Lago das Escolhas



Apenas a recepção já valia a viagem por si só, era um cenário pitoresco. O local era luxuoso, móveis e balcão feitos de uma madeira vermelha escura e bem polida com detalhes em cobre. Mesmo ali dentro, tinha uma pequena fonte de pedras empilhadas que jogava água fresca no laguinho de carpas coloridas. Esse passava por baixo da parede e terminava do lado de fora da entrada.

Ainda no átrio tinham grandes e almofadados sofás e poltronas de couro caramelo para acomodar os hóspedes enquanto aguardavam. Contudo, o que fazia valer mesmo a pena era a visão panorâmica dos montes verdes que surgiam no pé da montanha e longe bem no horizonte o famoso monte de topo congelado.

Satoru se propôs a fazer o registo de entrada, já que a reserva estava em seu nome. E enquanto isso acontecia eu me deixei andar até a enorme parede de vidro e observar. O lugar era realmente espetacular, fiquei feliz por vir. Seria um desperdício ter cancelado a reserva e perder essa oportunidade.

A mensagem de Akira sobre Gaia realmente foi algo preocupante, porém, necessária. Por mais que soasse presunçoso admitir, Satoru estava certo em falar que seriam tolos em nos enfrentar.

Sua mão não deixou de ficar apoiada nem por um instante em minha perna e ocasionalmente fazia círculos numa forma de carinho preguiçoso.

— Desculpe senhorita, mas posso supor que seja estrangeira.

Alguém desconhecido se colocou do meu lado, tinha um copo de bebida na mão e vestia um terno grafite elegante. Seu rosto era bonito, como de um modelo e jovial também, devia ter a minha idade. Um ano a mais ou a menos.

Vendo que eu não respondi a princípio ele repetiu a pergunta em inglês.

— Desculpe, sim, sou. Mas falo japonês. — respondi dando um leve passo para o lado e colocando algum espaço entre nós. — Só estava perdida em pensamentos.

— Entendo, é uma vista excepcional e às vezes não apreciada com a profundidade necessárias. — disse e continuou — O monte Fuji, por exemplo.

Ele indicou com a mão a montanha fazendo com que o gelo no copo tilintasse no processo.

— É um único vulcão, mas é composto por três menores e distintos. Komitake na base, Kofuji no centro e o Fuji que dá o nome ao restante no topo.

— Parece algo interessante, não se divulga muito essa informação.

O desconhecido abriu um sorriso tímido — Tem razão sobre isso, turistas geralmente se interessam mais na escalada e pela paisagem dos lagos.

Ele tomou um momento para se virar para mim — E se me permite dizer, seus olhos são mais belos do que qualquer um deles.

— Me vejo na obrigação de concordar — Satoru abraçou minha cintura e beijou o topo da minha cabeça — Acredita que já levaram as bagagens? Hospedes da primeira classe realmente tem vantagens.

Então ele virou o rosto para o homem o encarando por cima das lentes dos óculos escuros — Não conheço você, conheço?

— Acredito que não — o desconhecido sorriu sem graça. — Apenas mais um apreciador da vista, nada além.

— Entendo, nesse caso podemos ir certo? Já estou com a chave.

— Sim. — voltei me para o desconhecido — Agradeço pela curiosidade, nós dois poderemos apreciar a vista com profundidade agora.

Nos afastamos dali deixando o homem para trás, respirei fundo durante o caminho.

— Está tudo bem?

— Era só mais um babaca querendo arrumar uma companhia para noite. Não deve ter vistos que entramos juntos e achou ter uma chance. — apoiei de leve a cabeça no ombro dele, aproveitando da proximidade que a situação proporcionou. Pelo menos isso teve de bom.

O cansaço da viagem então começou a ganhar espaço e me vi cada vez mais sonolenta a medida que nos aproximávamos do quarto, ou melhor, da ala. Eram chalés com a mesma madeira avermelhada da entrada só que com um aspecto mais privativo, assim como mostrado no folheto.

Um pequeno caminho de pedras cinzas nos levou até a porta, era praticamente uma casa. Assim que entramos eramos recepcionados por poltronas luxuosas e reclináveis, havia uma pequena mesa baixa no centro entre elas. Tudo sobre um tapete claro e felpudo. Tinha também um balcão e algo que se assemelhava a uma cozinha com pias de mármore escuro e um frigobar.

Assim que entravamos do lado esquerdo tinham duas portas, uma que eu consegui reconhecer como uma suíte e a outra honestamente não fazia ideia. Tinha uma porta de correr que me lembrava as dos clássicos filmes samurais.

Era um quarto aberto sem paredes então mais ao fundo, depois de descer dois degraus tinha uma cama enorme centralizada num espaço amplo e além dela tinha apenas um balcão de vidro que dava acesso à fonte termal exclusiva do chalé.

Não consegui segurar o bocejo enquanto andava pelo lugar explorando um pouco mais. Puxei a porta misteriosa para descobrir uma sala de jantar tradicional japonesa. Supus que eles deveriam servir jantares ali, pois funcionários poderia entrar e sair a vontade sem precisar passar pelo quarto principal.

— Preciso ir até à recepção checar uma coisa — Satoru disse.

— Tem algum problema?

— Não, apenas um detalhe. — ele sorriu em resposta para mim — Volto logo.

Dito isso desapareceu da minha vista junto do funcionário, e eu me sentei na cama soltando os braços. Dirigir por tanto tempo sem ter costume realmente era cansativo, peguei a mala e abri, tinha um armário e poderia guardar as roupas ali. Contudo, a preguiça foi maior.

Me deitei  na cama em seguida, respirando fundo e fechando os olhos.




Havia um campo verde que se estendia e sumia no infinito, flores coloridas enfeitavam o ambiente e acima da minha cabeça tinha um céu noturno vibrante e estrelado. Tons de azul-escuro verde e roxo se misturavam criando uma imagem que só víamos em fotos.

Tinha algo de familiar ali, mas ao mesmo tempo, parecia diferente. Algo, no fundo da minha mente apontava para o antigo cenário em que encontrei minha versão ancestral, mas mesclado de uma maneira nova.

Um brilho vermelho piscou e então a linha do destino se iluminou como um caminho, não precisava de algo para me dizer que desejava que eu a seguisse. Sempre pensei nas três linhas da Dádiva das Moiras como vivas, mas nunca senti uma conexão tão forte. Era quase como ter uma voz rouca soprada cantada direta na minha mente, quente e carinhosa.

Ainda que não compreendesse a situação segui seu chamado, estava descalça. Sentia a sensação da terra e grama embaixo dos meus pés, a brisa que flertava com meus cabelos e o aroma envolvente das flores. Em certo momento o solo simplesmente desapareceu e o que eu tinha na minha frente era um lago eterno feito de constelações. Não conseguia dizer se estava apenas refletindo o céu deslumbrante ou se tinha algo de mágico em suas águas calmas.

A linha do destino me puxou mais uma vez, como se estivesse esperando que eu continuasse. Tive momentos o suficiente para saber que aquilo não era apenas um sonho.

— Não vou entrar. — disse encarando ao fio carmesim que se enrolava em meu dedo. E de novo quase pude ouvir uma risada, dessa vez mais forte e masculina. Precisei me virar para ter certeza de que estava sozinha.

'Confie em mim'

Era o que estava me dizendo.

Tomei alguns passos de distância galgando coragem para seguir aquele pedido desconhecido, então corri e me lancei ao lago estrelado. Não me molhei, mas parecia flutuar em algo que não era feito de matéria e afundei mesmo que mexesse os braços para tentar evitar.

Nesse instante apareceu uma esfera de luz na minha frente e dela saiam inúmeros ramos, um parecia mais robusto, mas os outros eram finos. Estiquei o dedo para um deles, era uma lembrança.

Foi o momento em que a linha de Kairós se revelou pela primeira vez, ainda no hospital e depois disso eu deixando Shoko e seguindo meu caminho, sozinha. Esse era a raiz mais larga, e tomada pela curiosidade encostei num dos filetes mais finos e mesmo que borrado vi outra realidade uma em que eu seguia a sugestão da minha amiga e pegava o carro para ir para casa.

Então caiu a minha ficha, estava dentro de Kairós. As estrelas que vi refletida eram os momentos de decisão, as oportunidades da minha nova linha do tempo, as raízes fortes foram minhas opções e os filetes finos as outras possibilidades.

Quando ganhei a linha azul-escura devo ter ganho também essa nova habilidade, a de ver minhas escolhas passadas. A linha vermelha brilhou forte envolta de mim, espiralando como se estivesse feliz pela minha descoberta.

Queria que eu fizesse algo, mas o quê?









N/A: Ohhhhhh! E agora qual é da linha do destino, e quem é a voz masculina?

Obrigada por lerem até aqui!

Ah e caso não tenha ficado claro, Kairós é literalmente um momento de oportunidade. Um exemplo bem bobo, um amigo te convida para ir para praia. Você ir ou não é a escolha, existe uma "vida" antes dessa decisão e uma depois.

Até mais, Xx!

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