Uma Nova Vida
30 de maio
Nova York, 8:46 AM.
Daiane POV
Depois de dar a notícia da morte trágica de Lud, uma busca inútil pelo seu corpo foi iniciada. Eu sabia que aquilo não tinha motivo, afinal, minha amiga não tinha morrido, sendo assim não haveria corpo para o seu enterro. Mas para sua família, que até alguns dias atrás estavam felizes e comemorando, era necessário fazer com que a farsa parecesse real.
Depois de obviamente não terem encontrado absolutamente nada em relação a Lud no mar, decidiu-se por unanimidade seguir minha sugestão, fazer um velório e enterro simbólico para que pelo menos sua família pudesse se despedir.
- Isso tudo parece um pesadelo e eu só queria acordar! - Luane diz agarrada a mim enquanto o pastor lê uma passagem da bíblia.
Ela, assim como a mãe e Marcos, estavam inconsoláveis. Silvana não parou de chorar um segundo sequer desde que recebeu a notícia. Sua ficha demorou muito pra cair.
Flashback On
A mulher solta uma gargalhada alta e sem nenhum resquício de humor me encarando séria logo depois.
- O quê?
Respiro fundo tentando criar coragem novamente pra manter aquela mentira.
- A Lud sofreu um acidente. - Falava pausadamente tentando passar verdade. - A lancha dela explodiu.
Sua expressão demonstrava que agora, ela finalmente havia entendido o que foi dito. De repente a mulher se levanta e vem em minha direção.
- Onde está a minha filha? - Pude sentir a agonia tomar conta de cada célula de seu corpo.
Luane permanecia imóvel e Marcos nem parecia estar ali.
- Ninguém sabe tia. - Respondo cabisbaixa. Eu sabia que mentir é errado, mas nesse caso era preciso. - Não acharam o corpo.
- Daiane... - Mais uma risada agonizante. - Você sabe que não se deve brincar com esse tipo coisa, certo?
Um arrepio macabro atravessa minha espinha. Eu sempre fui cagona e nunca gostei de fazer brincadeiras de mal gosto por medo da força do karma, estar mentindo desse jeito só me fazia sentir ainda mais remorso.
- Não é brincadeira, tia Sil.
- Isso não pode ser verdade! - Ela começa a andar de um lado pro outro em desespero. Logo começo a ouvir as fungadas da mais nova. - Não. Não pode ser verdade, minha filha não está... Ela não pode ter...
- Mãe... - Finalmente Marcos se mostra presente e dá um passo até a mãe.
Ele a toca e como em um reflexo ela se afasta bruscamente.
- Não! Eu não quero ouvir! Eu não quero consolo!
O choro doído de Luane começa a ecoar pela sala, Marcos logo vai até ela abraçar a garota que simplesmente se joga em seus braços.
- Onde a Ludmilla está?! Eu quero falar com ela!
- Tia, a Lud está mor-...
- NÃO! - Ela avança em minha direção me fazendo recuar. - Você não se atreva a dizer isso, me ouviu bem?! VOCÊ NÃO SE ATREVA!
- Me desculpa, mas é a verdade.
- Não é, Daiane! Eu sei que não! Minha filha está viva, eu posso sentir! Eu só quero falar com ela.
- Tia, por favor.
- Eu quero a Ludmilla! - Seus olhos começam a se encher de lágrimas. - Eu quero a minha filha, Daiane.
- Eu sei tia. Mas infelizmente ela não está mais aqui.
- ENTÃO ONDE ELA ESTÁ?
- Ela está morta, tia Sil! - Digo em um impulso horrível. Meu estômago se embrulha ao me ouvir dizer aquelas palavras.
A mulher apenas deu um grito caindo sobre suas pernas. Renato corre para segura-la mas nem ele conseguia se manter de pé. Luane balançava conforme seus soluços saíam e Marcos tentava acalma-la inutilmente também se desmanchando em lágrimas. Eu queria parar com aquilo, queria contar a verdade, queria que Lud voltasse, queria matar Bianca e Rômulo, mas nada disso poderia ser feito. Eu precisava seguir o plano, por mais difícil que ele fosse.
- Foi ela! - Tia Sil diz em um fio de voz que lhe restava. - Foi aquela puta da Bianca! Ela matou minha filha!
Eu queria concordar, mas não podia fazer aquilo.
- Ela não estava junto na lancha.
- Mas é claro que não! Ela não queria morrer junto, ela queria matar minha filha! Foi tudo de caso pensando!
- Silvana, meu amor, por favor, se acalma.
- Como eu posso me acalmar Renato? A minha filha está morta!
Ela cospe aquela palavras em uma mistura de raiva e dor. Seu choro eram mais gemidos do que qualquer coisa. Seus olhos fabricavam tantas lágrimas que eu tinha certeza que se continuasse chorando assim, iria acabar se desitradando.
- Day. - Finalmente Luane diz alguma coisa. - Por favor, diz que é mentira.
Meu corpo inteiro parecia estar moído, quebrado. Era horrivel vê-los daquela maneira, eles eram minha segunda família.
- Eu queria poder fazer isso, mas não posso Lu.
- Não pode ser Day. Não. Ela tava tão bem, ela tinha até dito que me amava no dia do casamento.
- Ela disse isso? - Marcos questiona limpando as lágrimas.
- Sim! Eu até brinquei falando que ela não precisava se despedir porque iria se casar, não morrer.
- Ela tava sentindo! - O tom de Silvana estava tomado pelo ódio. - Ela sabia que aquela desgraçada estava armando pra ela!
- E por que ela se casaria com Bianca mesmo assim? - Marcos questiona me salvando. - Olha mãe, eu sei que a senhora não gosta da garota, mas acusa-la de algo tão grave assim sem provas, não vai fazer a situação mudar.
A mulher suspira se dando por vencida. Suas lágrimas ainda rolavam e ela simplesmente se entrega ao choro que lhe rasgava o peito.
Flashback off
O cortejo seguiu até o túmulo aonde a lápide seria colocada. Luane estava agarrada a mim, do meu lado esquerdo Marcos seguia junto de seu namorado que fazia de tudo para tentar consola-lo. Tia Sil ia na frente seguindo de perto o carro e não tinha o menor pudor ao deixar seus gritos e gemidos saírem o mais alto que quisessem.
Atrás de nós, havia uma multidão de pessoas. Funcionários da empresa, amigos de Lud, alguns tios e primos e Bianca.
Ela estava a perfeita viúva, usava um chapéu preto com um véu de renda que entrelaçava o pescoço, óculos de sol, luvas, um vestido rodado e saltos, tudo preto. Ela segurava um lencinho e insistia em limpar as lágrimas que caíam de seu rosto, apesar de não conseguir ver nenhuma.
Finalmente o carro pára, fazendo todos pararem também. Mais uma vez o pastor diz palavras de conforto e o último adeus é dado. Como não havia corpo, tia Sil pediu pra que cada um trouxesse um objeto pessoal que lembrasse Lud. A lápide foi posicionada no lugar marcado e um a um, todos foram deixando seus objetos e explicando o motivo de terem escolhido tal peça.
Luane se agaixa e colocaca um óculos de sol da Prada em frente a placa de mármore.
- Eu tinha pego pra ir a praia com minhas amigas no ano passado, acabei esquecendo de avisar a ela. Ele tinha quebrado uma perna e eu surtei com medo dela brigar, mas ela simplesmente disse que não tinha problema e que iria me comprar um novo.
A cada palavra sua voz embargava ainda mais. Luane se levanta com a ajuda de Cédric e se encolhe no abraço do cunhado. Marcos se aproxima e coloca um filtro dos sonhos pendurado.
- Foi o primeiro que fiz. Todo desgrenhado, as amarrações todas erradas, mal dava pra ver o desenho que era pra se formar no centro, mas a Lud amou e disse que tinha ficado incrível. Ela sempre foi a pessoa que mais me apoiou a seguir meus sonhos. - Ele se aproxima e então sussurra. - Vou sentir sua falta, irmã.
Aquelas palavras cortaram meu coração. Eu não queria que aquilo tudo tivesse chego a esse ponto, mas não havia nada que eu pudesse fazer, talvez no final de tudo, quando ninguém estivesse vendo, eu poderia pegar os pertences de volta e guarda-los para quando Lud voltar. Eu tenho certeza de que minha amiga não tinha noção que era tão amada assim.
Tia Sil foi a última a entregar sua lembrança. Seus olhos estavam minúsculos de tão inchados. Sua voz mal saía. Eu nunca havia visto tia Sil daquele jeito, toda aquela cena me cortou o coração.
Ela se ajoelha e coloca no chão o que parecia ser uma pequena cesta feita de macarrão.
- Esse foi primeiro presente de dias das mães que ela fez na escola. Quebrei ela uma vez sem querer e corri pra tentar colar novamente antes que a lud visse. Com o tempo os presentes foram ficando cada vez melhores, mas esse daqui... - Ela faz um carinho e o esboço de um sorriso fraquinho aparece em seu rosto. - Esse sempre foi o meu preferido!
Não consigo evitar e me entrego ao choro. Não pelo luto ou pela falta de Lud, mas sim por estar sustentando uma mentira tão terrível quanto essa. Eu sabia que tinha um motivo, sabia a importância de manter e sustentar essa história, mas ver toda aquela família, que eu também fazia parte, devastada daquela maneira, era algo insuportável.
[...]
1 de Junho 2017
Rio de Janeiro, 3:47 PM.
Ludmila POV
Desço no aeroporto e o calor escaldante logo se faz presente. Eu sabia que o Brasil era quente, mas não imaginava que ficava tão perto do sol assim.
Assim que consigo, pego um táxi dando o endereço anotado em um papel para o motorista.
Daiane havia me convencido de vir para o Brasil pois aqui seria o último lugar em que eu poderia ser vista ou reconhecida, já que eu já havia comandado algumas outras sedes da empresa em alguns países da Europa. Ela havia conversado com uma prima que morava no Rio e logo de cara a moça aceitou me hospedar em sua casa sem pestanejar.
Depois de enfrentar o trânsito caótico e infernal, finalmente chegamos no endereço. O lugar era absolutamente o contrário de tudo o que eu tinha imaginado, mas não era tão ruim assim.
Duque de Caxias era um bairro bem grande. Nas ruas um tanto estreitas, podia-se ver de tudo. Garotos descalços usando apenas bermuda correndo pela rua brincando de bola, senhoras sentadas nos portões com seus olhares avaliativos em uma conversa entretida, homens sentados em mesas amarelas no bar rindo e conversando enquanto bebiam suas cervejas, algumas crianças brincando e se refrescando com a água de uma mangueira. Comecei a andar pela calçada procurando o número da casa e vejo um rapaz passar ao meu lado em uma moto bem antiga e barulheta sem capacete, ele buzina para os senhores do bar que acenam e sorriem gritando alguma coisa. O asfalto da rua estava destruído, haviam buracos do tamanho de crateras. Cachorros se tinham aos montes, de todas as cores e tamanhos, mas não conseguia distinguir a raça de nenhum.
Finalmente paro em frente ao portão verde de metal com o número 230 pintado á mão em tinta preta. Bato algumas vezes aguardando resposta e ouço um grito do lado de dentro.
- QUEM É?
Assustei com o grito inesperado. Limpo a garganta e respondo encarando o portão.
- Er... Ludmilla! Sua prima Daiane, me mandou vir.
Ouço o barulho de passos se aproximando e algo como uma corrente sendo destrancada. O portão se escancara e a moça me olha de cima a baixo logo me oferecendo um sorriso.
- Ah, Ludmilla! - Sua voz ainda soava alta como quando gritou da primeira vez, o que não entendi já que ela estava perto. - Tudo bom?! Prazer, meu nome é Erica!
Ela me puxa para um abraço e me dá dois beijos, um de cada lado do rosto. Eu apenas fico estática sem reação, não estava esperando por esse contato tão íntimo.
- Ahn, prazer Érica.
- Vem menina, vamo entrando! Acabei de passar um café.
Ela pega a mala da minha mão e me puxa para dentro fechando o portão logo em seguida.
Ainda no pequeno quintal começo a observar a casa no qual ficaria hospedada. Era bem simples mas estranhamente aconchegante. Do lado de fora haviam diversas plantas, o que deixava o quintal praticamente todo verde. Ela entra na casa passando pela sala e sumindo logo em seguida, eu vou logo atrás. Percebo que Érica deixa os chinelos do lado de fora da casa e antes de entrar, limpou os pés em um pano no chão.
Repito o ato da mulher, seja lá pra que fosse aquilo, não queria chegar já causando desconforto. Assim que entro no cômodo um aroma maravilhoso invade minhas narinas. Nunca havia sentido um cheiro tão bom. Olha ao redor, havia um jogo de sofás de dois e três lugares com uma colcha em cima, talvez para evitar que algo caísse no tecido, logo atrás uma mesa redonda de mármore, em umas das paredes havia um painel com uma TV que estava ligado em um programa aonde pessoas falavam alto diante de uma platéia, acho que eram uma família. O ventilador de chão rodava a todo vapor deixando a casa um pouco mais refrescante. Érica aparece novamente com um sorriso enorme.
Finalmente paro para analisar a mulher. Ela não era nem alta e nem baixa, corpo magro porém cheio de curvas, semblante jovial, usava um short jeans, uma blusa preta que estava dobrada pela metade e tinha um coque enorme que ela havia feito com suas tranças. Sua pele fortemente bronzeada brilhava assim como seu sorriso. Era incrível como aquela mulher podeira te transmitir felicidade com apenas um olhar.
- Tu toma café né?
- Sim.
- Ótimo, acabei de passar um, tá quentinho. Vem!
Ela faz um gesto com a mão me chamando e eu a sigo.
Entramos na cozinha e tudo era estranhamente encantador. A geladeira tinha alguns imãs coloridos de algumas companhias de gás, alguns tinham formas de animais e pessoas. Um pequeno calendário também estava pregado a porta junto com algumas fotos de crianças que pareciam ser lembranças de aniversário.
Em cima da pia haviam algumas louças secando e uma de espécie de filtro de água na cor marrom. Érica pega duas xícaras no armário preto e branco.
- E aí? Por que tu veio pro Rio?
A forma como ela pronunciava as palavras me mantinham em uma espécie de transe. O sotaque era forte e sútil ao mesmo tempo.
- Não sei se posso falar disso.
Ela serve duas xícaras com o líquido quase preto. Finalmente descobri da onde vinha o cheiro maravilhoso.
- Tu pode falar sim garota, tá doida?! - Ela me entrega uma das xícaras e se senta na cadeira me oferecendo a outra. - Vou ficar te mantendo na minha casa sem nem saber da onde tu veio?
- Daiane não te falou?
- Se falasse eu não tava perguntado né. Tu é fugitiva?
- Não.
Ela me encara desconfiava, decido me render, não fazia sentido esconder a verdade já que eu estava ali de favor. Respiro fundo inalando o ar e a encaro.
- Minha noiva queria me matar junto com o amante.
A garota engasga com o café e me encara com os olhos arregalados.
- Quê??? - Apenas me limitei a assentir como se repetisse o que disse. - Caralho garota, de que filme tu saiu?
Solto um leve riso com a pergunta e assopro o café, bebendo logo sem seguida. De repente sinto minha garganta se amarrar e fecho os olhos com força.
- Nossa, mas o que é isso?
- Ué, café!
- Não! O café que eu bebo não é assim. Esse é... Forte e amargo.
Ela me encara com uma expressão de tédio.
- Ou seja, café!
- Esse não é o café que eu conheço.
- É, eu sei. Daiane quando vem pra cá faz o mesmo café que cês tomam lá na gringa. Bagulho doce, fraco, totalmente sem graça. Isso aqui. - Ela levanta a xícara. - Isso é café de verdade, café brasileiro!
Ela me dá uma piscada e bebe novamente. Talvez ela tivesse razão, o café que eu bebia era um tanto fraco, mas era bom. Bebo mais um gole e sinto minha garganta amargar, mas no final até que me acostumei com o gosto.
- E então, qual teu plano agora?
Franzo o cenho estranhando sua pergunta.
- Com a tua esposa! Tu vai se vingar? Vai dar um cacete nela?
- Dar o quê?
- Um cacete! Um sacode... Meter o pau na vagaba!
Não consigo evitar de rir da forma como a garota falava.
- Você quer dizer brigar?
- É garota! Aqui no bairro o pessoal pega pesado com esse negócio de talarica. Fica até careca se bobear, apanha na rua e tudo. Não que eu ache certo sabe, não gosto de fazer com os outros o que não quero pra mim. Mas se minha esposa me traísse e tentasse me matar com o amante, eu dava logo uns tapa pra ela ficar esperta.
Eu tinha que admitir, Érica era engraçada.
- Não vou partir pra agressão física. Tenho algo melhor em mente.
- Tenho algo melhor em mente. - Ela repete com desdém mudando a voz. - Tu gosta de ser toda certinha né?! Minha filha deixa eu te falar uma coisa, eu sei que você é toda chique e tal, mas não tem nada melhor nessa vida do que meter soco em quem merece. Tu deveria tentar...
- Quem sabe um dia.
- Vai por mim, é libertador.
[...]
Bianca POV
Rômulo estoura a champanhe nos servindo logo em seguida. Nosso plano havia dado certo, Ludmilla estava morta, eu estava solteira e livre dela e agora finalmente poderia me casar com Rômulo e poderíamos ficar juntos pra sempre.
- A quê vamos brindar?
- A nós! - Ele levantava taça encostando na minha.
- Eu ainda acho que você foi extremo demais...
- Ai Bianca...
- Mas! Eu devo admitir, nós formamos um belo casal.
- Uma bela dupla, você quis dizer.
- Você entendeu.
Ele sorri bebendo mais um gole de champanhe. Coloco minha taça sobre o móvel e entrelaço meus braços em seu pescoço. Ele me encara como se me esperasse dizer algo.
- Bem, já que agora nosso plano finalmente foi concretizado, nós bem que poderíamos comemorar... - Mordo levemente o lóbulo de sua orelha e ele ri nervoso.
- Essa realmente é uma proposta tentadora. - Ele coloca sua taça junto a minha e solta meus braços se afastado. - Mas vai ter que ficar pra depois. Eu ainda preciso resolver algumas coisas em relação a empresa.
Rômulo me dá um beijo na testa e pega as chaves do carro.
- Mas amor, eu pensei...
- É rapidinho amor, quando você começar a sentir minha falta eu já vou estar de volta.
- Então me deixa ir com você. Eu só preciso trocar de roupa...
- Não! - Seu tom se altera mas ele logo se recompõe. - Deixa que eu vou sozinho, amor. Vou resolver tudo e rapidinho estarei de volta.
- Mas amor eu me troco rápido. Eu só vou...
- Bianca, me obedeça! - Ele grita e eu me encolho.
- Okay. - Nos estávamos bem, nosso plano tinha dado certo, eu não queria aborrece-lo nem que brigassemos.
- Boa menina. Mais tarde eu volto.
- Mais tarde quando?
Ele sai sem me responder fechando a porta.
- Romulo?! - Tento ir atrás dele mas ouço o barulho da tranca. - Romulo, por que me trancou? Me deixa sair!
Tento inutilmente abrir a porta.
- Fica aí amor. - Ele diz do lado de fora. - Esteja linda quando eu voltar.
Ouço seus passos de afastando e o vejo entrar no elevador pelo olho mágico.Eu estava na casa dele somente com meu celular e a carteira com alguns trocados.
Suspiro vencida quando vejo a porta do elevador se fechar. Eu teria que ficar ali. Vou até a geladeira e a única coisa que tinha lá dentro era a metade de um sanduíche e um iogurte.
- Ótimo, além de tudo vou ter que ficar com fome até sabe lá Deus quando.
[...]
5 dias depois...
Rio de Janeiro, 11:38 PM.
Ludmilla POV
Já tinha quase uma semana que eu havia chego no Rio. Minha convivência com Érica foi incrível nos primeiros três dias até que seu marido voltou pra casa.
Ele dirigia um caminhão na companhia do pai afim de ter uma renda extra quando não estava trabalhando. Logo de cara não me dei com o rapaz, ele tinha uma pose de machão autoritária que eu sinceramente odiava.
Desde muito nova minha mãe sempre me dizia que eu não deveria abaixar a cabeça para homem nenhum, fiz isso durante toda minha vida e não seria agora que isso iria mudar.
Wesley era um rapaz de personalidade forte. Negro, alto, com porte atlético, ele era um verdadeiro Romeu com Érica. Tratava a moça muito bem, era carinhoso, atencioso. Ela havia me contado que ele havia a salvado em sua última relação. O ex dela era totalmente o oposto de Wesley, era um ótimo exemplo de bom rapaz na rua, mas dentro de casa era um maníaco. Vivia a manipulando para transar, roubava seu dinheiro para beber, batia na moça e uma vez a trancou dentro de casa fazendo ela perder o dia de trabalho e consequentemente o emprego. Tudo isso por ciúmes.
Quando em uma noite, num pagode, o rapaz que já tinha bebido até demais, arrumou confusão com um cara qualquer que passou e esbarrou nele sem querer. Logo ele inventou uma desculpa e começou a bater no outro homem. Na tentativa de separar a briga, Érica entrou no meio e acabou apanhando junto, foi aí que Wesley surgiu como um verdadeiro herói, acabou com a raça de seu ex e levou a garota para casa. Depois que ela tentou terminar, o ex a colocou para fora de casa, sem eira nem beira. Wesley que trabalhava perto, viu toda a situação e resolveu ajuda-la. A levou para casa dele, logo os dois se tornaram amigos, da amizade nasceu o amor e eles estão juntos até hoje.
Ele era um bom rapaz, mas assim como o ex dela, ele também tinha um ciúme um pouco excessivo. Eles nunca havia brigado por tal motivo e nenhum outro, mas ela conhecia o namorado.
Quando Wesley chegou em casa na madrugada e me viu em sua sala rindo com sua mulher enquanto assistíamos um filme de romance clichê, logo fez questão de se mostrar incomodado. Conforme os dias foram passando ele fez questão de ressaltar como se sentia diversas vezes. A verdade é que não era precisa ele dizer uma única palavra, a forma como se portava já dizia tudo.
Até que em uma noite ele explodiu e os dois discutiram. A verdade é que ele havia se sentido deixado de lado pois quem tomou a decisão de me deixar em sua casa, foi Érica, ela não havia nem mesmo consultado o rapaz.
Afim de não trazer mais problemas pra moça que tanto me ajudou quando mais precisei, me intrometi na discussão e disse que sairia dali no mesmo instante. Ela tentou me fazer mudar de idéia, mas já estava claro que minha presença só traria problemas.
Arrumei minha mala da melhor forma que consegui e saí de lá em um táxi. Não fazia a menor idéia de onde ir, nunca tinha pisado na cidade, não conhecia ninguém, o pouco dinheiro que Daiane havia me dado já estava acabando e eu só o teria na próxima semana quando ela finalmente conseguisse cuidar da minha conta que tinha em um banco nas Bahamas.
Eu estava literalmente perdida.
Pedi ao motorista para parar ali mesmo, no meio do caminho que nem eu sabia qual era. Ele prontamente o fez, paguei e saí do carro com a mala na mão.
- Cuidado hein moça, essa área aqui é meia perigosa nesse horário.
O motorista diz e logo sai com o carro.
- Ótimo. Quem sabe assim eu não morra de verdade...
Olho ao meu redor e vejo um grupo de jovens em suas bicicletas conversando animadamente. Do outro lado alguns casais andavam de mãos dadas. O vento fresco da maresia refrescava a calorosa noite, era incrível como nessa cidade, mesmo de noite o calor era terrível.
Decido atravessar a rua e entrar no bar que tinha ali, ainda não sabia aonde iria passar a noite, mas tudo poderia ser mais fácil se eu estivesse um pouco bêbada.
Entro me sentando no balcão, aquele bar não era como os outros que havia visto. Era um bar com estilo norte-americano. Haviam mesas com quatro lugares, uma iluminação quase sensual, na TV passava um filme qualquer. Atrás do balcão haviam duas garçonetes, algumas prateleiras com diversas bebidas do mais baixo ao mais alto teor alcoólico. Haviam duas geladeiras de duas marcas de cerveja diferentes, eu devo confessar, até a cerveja brasileira é melhor.
- Ai moço desculpa, mas eu não tô entendendo. - Ouço uma voz aflita e procuro ver o que acontecia.
- Je veux une portion! Pomme de terre!
O homem continuava pedindo e a garota o encarava com um enorme ponto de interrogação. Ela olha para os lados na busca de alguém que consiga ajudá-la, mas parecia inútil.
- O senhor quer o quê? Cerveja? - Ela diz apontando para a geladeira. O homem nega com a cabeça.
- Non! Pomme de terre! Je veux des frites!
- Pão de quê moço? - Ela coça a testa. Eu não conseguia segurar a vontade de rir daquela situação.
O homem bufava sem paciência e a garota bufava por não saber ajudá-lo.
Por mais engraçado que estava, decido acabar com sua agonia.
- Ele quer batata.
Digo me aproximando e chamando sua atenção. O homem me encarava com mesma expressão da garota a alguns minutos atrás.
- Vous voulez des frites, non? - Pergunto me direcionando a ele.
- Oui! Pour l'amour de Dieu, je veux juste manger et cet âne ne peut rien comprendre!
- D'accord, calme-toi, je vais lui parler.
A garçonete nos encarava como se fôssemos de outro mundo.
- Ele quer uma porção de batatas fritas.
Ela arregala os olhos e o encara, que retribuiu com um olhar óbvio.
- Era isso? Pão de terra é batata?
Não consigo segurar e solto uma gargalhada.
- Não é pão de terra, pomme de terre. Batata em francês.
- Ahhhh! - Ela parece finalmente encaixar a última peça de um quebra cabeça. - Francês! Porra eu nunca ia conseguir entender... - Ela se vira para o moço novamente. - Sua batata já vai sair.
A garçonete falava gesticulando como quem falava com um surdo-mudo. Não posso negar que a cena era muito engraçada. Ele a encarava assistindo seu show de mímica provavelmente pensando que ela é louca.
- Vos pommes de terre sortiront monsieur, rassurez-vous.
Ele finalmente sorri, aliviado.
- Merci jolie dame. - Ele se vira para a garçonete - Et toi, va étudier, toi âne!
- Obrigado, pro senhor também! - Ela diz sorrindo enquanto ele se afastava para se sentar em sua mesa.
Notei que estava com um sorriso idiota na cara depois de presenciar aquela confusão. O senhor literalmente a chamou de burra e ela agradeceu. As pessoas desse país tem o humor correndo nas veias.
- Obrigada por me ajudar, se não fosse você ficaria aqui a noite toda.
- Não tem de quê, você estava com um problemão mesmo. Mas se aceita um conselho, eu não agradeceria um cliente se não soubesse o que ele está falando.
Ela franze o cenho.
- Por que? Ele disse alguma coisa ruim?
- Bom, se você acha que chamar alguém de burro é ruim, então sim.
O queixo da garota cai na hora e ela encara o homem de costas com os olhos semicerrados.
- Mas que filho da puta! Eu deveria cuspir na comida dele!
- O que?
Ela volta sua atenção pra mim.
- Nada! Esquece! Er... Você vai querer alguma coisa?
Olho rapidamente o cardápio que estava em cima do balcão.
- Sim, o mesmo que ele. Mas sem a parte do cuspe, por favor.
Ela ri, nervosa.
- Pode deixar, você me ajudou, eu deveria te dar as batatas de graça depois dessa. Você provavelmente salvou meu emprego.
Me limito a apenas sorrir para a garota. Ela se vira para um cubículo que tinha atrás de si e toca um sino.
- Duas porções de batata média! - A garçonete grita para dentro do cômodo e logo volta sua atenção pra mim.
- Você não é daqui, né?
- Não... Como sabe?
Ela ri, talvez debochando?!
- Primeiro porque aqui ninguém fala francês, segundo que se fosse daqui, provavelmente iria ficar só olhando o barraco pegar fogo e não iria ajudar.
Volto a me sentar encarando-a enquanto ela passava um pano úmido no balcão.
- Realmente, eu não sou daqui.
- E de onde você é?
- Nova York.
Ela pára de limpar imediatamente.
- Nova York? Tipo, Estados Unidos?
Assinto com a cabeça e vejo seus olhos brilharem.
- Meu Deus! Eu A-M-O essa cidade!
- Já esteve lá?
- Só nos meus sonhos...
- Bem, eu também nunca estive aqui no Rio, essa é minha primeira vez.
- E o que te trouxe aqui? - Aquela pergunta inocente fez um filme passar em minha mente e uma sensação ruim revirar meu estômago.
- A vida.
- Hum... Misteriosa.
Sorri pela forma como ela falou e ela me sorri de volta. Somente agora, olhando-a com mais atenção que pude reparar em como ela era bonita. Seus dentes perfeitamente brancos e alinhados, o cabelo preso em um coque alto desarrumado. A blusa social fechada desde o primeiro botão com as mangas dobradas até o fim de seu antebraço e a gravata borboleta preta, com o suspensório também preto só realçam ainda mais sua beleza.
- A misteriosa tem um nome? - Ela diz me tirando de meus devaneios.
- Oh sim, onde estão meus modos. Prazer. - Estendo a mão para ela. - Ludmilla Oliveira.
- Hum, prazer Ludmilla. - Ela segura minha mão e a aperta firme. - Eu sou Brunna Gonçalves.
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AAAA PORRAAAAAA ELA CHEGOOOOU
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