Capítulo 6 (não revisado)
Com as informações do Marcelo, Ricardo, que já vinha investigando dois deputados estaduais, teve a sua lista ampliada para mais um senador e um deputado federal, tendo com isso um acréscimo significativo de esforço e trabalho que ele e Lena faziam de bom grado, mas que lhes exigiam um pouco de horas a mais, horas que eram retiradas do período de descanso. Lena até que não se importava porque ficava perto do chefe que ela adorava, mas Ricardo sentia um pouco e, felizmente, Mariana era muito compreensiva. Conseguiram facilmente interceptar as trocas de e-mails entre todos e capturar as mensagens, o passo mais fácil da operação de investigação. Os métodos criptográficos que eles usavam eram avançados e eficientes, dificultando drasticamente o processo.
Enquanto isso, Ricardo ia ensinando o amigo a atirar e descobriu que Marcelo tinha jeito para a coisa, elogiando-o.
No trabalho, precisava de muita cautela para não deixar os outros saberem que Marcelo infiltrou-se e, por isso, deixou para juntar o máximo possível de provas, que se tornavam cada vez mais difíceis de obter, mesmo com a ajuda do vereador. Como ele dissera que era verificada a presença de grampos durante as reuniões, Ricardo absteve-se de lhe pedir para tentar gravar. Apesar de tudo, não confiavam no Vereador.
Foram quatro meses árduos e sem resultados que fizeram o chefe torcer o nariz. Como ele confiava na sua equipe, deu-lhes um voto de confiança. Marcelo estava estranho, aparentando medo de ser descoberto pelos políticos e começava a se esquivar, mas não negava as informações, quando as tinha. Para piorar as coisas, as chaves de criptografia tornaram-se quase insolúveis e o policial resmungava sempre contra o gênio da informática que fez aquilo.
Com o crescente estado de stress do amigo, Ricardo parou de pedir informações, até porque as que tinha eram bastantes. No quarto mês, passou a adotar outra tática, mas a criptografia ainda resistia.
Notou que o relacionamento entre o amigo e Camila esfriava muito rapidamente e a amiga, que ele amava bastante, estava cada vez mais fechada, com cara triste. Considerando que os dois estavam de casamento marcado para o semestre seguinte, achou preocupante, mas não quis invadir a privacidade do vereador, embora achasse que essa situação não parecia ser decorrente do stress. Era mais como se Marcelo tivesse perdido o interesse na noiva.
Em compensação, ele e Mariana estavam às mil maravilhas. Ela dormia quase sempre na sua casa e, sem sequer se darem conta, praticamente já viviam juntos. Metade do closet, no quarto, estava cheio das suas roupas, especialmente as melhores. Quando se encontravam, faziam tudo juntos. Ou era ler um livro, curtir um filme ou, simplesmente, ouvir música. Até mesmo quando ele trabalhava com os computadores do seu escritório, ela acompanhava-o e, com o seu portátil, aproveitava para verificar os investimentos.
Nesse período, Marcelo candidatou-se a deputado federal e ganhou disparado, da mesma forma que os dois deputados estaduais investigados.
Infelizmente não se viam muito nesses dias e Mariana começou a ter ressalvas. Ela e Camila encontravam-se constantemente e ela notava a amiga cada vez mais triste e abatida. Um dia, quando a visitou na sua loja, Camila desabafou com Mariana, falando o que sentia:
– Marcelo está mudando, Mari – afirmou, triste –, e não é para bem. Só rezo a Deus para que ele não se transforme naquilo que combate com tanta intensidade. Estou preocupada, pois ele não é mais o mesmo homem por quem me apaixonei. Acho que não me ama mais, só que não diz nada!
A garota terminou de falar e lágrimas escorreram pela sua face. Gentilmente, Mariana pegou uma caixa de lenços de papel e ofereceu um para a amiga, abraçando-a.
– André já notou que ele está estranho, mas acha que é stress.
– Eu tô estranhando muito, Mari – disse, triste. – Você sabia que ele tem andado armado? Estes dias, encontrei a arma no porta-luvas.
– Sim, mas isso é porque André quis que ele aprendesse a se defender. André tem-lhe dado aulas de tiro regularmente. Ele não contou para você porque não desejava que se assustasse ou preocupasse.
– Meio tarde, não acha? – perguntou, chorosa. – Espero que seja apenas stress, Mari, e que seja temporário. Se continuar assim, vou romper. Por mais que me doa, não vou casar com o homem em que se está transformando – disse, começando a chorar com mais intensidade.
– Calma, querida. – Mariana estendeu mais lenços, enquanto a abraçava, gentil. – Não se precipite, Camila. Pode ser simplesmente passageiro.
Confortou a amiga até esta ficar recomposta, mas também estava preocupada. Quando Camila foi-se, permaneceu sentada na sua sala, pensando em tudo. Felizmente, sentia que estava muito bem no seu relacionamento.
― ☼ ―
Ricardo ficava cada vez mais envolvido na investigação que fazia em cima dos suspeitos e o que mais o espantava eram as técnicas de criptografia que eles passaram a adotar nas suas correspondências nos últimos meses, pois resistiam completamente à quebra e nem as ferramentas mais eficientes da inteligência logram sucesso. Eles já eram bons nisso, mas agora estavam insuperáveis, como se repentinamente soubessem exatamente uma forma de confundir a tecnologia da federal, como se conhecessem os limites e os recursos da inteligência.
Nesse mesmo dia recebeu uma ligação do Marcelo no telefone particular:
– "Oi, Ric. Desculpe a minha ausência, mas o trabalho tá complicado e ando preocupado com... sabe quem né?"
– Claro, Marcelo. Não se incomode. Algum problema?
– "Não um problema, mas uma informação importante."
– Entendo – disse André, ficando sério. – Mande ver.
– "Soube que na sua gaiola foi colocado um papagaio que fala muito e custou barato. Esse ainda não vi."
– Engraçado, pois não temos papagaios – disse Ricardo, ficando lívido. – Os gatos costumam pegá-los rápido demais. Tem a certeza?
– "Sim." – Marcelo riu, como que a disfarçar. – "Claro que transmitirei o seu recado... dizem que o papagaio fala muito e foi arranjado pelos corvos. Preciso desligar. Um abraço."
– Abraço e obrigado. – Ricardo guardou o telefone no bolso, preocupado. Ele estava andando pelo corredor, a caminho da sua sala e avaliando os riscos. Quando entrou, Lena estava sozinha, debruçada sobre uma tela enorme, avaliando dados. Ergueu o rosto e sorriu.
– Oi, McGiver.
– Pronta pra encrenca, Madalena?
Lena parou logo de sorrir e ficou bem séria. Ela não era muito amiga do seu nome completo e por isso usava sempre o diminuitivo. Quando Ricardo soube, divertiu-se bastante às suas custas, mas sempre foi de forma carinhosa. Por outro lado, se ele estava zangado ou muito sério, falava assim. Como ele não tinha motivo para estar zangado, tirou as suas conclusões.
– Qual é a merda, amor? – perguntou. – Não acha prudente fechar a porta?
– Tem razão. – Ricardo voltou, fechou a porta e depois atirou-se na sua poltrona, com a mão no queixo.
Lena virou-se para ele após ver que o computador ainda fazia os seus trabalhos e ia demorar. Paciente, aguardou e não precisou de esperar muito.
– Marcelo acabou de me ligar e disse que eles têm um espião plantado aqui dentro e que lhes passa muitas informações – começou por explicar. – Como ele disse, um papagaio que fala muito, mas também não sabe quem é o sujeito.
– Sei – disse ela, exprimindo a mesma preocupação. – Em ouras palavras temos que tornar tudo bem secreto.
– Exato. Você vai tirar férias e o chefe quer destacar alguém para me ajudar, mas não acho que seja prudente.
– Ora, McGiver, eu não tiro férias e pronto. Não vou deixar você sozinho com essa batata quente na mão!
– Sei. – Ricardo riu. – Lembra que o chefe entrou aqui danado de zangado há algumas semanas porque descobriu que você não tirava férias há quase três anos e que você ia tirá-las este mês nem que fosse forçada?
– Não me interessa – disse, exaltada. – Não vou deixar você no ninho dos urubus...
– Qual é, meu anjo. Fique tranquila.
– Tá bom, mas só tiro quinze dias e acabou-se. – Voltando ao assunto original, continuou. – Vamos falar com o chefe a respeito?
– Não sem algo mais definido que um telefonema.
– Nesse caso, me ajude aqui...
― ☼ ―
Lena saiu para as suas férias, muito contrariada, mas o chefe não lhe permitiu que continuasse e Ricardo ficou um pouco mais sobrecarregado, trabalhando muitas vezes até mais tarde, mas, mesmo assim, sempre arranjando um tempo para a sua Jade, embora pouco.
Felizmente ela compreendia os seus problemas, embora ambos sentissem falta de estarem mais tempo, juntos. Certo dia, muito irritado com a falta de resultados, Ricardo copiou todos os dados que podia para um flash drive e levou para casa.
No serviço, disse que ia tirar folga o resto do dia; mas, na verdade, pretendia submeter os códigos aos algoritmos novos que fez no supercomputador que certamente iria quebrá-los, só que provavelmente demoraria alguns dias. Saiu logo depois do almoço, chegando uma hora depois. Subiu para o quarto de modo a pôr uma roupa mais confortável, geralmente um quimono de seda, e encontrou a noiva sentada na sacada do quarto, curtindo a paisagem. Ela estava com o rosto sereno mas aparentava preocupação.
– Chegou cedo, amor? – Beijou-o docemente. – Que bom, tenho sentido saudades.
– Eu também, Jade. Ia fazer umas coisas em casa, mas acho que pode esperar até amanhã. Vamos tirar o resto do dia só para nós. Escolha uma roupa bem bacana e vamos sair.
Ela levantou-se e aproxima-se, sedutora, vestindo apenas uma camiseta longa, sem nada por baixo. Agarrou-se a ele e disse:
– Será maravilhoso, mas antes te quero só para mim. – Deitados nos braços um do outro, adormeceram por um par de horas. Quando acordaram, após lavarem-se, Mariana disse:
– Temos que passar em uma farmácia e comprar a pílula do dia seguinte – disse a garota, sorrindo muito. – Mas valeu a pena, amor. Acho que estava sentindo falta. Só não contava com a camisinha estourada.
– Claro, princesa, vamos sair e jantar fora, só nós dois. Depois, passamos na farmácia.
Foram para a Barra e procuraram uma churrascaria agradável e isolada.
– Sabe, amor – disse Mariana, enquanto comiam –, tenho uma notícia muito triste. Camila passou lá na loja, de manhã, e chorava copiosamente, muito mesmo. Rompeu com Marcelo. Eu até estava preparada para isso, pois ela esteve comigo há cerca de duas semanas e confidenciou que as coisas entre eles iam mal. Mas, mesmo assim, fiquei muito triste e chateada. Gosto tanto dela!
– É chato, mas era previsível – disse Ricardo. – Então foi por isso que você estava apreensiva quando cheguei?
– Foi sim, André. Nós ficamos muito amigas e ela é uma pessoa maravilhosa. Você não me disse que namoraram!
– Xi – ele sorri – foi por muito pouco tempo. Depois ela não me quis mais. Fiquei triste, na época, porque estava muito apaixonado por ela. Nós nos víamos com frequência, pois ela queria manter a amizade, embora isso me incomodasse bastante. Conheceu Marcelo e foi amor à primeira vista. Demorei a esquecer o que sentia por ela e saí com várias garotas, só que não me amarrei em nenhuma até aparecer você. Satisfeita com a explicação? Nem pensava nisso há muito tempo!
– Não precisava de dar explicações. – Ela beijou-o docemente e sorriu. – Cada um de nós tem um passado que não vale a pena esconder ou ficar falando, mas eu não entendo ela ter largado você e o jeito que falava até parecia de arrependimento. Pra mim, só uma louca das ideias vai querer largar você.
– Vou-me lembrar disso, se você me largar quando eu for velho gordo e feio – retrucou, debochado.
– Deixe de bobagem. Você vai ser sempre o meu gatão. – Ela deu uma risada curta. – Eu não entendo essa mudança no comportamento do Marcelo. Será que ele tá se contaminando com a bandidagem?
– Claro que não, amor – disse Ricardo, incrédulo. – Ele tá muito estressado e andou recebendo ameaças há alguns meses, mas não conte para Camila que ele me fez prometer que não falaria.
– Então era por isso que você ensinava ele a atirar!
– Sim, amor. Ele foi ameaçado e depois tentaram corrompê-lo e ele ficou com medo. Marcelo é muito íntegro, mas em relação à Camila, tem algo que não entendo, pois ele realmente andou mudando, como se ela não lhe interessasse mais.
– É mesmo uma droga – comentou Mariana. – Camila chorou bastante e disse que ele nem se importou com o rompimento. Acha que tem outra porque ele simplesmente encolheu os ombros e virou as costas. Nem mesmo se defendeu. E ela também tem medo que ele mude para um lado ruim.
– E eu que pensava que nós os quatro íamos ser amigos inseparáveis, criar os filhos juntos, uma tristeza.
Depois da sobremesa ainda ficaram conversando mais um pouco. Logo que saíram da churrascaria, foram atrás de uma farmácia. Ricardo comprou o medicamento para ela tomar quando chegasse a casa e decidiram dar um passeio no quiosque onde se conheceram, coisa que virou quase um ritual. Germano, o dono, já era até amigo deles.
– Oi, seu Germano, que tal o movimento?
– Tá fraco, doutor delegado. Mas agora, com Novembro aí chegando, vai melhorar. Querem uma long neck?
– Sim. – Mariana sorriu-lhe. – Duas, por favor.
– Sabe, senhora, vocês formam o casal mais bonito da Barra. É lindo de ver. Lembro quando se conheceram. Primeiro pensei que o doutor aí era meio doidão, falando sozinho pro mar. – O homem sorriu. – Desculpe, doutor.
– Falava com os meus falecidos pais, seu Germano. Sempre venho para a praia falar com eles. Vai ver, foram eles que me trouxeram esta joia. De qualquer forma, foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. Não precisa de me chamar de doutor. O meu nome é Ricardo.
– Na nossa vida, amor. – Ela beijou-o, carinhosa. – Também foi a melhor coisa da minha vida.
– É, meus filhos, vocês são lindos demais. Espero que sejam muito felizes.
– Já somos, até mais ver, seu Germano. Vamos caminhar na praia.
– Adeus, doutor Ricardo, senhora.
Passearam por mais de uma hora, somente curtindo a presença um do outro. Quando voltaram, entraram no carro, desta vez um Volvo esportivo que Ricardo não costumava usar muito. Já eram onze horas da noite, mas ainda havia bastante movimento nas ruas. Ao ingressarem na Avenida das Américas foram mais rápido, sem exceder os limites.
Num semáforo, aconteceu o desastre: um veículo avançou o sinal em cima deles e bateu em cheio, não havendo sequer tempo de frear. Felizmente, o carro do casal tinham todo o tipo de opcionais e os air bags acionaram-se, protegendo a integridade dos ocupantes, que apenas ficam bastante atordoados. Nesse preciso momento, uma moto encostou e desceram dois sujeitos de pistolas em punho que atiram nele. Ferido, reagiu mais por instinto que outra coisa qualquer, pois abriu a porta com violência, derrubando os agressores.
Saltou tão rápido que os pegou completamente desprevenidos. Alcançou o primeiro e rebentou-lhe a coluna com uma pancada fortíssima na nuca que o matou antes mesmo de chegar ao solo, enquanto lhe arrancava a arma e matava o segundo com um tiro certeiro na testa. Baixou a arma e começou a sentir os efeitos dos tiros que recebeu, cambaleando ligeiramente agora que a adrenalina não supria mais as suas necessidades.
Infelizmente não teve tempo de pensar, pois um furgão parou, freando fortemente em cima deles, e mais quatro meliantes saíram. Estes atiraram para valer e ele não tinha mais condições de reagir, perdendo a consciência lentamente e começando a cair no chão. A última coisa que viu foi a sua noiva dentro do carro, caída para o lado e sangrando muito.
– Jade... – foi o murmúrio quase inaudível que deu antes de perder a consciência.
Os criminosos puxaram por ele, puseram o corpo no furgão e sumiram do local do crime, correndo em alta velocidade. Toda esta ação durou menos de dois minutos, provando que eram criminosos profissionais que planejaram o ataque.
Dez minutos depois, chegou a polícia. Ao identificarem o dono do carro, a federal foi acionada. Uma ambulância recolheu Mariana, que estava em estado gravíssimo e os paramédicos consideraram-na um caso perdido.
― ☼ ―
Ishiro Satori sentia-se cansado. Vinha caçando criminosos por muito tempo, desde que saiu do seu emprego há vários anos. Na verdade, o seu trabalho já era esse e a única diferença era que agora agia à margem da lei, pois desistiu de ser agente secreto ao perder dois bons amigos que deveriam estar sob sua proteção. Como era dono de uma fortuna razoável, justamente graças a eles, não precisava de se preocupar em trabalhar e continuava a cumprir o juramento que fez no passado, embora estivesse farto de matar.
Permanecia de tocaia em um local perto de Jacarepaguá, onde criminosos costumavam desovar alguns corpos após mostrá-los aos chefes e receberem os respectivos pagamentos, pois um informante disse que iam levar um peixe muito graúdo para lá, mas não soube dizer quando nem quem seria. Estava de vigília há dois dias, praticamente sem comer nem dormir. Para o treino que possuía, isso era perfeitamente suportável, mas a sua preocupação era que, em breve, ele ficaria sem água e não desejava sair de onde se encontrava, oculto em cima de uma árvore. Tinha acabado de trocar de posição, de fazer alguns movimentos que lhe restaurassem a circulação e já se preparava para mais uma longa espera quando os seus ouvidos apurados escutaram um motor andando devagar para evitar fazer barulho não demorou muito e um furgão de luzes apagadas encostou bem perto. Ishiro adorou o local onde pararam, pois era, do ponto de vista estratégico, perfeito. Quatro homens armados saíram e dois deles pegaram um corpo com dificuldade. O sujeito que carregavam era muito grande e aparentemente deveria possuir uma força terrível se não estivesse todo crivado de balas e sangrando muito. Quando viraram o corpo de lado, Ishiro viu o seu rosto e, horrorizado, reconheceu a vítima, empalidecendo.
Com o coração amargurado, esqueceu-se de todas as cautelas, saltando para o meio deles. Na mão, apenas uma espada afiadíssima. Os dois que empunhavam as armas atiraram, mas o japonês simplesmente desviou-se das balas como se elas nem existissem, provocando um espanto tão grande que foi o fim dos assassinos, pois decapitou os quatro sem dó nem piedade. Sem perder tempo, limpou a espada na roupa de um deles e aproximou-se da vítima, com lágrimas nos olhos. Quando chegou perto, os seus ouvidos disseram-lhe tudo o que precisava de saber, mas ainda assim, tocou no pescoço da vítima, encontrando o pulso fraco. Com o máximo de urgência, acomodou o corpo do rapaz o melhor que pôde e entrou na Van.
Irritado e desesperado, Ishiro descobriu que eles tinham retirado a chave. Correu aos corpos e localizou o que precisava, retornando para o veículo.
Ligou a Van e saiu em disparada, nem se importando em passar por cima de um dos corpos, dirigindo feito um louco para um hospital particular no Recreio. O rapaz estava por um fio, mas não o queria expôr a um lugar conhecido onde os criminosos poderiam retornar e matá-lo efetivamente.
Forçou o motor do veículo o mais que podia, sentindo-se desesperado pois poderia ser qualquer outra vítima, mas esta pessoa era demasiado especial para ele. Por dentro, martirizava-se muito em não ter prestado mais atenção ao jovem. Conhecia-o desde menininho, tendo sido seu mentor e professor por muitos anos.
― ☼ ―
A noite no pequeno hospital do Recreio era calma e tranquila, sem emergências e alguns até reclamavam da tranquilidade. Dois enfermeiros, na entrada da emergência, fumavam e discutiam justamente isso quando a paz da noite foi quebrada por um furgão muito feio fazendo uma curva apertada e freando em cima deles. Os faróis ofuscaram-nos ligeiramente até que o veículo parou atravessado.
Um homem de estatura mediana saltou do carro e abriu a porta lateral, pegando um corpo e correndo para a porta lateral, abrindo-a. Os enfermeiros viram um japonês todo de preto pegar um corpo, um sujeito muito grande que mais parecia uma peneira, e caminhar com ele em passos rápidos para a entrada. No mesmo ato, atiraram os cigarros para o chão com uma praga e, enquanto um corria a pegar uma maca, o outro foi ajudar Ishiro. Assim que foi depositado sobre ela, começaram a correr para a sala de emergência enquanto um deles ia rasgando as roupas para chegar ao coração e auscultar.
Na porta, o japonês foi impedido de entrar e ele sentou-se por algum tempo em uma poltrona próxima. Não muito tempo depois, começou a caminhar de um lado para outro até que viu um bebedor com água gelada e bebeu em grande quantidade, voltando à sua marcha com a preocupação estampada no rosto.
Já estava ali há quase quatro horas quando um médico apareceu, apresentando um ar cansado.
– Conhece a vítima? – perguntou sem nem mesmo cumprimentar.
– Sim. É filho do meu melhor amigo. Encontrei-o sendo atacado por quatro criminosos. Por favor, diga que ele vai escapar.
– O estado dele é muito grave, senhor – explicou o cirurgião, preocupado –, e deveria estar morto, mas acabou em coma profundo e não sei se jamais sairá. Durante a cirurgia chegou a ter três paradas cardíacas, mas conseguimos ressuscitá-lo. Temos que avisar as autoridades.
– Pelo amor de Deus, não faça isso. – Praticamente implorou, desesperado. – O senhor assinará a sua sentença de morte se chamar a polícia. Ele é um agente federal que acabou de sofrer um atentado terrível e o crime foi premeditado. Se souberem que está vivo, virão procurá-lo e matá-lo. As pessoas que fizeram isto não se vão contentar se descobrirem que está respirando, mesmo que em coma. O melhor para ele é que pensem que o serviço foi terminado.
– Mas pela lei eu tenho que informar atentados à bala...
– Doutor, pelo amor de Deus – insistiu Ishiro –, se deseja mesmo salvar a vida dele, não faça isso. Eu tenho muito dinheiro e pago todas as despesas, mas espere até que ele se recupere. Eu imploro.
– E se não se recuperar?
– Pagarei tudo enquanto ele estiver vivo, mas ficarei aqui, ao lado dele.
– Mesmo assim, não sei...
– Por favor, doutor – voltou a pedir – eu lhe imploro e garanto que não se arrependerá. Tudo o que eu quero é proteger a vida dele, pois é como um filho para mim. Já chega os pais dele terem sido brutalmente assassinados há alguns anos, praticamente do mesmo jeito.
O médico, que por acaso era diretor do hospital, olhou para o japonês e algo lhe dizia que era um homem decente.
– Vou arranjar uma UTI particular e uma cama para o senhor.
– Obrigado, doutor. Garanto-lhe que não se arrependerá. Este jovem é demasiado importante para mim.
― ☼ ―
Do outro lado da cidade, Marcelo acabava de ligar a televisão. Sentou-se no sofá com uma bebida na mão quando o locutor começou a dizer:
– "...ais uma noite de horror no Rio de Janeiro. Hoje, pelas onze horas, um casal foi brutalmente assassinado bem em frente às câmeras de vigilância de tráfego. O delegado federal Ricardo Godói e a acompanhante, Mariana Silva, tiveram o carro abalroado e foram baleados por dois motoqueiros. Mesmo ferido ele ainda lutou e matou os bandidos, mas logo depois uma van desconhecida apareceu com quatro criminosos e o policial recebeu mais tiros, sendo levado embora. O corpo da mulher ficou no carro. Segundo um policial que participou da operação, ela está fora de qualquer salvação. Com este, já foram para sessenta e três as mortes violentas de policiais só este ano..."
Desesperado, ligou para a polícia federal. Após identificar-se, conseguiu a informação desejada e soube que ela não estava morta e sim na emergência do hospital Barra D'Or, em estado gravíssimo. Enfiou-se no carro e seguiu para lá. Durante o caminho o telefone tocou e ouviu a voz da Camila, aos prantos.
– Marcelo, você viu a TV? Mataram-nos!
– Ela está viva, Camila, no Barra D'Or. Estou indo lá.
Ambos chegaram quase ao mesmo tempo e mandam-nos esperar, pois a paciente foi enviada para uma cirurgia de emergência muito delicada. Camila chorava bastante, soluçando sem parar, e Marcelo estava agoniado. Quando o médico apareceu, eles correram até ele.
– Como ela está, doutor? – perguntou Marcelo.
– Muito grave – disse o médico, lacônico. – Entrou em coma profundo.
– Doutor, não importam as despesas, mas faça o que for possível, eu pago tudo.
– O plano de saúde dela cobre integralmente, fique tranquilo.
― ☼ ―
Era uma manhã normal, como outra qualquer, mas, para algumas pessoas, parecia o fim do mundo. Ishiro ligou para um número que conhecia tão bem que discou sem nem mesmo pensar nele.
– "Residência dos Godói" – informou uma voz chorosa.
– Tatiana, sou eu, Ishiro – disse com urgência na voz. – Não acredite na TV que ele está vivo, mas em coma. Vou manter segredo disso até se recuperar.
– "Jure para mim, Ishiro" – implorou a mulher. – "Jure que o meu pequeno está vivo."
– Eu juro, Tatiana – confirmou-lhe novamente –, cuide da casa dele. Os vossos salários continuarão sendo pagos, mas isto deverá ser um grande segredo, senão os assassinos irão atrás dele novamente. Está muito mal e ficarei com ele até se recuperar, mas prepare-se para ficar muito tempo sem o ver.
– "Obrigada, Ishiro" – disse ela, com esperança na voz. – "Ficarei aqui até à minha morte, se for preciso. Rezarei por vocês."
– Avisarei quando ele melhorar, mas lembre-se que é imprescindível manter segredo. Adeus, Tatiana.
– "Adeus, Ishiro, cuide de meu pequeno."
– Cuidarei como se fosse a minha vida. – Desligou o telefone.
Ishiro raramente se afastava da cama do seu pupilo. Saiu na primeira noite para se livrar da van e pegar seu carro. O remorso por não ter prestado mais atenção à vida do rapaz corroía-o por dentro. Ricardo estava curado dos ferimentos, mas não saía do coma. Um dos tiros pegou-o de raspão na cabeça e teve um severo traumatismo craniano, tal como Mariana. Já se passaram dois meses e continuava no mesmo estado comatoso.
Diariamente, o japonês massageava-lhe os membros e fazia-lhe fisioterapia para que os músculos não se atrofiassem muito, saindo dali só para se alimentar. Muitas vezes, os enfermeiros viam-no a ler um livro para o rapaz. Ele, calmamente, falava em japonês, contando a história.
– Será que ele vai ouvir? – perguntou um deles, sorrindo – e se ouvir, entenderá?
– Fala fluentemente. Ensinei-o aos quatro anos – disse o homem, sorrindo calmamente. Apesar de tudo, era inabalável e tornou-se uma espécie de ícone para as enfermeiras que o adoravam pela sua dedicação ao rapaz. Além disso, sempre tinha tempo para ser gentil e educado com todos.
― ☼ ―
No outro lado da cidade, Marcelo também não saía de perto da Mariana e pediu licença para tratar de assuntos particulares. Certo dia, Camila apareceu para visitar a amiga. Ela estava de luto pelo seu amigo Ricardo que sempre amou muito e teve um pequeno choque quando notou que o ex-noivo segurava a mão dela, descobrindo finalmente o porquê dele não se ter abalado com o rompimento do noivado.
– Então era ela. Estava apaixonado por ela, a noiva do seu melhor amigo!
– Pelo menos agora tenho uma chance, já que ele se foi – retrucou, cruel e azedo. – Antes eu tinha que ficar na minha, mas agora basta conquistá-la.
– Não posso acreditar nisso, Marcelo. No que você se transformou! E eu que o amava tanto. – Chorando muito, saiu do hospital.
– Ele era meu amigo e sinto a sua falta, mas a vida continua, Camila – disse, quase berrando e sendo imediatamente repreendido pela enfermeira.
Ele não se preocupou com a consciência, mas a pobre Camila foi para casa arrasada. O que mais sentia, era arrependimento de não ter arriscado a sua vida e felicidade com Ricardo, arrependimento de ter terminado com ele.
Os dias passaram e nada acontecia. Quando já estava ali há três longos meses, o médico chamou.
– Temos um agravante.
– O que foi, doutor?
– Ela está grávida. Os exames comprovam isso. Por enquanto não há risco e esperamos que o seu filho possa nascer saudável, mesmo se ela continuar nesse quadro – explicou, crente que ele era o pai.
– Não é melhor tirar? – perguntou, preocupado.
– De jeito nenhum. Somente se houver risco para a vida dela.
Marcelo não gostou muito disso. Não estava nem um pouco interessado em que ela tivesse um filho do Ricardo, especialmente agora que morreu. Tudo o que precisa era de tempo para poder conquistar a bela Mariana que amou desde o primeiro dia que viu.
Apesar de tudo, não sentia nem um pingo de remorsos por isso.
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