinha tomado sol sem protetor solar. – Hoseok contou e logo se deu conta de que havia entrado em um assunto desconfortável. Sua namorada lhe repreendeu com um olhar. – Meu Deus, Jimin, eu não queria falar disso. Digo, não era minha intenção citar o seu pai, na verdade eu-
– Está tudo bem. – Jimin o interrompeu, sem indiferença ou grosseria.
O sorriso no rosto de Jimin começou a diminuir lentamente até que de repente desapareceu. Ele abaixou a cabeça por um breve momento. Toda essa experiência, gafe e equívoco vindo de outras pessoas não o deixava nem um pouco acostumado à elas. Não era a primeira vez que alguém citava seus pais como se eles ainda estivessem vivos.
Querendo ou não, a sensação que tinha era de que estava andando em círculos e que tudo o fazia retornar àquele momento em específico. Infelizmente.
– Eu vou tomar um banho. – disse Jimin ainda parado no mesmo lugar, esperando ver como eles reagiriam à sua justificativa. – Não precisam guardar a minha parte. Eu tenho que arrumar algumas coisas.
– Jimin, se é por causa do que falei...
– Não, fique tranquilo. Eu realmente preciso terminar algumas coisas. – ele sorriu em sua direção, o suficiente para tranquilizá-lo. – A propósito, Seungwan, você ainda está vendendo aquela casa?
A garota lhe deu um olhar confuso, realmente não compreendendo o motivo por trás de sua pergunta.
– Estou sim.
– Ótimo. Eu gostaria de dar uma olhadinha depois. Pode ser amanhã?
Seungwan enrugou a testa, mas não demonstrou objeção.
– Claro que sim. – disse ela ainda embaraçada. – Pensei que estivesse bem morando com o Namjoon.
– Bem, eu estou, mas quero ter um lugar só para mim. Eu percebo que às vezes ele tem vontade de sair, fazer as coisas pessoais dele, e por minha causa ele não o faz. – Jimin explicou o tanto quanto possível, temendo com a possibilidade de Namjoon o pegar no flagra. – Me ligue amanhã, está bem? De preferência antes do meu expediente. Quero olhar tudo com muita calma.
– Você vai contar para o Namjoon? – Hoseok perguntou baixinho.
– Quando eu tiver um lugar para mim, sim. – falou. – Eu gosto de morar com ele, mas não é legal atrapalhar a privacidade das pessoas, e eu sinto que estou atrapalhando a dele. Por isso quero ter o meu próprio lugar.
– Você vai gostar da casa, tem muito compartimento e não é tão grande. – sua amiga elucidou. – Amanhã te ligo para combinarmos o horário. Posso me encontrar com você na empresa, é mais prático.
– Combinado.
Seungwan sorriu em retorno. Antes, ela morava em uma casa no sul de Seul, que lhe tinha sido dada pelo seu pai, mas agora Hoseok e ela tinham uma casa juntos. Porém, nada de casamento.
– Soni quase devorou a minha mão. Não acredito que deixei minha bebê com fome praticamente o dia todo. – Namjoon surgiu na sala antes mesmo que Jimin tivesse a chance de ir para o quarto. Ele o encontrou em pé e franziu a testa. – Para onde está indo?
– Vou tomar um banho, mas não demoro. – explicou Jimin, sendo o mais breve possível.
– Ok, nós vamos te esperar. Ainda quero tomar aquele vinho com você.
Jimin não recusou, mas também não aceitou, ele somente sorriu um tantinho para o lado e se virou na direção das escadas. Ele ainda estava com aquela linha de pensamento que se negava a recusar qualquer oferta feita por Namjoon, especialmente por não querer decepcioná-lo.
Seu amigo estava fazendo o impossível para lhe deixar confortável, sem medir esforços, por isso Jimin tentava participar o máximo que podia, mesmo ele sabendo que era pelas razões erradas. A intenção não era fazer por ele mesmo, mas por Namjoon.
E caso isso alcançasse os ouvidos de Namjoon algum dia, certamente ele ficaria chateado. Muito chateado.
▸▸◂◂
Jungkook pegou uma garrafa de cerveja na geladeira e bateu a porta com o tornozelo. Ele removeu a tampa com os dentes enquanto caminhava na direção da varanda. O sol da manhã estava quente, o bastante para fazê-lo descartar a camisa do corpo e amarrá-la no braço como se fosse uma bandana.
Sua moto estava estacionada no pavimento à frente. Várias ferramentas estavam caídas para fora da bolsa de manutenção, todas elas sendo utilizadas para remediar o súbito problema na corrente. Havia impressões de graxas ao longo de seu abdômen e também da calça jeans, a qual ele tinha escolhido para fazer o serviço.
Agachando-se, Jungkook pegou a chave extrator e começou a remover os pinos da corrente, em seguida fez uma minuciosa inspeção no interior das talhas, deparando-se com vários detritos de areia. Ele limpou os resíduos de sujeira e aplicou um óleo antiferrugem.
Limpando a testa com as costas da mão, ele tomou um gole grande de sua cerveja e voltou a lubrificar a extensão da corrente. Jungkook costumava fazer algumas manutenções preventivas semanalmente, ainda mais sendo um participante do maior torneio de motos de sua cidade.
– O que está fazendo? – alguém perguntou. Era Taehyung.
Jungkook o encontrou encostado no batente da porta com os braços cruzados. Ele deu um bocejo, o que significava que tinha acabado de acordar. Seus olhos estavam inchados e o cabelo superficialmente bagunçado, mais sinais de que minutos antes ele estava em um sono profundo.
– Algumas manutenções. – seu irmão respondeu sem encará-lo. – O torneio está se aproximando, quero deixar minha boneca intacta.
– Sua boneca está ficando velha, você não acha?
Jungkook olhou para ele de modo crítico, ciente de que seu comentário não passou de uma observação engraçada. Seu irmão sentou-se no degrau da varanda, parte de seu rosto estava coberto pela sombra enquanto o resto de seu corpo ficava exposto ao sol.
– E aí, você não me contou sobre ontem. – mencionou Taehyung, atraindo ligeiramente os olhos de seu irmão. – Como foi o seu encontro com o herdeiro bonitinho?
– Ele não me reconheceu. – Taehyung fez uma cara de quem sabia que ele não tinha apenas aquilo para dizer. – Mas eu plantei alguma coisa na cabeça dele. Dúvida. Interesse. Curiosidade. Não sei. Só sei que ele ficou bastante interessado em saber o meu nome.
– Você disse?
– Claro que não. – óbvio, pensou Taehyung. – Digamos que eu estou tentando atraí-lo.
– É o seu joguinho de caça às bruxas? – Jungkook sorriu maliciosamente. – Caramba, você está colocando a corda no próprio pescoço. O que diabos você tem na cabeça?
– É uma estratégia. – ele tomou outro gole de sua cerveja e então deu de ombros, indiferente. – Meu objetivo é ficar por dentro da investigação. O que a polícia conta na televisão não é nem metade do que eles descobrem. Por isso, nada melhor do que usar aquele que está diretamente conectado ao caso.
– Acabo de descobrir que eu seria um bandido medroso. – falou Taehyung, se concentrando no que ele estava fazendo. – Se eu tivesse feito o que você fez, a minha primeira opção seria pegar o dinheiro do serviço e meter o pé daqui.
Com as palavras de Taehyung, Jungkook deu uma risadinha. Ele sabia que seu irmão não tinha estômago para fazer os mesmos serviços que ele, mas ele também não o condenava por o fazer. Eles tinham interesses em comuns com práticas totalmente diferentes.
– Fique tranquilo – acrescentou Jungkook brandamente. – Quando eu perceber que o barco está afundando, nós fugimos daqui.
– É sério que você quer correr esse risco?
Jungkook retornou o mesmo olhar para ele, aqueles olhos pretos lhe diziam que não havia outra estratégia tão boa quanto aquela. Fugir parecia uma opção racional, levando em conta a proporção que as coisas estavam tomando, mas isso não apagaria as pendências que ele tinha que resolver na cidade.
– Já corremos riscos piores. – Taehyung encolheu os ombros com aquilo. – Se sabermos o que eles estão investigando, fica fácil nos livrarmos das provas.
– Você me disse que não deixou pistas.
– Disse, mas isso não quer dizer que a polícia não pode encontrar evidências novas. Tudo pode acontecer e é melhor estarmos prevenidos.
Um arrepio de premonição formigou ao longo da espinha de Taehyung. As palavras de seu irmão caíram em cascata sobre ele como um balde de água gelada. Aquele assunto lhe tirava o sono.
– Quer saber? Eu prefiro falar de outras coisas. – disse Taehyung com um suspiro. – Passa essa cerveja para cá.
Jungkook lhe deu um olhar cerrado.
– Por que não pega uma para você?
– É só um gole, cara. Rapidinho.
O grande problema é que Jungkook sabia que não seria apenas um gole. Taehyung tinha mania de roubar seus petiscos do prato na infância, a diferença era que hoje em dia ele pedia permissão para o fazer.
Ainda assim, Jungkook esticou o braço e lhe entregou a garrafa, o que o levou a descobrir que Taehyung não estava esperando por aquele gesto. Ele pegou a cerveja de sua mão e virou o gargalo na boca.
Com isso, Jungkook voltou-se para a sua moto, onde atarraxou os pinos e apertou a corrente. Ele limpou as mãos em uma flanela para tirar o excesso de graxa e se pôs de pé. Era possível ver as faixas de suor deslizando ao longo de seu abdômen e sumindo dentro do cós da calça.
– O que acha? – perguntou Jungkook, referindo-se a moto.
– Que tal uma nova pintura?
Seu irmão considerou essa possibilidade, mas discordou da ideia com um balançar de cabeça. Sua moto nunca sofreu nenhuma rachadura na tinta e, além do mais, ele era apaixonado pela cor preta.
– Eu só preciso arrumar a placa e pronto. – Jungkook disse por fim, olhando para o seu irmão em seguida. – O que acha de me trazer outra cerveja?
Taehyung levantou as sobrancelhas, deixando claro sua oposição.
– Por que você mesmo não vai buscar?
– Porque você acabou de tomar a minha.
Em vez de refutar, Taehyung revirou os olhos e se levantou. A madeira do degrau rangeu quando ficou livre de seu peso. Antes de se virar para dentro, ele captou os olhos de Jungkook rindo em sua direção, um gesto amigavelmente traiçoeiro.
Nesse meio tempo, Jungkook aproveitou para passar um pano úmido sobre o guidão, o suficiente para deixar a pintura brilhando com seu reflexo escuro. Sua moto geralmente era muito paquerada pelos competidores do torneio, tanto de aparência quanto de potência.
Taehyung emergiu da entrada com duas garrafas pequenas, uma ele entregou para Jungkook, a outra ficou para si. Seu irmão agradeceu com um gesto de cabeça e então voltou-se para o que estava fazendo. Taehyung ficou recostado contra a cerca da varanda, um pouco entediado demais.
– O que vai fazer se seu plano der certo? – Taehyung perguntou, na tentativa de interromper aquele silêncio enfadonho. Jungkook não precisou raciocinar muito para entender o que sua dúvida significava.
– Vou continuar fazendo o que sempre fiz.
– E quanto a esse burguês? – ele dobrou os braços contra o peito. – Vai transar com ele depois?
– Se eu estiver entediado, sim.
Taehyung sorriu acidamente.
– Qual é, Jungkook, nós dois sabemos que você não descarta uma cama de luxo.
– Meu propósito não é esse. – Taehyung semicerrou os olhos, nada convencido. – Mas eu posso foder ele se eu quiser.
– Ah, é? E se por um acaso ele não te quiser? – Taehyung provocou.
– Foda-se. – ele deu de ombros. – Eu não estou nisso para comer ele. Isso seria apenas um acréscimo.
Jungkook dizia aquelas coisas porque Taehyung queria ouvi-las, mas no fundo ele sabia qual era o seu mais importante objetivo. Qualquer idiota com um pouco de raciocínio não se arriscaria tanto apenas para transar com a testemunha de um crime cometido por ele mesmo.
Para que funcione, ele deve estar focado na investigação e somente nela.
– Uh oh, olha só quem está vindo. – alertou Taehyung, olhando para além de Jungkook.
Seu irmão virou a cabeça na mesma hora que alguém cuspiu no asfalto, bem próximo de seus pés. Ao avaliar quem era, Jungkook torceu o nariz em ceticismo. Min Yoongi, seu maior rival do torneio El Serpiente, estava bem na sua frente.
– Olá, perdedor. Sentiu minha falta?
A pouco menos de um metro de distância, Jungkook observou que ele mascava um chiclete. Sua camisa estava aberta na região da clavícula, o que deixava sua tatuagem de dragão à vista. Um sorriso duro cruzou os lábios de Jungkook, seu gesto sugeria desafio.
– Ah, é você, Yoongi. – disse ele. – Agora entendi porque eu estava sentindo um cheiro forte de carniça.
Yoongi forçou uma risada grossa, fingindo achar graça de seu comentário.
– Você é uma comédia, Jungkook. Eu estou morrendo de rir por dentro, sabia? – ele continuou sorrindo, mas dessa vez seu gesto foi mais apertado. – Passei aqui para lhe avisar que estou de volta na cidade. Você não vai mais precisar trapacear nas provas, porque agora eu vou ficar de olho em cada passo seu. Dessa vez você tem um adversário de peso.
– Trapacear?
– Fiquei sabendo que você venceu todas as etapas da última prova, com certeza você manipulou o sistema para conseguir vencer. – Jungkook não disse nada, nem demonstrou estar ofendido. – A partir de hoje eu vou ser a sua sombra. Não tente bancar o espertinho comigo. Você vai chupar o meu pau de joelhos quando eu me tornar o vencedor desse torneio. Anote.
Taehyung não podia ver a expressão de seu irmão daquele ângulo, mas supôs que ele estava controlando todos os nervos de seu corpo para não agredir Yoongi. Ele não gostava de se meter nessa rivalidade, por isso não interferiu.
– Por que você não cuida da sua vida, Yoongi? – disparou Jungkook, fazendo uma longa pausa em seguida. – Olha, eu estou com sérias dúvidas se essa perseguição é por causa do torneio ou porque você tem algum tesão por mim.
– Sentir tesão por você? Não seja um idiota, perdedor. – dessa vez seu tom havia engrossado. – Não consigo entender o que a Soojin viu em você.
Jungkook lhe mostrou um sorriso cafajeste, um pouco mais erguido no canto esquerdo.
– Na hora que você estiver transando com ela, você vai saber.
Yoongi lhe deu um olhar de pura irritação e rangeu os dentes. De repente, ele partiu para cima de Jungkook, mas um corpo se lançou entre eles e bloqueou sua investida.
– O que pensa que está fazendo?! – sua namorada, Soojin, perguntou, empurrando-o para trás. Os olhos de Yoongi mostraram uma surpresa inicial ao vê-la.
– Esse filho da puta está me provocando. – alegou Yoongi.
– Foi você que chegou aqui cuspindo fogo. – Jungkook revidou, sorrindo lateralmente.
Soojin suspirou como se estivesse soltando fumaça da boca e então se virou para Jungkook.
– Pare de provocá-lo. – seus olhos pareciam sair faíscas de fúria, tão vermelhas quanto seu cabelo longo. – Você não cansa de ser assim, não é, Jungkook?
– Esquece ele, gatinha. – disse Yoongi, segurando-a pelo quadril. Ele deu uma mordida suave na orelha dela enquanto ainda fitava Jungkook, como se aquilo fosse incomodá-lo. – Vamos para casa. Quero me divertir com você.
– Vá na frente. – Yoongi olhou para ela de um jeito nada agradável. Ele não gostou nem um pouco do que ouviu. – Eu tenho algumas coisas para falar com o Jungkook.
– Você não tem nada para falar com esse babaca.
Ela o encarou feio. Um olhar verdadeiramente feroz afiou os ossos de seu rosto. Percebendo a censura navegando pelos olhos dela, Yoongi levantou as mãos em rendição e recuou. Mesmo preenchido pela raiva, ele não se opôs mais.
– Não demore. – ele disse baixinho, somente para Soojin ouvir, em seguida virou o rosto na direção de Jungkook. – Fique esperto, babaca, eu vou estar por perto. Serpiente es mi casa.
Com isso, Yoongi deu meia volta e atravessou a calçada, deixando alguns olhares felinos para trás na metade do caminho. Soojin atraiu o olhar de Jungkook, ela parecia tremendamente irritada.
– Por que não compra uma coleira, Soojin? – perguntou Jungkook, debochando. – De preferência vermelha para combinar com aquela tatuagem ridícula que ele tem no pescoço.
– Pare de agir assim. – ela o advertiu. – Eu estou farta dessa briga infantil entre vocês dois. Deixe o meu namorado em paz.
– Acho que esse conselho deveria ser dito a ele e não a mim. – Jungkook deu um passo adiante, ficando a meio metro de distância dela. – É bom você cuidar dele ou as coisas entre nós vão esquentar.
– Está fazendo isso por ciúme? Não me diga que ainda pensa em mim.
– Eu não vivo para o passado. – ele respondeu duramente, deixando-a sem palavras. – Como você mesma já disse, isso não foi nada além de uma transa. Lembra?
Uma nuvem escura caiu sobre a conversa. Jungkook não se importou em dizer aquilo, até porque ele já estava acostumado a ouvir da boca dela que ele só era bom de cama. Sendo verdade ou não, Jungkook não dava a mínima.
Soojin deu um passo ameaçador para perto dele, seu batom vermelho berrante poderia ser facilmente confundido com as mechas avermelhadas de seu cabelo. Ela era uma cabeça menor que ele e para encará-lo nos olhos era necessário inclinar o pescoço para trás.
– Acho melhor você ficar longe do meu homem. – a garota o alertou, com uma dose pesada de alegações comprimidas em suas palavras. – Se eu colocar a boca no trombone, você vai estar fora da competição em um estalar de dedos. Isso vai dar ao Yoongi passe livre para ser o novo campeão. E você, muito provavelmente, vai estar chorando na cadeia.
– Isso é uma ameaça?
– Considere o que quiser. – não havia nada de brincalhão em sua voz. – Se continuar interferindo nas nossas vidas, eu vou contar para todo mundo o seu segredinho.
As sobrancelhas de Jungkook foram arrastadas para cima. Ele pescou sua insinuação, mas não demonstrou qualquer reação que pudesse dar a ela a certeza de que o havia deixado incomodado.
– É só isso? – perguntou Jungkook, cruzando os braços contra o tronco de modo indiferente. Soojin deu de ombros. – Ótimo. Eu tenho mais o que fazer e acredito que você também.
– Com licença. – disse ela duramente, sem qualquer traço de gentileza.
Jungkook fez um gesto de desinteresse, como se estivesse despistando-a para longe. A garota lhe deu as costas e saiu pisando fundo em suas botas robustas. À medida que Soojin se afastava, Taehyung começou a se aproximar de seu irmão na mesma proporção.
– Eu ouvi errado ou ela te ameaçou? – perguntou.
– Você ouviu direito.
– Então quer dizer que ela sabe que você é...
– Não, ela não sabe. – com um movimento, Jungkook se virou para ele, seu olhar continha uma pequena partícula de raiva. – Uma vez ela viu o depósito de armas, a partir de então começou a acreditar que estou metido com coisas ilegais.
– Ok, menos mal.
– Errado. – aquela palavra causou um calafrio estranho na nuca de Taehyung, que o dispensou na mesma hora. – Qualquer alegação que ela fizer pode estragar a minha participação no torneio, sendo verdadeira ou não. E se isso acontecer, eu perco a chance de ganhar o prêmio. E você sabe o quanto precisamos desse prêmio.
– Então, o que você vai fazer?
De repente, ele soube exatamente o que fazer para evitar burburinhos sobre prováveis conclusões. Para não facilitar a brecha e obter a chance de evitar um possível problema, Jungkook só tinha uma coisa em mente.
– Se eles continuarem no meu pé, você sabe o que vou ser obrigado a fazer. Como dizia o nosso pai: "vamos matar o coelho com uma cajadada só".
Em outras palavras, aquilo significava matar para não ser morto.
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oi meus bebês, hoje a atualização saiu um pouquinho mais cedo, espero que tenham gostado <3
como é uma shortfic, muita coisa pode acontecer rapidamente, mas não se assustem, tudo terá uma explicação em breve. a partir de agora os capítulos vão demorar um tempinho para sair, tenho outro projeto em mente e quero colocá-lo em prática ainda essa semana
acho que é só isso, vejo vocês em breve... aguardem por dangerous, é tudo o que posso dizer rs
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