Incertezas

10 de abril

Ludmilla POV

Chamo novamente o garçom e ele me serve outro shot. Assim que ele faz menção, peço pra deixar a garrafa comigo, afinal, eu não iria parar de beber tão cedo.

Depois do dia estressante na empresa e da leve discussão que tive com Bianca, só o álcool era capaz de me dar um pouco de paz e alívio.

Faltava menos de um mês pro casamento. Bianca estava começando a me deixar louca com todos aqueles últimos detalhes que tinham que ser ajustados. Eu dividia minha atenção entre a empresa e provas de roupas e ensaios de jantares. A pior parte disso tudo era ter que levar junto minha família pra toda aquela palhaçada, o que só piorava ainda mais a situação.

Depois da festa na casa de minha mãe eu voltei pra casa com suas palavras martelando em minha mente e minha certeza sobre o casamento se desfez como um castelo de areia construído na beira do mar. Me peguei questionando se aquilo realmente era o que eu queria, e a decisão que mais parecia ser a correta, era largar tudo e sumir.

Mas a verdade era que eu não poderia fazer aquilo. Eu tinha arrastado Bianca pra isso e não poderia ser desonesta com ela agora. Aquela mulher dedicou os últimos três anos de sua vida a mim e nosso relacionamento. A decisão de dar continuidade foi minha e eu não poderia simplesmente olha-la e dizer que não a amava e não queria mais me casar. Aquilo seria a pior coisa que eu poderia fazer, eu não queria lhe causar tamanha dor.

Eu sei que não podia mentir e continuar alimentando sua ilusão de que tudo estava bem mas também não podia ser tão cruel assim com quem sempre quis meu melhor.

Encho meu copo novamente com a tequila e viro de uma vez engolindo tudo. O líquido desceu rasgando por minha garganta me dando a sensação de tê-la em chamas. Fecho os olhos em uma tentativa falha de amenizar a leve azia que sentia.

Quando foi que tudo se tornou tão complicado assim?

Rômulo POV

Eu já estava a quarenta minutos dentro daquele carro esperando, como sempre, fazia frio àquela noite e no lugar aonde eu estava provavelmente tinha a temperatura mais baixa possível. Uma música antiga tocava baixo na rádio e eu abraçava meu próprio corpo na tentativa falha de me aquecer. Onde aquele bastardo tinha se enfiado?

Estava pronto pra praguejar até sua sétima geração quando finalmente vejo os faróis piscarem duas vezes seguidas, da forma como havíamos combinado. Desço do carro imediatamente e vou em direção ao homem no qual marquei o encontro.

- Finalmente! Achei que iria esperar a vida toda!

- Estou aqui, não estou? Então pare de reclamar!

Ele diz seco, apenas o encaro.

- Você trouxe?

- Claro que sim!

Ele da a volta e para no porta malas, abre o mesmo e tira uma mochila que parecia estar pesada. Fecha o porta malas e volta colocando a mochila no chão.

- Tá aí! Os três quilos que você pediu!

Me ajoelho e abro a mochila conferindo se realmente estava tudo certo e pelo visto, sim. Estava tudo ali.

Me levanto e o encaro novamente.

- É, parece que tá tudo certo.

Caminho novamente em direção ao meu carro e pego a maleta no banco de trás. Volto e entrego a ele.

- Está aqui. Quatro mil e quinhentos. Todos seus!

Ele coloca a maleta sobre o capô do carro a abrindo logo em seguida. Me observa de soslaio fechando a maleta logo em seguida.

- Foi um prazer fazer negócios com você! - Ele estende a mão me encarando firmemente. Aperto fazendo o mesmo.

- O prazer foi meu!

- Cuidado hein, a quantidade que você pediu desse produto pode causar danos severos.

Sorrio simpático, aquilo era tudo o que precisava saber.

- Eu sei. Pode deixar, vou usá-los da maneira certa.

Foram minhas últimas palavras antes que eu pegasse a mochila do chão e voltasse para meu carro. Ligo-o logo em seguida saindo dali sem nem ao menos olhar para trás. Finalmente o meu plano estava prestes a se realizar mais alguns ajustes e tudo acabaria como eu havia planejado.

Canto animadamente a música que tocava batendo de leve os dedos no volante quando ouço meu celular tocar. Atendo colocando no viva voz.

- Alô?!

- Rômulo!

- Oi meu amor, como você tá?

- Acabou tudo!

Somente agora consigo perceber que sua voz estava trêmula.

- Como é?

- Ela não quer mais casar, Rômulo! Deu tudo errado!

Paro o carro imediatamente no acostamento e pego o celular. Aquilo só podia ser brincadeira.

- Do que é que você tá falando, Bianca?

- A Ludmilla! Ela veio com uma conversa sobre não ter certeza se era isso que queria. Eu acho que ela quer desistir do casamento.

- Você acha?

- Sim...

- Como assim, vo-... Bianca! - Respiro fundo tentando organizar meus pensamentos. Aquilo não podeira estar acontecendo. - Me conta exatamente o que aconteceeu!

Bianca POV

Guardo o último fichário com as anotações que havia feito na prateleira quando ouço a porta do quarto abrir. Ludmilla mais uma vez havia chego tarde.

Ela me encara, seus olhos estão cansado, seus ombros caídos e sua feição denunciava a exaustão que sentia.

- Oi amor. - Digo me aproximando lhe dando um rápido selinho no qual ela mal retribuiu.

- Oi.

- Tá tudo bem?

- Sim... Só algumas coisas da empresa que não saem da minha cabeça.

- Ah sim...

Ela vai em direção ao banheiro me deixando sozinha no quarto.

[...]

O clima hoje estava terrivelmente pesado. Ludmilla não disse uma única palavra durante todo o jantar. Bufava a cada dez minutos e entre uma garfada ou outra me encarava de uma forma que eu não conseguia decifrar. Aquilo já estava começando a me deixar irritada.

- Aconteceu alguma coisa? - Pergunto tentando manter o fio de paciência que ainda tinha.

Sua expressão agora era de confusão.

- Não. Por que?

- Não sei. Você tá estranha. Não falou nada a noite todo.

- Só tô pensando...

- No que?

Nos fitamos por alguns instantes até que ela suspira forte como se juntasse coragem.

- Bianca, você me ama?

Sinto meu rosto queimar e meus ombros pesarem.

- O-O quê?! Que... Que tipo... - Ela me encarava esperando uma resposta mas eu estava nervosa demais pra responder aquilo. - Que pergunta é essa?

- É só uma pergunta.

- Uma pergunta bem idiota!

- Você não vai responder?

- Quem anda colocando essas besteiras na sua cabeça? Sua irmã? Daiane?

- Bianca, responde!

Respiro fundo tentando me concentrar para parecer sincera.

- Lud, amor... - Seguro sua mão sobre a mesa e tento olhar no fundo de seus olhos. - É claro que eu te amo!

Ela suspira novamente fechando os olhos e afastando nossas mãos.

- O que foi?

- Nada Bianca... Eu só...

- O quê?

- Eu não acho que esse casamento seja uma boa idéia. - Diz de uma vez só sem nem ao menos me encarar.

- Como é?

Me encara com uma expressão de culpa.

- Eu não acho que seja uma boa idéia! Quer dizer, foi tudo tão rápido...

- Rápido? Ludmilla nós estamos juntas a três anos!

- Eu sei, mas...

- Mas o quê? - Jogo o guardanapo de pano em cima da mesa e me levanto. - Agora você simplesmente quer jogar tudo isso fora? Três anos jogados no lixo como se não fossem nada?

- Não é isso!

- É O QUE ENTÃO?

- Bianca, se acalma!

- Me acalmar? - Solto uma risada sarcástica. - Ludmilla... O que você quer?

- Eu não sei. - Sua voz sai baixa, quase inaudível.

- Você desistiu do casamento?

- Eu não sei.

Suspiro fundo para a próxima pergunta.

- Voce não me ama mais?

Ela fecha os olhos, sua cabeça permanece baixa e suas mãos juntas em seu colo. Lud respira fundo e em um tom um pouco mais alto confessa.

- Eu não sei.

Sinto um pavor gigantesco me atingir. Aquilo não podia ser real. Ela não podia desistir do casamento, caso contrário o plano iria por água abaixo.

- Ludmilla... - Capricho na encenação fazendo lágrimas "reais" brotarem em meus olhos. - Eu não acredito!

- Bianca, me desculpa!

- Te desculpar? Falta pouco mais de um mês pro nosso casamento! E agora você não sabe nem ao menos dizer se ama ou não?

Ela me encara novamente com pena nos olhos. Eu odiava aquele olhar.

- Eu não...

- Três anos! Depois de três anos, depois de tudo o que eu fiz você tem a coragem de chegar aqui e dizer que desistiu?

-  Eu não disse isso!

- Você não precisa! Só o jeito que me olha já diz tudo! Como você pôde?

- Bia... - Ela se levanta e caminha pra perto mas eu me afasto.

- Eu te amo, Ludmilla! - Menti. - Eu te amo mais que minha própria vida, e agora você faz isso? Simplesmente joga fora tudo o que eu sinto?

Ela permanece imóvel sem dizer uma única palavra.

- Me desculpa. - Ludmilla se afasta indo em direção a porta.

- Aonde você vai?

- Me desculpa!

Ela diz mais uma vez e então some atrás da porta fechada.

Tento ir atrás mas Ludmilla simplesmente havia sumido. O desespero começa a bater e pensar se torna algo difícil de fazer. Tento pensar com clareza mas minha mente estava uma confusão só. Eu não podia deixar aquilo acontecer, ela não poderia desistir do casamento ou então Rômulo iria me odiar pra sempre pelo plano dele não dar certo. Eu tinha que fazer alguma coisa, mas o quê?

Rômulo POV

- E agora eu não onde ela está! Eu não sei o que fazer.

Sua voz estava trêmula. Eu ainda não acreditava naquilo.

- Fica nesse apartamento e não sai daí! Em algum momento ela vai voltar, quando isso acontecer, esteja acordada!

- Okay.

Desligo o celular e dou partida no carro novamente. A minha vontade era de matar aquela vadia agora mesmo com minhas próprias mãos, mas eu não podia agir por impulso. Eu precisava manter a calma, tudo iria dar certo.

Ludmilla POV

Minha visão já começava a ficar turva. A música ambiente parecia estar ainda mais alta. Sinto uma leve queimação no estômago e olho no relógio. 1h30 da manhã. Eu precisava ir pra casa mas não queria ter que encarar Bianca. Não depois da nossa conversa, eu não tinha outro lugar pra ir e não poderia ficar fugindo dela pra sempre, em algum momento eu teria que enfrenta-la.

Suas palavras ainda ecoavam na minha mente junto com as da minha mãe. Eu não sabia o que fazer, estava dividida e bêbada demais pra tomar uma decisão, mas eu precisava fazer isso.

Eu não poderia ser desonesta e irresponsável nesse nível.

Pego as chaves em cima do balcão e saio do bar com certo cuidado. Sentia minhas pernas mole feito gelatina. Firmo o passo e vou até meu carro entrando com certa dificuldade. Eu sabia que não poderia dirigir naquele estado, mas a essa altura eu já não ligava pra mais nada.

Ligo o carro dando ré logo em seguida, pra minha sorte, naquele horário o trânsito era quase inexistente o que me deixava um pouco mais segura. Faço o mesmo caminho de casa simplesmente no automático, paro o carro na minha vaga no estacionamento do prédio e entro no elevador. A cada novo andar minha vontade de fugir era enorme.

Durante todo o caminho de volta comecei a pensar em quando tudo se tornou tão difícil de lidar. Eu costumava ser uma pessoa feliz. Tive uma infância incrível, uma adolescência normal e um começo de vida adulta dos sonhos. Sempre adorei frequentar festas com meus amigos quando não estava fazendo uma, adorava viajar e principalmente curtir minha família, até que a responsabilidade bateu na porta e me vi sendo obrigada a abandonar tudo aquilo que eu amava fazer pra tomar conta de tudo. Conheci Bianca justamente nessa transição e ela me ajudou a ser a mulher responsável e profissional que sou hoje. Ela já meu ajudou tanto, Deus, como eu poderia ser capaz de fazer algo assim para ela?

Alguém que sempre esteve ao meu lado, que sempre me ajudou, como eu poderia destruir os sonhos de alguém que me ama?

Saio do elevador e entro em casa, tenho uma certa dificuldade ao abrir a porta já que a chave teimava em fugir da fechadura. Assim que as jogo em cima do móvel entrando na sala e fechando a porta atrás de mim meus olhos vão parar diretamente em Bianca. Ela estava em pé no meio da sala, parecia ter chorado. Me encarava apreensiva e com certo receio.

- Onde você estava?

- Eu saí pra beber.

Ela permanece em silêncio, observando cada mínimo movimento que eu fazia. Caminho até ela parando em sua frente logo em seguida.

- Me desculpa! - Minha voz sai baixa e falhada. Ela parece finalmente voltar a respirar depois de ouvir aquilo e abraça, forte. - Eu não devia ter dito aquelas coisas. Me desculpa.

- Tá tudo bem!

- Eu vou me casar com você!

Ela me solta, me encarando incrédula.

- O que?

- Eu te pedi em casamento, eu quis firmar nossa relação. Eu não posso simplesmente desistir de tudo, sem mais nem menos.

Seus olhos se enchem de lágrimas e sua expressão se suaviza. Bianca me beija suavemente e volta a me abraçar.

- Eu te amo!

Acaricio levemente suas costas tentando acalma-la.

- É... - Minto. - Eu também.

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