Testando 1..2..3
Quando acordei me senti diferente, não de uma maneira ruim, mas de um modo inusitado. Senti que tive um dos mais belos sonhos, entretanto não consegui me lembrar sobre o que era, minhas doíam como se estivesse sorrindo por um longo período.
Ainda sentia meus músculos doloridos mas não o suficiente para me impedir de levantar, a lua já tinha passado do meio do céu me levando a crer que estava de madrugada. O outro lado da cama estava vazio e frio, o lençol esticado como se ninguém nunca tivesse se deitado ali.
Busquei algum vestígio que indicasse que Satoru havia voltado, mas não encontrei nenhum.
Vesti um par de chinelos confortáveis e me levantei seguindo para o primeiro andar da casa, mas antes mesmo de descer vi o homem deitado no sofá de maneira torta - já que não era o suficiente para comportar sua altura - com o antebraço sobre os olhos e as pernas penduradas para fora dele.
Meu braço arrepiou quando uma corrente de ar passou pelo corredor, ele não tinha sequer uma coberta. Claro que Satoru não pegaria um resfriado mas no mínimo ficaria mais confortável, voltei para o quarto pegando um cobertor fofo e descendo sorrateiramente para não causar barulhos. O cobri com delicadeza olhando com cuidado sua forma, mesmo sem ver uma parte de seu rosto ele também parecia cansado, seu tronco subia e descia lentamente acompanhando sua respiração calma.
Julgando que parecia uma psicopata parada ao seu lado o encarando resolvi me afastar, andei até a cozinha vendo algumas sacolas. A comida era de um dos meus lugares favoritos, nada muito gastronômico, um restaurante familiar herdado de gerações. Só de pensar nas delícias que estavam ali já senti minha boca salivar, e o estômago roncar. Tendo ficado apagada por mais da metade do dia anterior, concluí que minha última refeição havia sido a pelo menos 36 horas atrás.
Assim como no dia em que cheguei de viagem usei chrono para fazer silêncio e esquentar o alimento sem correr o risco de acordar Satoru. Também me mantive no escuro, a luz noturna que entrava pelas janelas era mais do que o suficiente para me ajudar a enxergar, comi em silêncio e devagar sem ter um pensamento fixo em mente.
Não foi até que terminasse minha refeição que Satoru se mexeu, um suspiro fundo que indicou que ele havia acordado. Num gesto impensado, e nada maduro, acabei por me esconder atrás do balcão com a esperança dele não me ver.
Porém, estava sendo uma tola envergonhada, sabia que o homem leria minha energia amaldiçoada assim que se virasse. Abracei meus joelhos escondendo o rosto entre eles, enquanto os passos soavam vagarosos em minha direção. Perto e mais perto, até que parou.
-O que está fazendo?
Levantei os olhar e a imagem que estava em minha frente era de tirar o fôlego. Satoru estava parado ao meu lado, uma mão apoiada no balcão enquanto a outra se erguia até seus cabelos bagunçados - alguns fios estavam marcados pelo sofá e outros seguiam em direções diferentes - levantando um pouco a barra da camisa de cor branca. A calça de moletom larga era cinza e tão comprida que as barras chegavam a arrastar no chão cobrindo seus pés. A luz pálida e prateada da lua, que entrava pela pequena janela próxima a pia, iluminava sua figura lateralmente acentuando ainda mais seus olhos cintilantes, aumentando o contraste de luz e sombra que o ambiente proporcionava.
Desviei a cabeça encarando minhas mãos pensando numa explicação digna para dar, não encontrando nenhuma.
-Não sei - disse por fim - Só sendo uma idiota.
Satoru se manteve em silêncio, e só se mexeu para se apoiar de costas na bancada enquanto cruzava os braços. Senti seu olhar vir em minha direção já que estava na minha diagonal, e mais uma vez o ar pareceu ficar denso, frio. Embora não tivesse nenhuma saída de ar por perto.
Ergui a mão esquerda revelando o fio da nossa promessa; o grilhão colocado por nossos antepassados, a maldição que nos mantinha presos um ao outro nessa era. A linha ainda estava fraca pulsando num tom de vermelho opaco, não se comparava ao carmesim vivo que já foi um dia.
Fechei os olhos e coloquei a cabeça para trás, engolindo seco. Tomando coragem para iniciar uma conversa que não queria, porém que tinha como objetivo definir o rumo de nossas vidas desse ponto em diante.
-O que vamos fazer? - abri os olhos e virei a cabeça para que pudesse o encarar pela primeira vez - O que você quer fazer?
Não eram necessárias mais palavras, seu olhar sustentou o meu até que ele mesmo quebrou o contato passando a mão na lateral do rosto - Honestamente a parte de mim quer fingir que nada disso aconteceu. Mas do outro lado... Não sei se é a melhor opção, você não confiou em mim mesmo depois de todos esses anos.
Verdades, duras e cortantes como uma adaga. Mordi a parte de dentro da minha bochecha sentindo os olhos arderem, ele estava certo de toda maneira e circunstância. Quebrei sua confiança, desprezei sua ajuda e disse coisas que feriram mais do que qualquer golpe físico.
-Menti pra você, escondi minha verdadeira condição. - e continuei mexendo minhas mãos - E menti pra mim mesma acreditando que estava tomando as decisões certas. Desculpas não vai mudar o que foi feito, ou retirar as coisas que falei. Mas parece ser um bom começo.
Ouvi Satoru suspirando e quando voltei para o homem ele estava sentado no chão, igual a mim, como um espelho.
Alguns pensamentos indesejados passaram pela minha cabeça enquanto sentada no chão no escuro da cozinha.
-Vou entender se você-
-Não - ele me interrompeu desvendando meus pensamentos antes mesmo de continuar - Não diga, de todas as coisas que pensei; posso garantir que essa nunca passou pela minha cabeça, acabar ou isso ou pedir para você... Sair.
Pisquei algumas vezes sentindo as lágrimas cair dos meus olhos em silêncio, até mesmo sua voz parecia ter falhado no fim.
-Só acho cedo demais pra essa conversa acontecer - tentou de alguma maneira me confortar - Nenhum de nós sabe o que fazer porque isso nunca aconteceu antes.
-Falando dessa maneira quase parece algo bom. - disse com um leve riso, seco e sarcástico, enquanto passava a mão pelo rosto me livrando das trilhas úmidas que escorriam pelas minhas bochechas.
-E não é? O mais próximo disso, deve ter sido quando fomos treinar Megumi. - comentou por um momento trazendo memórias de pouco mais de um ano atrás. - E você não falou comigo por um dia.
-Até porque jogar uma criança sem treinamento numa casa com maldições é super aceitável. - rebati.
-[Nome], olhe para mim - me chamou com um tom de voz terno, como se estivesse conversando com a coisa mais delicada e preciosa do mundo - Só precisamos de tempo para entender o que aconteceu, só isso.
Aquela pequena frase fez com que o peso que estava guardado em meu peito se fosse, e a tensão criada por nós mesmo no ar se dissipou deixando uma estranheza curiosa, não maligna, mas associada com vergonha.
Tomamos consciência de nossas ações, certas ou erradas, reconhecemos as palavras cortantes ditas na hora da raiva e as feridas abertas por elas. Mas como qualquer machucado, é preciso tempo e cuidado para cicatrizar, embora a memória dele permaneça como qualquer outra marca na pele.
-Eu não queria trazer esse assunto dessa maneira, mas já que estamos numa zona livre. - sua voz saiu baixa e levemente envergonhada. Ele também mantinha o olhar direcionado para o chão - A viagem... Você ainda quer fazer?
Com os últimos acontecimentos me esqueci dos dias de folga que Yaga-san nos deu. Olhei para a lua brilhante e redonda que brilhava pela janela, como se ela fosse capaz de me dar alguma resposta.
- Acho... Necessário. - limpei a garganta - Para nós dois.
Satoru olhou pra mim rapidamente e colocou as mãos no chão se levantando - Certo, podemos arrumar as coisas de manhã.
Franzi o cenho, de repente ele estava acelerado. Batendo as mãos nas calças e se virando de costas pra mim, aquilo não estava normal em nenhum nível, tentei olhar para mim mesma na esperança de tentar descobrir algo foi quando reparei nas minhas vestes.
A camisa era dele. Branca, tão clara e fina que chegava a ser transparente, mas talvez o problema maior ali fossem os meus seios que estavam claramente marcados pelo tecido e em evidência por conta do ar frio da madrugada.
Pela primeira vez em muito tempo fiquei com vergonha de me expor para ele, sentindo meu rosto esquentar cruzando os braços na frente do corpo em seguida. Resolvi me levantar e colocar os talheres sujos na pia, me resolveria com eles quando o sol nascesse.
Dei alguns passos para longe dele já em direção às escadas antes de parar e o chamar - Hum... Você devia dormir na cama.
Aquela simples e boba frase já me trouxe borboletas e uma sensação engraçada para a barriga. Olhei rapidamente pra ele vendo que tinha sua atenção, comicamente pude sentir sua hesitação em descer os olhos do meu rosto.
Limpei a garganta - Sofá não é bom para alguém do seu tamanho. Boa noite.
E praticamente fugi para o andar de cima o mais rápido que consegui, meu coração batia animado e ansioso, como se fosse de uma jovem apaixonada alguém que estava sentindo o amor pela primeira vez. Me deitei não segurando a vontade de sorrir contra o travesseiro mas tentando me acalmar antes que Satoru voltasse.
Ainda levou algum tempo para que a porta do quarto abrisse, meus olhos estavam pesados novamente mas não o suficiente para me impedir de ouvir uma resposta pessoalmente.
-Boa noite, Bela Adormecida.
N/A: Hihihihi
Bom dia, bom dia meu povo! Atualização com cafezinho!
Eu amo esses dois, muito mesmo.
Até a próxima! Xx
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