Um Novo Ano

7 de Janeiro

Rio de Janeiro, 10:47 PM.

Brunna POV

- Eu mal posso esperar!

Eu estava escorada naquela porta a vinte minutos.

- Vai ser maravilhoso.

Do lado de dentro eu conseguia ouvir Ludmilla conversando animadamente com alguém.

- Não, assim que estiver tudo certo você me avisa e eu vou. Sim, eu já sei.

Já fazia um tempo que toda vez que aquele maldito celular tocava, ela corria pra qualquer outro lugar pra atender e isso já estava me irritando.

- Ok. Ok, tudo bem. Eu também sinto sua falta. Tchau, te amo!

Ouço alguns passos e corro pra sala assumindo minha antiga posição e tentando controlar minha respiração.

Ela desce calma e assim que me vê, sorri. Sínica.

- Quem era? - Meu tom saiu completamente despretensioso.

- Ninguém importante. - Lud senta no sofá e me puxa pro seu colo.

- Eu não posso saber?

- Era só uma amiga. - Mentira.

- Hum...

Ela encarava a televisão como se aquele filme fosse a coisa mais interessante do mundo. Continuei encarando aquela dissimulada por mais alguns minutos até que ela finalmente se tocou.

- Que foi?

- Nada... Só acho meio estranho, toda vez que seu celular toca você sai correndo pra atender.

De repente sua expressão mudou. Seu corpo se enrijeceu e eu pude sentir seu nervosismo.

- Claro que não amor, impressão sua...

- Será mesmo?

- É Bru... Eu só procuro um lugar mais... Quieto. Sabe? Nada demais.

- Hum... Ok.

Ela pigarreia e volta a encarar a TV. Eu sabia que tinha alguma coisa muito errada nisso tudo. A real é que desde que Ludmilla apareceu ela nunca foi muito de falar sobre sua vida. Quer dizer, eu mal a conhecia.

Ela nunca me falou sobre sua família, seus amigos, de como era sua vida nos Estados Unidos, sobre seu antigo emprego, NADA! Ela me conhecia por completo, assim como conhecia meus amigos e família, estávamos juntas a três meses e vivíamos o auge de nossa relação. Nunca brigamos de uma forma séria, Lud era completamente carinhosa e paciente comigo, sempre se mostrou disposta a me ajudar com qualquer coisa que fosse e me respeitava até demais. Mas seu comportamento nas últimas semanas era muito... Estranho, pra não dizer suspeito.

- Lud, você tá me traindo?

Seus olhos se arregalam e ela me encara confusa.

- Não!

- Tem certeza?

- Absoluta! De onde tirou isso?

- Das suas atitudes! Você tá sempre se escondendo pra falar no celular, quando pergunto algo sobre sua vida, fica sempre se esquivando, evita responder...

- Brunna, eu não tô te traindo.

- Então por que você nunca me diz nada sobre você? Quer dizer, desde quando você veio morar aqui em casa, eu nunca soube o que te fez sair do lugar onde nasceu pra vir parar aqui. Você era uma empresária e não tinha nem lugar pra morar.

- Bru... É complicado, amor.

- Então descomplica! - Me virei de frente pra ela e segurei suas mãos. Tentava passar confiança. - Me fala amor, me conta o que aconteceu.

Ela respira fundo me encarando como se tentasse ver minha alma. Lud parecia nervosa, ansiosa, agitada. Suas mãos tremiam levemente e seu corpo estava rígido e inquieto. Será que ela escondia algo de mim? Será que tinha outra namorada? Ou talvez outra família! Será que ela havia fugido e deixado sua esposa e filhos pra trás pra tentar viver uma aventura? Que raios estava acontecendo?

- E então?

- Brunna... Eu... Não posso.

- Não pode o quê?

- Eu não posso te contar, é complicado.

- Complicado, Ludmilla?! O que pode ser tão complicado assim que você precisa esconder?

Ela levanta do sofá e sai da sala. Sigo ela indo em direção ao quintal e Ludmilla permanecia de costas pra mim.

- Eu não aguento mais as suas mentiras.

- Brunna...

- Não! Me poupe das suas desculpas esfarrapadas. Eu já passei por isso uma vez...

Ela se vira e me encara com o cenho franzido.

- Isso o quê?

- Mentiras, traições...

- Eu não tô te traindo.

- Quem me garante?

- Eu! Você precisa confiar em mim...

- Eu vou confiar quando tiver motivos pra isso! Eu nem sei quem você é!

Ela trinca o maxilar e cerra os olhos.

- Você deveria medir suas palavras.

- E você deveria me dizer a verdade.

- Mas que droga, Brunna! - Lud grita e eu recuo um passo. - Pra que você precisa tanto saber? O que isso iria mudar?

- Tudo, Ludmilla! Começando pelo fato de que eu iria ter certeza de quem você diz ser... Ou não.

- Olha, me desculpa, mas eu não posso falar sobre isso. Você vai ter que encontrar outra maneira de confiar em mim.

- Não existe outra maneira.

- Brunna, por favor...

- Não Ludmilla! Eu já estive nesse lugar antes e não é nada bom. Eu não quero e não vou aceitar ser a única que não sabe o que tá rolando.

- Não é nada disso.

- Então me fala o que é! Me deixa saber a verdade!

Ficamos ali nos encarando por um bom tempo. A todo momento tentei achar em seus olhos resquícios de mentiras ou talvez hesitação mas Ludmilla estava irredutível. Ela tinha o maxilar trincado e seus olhos estavam completamente escuros.

- Eu não... Posso..

- Por que?

- Porque não! Desculpa, mas você precisa acreditar em mim. Eu não estou te traindo e não posso dizer nada além disso.

Eu queria socar a cara dela. Queria pegar aquela merda de celular e ligar pra pessoa que ela tanto sussurrava nas ligações pra saber quem era e o que falavam. Eu queria gritar, chorar... Eu queria a verdade.

- Uma das coisas mais importantes em uma relação, é a confiança. Se não ela não existe, então a relação tá fadada ao fracasso. Você não confia em mim pra me dizer a verdade, e eu não confio em você por não saber a verdade...

- Onde você quer chegar?

- Eu acho que você entendeu o que eu quis dizer.

- Brunna, não...

O barulho do portão cortou sua fala e Renatinho apareceu. Ele nos encarou por breves segundos.

- Eita, que tá pegando?

- Nada... - Respondi ainda mantendo meus olhos em Ludmilla.

- Cês tão brigando?

- Não. - O tom dela era grave e baixo, quase calmo.

- Então por que as duas estão paradas no meio do quintal se olhando como se fossem se matar?

Não respondemos nada. As duas continuaram naquela batalha silenciosa até que Ludmilla virou as costas, passou por Renatinho e saiu batendo o portão. Ele voltou a me encarar com um enorme ponto de interrogação no rosto e deixei meus ombros caírem suspirando fundo demonstrando meu cansaço.

- Ei! - Renato vem em minha direção e me abraça, me levando pra sala de novo. - O que houve?

- A Ludmilla tá me traindo.

Renatinho me encarou assustado com os olhos arregalados enquanto se afastava ainda sentado no sofá.

- Como assim? Onde? Quando? Você viu?

- Não. Mas eu ouvi ela falando no celular e quando perguntei ela não quis dizer quem era. 

- E por isso você acha que ela tá te traindo?

- Sim.

- Ah Brunna, me poupe. - Ele levanta e vai até a cozinha.

O sigo imediatamente.

- Já fazem duas semanas que ela tá com essa palhaçada. Toda vez que o telefone toca ela corre pra longe com ele como se não quisesse que eu escutasse.

- Isso não quer dizer que ela esteja te traindo. Talvez ela só esteja... Sei lá, cuidando de alguma coisa.

- Cuidando do quê, Renato?

- Não sei, mas se ela não quer falar você não deveria ficar perguntando.

Ele nem me encarava de volta enquanto falava. Cruzo os braços e minhas sobrancelhas se arqueiam sozinhas.

- Você sabe de alguma coisa.

- Quem eu?! Claro que não.

- Sabe sim! Pode ir falando!

- Brunna eu não sei de nada ok? Só sei que, você deveria confiar nela.

- Não dá, Renato.

- E por quê não?

- Porque eu já passei por isso! Erick fazia a mesma coisa comigo e sinceramente, eu não tô afim de ganhar galho de novo.

- Você não vai! - Ele vem até mim e segura minhas mãos. - Ludmilla não é o Erick. Ela nunca iria fazer isso com você, para de ser doida.

- Eu nem conheço ela...

- Como assim?

- Ela nunca me falou nada sobre a vida dela. Nunca me contou o que aconteceu antes de vir pro Rio, nunca falou nada, é muito estranho.

Renatinho continua me encarando e eu apenas baixo o olhar tentando entender tudo o que estava acontecendo e colocar meus pensamentos no lugar.

[...]

Ludmilla POV

1:37 AM

Já era o sexto shot de tequila daquela noite depois de duas garrafas de cerveja e duas doses de whisky. Mesmo com tanto álcool correndo em minhas veias, eu ainda não conseguia me sentir completamente relaxada. Havia uma vozinha dentro da minha cabeça gritando loucamente. Idiota, ela dizia, perdeu a namorada por um segredo.

Eu não sabia se realmente tinha perdido minha namorada. Quer dizer, se Renatinho não tivesse nos interrompido, o que ela teria feito? Ela tava quase terminando comigo antes dele entrar. Toda essa situação me estressava.

Nas última duas semanas, Daiane havia finalmente conseguido bolar um plano pra eu poder voltar para os estados unidos. Eu estava feliz e ansiosa mas depois da discussão de hoje, tudo isso parecia uma grande estupidez.

Brunna e eu nunca havíamos brigado antes. Bastou acontecer uma vez pra que eu pudesse entender que não gostava disso. O que me deixou mais irritada foi o fato dela pensar que eu a trairia. Me comprar ao ex, sério?! Eu não era tão estúpida a ponto de fazer algo assim. Eu sabia que ela estava em uma situação difícil, se estivesse em seu lugar também pensaria tal coisa, mas ela teria que confiar em mim.

- Vai querer outra? - A atendente pergunta me trazendo a realidade.

- Sim, por favor.

- Tentando esquecer alguém? - Ela enche o copo e me entrega.

- Não, só querendo esfriar a cabeça.

- Com tequila? Não acha melhor um banho?

Não consigo segurar e sorrio com sua fala.

- Realmente, faz sentido.

- Pelo jeito que tá bebendo, tem alguma coisa te incomodando, tô certa?

- Até demais...

- Sabe?! - Ela segura minha mão em cima do balcão e se aproxima. - Se algo te incomoda tanto a ponto de querer esquecer, o melhor a fazer é encarar o problema de frente.

Ela se afasta sorrindo depois de me servir mais um shot. Fiquei paralisada ao ouvir aquilo, será que ela estava certa? Será que eu deveria contar a verdade pra Brunna sobre o que realmente aconteceu comigo? Eu tinha medo de contar e acabar arrastando ela pra toda essa loucura. Nunca iria me perdoar se algo ruim acontecesse com minha mulher.

Jogo duas notas em cima do balcão e saio deixando o shot pra trás. Peço o primeiro táxi que encontro e dou o endereço assim que entro. Ainda não sei se devo contar a verdade, mas eu definitivamente preciso mostrar a Brunna que ela pode sim confiar em mim.

[...]

Larissa POV

3:12 AM

Brunna já estava chorando a uma hora. Eu tentava de todas as formas acalma-la mas tudo que fazia parecia em vão. Assim que cheguei em casa vi ela e Renatinho conversando na sala e a garota parecia desesperada. Ela me contou toda a história sobre o que tinha acontecido mais cedo e na mesma hora senti uma raiva imensa tomar conta de mim. Brunna é uma das pessoas mais importantes pra mim e eu não suporto a idéia de alguém machuca-la.

Apesar dela ter certa razão em suas acusações, algo ainda parecia estranho. Ludmilla não parecia ser do tipo canalha, por mais que eu quisesse, não conseguia vê-la como alguém sem caráter. Ela realmente gostava de Brunna, toda sua aflição antes disso tudo começar só demonstrava isso cada vez mais.

Estava tão perdida em pensamentos que mal percebi que Brunna já havia parado de chorar. Ela ainda estava um tanto chorosa, mas sua lágrimas pareciam finalmente ter cessado.

Assim que abri minha boca pra perguntar se ela precisava de algo, alguém bateu na porta.

- Brunna?! - Uma Ludmilla tímida apareceu assim que lhe dei permissão.

Ela observou a cena, Brunna deitada em meu colo na cama enquanto eu a fuzilava com os olhos.

- O quê você quer? - Minha voz saiu mais ríspida do que eu imaginava.

- Quero falar com a Brunna.

- Ela não tem nada pra falar contigo.

- Larissa...

- Você não tá vendo?! Olha o que você fez com ela. Sai daqui Ludmilla.

- Eu não vou sair enquanto...

- Pode deixar Lari. - Brunna se senta e me encara.

Ficamos alguns minutos em silêncio enquanto eu tentava fazer ela desistir daquela idéia, mas pelo visto ela já tinha tomado a decisão.

Me levantei da cama, dei um beijo em sua testa e me virei em direção a saída. Ludmilla nem me olhava, estava focada demais observando o estrago que ela fez em minha amiga. Vou em direção a porta e quase levei seu ombro junto comigo.

Fechei a porta e dali em diante não ouvi mais nada. Confesso que tive vontade de ficar ali esperando o momento em que Brunna começasse a gritar, mas não seria certo torcer pra que elas não se entendessem. Por mais errada que Lud estivesse, eu queria que as duas se entendessem e voltassem logo pro estágio "grude". Deus queira que tudo fique bem.

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