Ciclo das Eras
Abri os olhos num susto e sem perceber estar na beirada da cama acabei caindo no chão com um som abafado. Resmungando alto pela dor que veio junto, passei a mão na lateral do braço numa tentativa de aliviar a dor e me sentei em seguida. Como se a minha mente confusa já não fosse o suficiente, ainda estava me portando de maneira desastrada.
A porta que levava para a terma se abriu para revelar um Satoru de cabelos molhados e roupão, olhando — um tanto quanto preocupado —, para dentro. Quando me viu caída ao lado da cama pude ver seu rosto se contorcer num riso contido. Causando um rubor quente nas minhas bochechas
Ele se aproximou esticando a mão a fim de me ajudar a levantar.
— Não diga nada — comentei sem encarar seus olhos.
— Não pensei em nada.
— E eu não sei a maioria das coisas que passa na sua cabeça.
Agora ele riu abertamente e me puxou para levantar, sua mão estava quente. Ele devia estar nas águas fumegantes da montanha já a algum tempo. — Parecia estar tendo um sonho agitado, mas não imaginei que cairia da cama.
— O que quer dizer com isso?
— Quando voltei a mala estava no chão, deve ter chutado. — explicou apontando para a bolsa com um dos diários em cima. O outro estava na mesa aberto numa página qualquer.
Voltei a me sentar na cama apoiando a mão no rosto antes de suspirar, o que foi tudo aquilo? Me sentia cansada, e diria até mesmo esgotada de energia amaldiçoada.
— Não sei se foi bem um sonho — expliquei — Pareceu com uma das visitas que fiz no território da minha ancestral, mas diferente. Estou exausta, como se estivesse usando as minhas técnicas por tempo demais.
Satoru ouviu a minha explicação e eu soube quando colocou os olhos em mim que estava me analisando em busca de algum traço anormal de energia amaldiçoada. Contudo, não disse nada sobre o assunto.
— Podemos ficar por aqui? Ao invés de ir ao restaurante ou algo do tipo. — mexi os dedos nervosamente — Não sei realmente como as coisas funcionam, ou o que pensou.
O homem deu um leve sorriso — Deixo as decisões nas suas mãos.
Enquanto ele soltava para o lado de fora, resolvi eu mesma me permitir algum relaxamento. Como todos os lugares por ali a suíte também era puro luxo, cheio de pedras ricas como ornamento; banheira e uma ducha que se assemelhava a uma cachoeira. Tinham vestes tradicionais postas num armário calças largas e um quimono também aparentemente confortável.
Assim que a água encheu o mármore escuro da banheira entrei. Um suspiro de satisfação por poder ficar apenas parada fazendo absolutamente nada. Porém, com a mente trabalhando em inúmeras hipóteses.
Ergui a mão para olhar minhas linhas, como se o ato fosse me trazer uma resposta. Pareciam de alguma forma, diferentes, mas ainda assim minhas.
Fiquei imersa até que meus dedos enrugassem e depois me vesti voltando para o quarto. Sem nenhuma conclusão, mas pelo menos com o corpo relaxado. Satoru também tinha as mesmas vestes tradicionais e parecia ler um dos diários que eu trouxe, estava deitado com um braço atrás da cabeça enquanto a outra mão segurava o caderno aberto.
— O que é Arius? — me perguntou.
— Palavra? — repeti para ter uma confirmação — Em grego é um nome que significa imortal. Porquê?
— Está escrito no diário de Theodore, bem é só uma nota na lateral de uma página, mas está em grego não entendo o resto.
Coloquei as coisas na mala e andei até a cama me sentando ao seu lado, estendi a mão para pegar o livro e realmente tinha um escrito no interior da folha, quase imperceptível.
— "Obrigado Arius por me dar a oportunidade de realizar a coisa certa, serei grato eternamente viajante." É o que está escrito — continuei —, quando me contou o que aconteceu em Prometeu pensei que o viajante era Akira.
— Aparentemente não. — Satoru cruzou os dois braços atrás da cabeça e olhou para o teto antes de fechar os olhos — Arius é um bom nome, eu gosto. Parece ser um cara legal.
— Suponho que sim. — olhei pelo canto de olho confusa pela recém-declaração a uma pessoa desconhecida. Voltei ler as anotações por um segundo, nessa mesma página tinha uma inscrição sobre às três categorias de tempo no mundo; Khróno o tempo cronológico, medido com um princípio e um fim; Kairós o indeterminado, quando algo especial acontece; Aíôn, tempo sagrado e eterno, cíclico e imensurável.
Ciclo... Desde séculos atrás era o que fazia com que eu e Satoru voltássemos, o contrato feito pelos que vieram antes de nós foi um momento de oportunidade. Nessa equação onde o tempo comum se encaixava?
Um barulho chamou minha atenção e vi sombras passando atrás da porta de correr, onde ficava a sala de jantar. Eram os funcionários, deviam estar organizando a mesa de refeição. Tão rápido quando eles vieram foram embora, nesse instante Satoru sumiu do meu lado surgindo atrás da porta numa silhueta. Marquei a página do diário e andei até onde ele estava.
— Está tudo bem? — murmurei puxando a divisória.
Tinha algo de estranho no homem, não sabia dizer o que, mas se assemelhava a vergonha que eu senti durante nossa conversa na madrugada.
— Sim, — ele bateu as mãos juntas mudando a feição repentinamente — só estava checando se está tudo certo.
Definitivamente tinha algo de errado, mas se ele não queria me contar. Também não questionaria mais.
Sentei-me em frente a mesa, tinha uma diversidade enorme de pratos a minha disposição; um jogo de jantar de porcelana cuidadosamente posicionado e uma parte separada com bebidas. Tradicionais e estrangeiras também. Ajeitei o cabelo, atrás da orelha antes de me servir de algo. Poderia ser o mais simples das delícias dispostas ali, mas tudo era absolutamente espetacular.
Olhei para frente e Satoru estava me olhando intensamente como se estivesse vendo através da minha alma, completamente vidrado. Não desviou nem mesmo quando reparei.
— O que foi? — virei para checar se não tinha nada atrás de mim com algum receio.
Foi um vislumbre, mas vi e senti dor tremulando pela linha do destino — O jeito que agiu, me lembrou dela. — foi tudo que disse.
Imediatamente entendi o que quis dizer. Nos anos que passamos juntos, eventualmente a conversa sobre a família dele viria a tona, numa dessas noites em que trocamos algumas palavras soube que ser de uma família de tradição significava muitas coisas; crescer com afeto não era uma delas. A mãe de Satoru faleceu quando era criança, e ele mesmo dizia ter poucas lembranças.
— Tenho certeza que qualquer gesto dela era infinitamente mais gracioso do que os meus. — desviei do assunto — Acredito que deveria ter uma ordem certa para se portar numa situação dessa, mas meu conhecimento tradicional não é tão profundo.
— Já teria quebrado algumas regras de etiqueta se estivesse sendo avaliada pelos antigos. — comentou recuperando o tom de riso e se servindo. — Sorte sua que eu não prestei atenção nelas quando tentaram me ensinar.
— Nunca agradeci tanto pelo seu desinteresse. Já acho o suficiente usar as roupas — ergui o braço onde a manga tinha quase um palmo inteiro de tecido extra —, sei que é para ser confortável, mas isso aqui é um tanto quanto irritante.
— Vindo de um lugar que mal tem mangas nas roupas realmente deve ser.
— Mediterrâneo é um lugar quente Satoru, mal se usa roupas.
O homem baixou os olhos — Talvez deva ser nosso próximo destino então.
Aquela frase poderia ser interpretadas de várias maneiras, e a mais fácil de alcançar delas me fez sentir um calor subir pela coluna rompendo em vergonha no meu rosto. Nesse instante uma risada baixa atravessou o ar junto do fio da promessa que brilhou num lapso de cor.
— Akira com certeza vai te adorar ter no apartamento dele questionando o péssimo gosto para decoração.
— Parece uma viagem perfeita.
O jantar continuou com conversas aleatórias acontecendo entre um prato e outra, risos envergonhados e flertes infantis. Não senti mais nada de estranho, isso até que as sobremesas fossem apresentadas.
Linda e exuberante como todos os outros, mas o que me chamou a atenção foi o formato retangular. Como um quebra-cabeça incompleto, parecia faltar algo naquele prato. Então nesse instante uma imagem pareceu ser sobreposta, onde ao lado daquele doce uma caixa de veludo azul-escuro esperava por um grande momento.
Pisquei algumas vezes e a imagem se desfez. Foi como as silhuetas que vi na cozinha da casa algum tempo atrás, mas dessa vez sem dor, como um breve vislumbre de outra realidade.
'Garota esperta'
Soltei o talher num susto e olhei para o lado, era a voz do meu sonho. Estava completamente arrepiada e isso fez com que eu me levantasse num salto causando confusão em Satoru.
— Você é alérgica ou algo do tipo? — questionou — Porquê dessa reação?
— O que vou falar soará insano — passei a mão no pescoço —, mas tenho certeza que tem um cara dentro da minha cabeça. E não, não é você.
Interrompi antes mesmo que ele pudesse me questionar.
— Como uma interferência? Pensei que a linha telefônica Gojo fosse particular.
Grunhi, andando de uma lado para o outro — É diferente, também apareceu no meu sonho. O que você achou agitado demais, mas parecia mais próximo como se fosse uma parte de mim.
Enquanto eu falava o homem tranquilamente aproveitava do doce sozinho, então clicou.
O lago de Kairós, me permitia ver uma infinidade de possibilidades inclusive o resultado das escolhas que eu não fiz. No fim toda a briga de Gunkanjima levava apenas a um resultado, uma única mágoa compartilhada dos dois lados.
Andei até Satoru com determinação, tirei o talher de sua boca e o puxei para levantar — Você precisa vir comigo, agora.
— O quê?
— Espaço-tempo é um conceito quadrimensional, com quatro coordenadas eu consigo encontrar o momento correto de um evento. Apesar de eu ter o tempo não consigo achar local sem o espaço. Que no caso é você!
— Espera. — ele me segurou pelos ombros — Do que você está falando?
— Deve ter visto a minha linha nova. — levantei a mão — Essa é a Kairós, ela me deixa ver as escolhas que fiz em vida e também o que aconteceria se tomasse outras decisões. Foi isso que eu vi no sonho, não entendi o que queria de mim naquele momento. Agora sei!
— É bom ter finalmente uma explicação desse segundo fio azul. — retrucou — Porém, o que você está falando não tem nenhum sentido.
— Sei que não, mas preciso que confie em mim — e continuei —, e se deite comigo.
Nesse momento ele parou, como se precisasse raciocinar minha fala e então sorriu galanteador — Não acredito que você inventou uma desculpa apenas para me levar para cama [Nome], parece imoral vindo de você. Quase acreditei.
Essa frase, a situação se repetiu.
— Vestidos — corrigi e o puxei — Como no hospital. Só que dessa vez você não estará ocupando 80% do espaço enquanto briga mentalmente com seu antepassado problemático.
— Não tinha uma campina para apaziguar nossos ânimos.
— Claro. Até porque flores fariam muita diferença. — sorri e me deitei na cama batendo do meu lado.
Para ser honesta nem sabia se aquilo daria certo, mas foi a única ideia que tive. Já acessamos os territórios dos antepassados assim, e a intimidade que tinha com Kairós me fazia acreditar que seria mais fácil levar alguém para o meu mundo entre mundos dessa forma.
Satoru se deitou mesmo que duvidando do que disse, alcancei sua mão entrelaçando nossos dedos enquanto acalmava a respiração. Fechei os olhos me concentrando no fio escuro que nos rodeava.
— E então? Tem alguma palavra mágica?
— Calado, Príncipe Phillip.
N/A: Obrigada por me acompanharem até aqui.
A saga de Sýndesis não é tão fácil de entender, eu sei disso, mas assim estou eu aqui para vos instigar. Muita coisa numa primeira leitura parece um bicho de 3825 cabeças, mas garanto que as coisas se resolvem.
Até mais, Xx.
Referência Científica do capítulo
Na física, espaço-tempo é o sistema de coordenadas utilizado como base para o estudo da relatividade restrita e relatividade geral. O tempo e o espaço tridimensional são concebidos, em conjunto, como uma única variedade de quatro dimensões a que se dá o nome de espaço-tempo. Um ponto, no espaço-tempo, pode ser designado como um "acontecimento". Cada acontecimento tem quatro coordenadas (t, x, y, z); ou, em coordenadas angulares, t, r, θ, e φ que dizem o local e a hora em que ele ocorreu, ocorre ou ocorrerá.
-Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre (espaço-tempo)
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"Khrónos é tempo cronológico, o tempo fisico, que pode ser medido, com um princípio e um fim.
Kairós é um tempo indeterminado, é o tempo metafísico em que algo especial acontece, é o tempo marcado com um "antes" e um "depois".
Aíôn era o tempo sagrado e eterno, é o tempo cíclico e imensurável."
-De Cronos à Kairós, ou sobre o tempo de cada um. by Marcos Contente https://link.medium.com/4Wknf38Sjob
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