Amor de Maldição




A luz amarelada da sala me incomodava profundamente, as paredes estavam cobertas de selos de maldição, novos velhos de todas as cores possíveis. Bem no centro dela havia um garoto vestido de branco, descalço e olhando para cima. Tão distante que mal reparou no momento em que entramos no local.

Seus cabelos eram escuros e levemente bagunçados, me lembrava Megumi nesse aspecto, o rosto vestia uma máscara de dor profunda que ganhava destaque pelas olheiras escuras que contornavam seus olhos. Satoru colocou em meu ombro apenas para em seguida alcançar meu pescoço e apertar a base num carinho antes de sair para tentar cumprir seus deveres como professor.

Apenas quando estava a poucos metros do garoto ele pareceu reparar em mim.

— Pare — me alertou com certo pânico — É perigoso se aproximar.

Já previa que seria uma conversa cheia de inseguranças, então ali mesmo onde parei empurrei algumas velas com o pé abri espaço para poder me sentar. Cruzei as pernas, e do chão olhei para o garoto — Está tudo bem, vou confiar em você. Estou aqui para te fazer companhia, aquele idiota vendado e alto pensou que pudesse fazer bom uso de alguma. Imagino que ficar aqui noite e dia não seja particularmente agradável.

Pude ver a confusão e dúvida dançando atrás de seus olhos, já era melhor que o vazio que os preenchia antes.

— Sou [Nome] Kismet, faço parte da instituição — tombei a cabeça para o lado —, em algo próximo a relações internacionais. Faço a ponte entre a comunidade jujutsu estrangeira e o núcleo.

— Yuta Okkotsu — respondeu ainda com um pouco de incerteza, sua postura mudando um pouco e se tornando mais receptiva a uma conversa, seus braços já não estavam mais cruzados abraçando os joelhos, mas sim apoiados sobre as pernas — Não sou ninguém.

Sorri de leve e apoiei o cotovelo na perna usando de suporte para o rosto — É uma sala bem protegida essa que você está 'Sr. Ninguém'.

Yuta brincou com a barra de suas calças desviando o olhar do meu e abaixando a cabeça — Sou perigoso, você não deveria estar aqui se a Rika-cha-

Ele mesmo interrompeu sua fala, é claro que já estava ciente de toda a situação. Até antes mesmo de chegar até ali Yaga-san me proveu com alguns avisos, a maldição que ele chamava de Rika-chan era de grau especial a chamou atenção quando colocou alguns colegas de classe do rapaz dentro de um armário na escola.

Porém, para ganhar alguma confiança eu não poderia apenas chegar e despejar pensamentos sobre o garoto. Ao invés de agir como todos os outros, conseguiria uma abertura o deixando confortável o suficiente comigo, só então poderia ajudar.

— Quem é Rika-chan? — perguntei e fingi ficar envergonhada levando as mãos até o rosto — Oh, é sua namorada?

Yuta ficou corado e olhou para o lado — Não, exatamente...

— Parece que afinal você é alguém e tem uma história para contar. Façamos um trato Okkotsu-kun, se você quiser eu te conto como cheguei até aqui e em troca você me conta como acabou preso nessa sala. O que acha?

— Bom, eu acho...

Limpei a garganta, desde que toda essa loucura começou não parei realmente para refletir tudo que aconteceu. Ocasionalmente me pegava pensando em um momento ou outro do passado, mas nunca com a sequência verídica de acontecimentos. Então relatar a minha vida para o garoto seria uma experiência e tanto.

Parti do meu início, como acordei certo dia com o cheiro de sangue misturado com o de brisa salgada. Gritos sufocados por explosões num massacre ao antigo monastério, meu lar que ficava na costa do mar Egeu simplesmente desapareceu e com ele muitas das pessoas que considerava minha família. Forçada a mudar de pais para fugir de uma organização problemática encontrei meu refúgio em terras japonesas.

Até mais do que isso, o que achei na terra do sol nascente foram respostas, conforto e um propósito. Muito disso vindo de Akio-san, o gentil assistente que meu coração acolheu como pai. Contei a Yuta sobre a minha técnica a 'Dádiva das Moiras' e sobre seus fios que teciam a enorme tapeçaria que moldava minha vida — não só ela como a de Satoru também — sim, não tinha como deixar de fora algum romance. Vidas que rompiam o espaço-tempo para se reencontrar, uma promessa eterna feita de maldição.

O jovem pareceu interessado quando contei sobre Gaia e Prometeu, e ainda mais quando Akira apareceu na conversa. Meu projeto de irmão, qual teve sua família carregando uma missão através de séculos apenas para chegar aos dias atuais; quase isso já que fazem alguns anos.

— Akira agora fica na Grécia, ajudando com todas as burocracias. Encontro com ele ocasionalmente. — me inclinei para frente falando mais baixo — Quando os velhos do conselho me mandam ir.

— Kismet-san...

— Apenas [Nome] está bem — interrompi — Não existe necessidade de ser formal.

— [Nome]-san, você consegue ver o futuro? — havia um tom de inocência em sua voz, era uma curiosidade genuína e não chegava a ser tão absurda.

Abaixei a cabeça mexendo com os dedos apoiados em meu colo — Depende, o conceito de tempo é bem complicado. Posso presumir as intenções de uma pessoa até um certo ponto, mas se suas atitudes mudarem o restante também muda.

Depois do que pareceram serem horas conversando já poderia presumir algumas coisas — Está pensando que se tivesse essa habilidade poderia prevenir Rika-chan de machucar alguém?

Silêncio foi a resposta.

— É uma habilidade forte, mas também possui consequências fortes. — expliquei — O passado me envenena e me força a passar por algo parecido com um tratamento. Preciso viver todos os dias pensando que não sou apenas eu, mas sim que tem outra pessoa que só está viva porque eu estou.

— Por muito tempo achei ser uma maldição, até poucos meses atrás existia esse gosto amargo na minha boca. — expliquei — Nós brigamos no ano passado, quase nos matamos, porque fui estúpida o suficiente para pensar em ter resolver as coisas sozinhas. Fiz decisões egoístas e no fim quase destruí tudo, quase literalmente já que temos toda essa questão espaço-tempo.

Apoiei a mão no chão sentindo as minhas pernas formigarem após ficar sentada por tanto tempo. Bati a mão nas minhas vestes me livrando da poeira.

— Rika-chan é uma maldição, mas, ao mesmo tempo, ela te protege Yuta-kun. E pode ajudar a proteger outras pessoas, a escola de jujutsu vai te ensinar isso — e continuei —, mas você precisa querer viver por si mesmo. Estive onde você está, então presumo entender seus sentimentos melhor do que qualquer um dos velhos do conselho.

— Sua vida é sua, mas também é da Rika-chan. Maldições não são apenas mortas, algumas são libertas — dei alguns passos em direção a um pedaço brilhante de metal retorcido jogado no canto — Nas palavras de Satoru Gojo: lute pela sua vida primeiro, antes de tentar a entregar.

Abaixei-me para alcançar o que descobri ser uma faca.

— Você é um rapaz gentil Yuta, não quer que nenhum mal chegue aos outros, mas está esquecendo de você mesmo. Não deixe os velhos entrarem na sua cabeça.

— Acredita que realmente posso conseguir... Livrar Rika-chan?

Com passos decididos andei em sua direção e coloquei a mão em sua cabeça num afago — Tudo é possível até que seja provado ao contrário, podemos tentar, mas para isso você precisa continuar vivo não?

Ele estava assustado — é claro que estava —, era apenas um garoto jogado numa realidade onde a única opção aparente era a morte. Viu muito mais horrores do que a maioria dos jovens com a mesma idade, provavelmente por conta da própria condição.

Sequei com as costas da mão a lágrima solitária que escorreu por seu rosto — Vou buscar algo para comermos, o que servem por aqui não deve ser muito gostoso.

Virei-me e sai da sala me segurando até o momento em que sai de seu campo de visão, só então deixei a minha feição cair, com os ombros derrotados e um peso imediato se fazendo presente. Apertei o pescoço fazendo o caminho de volta para a saída almejando por um pouco de ar puro.

Um suspiro alto deixou a minha boca quando tive uma visão do céu azul, parado do lado de fora encostado na parede estava Satoru, mantinha as mãos nos bolsos do uniforme escuro e parecia estar pensando em algo.

— Então como foi?

Não respondi, ao invés disso, joguei a faca retorcida em sua direção. O homem estendeu a mão pegando o metal.

— Não muito bem — passei a mão pelos meus cabelos — É uma criança, esse concelho estúpido sempre pensa que a melhor opção é matar ao invés de entender.

— Cuidado, as paredes tem ouvido.

— Para o inferno com elas — rebati —, o que vão fazer matar a nós dois? Yuta não quer morrer, plantaram essa ideia na cabeça dele, como se fosse a única opção.

— Yuta? Já usando o primeiro nome, quantos meses demorou para me chamar de Satoru?

Olhei na direção de seu rosto, incrédula — De verdade? Te achava insuportável no começo, e mal nos encontrávamos. Agora, precisamos tratar dessa sua insegurança sentir ciúmes de colegiais não faz sentido.

— Minha Bela Adormecida — se aproximou com passos lentos segurando o meu rosto entre as mãos — Não sou inseguro ou tenho ciúmes, estou protegendo esses garotos de terem o coração roubado por você e esmagado depois. Alguém linda como você se preocupando com suas vidas jovens e miseráveis pode causar algum amor platônico.

Satoru se inclinou em minha direção sussurrando contra a minha boca — Mas no fim do dia ainda serei eu a estar em cima de você, ouvindo meu nome escorregar da sua língua como sinfonia.

Suas mãos seguraram de leve meu pescoço enquanto a provocação evoluía para um beijo profundo. Lento, cada sentido meu se ludibriava com as sensações quentes e seu gosto açucarado, carícias sedosas eram feitas na lateral do meu pescoço e quando a ponta dos seus dedos arranharam com leveza a pele sensível um arrepio nasceu na base da minha coluna. O homem sorriu contra meus lábios.

Afastei-me — Paspalho, só queria provar um ponto não é?

— Nunca kardía, você que é completamente irresistível. — deu um beijo estalado em minha bochecha.

Senti meu rosto corar, 'καρδιά' romanizado como kardía é a palavra grega para coração. Não era o tipo de coisa que usamos para nos chamar fora de quatro paredes.

— Vou buscar almoço para Yuta, entre lá e faça seu trabalho.

— Já ouvi essa frase antes, mas em outro contexto.

— Satoru!










N/A: A felicidade voltando! Ou quase isso.

Obrigada por ler até aqui!

Até mais, Xx!

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top