A Hóspede

Brunna coloca o prato com as batatas à minha frente e sai de trás do balcão indo atender a mesa do senhor de alguns minutos atrás. Acompanho ela com o olhar e tento ignorar meus próprios pensamentos que gritavam o quanto ela era atraente. Assim que ela faz menção de voltar, viro meu rosto e começo a comer na tentativa de disfarçar. Ela volta para sua posição inicial e então continua.

- Pra quê a mala?

Desvio meu olhar e fito a mala preta ao meu lado. Suspiro forte quando me lembro que ainda não tenho lugar para ir.

- Eu estava na casa de uma amiga, mas tive que sair de lá por causa do marido dela.

- Hum, ele ficou com ciúme?

- Sim. - Respondo dando de ombros.

- E tu tá indo pra onde?

Um sorriso fraco aprece em meus lábios. Eu não fazia a menor idéia de como responder aquilo.

- Eu não tenho idéia.

Ela se assusta com a forma que eu falo.

- Como assim?

- Eu não tenho para onde ir.

- E sua família? Você não tem uma prima, um tio? Uma outra amiga? Nada?

- Não. Como eu disse, eu não sou daqui. Não tenho pra onde ir, meu dinheiro está acabando e eu não conheço ninguém nesse país.

Continuo comendo enquanto ela me encarava com uma das sobrancelhas arqueadas e com a desconfiança estampada em seu rosto. Já disse o quanto ela era expressiva?

- Que foi que tu fez pra fugir desse jeito? - Quase me engasgo com aquela pergunta.

Aquela garota lia pensamentos ou algo assim?

- Como?

- Ah, eu não sou burra. Não precisa de muito pra saber que tu tem rabo preso. Fala, o que aconteceu?

- Não sei se posso te contar isso.

- Por que não?

- Porque eu mal te conheço.

Ela se cala por um tempo enquanto me analisa.

- E se eu desse um lugar pra tu ficar até conseguir se arrumar?

Paro imediatamente de comer e a encaro. Ela estava fazendo algum jogo?

- E como você faria isso?

- Eu te levaria pra minha casa. Tu pode ficar lá quanto tempo quisesse até arrumar um emprego ou um lugar melhor.

A proposta era realmente tentadora, já que eu não tinha muitas opções.

- O que eu teria que fazer em troca?

Ela arqueia uma das sobrancelhas sorrindo maliciosamente.

- Me contar a verdade sobre o que tá acontecendo contigo.

Meu Deus, que garota persistente.

- Por que tanto interesse assim na minha vida?

- Não sei. - Ela da de ombros. - Você parece ser alguém interessante. Tipo, eu até poderia te levar lá pra casa numa boa sem precisar ouvir sua história, mas vai que você é uma assassina fugitiva... Preciso ter cuidado né.

Não consigo evitar de rir com aquilo. As pessoas daqui são desconfiadas demais.

- Eu não sou assassina.

- Okay, já fico mais tranquila.

- E então, a ajuda ainda está de pé?

- Tu não vai mesmo me contar?

- Não.

Ela suspira pesado se dando por vencida.

- Ok. Eu não iria deixar tu dormir na rua mesmo. Daqui vinte minutos eu saio, se quiser pode esperar aqui ou sentar em alguma mesa.

- Ok, obrigado.

- De nada.

[...]

- A gente já tá chegando. - Era a quarta vez que ela dizia aquilo desde que descemos do segundo ônibus.

Eu já estava cansada de tanto andar e aquela subida parecia não ter fim.

- Eu acho que prefiro dormir por aqui mesmo.

Ela ri da minha fala que sai com certa dificuldade por conta de minha respiração falhada e pesada.

- Te garanto que vai valer a pena. Aliás, já chegamos.

Ela pára em frente um portão estreito de grade. Brunna puxa a corrente e destranca o cadeado. Ela abre o portão e me dá a passagem. Eu entro a esperando.

A garota destranca a porta entra e eu a sigo porta a dentro. Era incrível como as casas desta cidade tinham um ar tão aconchegante.

A casa era pequena e simples, mas muito bem arrumada. A sala era até espaçosa, a cozinha ficava logo ao lado, ao lado do banheiro tinha uma escada que levava ao segundo andar.

- Vem comigo, tu vai ficar no meu quarto.

Ela diz me puxando pela mão e subimos as escadas. Lá em cima haviam mais quatro portas no corredor. Três quartos e um banheiro de acordo com Brunna. Passamos diretamente pelas portas até que chegamos na que ficava no final do corredor. Ela destranca a porta e então me encara.

- Só não repara a bagunça, tá?!

Brunna entra e acende a luz me dando a clara visão de seu quarto. As paredes tinham um tom rosa bebê, haviam duas camas de madeira, uma ao lado da outra separadas somente por um móvel com um abajur em cima. Do lado esquerdo havia um guarda roupa e uma escrivaninha que ficava de frente pra a janela. Ao lado direito, uma penteadeira com um espelho grande e uma cômoda. Tudo estava muito bem guardado e organizado, o que me fez achar estranho seu pedido. Como eu iria reparar se não havia bagunça?

Ela tira os sapatos e os guarda na cômoda.

- Eu moro aqui com dois amigos, a Larissa e o Renatinho. - Ela começa a explicar. - A Lari fica quase o dia todo fora porque ela trabalha de manhã e faz faculdade a noite, então você quase não vai ver ela. Renatinho é o que fica mais tempo em casa. A mãe dele tem um bar e ele trabalha pra ela, mas só quando quer mesmo.

Acho graça da forma como ela fala.

Brunna tira os suspensórios e a gravata e começa a desabotoar sua camisa. Ela iria se trocar na minha frente?

- Eu fico o dia todo em casa, só saio a noite pra ir trabalhar. Nos fins de semana, quando não visito minha mãe, fico aqui curtindo preguiça.

Ela tira a blusa ficando somente com a calça social, meia e sutiã. Confesso que fiquei nervosa com tal visão. Não sabia muito bem o que fazer.

- A comida aqui em casa é etiquetada. Pra não acontecer de ninguém comer o que é do outro, então você pode comer o que quiser, contanto que tenha meu nome lá.

- Ah sim.

Ela começa a desabotoar a calça e eu não consigo tirar meus olhos de seus movimentos. Brunna tira o tecido que cobria a outra parte de seu corpo ficando somente de lingerie na minha frente. Sinto meu corpo estremecer e um leve arrepio tomar conta de mim. O que diabos estava acontecendo?

- Se você quiser ajuda pra arrumar um emprego ou precisar de qualquer coisa, é só falar comigo! - Ela passa por mim indo até o guarda roupa e pega duas toalhas. - Tu já tomou banho?

- N-Não.

- Toma! - Ela me entrega uma das toalhas. - Pode tomar no banheiro lá de baixo, só não demora muito se não a água quente acaba.

Ela diz calçando seus chinelos e sai do quarto me deixando ali sozinha. O que aconteceu aqui?

Resolvo ignorar todo e qualquer pensamento sobre os últimos minutos e coloco minha mala sobre a cama afim de pegar uma troca de roupa. Ouço a porta se abrir e evito olha-la com medo do que poderia surgir ali, não sabia se Brunna estava completamente nua.

- O Bru, cê pode me emprestar...

Ouço uma voz que não é a dela e encaro a porta.

- Oh, olá! - Me aproximo - Você deve ser Renatinho, certo?!

O rapaz me encara com os olhos arregalados.

- OH BRUNNA! - Ele grita parado no mesmo lugar. - BRUNNA!

De repente a porta do meio do corredor se abre em um solavanco.

- QUÊ?

- QUEM É ESSA DOIDA AQUI NO TEU QUARTO?

- AI, É A LUDMILLA.

- QUEM?

- DEPOIS EU EXPLICO RENATO, ME DEIXA TOMAR BANHO!

Deus, pra quê tantos gritos?

Ele continua me encarando desconfiado. O rapaz estava entre a porta e me observava com o cenho franzido e uma das sobrancelhas arqueadas. Eu o encarava de volta sem muita expressão, toda aquela situação estava começando a me deixar desconfortável.

Decidi ignorar o rapaz e voltar a mexer em minhas coisas. Sentia seu olhar me queimando enquanto eu organizava as roupas em cima da cama. Ouço Brunna pedir licença para entrar no quarto, ela estava completamente nua somente com a toalha enrolada no corpo. Evito encarar e me viro de costas.

- Brunna, quem é essa?

Ouço o tom do rapaz que sai quase como em um susurro.

- Já falei, é a Lud.

Lud? Já tínhamos intimidade para apelidos?

- Aonde tu achou essa doida, garota?

- Ela me ajudou com um cliente e a gente começou a conversar. Ela me contou que não tem lugar pra ir, então trouxe ela pra cá.

- Por que?

- Porque se fosse comigo, eu iria querer ajuda.

Ele bufa. Era incrível a forma como falavam de mim como se eu não estivesse presente no quarto. Assim que termino de pegar meus pertences saio do quarto em direção ao banheiro.

Antes que pudesse trancar, ouço batidas na porta. Abro novamente e Brunna sorri, sem jeito.

- Só um minuto... - Ela entra e vai em direção ao box. A garota tira o que parecia ser sua calcinha, que estava molhada, do registro e sai. - Desculpa.

Sorrio com a cena trancando a porta. Ouço alguns murmúrios do lado de fora. Provavelmente Brunna explicava a situação que nos levou até o momento presente.

Tomo meu banho não demorando muito, não queria que a água quente acabasse na metade dele. Saio do box me secando e colocando meu pijama logo em seguida. Saio do banheiro e volto ao quarto. Renato estava sentado na cama que eu usaria, com as pernas dobradas feito índio, ele me encarava com um sorriso estranho enquanto Brunna penteava os cabelos.

- Desculpa ter sido mal educado antes.

- Ah sim, tudo bem. Não tem problema.

- Então... Ludmilla né? - Ele diz se levantando e parando ao meu lado.

- Sim, Ludmilla Oliveira, prazer. - Lhe estendo a mão. Ele observa meu gesto e encara Brunna que somente da de ombros.

- Prazer, Ludmilla. - Ele me puxa para um abraço e me da dois beijos, um de cada lado do rosto. - Meu nome é Renato, mas pode me chamar de Renatinho.

Ainda atordoada com tamanha intimidade somente sorrio para ele em resposta.

- A Bru disse que você não tem amigos, é verdade?

- Sim. Ao menos aqui na cidade, não tenho nenhum.

Ele me encara.

- Caraca tu fala toda certinha né... Bom, você não tinha amigos, porque agora acabou de ganhar dois!

- Dois?

- Sim, Bru e eu!

- Oh... - Não sei o que dizer. - Okay. Obrigado, eu acho...

- Magina. - Ele sai me fazendo pensar o que eu deveria imaginar. Renato pára ao lado de Brunna e lhe pede o carregador emprestado.

Ela lhe entrega o objeto e ele sai nos desejando boa noite. Respondemos em uníssono fazendo o rapaz sorrir e logo em seguida fechando a porta.

- Eu vou assitir um pouco de TV, ainda não tô com sono. Quer vir junto?

- Claro. - Imito seu gesto estendendo minha toalha ao pé da cama e sigo a garota escada a baixo até chegarmos na sala.

Brunna liga a tomada do aparelho e pega o controle se sentando. Ela aperta o botão e a tela se acende. Me sento ao seu lado observando ele abrir a Netflix e passando alguns dos títulos que tinha no Minha Lista.

Começo a olhar ao redor afim de observar mais a casa. A sala era clara, as paredes brancas tinham alguns quadros espalhados, um relógio de ponteiros de modelo antigo na parede, poderia jurar que vi um igual na casa de Érica. No canto esquerdo, perto da porta, haviam alguns vasos com plantas. O móvel abaixo da televisão tinha mais alguns porta retratos com fotos que eu não conseguiria ver, já que a luz que vinha da TV era a única que iluminava o local.

Do lado esquerdo eu tinha a ampla visão da cozinha. Havia uma mesa no centro com uma cesta de frutas em cima. Na geladeira, os mesmos imãs de formatos engraçados que eu havia visto na casa de Érica o que me fez pensar. Será que todos nesse lugar tinham o mesmo gosto por decoração?

- Pequena né? - Ouço a voz surgir de forma suave e me viro encarando a garota que tinha um sorriso sem jeito nos lábios.

- Como?

- A casa. - Ela diz dando de ombros. Brunna olha ao redor da mesma forma como eu havia feito. - Não sei como era sua vida lá fora, mas aposto que o lugar onde tu morava era bem maior que isso.

Ela volta a me encarar com um olhar sugestivo.

- Realmente. Era bem maior.

- Quanto?

Passo os olhos pelo local novamente.

- Meu closet era do tamanho da sala e da cozinha juntas.

Seu queixo cai e logo depois um sorriso aparece.

- Hum, closet... Deve ser difícil largar a vida boa que tu tinha pra vir pra esse fim de mundo, né?!

- Um pouco.

- Sei... - Ela se levanta me entregando o controle. - Escolhe alguma coisa, vou fazer pipoca. Quer?

Assinto seguindo a garota com o olhar. Ela entra no cômodo ao lado acendendo a luz e pegando uma panela para logo em seguida colocar no fogão acendendo o fogo.

- Quando eu tava no banho. - Ela diz indo em direção ao armário. - Eu tava me perguntando, como é que tu fala português tão bem?

- Minha mãe é brasileira. - Ouço um som de grãos cair na panela. - Na verdade toda a minha família por parte de mãe é. Minha avó se mudou para os Estados Unidos bem novinha. Minha nasceu lá, assim como eu, mas nunca deixou de falar a língua natal.

- Língua natal... - Brunna repete baixinho. - O jeito que você fala. - Ela tampa a panela. - É engraçado.

- Por que?

- É todo certinho. Você trabalhava com o que?

De repente lembranças boas me invadem. Eu sentia falta da rotina na empresa mas ainda não tinha tido tempo para refletir sobre. Sentia falta dos funcionários correndo para se arrumarem quando eu chegava, ou da forma como todos abaixavam sua cabeças para mim. Sentia falta da minha poltrona presidencial, da vista privilegiada que tinha da janela de minha sala. Até mesmo de Patrícia, minha secretária, eu sentia falta.

- Em uma empresa. Uma revista de moda.

- Ahhh! Agora entendi. - Ela pega uma bacia do armário. - Tu era tipo empresária então?

- Sim.

- Hum... Por isso esse jeito todo corretinho... Tu era tipo, dona da empresa?

- De certa forma sim. A empresa é da minha mãe, eu assumi a diretoria a pouco tempo.

- E como tua mãe é?

Meu coração se infla ao ouvir sua pergunta.

- Ela é maravilhosa! Uma das mulheres mais incríveis que já conheci! - Deus, eu sentia falta dela, até mesmo de suas broncas.

- Qual o nome dela?

- Silvana.

- Lindo nome. - Sorrio em resposta concordando.

- Assim como ela.

- Fala mais dela. - Brunna despeja a pipoca na bacia e tempera. Ela volta e se sentado ao meu lado novamente.

- Minha mãe é uma mulher exuberante. Sempre gostou de estar bem arrumada até mesmo quando ficava em casa. Ela tem esse sorriso que não sai do rosto por nada, não importa a situação. Batalhou muito pra ter tudo o que tem hoje.

- Sério?!

- Sim! Minha mãe me teve aos vinte anos. Quando eu nasci meu pai sumiu. Ela me criou com a ajuda de minha avó. Foi difícil, duro, mas valeu a pena. Graças a ela eu sou a mulher que sou hoje.

- Nossa! Eu nunca imaginaria.

- É...

Ela me oferece a pipoca e eu aceito pegando um pouco da bacia.

- Minha e meu pai são casados até hoje. - Ela diz encarando a TV com um sorriso bobo nos lábios. - O casamento deles é o exemplo de relação que eu gostaria de ter sabe. Os dois se amam e se respeitam demais.

Sorrio ao ver a forma carinhosa que ela falava dos pais.

- Minha mãe sempre foi meio rígida sabe? - Ela continua. - Mas nada muito fora do normal. Ela sempre quis o melhor pra gente.

- Pra gente? - Ela me encara e sorri.

- Pra mim e meu irmão. - A garota se levanta e pega um dos quadros que estava sobre o móvel. - Esse aqui. - ela aponta para o rapaz da foto. - Brunno.

- Brunna e Brunno?!

- É. - Ela revira os olhos sorrindo. - Até hoje ainda não entendi a tara da minha mãe por esse nome. Mas ela quis assim, então...

Volto a olhar a foto e sem querer, deixo um sorriso escapar.

Os dois estavam na praia, Brunna vestia um biquíni branco, seus cabelos estavam loiros e ela tinha uma expressão sensual no rosto. Brunno estava ao seu lado, com uma sunga também branca e um chapéu, ele tinha o mesmo olhar para a câmera.

- Ele é bem bonito. - Digo sincera.

- É sim. E casado! - Ela pega o quadro de minhas mãos e volta a colocá-lo na mesma posição que estava.

- Pode ficar tranquila, ele não faz meu tipo.

- Ih... E qual é teu tipo?

Quando estava pestes a responder sua pergunta a porta da sala se abre e uma mulher desconhecida se faz presente.

Ela era loira, tinha o cabelo na altura do ombro e uma cara e poucos amigos. A mulher me encara, séria para logo depois encarar Brunna.

- Lari! Chegou bem na hora. A gente ia ver um filme.

Ela continua nos encarando seria até depoisar seus olhos na televisão.

- Quem é essa? - Ela diz voltando seu olhar para mim.

- Ah, desculpa. - Brunna se levanta ficando de frente para as duas. - Larissa, essa é a Ludmilla. - Ela diz nos apontando uma para a outra. - Ludmilla, essa é a Larissa.

Me levanto estendendo a mão em sua direção.

- Prazer!

Ela encara minha mão. Larissa tinha uma expressão séria e fechada no rosto, confesso que me senti um pouco intimidada.

- Prazer. - Ela diz em um tom desconfiado apertando firme minha mão. - Brunna vem aqui, quero falar com você.

Ela fecha a porta atrás de si e puxa a garota para cima. Brunna apenas faz um sinal como quem dizia para esperar e sobe.

Decido atender seu pedido de antes e começo a procurar algo para assistirmos. De repente ouço uma conversa um tanto alterada no cômodo de cima 

- E você achou uma boa ideia trazer ela pra cá?

- Qual o problema?

- Brunna, você bem conhece essa mulher!

- Eu so queria ajudar!

As vozes se abaixam e volto a ouvir apenas murmúrios. Renato desce as escadas e levanta as sobrancelhas em uma expressão que não sabia dizer qual é. Ele se senta ao meu lado e pega um pouco de pipoca.

- E vamos de D.R.

Meus olhos se abrem em surpresa.

- Elas são namoradas?

- Quem? Lari e Bru? - O garoto explode em uma gargalhada alta. - Claro que não, credo! São só amigas, quase irmãs na verdade. A Lari é muito desconfiada, então ela sempre tenta proteger a Bru de tudo.

- Ela não parece se  o tipo de pessoa que precisa de proteção.

- Mas precisa. Quer dizer, a Bru é esperta sabe? Inteligente e tal, mas todo mudo precisa de um alguém que cuide da pessoa.

Sou obrigada a concordar. Eu era o tipo de pessoa que achava que tinha tudo sob controle, até levar um tombo feio. Graças aos deuses Daiane existia em minha vida, não sei o que seria de mim sem minha amiga. Ou talvez saiba...

Ouço o som de porta bater e logo depois vejo Brunna e Larissa descerem as escadas. A loira para na minha frente e respira fundo encarando Brunna para logo depois focar sua visão em mim.

- Desculpa minha falta de jeito, Ludmilla. Brunna me explicou sua situação. Não quero que você se sinta mal de estar aqui. - Suas palavras pareciam ter sido ensaiadas.

Os gestos da moça eram minuciosamente monitorados por Brunna.

- Enfim. - Larissa continua. - Sinta-se a vontade. A casa, agora, também é sua.

- Obrigada. - Ela assente e logo depois sai do cômodo passando pro Brunna que lhe mandava um sorriso convencido.

A garota sobe as escadas e Brunna se senta novamente ao meu lado.

- E aí, o que a gente vai assistir?!

- Esse filme parece ser legal. - Digo mostrando o filme que estava pausado na tela.

- Sobre Ontem A Noite. - Ela lê o título. - É comédia?

- Sim.

- Ótimo! Da play aí.

Aperto o OK no botão e logo o filme começa.

[...]

Brunna POV

Aos poucos o som de uma conversa animada começa a ficar cada vez mais alto. Abro os olhos tentando me acostumar com a claridade e percebo que dormi logo nos vinte primeiros minutos do filme. Me endireito no sofá e vejo que não fui a única a ser vencida pelo cansaço. Ludmilla também estava dormindo, sua cabeça estava levemente tombada para o lado e ela tinha uma expressão de paz no rosto. Na outra ponta do sofá, Renatinho era o completo oposto de Ludmilla. Ele tava todo jogado, meio caído, com a boca aberta e roncando igual a um porco, bem diferente de Ludmilla que conseguia ser linda até dormindo.

Levanto do sofá e desligo a TV, dou um tapa na testa do Renatinho que leva um susto.

- QUE FOI?

- SHHH!!! - Aponto pra Lud que se remexe um pouco. - Vem. - Sussurro. - Vamo dormir.

- Vai deixar ela aqui?

- Eu tô com dó de acordar ela. Ela tá dormindo tão bem.

- Mas ela vai ficar com dor.

Respiro fundo, ele tinha razão. Esse sofá era meio duro pra dormir.

- Vai dormir Renato, deixa que eu me viro.

Ele da de ombros e se levanta. Passa por mim me dando um beijo no rosto e desejando boa noite. Me despeço dele e pego algumas almofadas, empilho no canto do sofá e com cuidado, vou movendo o corpo de Lud aos poucos fazendo ela se deitar. Ela mal se mexeu, deveria estar em um sono bem profundo. Ajeito o lençol que Renatinho havia trago consigo e me afasto.

- Pelo menos agora não vai sentir dor... Eu espero.

Paro por um instante para observar a cena. Uma completa estranha estava deitada no meu sofá dormindo tranquilamente.

Eu não sei o que me deu na cabeça pra trazer uma mulher que eu nunca vi na vida pra dentro da minha casa, assim, sem mais nem menos.

No país que eu vivo esse tipo de coisa não é comum. Ela poderia muito bem ser uma pessoa má, poderia estar fingindo que tá dormindo e quando menos esperarmos ela pode nos roubar e fugir.

De todas as hipóteses que minha mente criava para aquela mulher, meu coração falava mais alto e insistia que eu havia feito a coisa certa. Eu sempre gostei de ajudar as pessoas, mesmo quando eu nem tinha condições. A vida é pura atração, o famoso karma. Tudo aquilo que você emana, volta pra você. Óbvio que eu não ajudava apenas pra receber algo em troca, mas eu sei que o universo é justo e quando eu mais precisar, vou ter sua ajuda, assim como já aconteceu várias vezes.

Por mais que eu não soubesse quase nada sobre a vida de Lud, eu tinha plena certeza de que estava fazendo a coisa certa em lhe estender a mão. Respiro fundo pela última vez analisando os traços do rosto daquela mulher, meu Deus ela era linda!

Ela se mexe e eu tomo um susto. Não queria que ela acordasse e me pegasse te vigiando igual um maníaco. Me viro e acendo a luz do banheiro pra iluminar um pouco o andar de baixo, se ela acordasse pelo menos não estaria na escuridão. Subo pro meu quarto logo em seguida.

Antes de me deitar, dou uma olhada em sua mala, as roupas daquela mulher exalavam poder, assim como ela. Finalmente me deito, precisava dormir, tô sentindo que amanhã o dia vai ser longo.

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