Capítulo 5 (não revisado)
Mariana dirigia para o trabalho, preocupada. O Alto da Boa Vista estava com um trânsito muito pesado, caótico, e ela atrasara-se muito para sair. Pegou o telefone e ligou para a loja.
– Cíntia, estou com trânsito horrível, aqui no Alto. Se me atrasar, vá atendendo os fornecedores, especialmente Antônio que não gosto de o deixar esperando. Afinal é ele que nos arranja os melhores modelitos. – Deu uma risada e continuou. – Deve ter acontecido um acidente por aqui, pois está tudo engarrafado.
– "Tudo bem, Mariana, acho que você terá uma grande surpresa, quando chegar aqui."
– O que foi? – perguntou, alarmada. – Aconteceu algum problema?
– "Se contar, não será surpresa" – respondeu a amiga –, "mas não é problema não. Como foi o jantar? "
– Maravilhoso. Mas a melhor parte foi a sobremesa. – Ela deu uma risada.
– "Imagino, pois com um gato daqueles, na certa que eu arrumava uma indigestão."
– É, eu estou com uma baita indigestão. – Riu novamente. Suspirou e continuou. – Meu Deus, Cíntia, eu amo ele como nunca imaginei ser possível e isso foi apenas em dois dias. Estou assustada!
– "Não se preocupe que ele também ama você, tenho a certeza."
– Ah é? – Mariana caiu na risada. – Agora virou Mãe de Santo?
– "Não preciso, você saberá."
Um grande acidente fechara o Alto, fazendo com que ela chegasse bastante atrasada. Felizmente, a sua gerente era muito competente e ajeitou tudo. Quando entrou na loja, as moças deram risadinhas e Mariana não entendeu nada até que entrou na sua sala e encontrou-a tão abarrotada de buquês de flores, que quase não havia espaço para mais nada. Na sua mesa, estava um cartão:
"Jade, você é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Amo você."
Mariana sentou-se na mesa e, mesmo sem querer, lágrimas correram pelo seu rosto. Cíntia, que estava por perto e não esperava essa reação, fechou a porta e aproximou-se dela, perguntando:
– Está tudo bem, Mariana?
– Sim, é apenas emoção – disse, soltando um soluço involuntário. – Depois de tanto esperar alguém especial e agora, quando não acreditava que era possível, ele apareceu! Dói, você sabe? É tão forte que dói.
– Eu entendo, Mari, e nunca vi alguém fazer isso. Ele deve ser muito especial.
– É a coisa mais especial deste mundo, Cíntia.
O telefone tocou e era André.
– "Oi, Jade, espero que tenha gostado da surpresa."
– Amei, André. Foi a coisa mais doce e linda que me fizeram.
– "Estou com trabalho até ao pescoço. Queria muito encontrá-la hoje, mas não será possível. Amanhã pego você, para irmos ao churrasco. Eu te amo."
– Eu também, André, muito mesmo.
– O nome dele não é Ricardo? – perguntou a amiga, quando Mariana pousou o fone na mesa.
– Ricardo André, mas acho André mais bonito. Combina mais com ele.
– Está na hora de ser feliz, Mariana. Nunca vi um homem fazer isto que ele fez. Aproveite que você merece. – Suspirando, acrescentou. – Acho realmente que jogaram a forma fora.
Ambas riram e atiraram-se ao trabalho.
– Faltou atender algum fornecedor? – perguntou.
– Faltam dois – respondeu Cíntia. – Antônio disse que ia atrasar mas ainda vinha de manhã e Júlio disse que só poderia aparecer de tarde.
Continuaram o trabalho e ambas estava contentes pois a rede Mariana Modas crescia de forma impressionante, sempre com um movimento muito bom.
― ☼ ―
Ricardo sentia-se agoniado. Eram quase nove horas da noite e ainda não resolveu o problema que o incomodava. A parte mais difícil, que era interceptar as comunicações do computador do senador, fizeram em poucos minutos. Agora, de frente para os e-mails, não tinha jeito de conseguir quebrar a criptografia. Quase todos no prédio já tinham ido embora.
Lena entrou na sala e viu que ele não estava com boa cara. Era uma mulher muito bonita, de vinte e sete anos, cabelos bem negros e lisos, magra, com cintura fina e o corpo dourado pelo sol, como Ricardo gostava. Os seios eram fartos, firmes, e envergava um vestido preto, bastante curto e que deixava a cabeça de muitos colegas andando à roda.
Quem não a conhecia tinha o azar de a subestimar porque só via um corpo alucinante e um rosto sensual, mas ela era de uma inteligência apurada, doutora em matemática e com duas especializações em matemática computacional e criptologia, considerada a maior especialista da inteligência e uma das melhores do país.
Ricardo ergueu a sobrancelha e disse:
– Onde raio você andou, Lena? – Apesar de estar chateado, era incapaz de se zangar com a amiga. – Me deixou aqui sozinho com a batata quente nas mãos...
A garota aproximou-se do Ricardo e, antes que ele pudesse reagir, interrompeu-o com um beijo de tirar o fôlego.
– Caramba, Lena – disse, de olhos arregalados. – Preferia que você não fizesse isso novamente.
– Como eu falei, ia cobrar o meu prêmio. Desculpe, mas precisei resolver um problema pessoal. Você está desanimado e triste, amor. O que foi?
– Este código é difícil de quebrar e eu estou morrendo de saudades dela. Quero sair daqui para vê-la. Sinto-me sufocado.
– Quem é ela? – perguntou enquanto massageava os ombros do Ricardo, o seu superior imediato. – Você não me disse que andava saindo com uma garota.
– O nome é Mariana e conheci-a anteontem, mas parece que sempre fez parte da minha vida e queria estar com ela agora. Como você pode ver, eu não tava saindo com outra garota desde a última vez que nós ficamos. Só que ela surgiu assim do nada e nunca senti algo igual. Desculpe se magoei você.
– Tudo bem, amor. – Ela apertou mais seus ombros. – Eu amo você, mas quero que seja feliz. Se ela o fez feliz, eu fico contente por você. Mas por que não vai vê-la?
– Prometi ao chefe que, enquanto não quebrar este código, não sairia daqui, mas a coisa tá muito mais complicada do que parece e seus conhecimentos estão fazendo falta.
Lena manteve-se atrás de Ricardo e, ainda segurando seus ombros num abraço suave, aproximou o rosto da sua cabeça, lendo o código da tela à sua frente. Sentindo o cheiro da sua colônia, deu-lhe um pequeno beijo no rosto, sem malícia e sem tirar os olhos do objetivo.
Para Lena, era Deus no Céu e Ricardo na Terra. Lembrou-se quando saíram a primeira vez, um encontro tórrido e ela, só de recordar, sentia um calor subindo pela coluna. Saíram juntos por um mês, mas ele rompeu. Ficaram amigos só que sempre o desejou e nunca escondeu isso. Respeitavam-se mutuamente e davam-se muito bem.
– Vejo um padrão nesse código, amor. Acho que você está procurando uma chave muito alta. De quanto usa?
– É RSA de certeza. Eu já tentei até 4096 bits.
– Tente uma pesquisa de sessenta e quatro bits.
– Não pode ser tão primitiva! – afirmou Ricardo, que não pensou nisso. Dez minutos depois, tinham quebrado a chave.
– Ricardo, vá para sua garota que eu abro as mensagens. Estou sozinha mesmo! – Suspirou, olhando para ele como um cachorrinho olhava para o dono.
– Obrigado, Lena – levantou-se e deu-lhe um beijo que a arrepiou de alto a baixo. – Obrigado mesmo. Você mereceu este beijo.
– Ei, McGiver – disse, enquanto ele saia porta fora com o paletó na mão – da próxima vez, quero mais do que um beijo.
Ele piscou o olho e saiu alegre totalmente diferente de dez minutos antes.
― ☼ ―
Já eram dez horas quando o telefone da Mariana tocou. Ela atendeu sem olhar e sorriu ao reconhecer a voz.
– Alô?
– "Jade!"
– Oi, André, estava pensando em você.
– "Amor, eu já estou livre. Quer passar o fim de semana comigo? Estou morrendo de saudades."
– Eu também. Claro que quero.
– "Então arrume roupas para dois dias e um biquíni. Se o dia estiver bonito, podemos nadar. Estou aqui em baixo."
– Suba, amor...
Ela abriu a porta vestida apenas uma camiseta e a lingerie, o que a deixava muito sensual. Beijaram-se longamente e a garota arrumou uma pequena mochila com o que precisava, pondo uma saia simples e virando-se para Ricardo. Com um sorriso doce, afirmou:
– Estou pronta. – De mãos dadas, foram para o carro e ele conduzia devagar uma vez que já estava com ela, tendo toda a pressa desaparecido. Mal terminou o túnel do Joá, foram parados pela polícia. Coincidentemente, era o mesmo policial da outra vez, que olhou a garota e sorriu.
– Olá, delegado, pode seguir. Tenham um bom fim de semana.
– Obrigado, meu amigo, o mesmo para você.
– Ele conhecia você!
– Parou-me no dia em que nos conhecemos. Quando abri o paletó para tirar a identificação viu a arma e ficou doidão – contou a história para a Mariana que riu.
Enveredaram pela Estrada das Canoas, um caminho recheado de belas casas, subindo para o Alto da Boa Vista. Após um certo percurso, entrou em uma rua perpendicular que subia íngreme. Parou o carro em frente a um portão alto, acionou um controle remoto e este abriu-se para eles. Seguiram por uma rua estreita que subia mais um pouco e pararam em uma platô enorme. Ricardo virou para a esquerda e entrou na garagem, onde havia vários carros.
– Mas a sua casa é uma mansão! – afirmou Mariana. – E é linda!
Saíram da garagem e foram por um caminho curto, cercado de arbustos e que terminava numa varanda que dava a volta à casa. Ao entrarem, a luz acendeu-se automaticamente e ela olhou em volta. A sala era enorme e os móveis modernos, de bom gosto. No cômodo ao lado, separada por um arco, viu uma sala de jantar digna das que assistia nos filmes de aristocratas, onde caberiam tranquilamente vinte pessoas. Um lustre de cristal descia do teto, no centro da mesa para ficar a pouco menos de dois metros de altura. Do lado oposto à sala de jantar, ficava uma escada de madeira que dava acesso ao andar de cima, a área íntima. Na varanda, notou que a vista devia ser algo deslumbrante, pois via abaixo as luzes da cidade e o negrume do oceano. No andar de cima, havia mais um lance de escadas para o terraço, que tinha um pequeno heliporto.
– Você já jantou, Jade?
– Na verdade, não. – Ela riu. – A saudade me deixou sem fome, mas agora comeria algo.
– Venha, vamos para a cozinha ver o que tem. – Puxou-a pela mão sala adentro. Atravessaram a sala de jantar e seguiram por uma porta onde entraram na cozinha e copa, muito prática, com armários embutidos e todo o tipo de eletrodomésticos. Abriu o freezer e tirou um congelado pronto.
– Lasanha?
– Tá ótimo, eu gosto. – Ricardo colocou o pote no micro-ondas e ligou-o, abraçando a sua namorada. Enquanto esperavam, fizeram o que todo o casal jovem costumava fazer: namoravam aos beijos e abraços. Estavam tão apaixonados que se sentiam dois adolescentes.
Após o jantar, mostrou-lhe a casa. No subsolo, ele tinha um escritório incrível. De um lado uma pancada de computadores e, do outro, um aconchegante escritório com seis poltronas muito confortáveis. Ela também viu uma sala isolada com vidros e quatro torres de computadores, cada qual com cerca de dois metros de altura.
– Isso não é um computador comum!
– Não. É um supercomputador. Nem os da polícia são tão poderosos. Uso para quebrar códigos de suspeitos.
Subiram para o andar de cima, onde Ricardo mostrou uma sala íntima com uma televisão enorme e aparelhagem de som completa. Depois, havia quatro quartos e quatro suítes. Cada qual tinha uma varanda de lado a lado. Ajudou Mariana a guardar as coisas dela no closet, ajeitando espaço. Deitaram-se e curtiram-se muito, adormecendo tarde e felizes.
De manhã bem cedo, Ricardo acordou e olhou apaixonado para a sua garota, que ainda dormia parecendo um anjo de tão bela. Sem fazer barulho levantou-se.
― ☼ ―
Mariana acordou sentindo-se muito leve e bem, com a luz do sol entrando suave pela janela e enfraquecida pelas cortinas. Levantou-se de um salto e aproximou-se da varanda, apreciando a vista de uma beleza a toda a prova. São Conrado estava abaixo e o mar, enorme, cobria grande parte da visão, o que promovia uma tranquilidade inexplicável. Para baixo era apenas a Floresta da Tijuca, imponente, bela e não sabia se era por ela ou pela altitude, mas o lugar era muito fresco. Após desfrutar da vista por alguns minutos, olhou à sua volta e encontroou a mensagem:
– "Amor, estou na academia. Desça as escadas que saem da varanda ao lado da sala para a direita. Os cães estão presos e pode vir sem receio. Fica após a piscina."
Correu para o sanitário e procurou roupas no closet, escolhendo o biquíni com uma camiseta por cima, já que estava um dia bonito e quente. Após, seguiu pelo caminho indicado, procurando o seu André.
Na varanda, encontrou facilmente a escada de madeira que descia para o outro platô, também bastante grande e onde ficava a área de lazer da casa. No centro, em meio a um gramado bem cuidado e com várias cadeiras de praia à volta, havia uma piscina relativamente grande. Já à esquerda, vislumbrou um espaçoso galpão para churrascos, feito à moda Gaúcha tradicionalista, com mesas de tronco, muito bonitas. Finalmente, do outro lado viu a academia, dirigindo-se para lá e encontrando Ricardo a treinar com o saco de pancada. A sala de treino não era muito grande e os equipamentos de ginástica ficavam nos cantos enquanto, no centro, o enorme saco de lona descia do teto.
Ele movia-se com perfeição, rapidíssimo, e golpeava o saco com os pés de tal forma que este balançava loucamente, aproveitando isso para gingar, nos vai e vens dele, desviando-se. Derretida, encostou-se à porta e ficou a olhá-lo, pois o seu namorado, quando estava relaxado não mostrava os belos músculos que tinha. Mas, quando fazia força, cada músculo do seu corpo delineava-se, tornando-o ainda mais irresistível como um deus grego. Suspirou e ele ouviu, parando de treinar. Sorriu e deu-lhe um selinho.
– Ando meio desleixado, amor. Vai haver uma competição em um mês e não tenho treinado muito. Se continuar assim, acho que acabo levando uma surra.
– Acho impossível alguém vencer você, André – disse, retribuindo o sorriso e passando as mãos em volta da sua cintura. – Você é muito rápido... e lindo!
– Ainda não fui derrotado, Jade, mas há uns colegas bem bons por lá e, desde que entrei na federal, sou o campeão sempre invicto. Isso faz de mim um alvo danado.
Voltou a beijá-la e continuou:
– Você dormia tão bem que parecia um anjinho e não a quis acordar. Vamos subir que preciso de tomar um banho. O pessoal chega em uma hora e nem tomamos café, ainda.
Depois de se lavar, serviu-lhe um café da manhã e, na hora marcada, a campainha tocou. Ricardo olhou no monitor, vendo os amigos no carro, e abriu a porta.
Puxou a namorada para irem ao encontro deles e ela viu uma BMW estacionar à frente da garagem, descendo um casal. Ele tinha cerca de um metro e oitenta e cinco, loiro, embora muito menos que Ricardo, bem-apessoado, com olhos azuis e vestindo um conjunto esportivo descontraído. Ela tinha um metro e setenta, também loira, de cabelos lisos e olhos azuis, parecendo muito simpática. Quando o casal aproximou-se, viram Mariana de mãos dadas com Ricardo. Impressionado, ele disse para a noiva:
– Minha nossa, Camila, que avião! Aliás, isso nem avião é. É um ônibus espacial, um furacão alado.
Camila riu e sacudiu a cabeça.
– Vocês homens não têm mesmo jeito – disse.
Quando estavam perto, Ricardo falou:
– Olá, gente, esta é Mariana Silva. Mariana, Camila Queiroz e Marcelo Guimarães.
– Oi, Mariana, então foi você que virou a cabeça do meu amigo a ponto de ele falhar com o sagrado dia do bar? – sorriu para a garota, alegre. – Prazer em conhecer você.
– Mea culpa – afirmou ela, sorridente e cumprimentando Marcelo. – Olá.
– Oi, Mariana – Camila deu-lhe um beijo –, que legal você aparecer para o Ric. Ele andava muito sozinho, só no trabalho.
– Oi, Camila – respondeu. – Obrigada. É um prazer conhecer vocês.
– Então, vamos descer? – perguntou Ricardo, jovial.
Os quatro conversaram ao som de uma música suave, até que caíram na piscina. Embora Camila também fosse belíssima, não era páreo para Mariana e até Marcelo ficou deslumbrado com ela e a sua graciosidade simples.
Divertiram-se bastante até que, certo momento, Ricardo saiu da água para preparar a carne, seguido pela sua garota.
– Quer ajuda, André? – perguntou-lhe.
– André!? – exclamaram em uníssono a Camila e Marcelo, que os acompanharam.
– O meu segundo nome, esqueceram? – declarou, rindo. – Jade, meu amor, a sua presença é o suficiente para me ajudar.
– Jade? – questionou Marcelo. Deu uma risada e disse. – Deixa adivinhar: é o segundo nome dela.
– Não – afirmou o amigo. – É porque os seus olhos são lindos como duas pedras de Jade.
– Você é um romântico incorrigível, Ric. – Camila sorriu. – Só mesmo você para ter essa ideia.
– Bota romântico nisso – afirmou Mariana, abraçada a ele e com os olhos brilhantes –, ontem encheu a minha sala de flores, tão cheia que não havia lugar nem para andar. A minha gerente teve que atender os fornecedores na loja.
As duas garotas riram.
– Gente, cerveja no freezer. Alguém me traga uma que vou acender o fogo. – Mariana pegou uma lata para ela e levou outra ao Ricardo.
O churrasco estava agradável e, enquanto se divertiam, tiravam fotografias e riam bastante. Depois ficaram simplesmente jogando papo para o ar. Camila e Mariana fizeram logo amizade, pois ambas tinham esse dom. Certa hora, quando estavam só os dois amigos, Marcelo comentou:
– Cara, que espetáculo de mulher, você tem mesmo bom gosto!
– É, meu amigo, e esta é pra valer. Nunca gostei tanto de alguém. Apenas poucos dias mas parece que a conheço a vida toda. Nem sei dizer o que aconteceu. Simplesmente olhei para ela e tava fisgado. Ainda bem que corresponde. É tão doce e maravilhosa!
– Virou a sua cabeça mesmo, hein?
– Ela vira a cabeça de qualquer um, cara. – O sorriso do Ricardo disse tudo. Olhou para a Mariana, que conversava com Camila e, quando o olhar de ambos se cruzou, ele mandou-lhe um beijo.
– Que tal um passeio? – perguntou Ricardo.
– Para onde?
– Vamos até ao Recreio.
– Combinado, tem um bar muito bom à beira da praia.
– Vamos com um ou dois carros?
– Dois – afirmou Marcelo –, pois dali seguimos direto para casa.
Jade desejou sair na Ferrari e ele baixou a capota para curtirem o sol.
― ☼ ―
Mariana sentia-se no auge da felicidade e eles andavam devagar e descontraídos pois havia muito pouco trânsito. Na avenida das Américas, pouco depois de passarem o Downtown, ficaram para trás, pois pegaram um sinal fechado. Ricardo não estava preocupado porque conhecia o bar e o caminho, mas acabou acelerando um pouco para se aproximar dos amigos que estavam a quase cem metros à frente. Nesse momento ambos viram o ocorrido ao mesmo tempo; dois motoqueiros cercaram o carro de armas em punho e os caronas entraram forçando Marcelo a furar o sinal onde estava parado. Assustada, Mariana pegou o seu braço, mas logo notou que ele viu o mesmo, pois sentiu-se repentinamente prensada contra o banco com a brusca aceleração da Ferrari, cujo motor começou a rugir de uma forma que ela nunca vira.
Nesse momento Mariana viu Ricardo inclinar-se na sua direção e abrir o porta-luvas, tirando uma pistola de um fundo falso ao mesmo tempo que gritava, para se fazer ouvido:
– Jade, eu preciso salvá-los porque eles vão matar os dois quando descobrirem que ele é vereador – explicou. – Se alguém aparecer com uma arma, atira-te no fundo do carro.
Acontecia tudo tão rápido que ela nem mesmo teve tempo de ficar com medo, embora estivesse assustada. Assentiu com a cabeça enquanto observava o namorado aproximar-se velozmente dos motoqueiros, que tinham ficado para trás. Ela olhava atentamente a forma alucinada como ele dirigia, chegando cada vez mais perto dos assaltantes.
Segurava aquela pistola na mão direita, pistola essa que lhe parecia enorme e que a deixava apreensiva sempre que ia trocar de marcha, pois parecia que podia disparar em cima dela.
Quando alcançaram as motos, passando à direita delas, viu Ricardo erguer a arma e apertar uma pequena alavanca.
– "Provavelmente a trava" – ainda teve tempo de pensar e também notou que ele nem mesmo mirou direito. Só ouviu dois estampidos curtos e agudos, altos o suficiente para a fazer saltar do banco. Assustada, viu as rodas dianteiras atingidas e, como se tudo estivesse em câmera lenta, observou as motos capotando e Ricardo desviando deles com muita habilidade. Não havia mais movimento de carros à frente exceto pelo BMW ainda afastado, pois o trânsito todo ou parou, obstruído pelas motos e os corpos dos pilotos que levaram um tombo feio e não se levantaram mais ou desviou para a faixa lateral assim que os tiros foram ouvidos.
A trinta metros do carro do Marcelo, Ricardo atirou novamente, acertando o pneu traseiro e fazendo o veículo rabear até parar. A podre Mariana estava cada vez mais assustada, mas não conseguia tirar os olhos dos acontecimentos. Notou a segurança que André tinha e emanava, ficando mais calma. Ele passou voando pelo carro do Marcelo e deu um cavalo de pau, parando quase de frente para a BMW e fazendo a namorada soltar um grito involuntário.
Os assaltantes desceram com as armas na mão e apontaram para a Ferrari com a intenção de roubar aquele brinquedo maravilhoso. Ricardo sabia que não corria riscos pois era um atirador de elite e estava ciente disso, tendo a certeza que jamais erraria um tiro tão simples, apesar da distância, mas, ao mesmo tempo, achava que devia tentar prendê-los. Os seus escrúpulos esvaíram-se quando um dos criminosos disparou e acertou o retrovisor direito de raspão. Nesse momento deu-se conta que isso seria arriscar a vida da Mariana e, para ele, era inaceitável. Sem mesmo sair do carro, ergueu a mão acima do para-brisas e efetuou dois disparos rápidos, mandando uma bala no meio da testa de cada um deles. Os bandidos morreram antes mesmo de atingirem o solo.
Mariana ficou olhando como eles caíam tão devagar, como se tudo fosse um filme em câmera lenta, até que se atinou que isso era por causa da adrenalina que corria solta no seu corpo.
Olhou para o lado e viu Ricardo pulando por cima da porta e correndo com a arma em punho, enquanto fazia sinal para ela e para o casal que não se mexessem de onde estavam. Aproximou-se dos criminosos e chutou as armas para longe. Com o pé virou um deles e viu o buraco da bala bem no meio da testa, concluindo que não havia mais perigo e fazendo sinal para os outros. Marcelo e Camila saíram do carro, mas ainda tremiam muito, bastante assustados.
– Daí tchê, tudo bem? – disse, mostrando nervosismo. – Estás bem? E tu Camila? Já passou, acalmem-se.
Mariana aproximou-se, ao ver que era seguro, e abraçou a nova amiga que ainda nem falava de tão apavorada.
– Meu Deus – afirmou –, que medo! Minhas pernas quase não me obedecem tamanho foi o susto. Até parecia que eu estava no meio de um filme de policial!
– Bem, é o que eu sou, meu amor. – Ele sorriu, tentando acalmar os três. – Desculpa, Marcelo, mas precisei de furar o pneu do teu carro para obrigá-los a parar.
– Isso é o de menos, cara – afirmou o amigo. – Agora eu sei o que é ficar todo cagado. Tô tremendo que nem consigo parar. Não é nada bom ver um canhão desses aí, pressionando a nossa nuca.
Ricardo pegou o telefone e discou um número, pedindo apoio. O seu rosto estava sério e o olhar era duro, ainda com a arma na mão. Ele também sentia a adrenalina no corpo, mas, ao contrário dos outros, estava preparado para esse tipo de emergência.
– Atenção, central, aqui é o delegado Godói. Sofremos uma tentativa de sequestro relâmpago. Estamos na Avenida das Américas, próximo ao Barra Shopping. Duas motos, quatro criminosos. Dois mortos e dois, no mínimo, muito feridos. Mandem uma viatura urgente. O alvo era um vereador.
Mal desligou, uma viatura da polícia militar apareceu ao longe e fechou a avenida onde estavam os motoqueiros caídos, a cerca de duzentos metros. Ao ver o carro da PM, disse para os amigos:
– Aguardem aqui, mas não toquem nos criminosos. – Entrou na Ferrari e foi pela contramão até lá, já que o trânsito estava parado. Ainda segurava a pistola na mão, mas pegou no distintivo e ergue-o acima do para-brisa, pois os policiais estavam com os fuzis apontados para ele e com cara de poucos amigos. Quando desceu do carro, identificou-se melhor e eles baixaram as armas, mais tranquilos.
– Tem mais dois presuntos ali – apontou para trás. – Tentaram sequestrar um vereador e eu estava perto, então fui atrás e peguei-os. Chamei a federal. Esses aí estão vivos?
– Aquele elemento tá morto, fraturou a coluna na nuca. O outro apenas desmaiado. Deve ter um santo muito forte pois, pelo estado das motos, também devia estar morto. – O policial deu um sorriso que desapareceu repentinamente quando viu Ricardo erguer a arma, destravá-la e atirar tão rápido que nem conseguiu reagir. Assustado, o homem da lei virou-se para ver o bandido caindo para trás, com um revólver na mão.
– Acho que o santo dele tirou um cochilo na hora errada. Desculpe, amigo, mas um de nós ia comer uma azeitona. Eu prefiro do jeito que está. A câmera ali serve de prova – mostrou uma das inúmeras câmeras de controle de tráfego. – Vou lá prá frente, pois aguardo uma viatura nossa.
Despediu-se e retornou para junto dos amigos, onde Jade abraçou-o, ainda muito nervosa.
– Estão todos mortos – afirmou, tranquilo. – O último ia atirar em mim ou no policial. Melhor assim. Pelo menos não voltarão a repetir a façanha, sem falar que o estado não precisará de gastar dinheiro para manter esses inúteis na cadeia.
Aguardaram a viatura, que demorou bem quinze minutos a chegar. Esta, quando apareceu, parou ao lado da Ferrari. Era uma camionete preta com cabine dupla, de onde saíram quatro agentes federais que conversaram animadamente com Ricardo. Fotografaram tudo e colocaram os corpos em sacos pretos, jogando-os na traseira da viatura. Voltaram a falar com o colega e retiraram-se, indo em direção aos dois motoqueiros para fazer a mesma coisa. Os PMs, começaram a liberar o trânsito, que fluiu por apenas uma faixa, até arrumarem o carro do Marcelo. Os veículos passavam devagar, olhando, e muitos deram os parabéns.
– Farei um relatório amanhã – afirmou, Ricardo. – Não será necessário ir para a delegacia. Vamos, eu ajudo a trocar o pneu.
– Ele foi incrível – comentou Camila para a nova amiga enquanto os dois trocavam os pneus. – Não sabia que era tão bom. Estava apavorada, pois eles tinham acabado de descobrir que o Marcelo é vereador e já falavam em nos apagar.
– André disse isso, que tínhamos que correr senão eles matavam vocês. Ele nem mirou para atirar nos caras, que não tiveram uma segunda chance. Parecia coisa daqueles filmes de ação.
– Sinceramente – disse Camila –, eu acho que bandido bom é bandido morto.
– Também acho, mas uma coisa eu sei: André não é amigo de violência, então é melhor não falarmos muito a respeito.
– Claro, sei disso, somos amigos há um bom tempo.
Ricardo apareceu com as mãos sujas de trocar o pneu. Sorriu para as moças, mas o olhar ainda era duro, assustador. Ao cruzar com os olhos da sua Jade, mudou completamente, tornando-se doce e apaixonante. Camila notou logo o amor dele pela garota e o dom que ela tinha de o acalmar, descobrindo que este finalmente encontrou a mulher da sua vida, o seu destino.
– Obrigada, Ricardo. – Ela abraçou-o e beijou-o. – Você salvou nossas vidas.
– Esqueçamos isso, vocês fariam o mesmo, tenho a certeza.
– Até tentaríamos, mas estou certa que não seria necessário.
– O pneu está trocado. Vamos até um posto comprar outro e lavar as mãos. Jade, meu amor, diriges para mim?
– Claro, sempre quis dirigir uma Ferrari.
– Podes fazer isso sempre que quiseres. – Os dois carros tomaram rumo, saíram da pista central e foram para a lateral, até parar num posto com borracharia.
– Pode arrumar um pneu novo para este carro, amigo?
– Claro, o que houve com o antigo?
– Levou um tiro.
– Que chato, por falar nisso vocês não ficaram sabendo da perseguição mais atrás? Uns bandidos atacaram uma BMW e um cara de Fer... – acabou de notar os dois carros e levantou os olhos para eles, espantado – ...rari... mas foram vocês!
– Onde posso lavar as mãos, amigo? – Ricardo perguntou, desviando a conversa.
– No posto tem um banheiro – disse o borracheiro –, peça a chave ao frentista.
– Vamos, Marcelo. – Ambos limpam-se e retornam. O pneu já estava arranjado e no lugar.
Por conta do susto, os amigos preferiram deixar o passeio de lado. Fizeram meia volta, pois Marcelo morava no Leblon e a Camila em Ipanema. Quando estavam perto da ponte Lúcio Costa, Mariana pediu que o Ricardo virasse para a praia. De mãos dadas, sentaram-se no quiosque onde se conheceram. A mídia foi rápida e conseguiu as imagens das câmeras de trânsito. Como resultado, no quiosque quase cheio, assistiram de cadeira cativa a perseguição e a morte dos criminosos. Um dos fregueses olha para o casal e apontou. – Vejam ele aqui, foi ele que pegou os criminosos, tenho a certeza.
Alguns dos presentes bateram palmas e gritaram:
– Bandido bom é bandido morto.
O casal, para fugir da atenção, pagou as bebidas e decidiu caminhar na areia, molhando os pés na água da rebentação. De mãos dadas passeavam e conversavam. Por muito tempo, passariam a fazer aquela mesma ronda, tomando uma cerveja ou um suco naquele mesmo quiosque onde o destino os uniu. Para eles, o lugar tornou-se algo sagrado, muito íntimo e especial. Após algum tempo, voltaram para casa e assistiram um DVD, divertindo-se muito com a comédia.
Domingo, acordaram juntos. Gentil, Ricardo preparou um café para a namorada que, sentada a observar, mandava beijos. Enquanto comiam, o telefone tocou e ele pôs no viva voz para ter as mãos livres e poder comer.
– "Oi, McGiver."
– Oi, chefe, trabalhando no Domingo? Algum problema?
– "Sim, a propósito, que estrago ontem! Vou precisar de um relatório. Só queria saber como a mídia obteve as imagens da prefeitura. Parabéns, a sua garota é muito bonita."
– Obrigado, chefe. Farei o relatório amanhã pela manhã mas não me parece que seja esse o motivo da sua ligação, muito menos a minha Jade. – Ricardo deu uma risadinha.
– "Filho, temos mais um podre e esse vai chateá-lo muito. Os dois pedófilos que você pegou foram soltos. Tenho a certeza que compraram o juiz que decretou a prisão como ilegal e arquivou o caso."
– Mas eu tinha o mandato! Pedofilia é crime hediondo e inafiançável. E os equipamentos apreendidos, cheios de provas?
– "Eu sei e também sei que eles são culpados da morte dos seus pais. Peço-lhe que não interfira até se resolver, pois não podemos nos dar ao luxo de chamar a atenção para o nosso departamento, uma vez que ele é secreto. Já chega a festa na TV de ontem. Você comandará a investigação da inteligência, mas ficará longe do campo. Prometa-me isso, filho."
– Prometo, chefe, mas na hora de os prender quero pôr as mãos neles novamente.
– "Combinado, até amanhã. E da próxima vez seja mais discreto. Dando tiros por aí de Ferrari conversível é coisa de louco, mas tenho que admitir que foi de cinema."
– Não tive escolha. Eles iam matar o Marcelo, que é vereador.
– "Bem sei. Esse seu amigo tem-nos ajudado bastante."
– O lema dele é limpeza contra a corrupção. Bom rapaz. Até breve. – Ricardo ficou olhando para o telefone por algum tempo, parando de comer.
– E eu que pensei que agora eles poderiam descansar em paz. Bem, peguei-os uma vez, pego a segunda. E, de lambuja, vou levar o juiz que se corrompeu.
– É isso aí, gato, não os deixe estragar o nosso domingo.
Os dois foram nadar na piscina, brincando como duas crianças embora certas brincadeiras que fizessem não fossem nada inocentes. Decidiram nem sair de casa, passando o dia juntos, vendo DVDs, ouvindo música e namorando muito. À noite, ela preferiu ficar com o namorado e, durante o jantar, Ricardo aproveitou para ligar para o Marcelo, pois queria pedir-lhe algo.
– E daí, carinha. Poderia fazer um favor?
– "Por você, meu amigo, faço qualquer coisa."
– Tente ver quem pode dar uma ferrada nos sujeitos do controle de tráfego. Cara, aparecemos em pleno sábado na TV. Essas informações são confidenciais e o meu departamento é secreto.
– "Deixe comigo, até mais."
– Até e obrigado – desligou e olhou para Jade, sorrindo. – Tinha esquecido de pedir isso para ele. Tá bocejando amor? Então vamos deitar.
Os dois dormiram maravilhosamente depois de terem gasto bastante energia. De manhã, arrumaram-se e Ricardo deixou-a na sua casa, seguindo para a inteligência e chegando um pouco atrasado. Quando entrou na sua sala, Lena estava de cara fechada.
– Alguma merda, Lena?
– O chefe quer seu fígado. Já veio aqui quatro vezes nos últimos vinte minutos. A coisa tá feia e ele tá com a cara vermelha, mau sinal. Vá já pra lá e prepare-se. – Ricardo nem fazia ideia do que pudesse ser, mas, como tinha a consciência tranquila, foi para a sala do chefe na maior das inocências.
O superior levantou os olhos e, ao vê-lo, nem o cumprimentou.
– Feche a porta – ordenou-lhe secamente, apontando a cadeira. Estava muito carrancudo e com a voz irritada, sinal de encrenca grossa. Era um homem alto, de um metro e oitenta e cinco e bastante forte, na casa dos quarenta e poucos anos. Os olhos, muito azuis e sérios, fitam-no.
– O que houve, chefe? Ontem parecia tudo tranquilo! Aconteceu alguma coisa?
– Caralho, Ricardo – explodiu o superior. – Eu pedi que ficasse de fora do caso. E agora olhe a porra que me arrumou.
– Chefe, não tenho a menor ideia do que está falando!
– Disto. – Ele atirou um jornal e duas fotografias enormes sobre a mesa, encarando o jovem. – Você não se podia conter um pouco? Sei que eram seus pais, mas você prometeu, Ricardo.
– Pelo amor de Deus, não fiz isso! – Ele olhou as fotos, impressionado. Os dois homens que prendera estavam estendidos no chão, mortos e emasculados com a genitália na boca. No meio deles outro homem, também morto, provavelmente o juiz corrupto jazia com um cartaz em cima do seu peito que dizia – "Lugar de pedófilo e assassino é no cemitério. Bandido bom, é bandido morto." – Caramba chefe, espanta-me que tenha pensado que eu fizesse isso.
– Será? No seu lugar eu teria feito. Pode provar? – perguntou, acalmando-se um pouco.
– Passei a noite na minha casa com a Jade e liguei do fixo para o Marcelo Guimarães, pedindo que ele desse um jeito no pessoal do tráfego, por conta da TV.
– Bem, isso é suficiente, se vierem atrás de nós. – Estava visivelmente mais tranquilo. – São dois bons álibis, especialmente com uma garota daquelas. Sugiro que não a deixe escapar.
– Pode ter a certeza de que não deixarei – sorriu. Mariana era tudo o que ele desejava e esperava em uma garota. – Chefe. Alguém anda usando essa frase muito continuamente e o povo já a fala. Acho que temos um vingador por aí, mas este não age de forma atrevida. Sinceramente, penso que devemos deixar isso como está. Além do mais, é tudo da alçada da homicídios.
– Bem, volte para a sua investigação original.
Ele retornou para a sala e sentou na cadeira. Lena aproximou-se, perguntando, curiosa:
– Muita merda?
– Não, ele pensou que fui eu que fiz aquilo que está no jornal.
– Francamente, como ele pode pensar algo assim. Como filho, entendo que os matasse; todavia, como policial, não os iria castrar.
– Não falei com essas palavras, mas é mais ou menos isso. Além do mais, tenho um álibi.
– Suponho que era Mariana. Você não me disse que ela é linda de morrer.
– Você também é linda, Lena.
– Conheço os meus limites, mas brincar de bang-bang em pleno sábado na avenida das Américas, foi demais. Você queria mostrar-se para ela?
– Deixe de bobagem, Lena. Eles sequestraram o meu amigo bem debaixo do meu nariz. Sabendo que é vereador, não tive escolha a não ser caçá-los. A pobrezinha da Mariana quase morreu de susto. Se eu me quisesse mostrar não seria assustando a garota, não acha? Mas o que eu queria, era dar uns tabefes no estafermo do tráfego que passou as imagens para a televisão. Isso até compromete o departamento.
– O chefe já desmentiu. Disse que se tratava de uma filmagem da TV. E ela confirmou, pois ele ameaçou feio a emissora.
– Ainda bem – disse Ricardo. – Detesto chamar a atenção. Mas confesso uma coisa, foi mesmo digno de cena de filme.
– Por isso o chefe fez o que fez. Ele protege os seus, sempre foi assim e sempre será. Mesmo que tivesse morto aqueles três, ele ia protegê-lo, especialmente você. É claro que ia ter que ouvir muito; mas, no final, ele daria um jeitinho. Todos aqui sabem que ele adora você!
Ricardo sorriu. O departamento desconhecia o motivo, embora não fosse nenhum mistério ou segredo, mas Ricardo evitava se expôr.
― ☼ ―
Na loja, Cíntia perguntou para a Mariana o que aconteceu:
– Meu Deus, garota, quando vi aquilo na TV, fiquei toda arrepiada. Aquela Ferrari vermelha derrapando de lado e parando quase de frente para os bandidos. E que atirador ele é, nem mirou. No meio da testa. Esse cara é um herói!
– Ele não gostou nada que pusessem na TV, mas eu tive foi medo. Quando tirou aquela pistola enorme do porta luvas e atirou nos pneus das motos, elas capotaram e aqueles caras voaram longe. Fiquei com muito medo mesmo, apavorada. Ainda mais quando disse para me deitar no fundo do carro, caso atirassem.
– Eu sei. Deu pra ver sua cara de aterrorizada. – Cíntia riu. – Se fosse eu, tava gritando feito uma louca. Sabe, o meu pai era atirador de elite do exército e ele disse que aquilo que vimos Ricardo fazer, chama-se tiro instintivo. Somente um em cada mil atiradores de elite têm essa capacidade. Atirar em um pneu com o veículo em movimento é dificílimo e perigoso, pois a bala pode ricochetear.
O telefone tocou.
– Oi amor... jornal? Não, não li, vou mandar vir um. Amo você, André. – Desligou e pediu para a amiga. – Cíntia, mande uma das garotas buscar um jornal.
Este demorou um pouco a chegar, pois a banca do shopping não tinha mais exemplares. Quando finalmente chegou, as duas viram a notícia estampada na primeira página.
– Nossa! Conheci Ricardo por causa destes dois. – As imagens estavam borradas em alguns lugares de modo a não chocar os leitores. – Eram os responsáveis pelo assassinato dos pais dele, que os prendeu. O terceiro cadáver é um juiz corrupto que soltou esses safados. Alguém não gostou e estavam pensando que foi ele, mas que absurdo.
– E como você sabe que não foi ele. Afinal, teria o maior interesse. Sinto que será o principal suspeito!
Ela fechou os olhos, relembrando o fim de semana maravilhoso, e sorriu encostada à cadeira. Calada, a amiga esperava pela resposta.
– Porque nessa hora, minha querida Cíntia, ele estava deitado nos meus braços do jeito que Deus o fez e em atividades muito mais agradáveis do que assassinatos. Depois, dormimos juntos na casa dele, que é um sonho de casa.
– Isso promete hein, Mariana?
– Se promete. – Ela suspirou. – Dá uma saudade quando ele não está comigo. Bem, o que vamos almoçar?
– Desculpe, mas almoço sozinha – disse enquanto olhava para o monitor e sorria.
– Ora, por quê?
– Porque o seu príncipe encantado acabou de entrar pela porta da loja, muito bem-vestido, como sempre, e com um lindo buquê de flores, o que deve significar um convite para almoçar...
Metade da frase ela sequer ouviu, pois já não estava no escritório, correndo para dentro da loja e abraçando-o, alegre.
– Oi, amor. – Quem os olhasse, juraria que não se viam há um ano.
– Vim saber se quer almoçar. Pode ser por aqui mesmo, pois tenho muito pouco tempo.
– Claro.
De mãos dadas, ambos saíram porta fora enquanto as garotas da loja olhavam, derretidas com a beleza dele.
– Realmente é melhor ganhar na mega-sena – a moça do caixa suspirou – pois esse aí já era. Tá completamente fisgado pela dona Mariana.
Cíntia deu uma risada.
– É mesmo um pedaço de mau caminho e um herói – disse.
– Herói?
– Vocês não viram TV anteontem?
– Mas a emissora disse que era uma filmagem para uma nova novela que estão rodando!
– Cai na real, Anita, isso foi para desviar a atenção. Aquilo que vocês viram naquela Ferrari foi bem verídico. Mariana estava lá e vi perfeitamente. Não era uma atriz porra nenhuma ou vocês não viram o rosto dela? Céus, como ele é bom; mandou quatro bandidos para o espaço como se estivesse apenas batendo papo ou estalando os dedos.
– Nossa, mas o que a chefe disse disso?
– Ela disse que, na hora, teve um medo danado, mas se ele não salvasse o amigo, os bandidos iam matá-lo, pois ele é vereador.
No restaurante, o casal comia tranquilo e descontraído, muito felizes pelo simples fato de estarem juntos.
― ☼ ―
– Quero saber quem deixou vazar informações confidenciais para a mídia. Já pensaram que podiam processar a prefeitura por expôr as imagens deles? – A voz do Marcelo soou muito irritada e o pobre assessor tentava virar-se. – Há algo podre por aqui e pretendo saber.
– Sim, senhor, vou tentar descobrir – respondeu o assessor, nervoso.
– Não, você não vai tentar, Marcos – afirmou Marcelo, fazendo-se de manso, porém ameaçador. – Você vai é descobrir. Agora vá, a menos que queira procurar outro emprego. Afinal é uma tarefa simples, não acha?
– Sim, senhor – respondeu o assessor, bastante preocupado.
Marcelo, sozinho, pensava na garota que conheceu naquele sábado, perfeita em tudo. Começou a sentir remorsos por ter falado com o assessor daquele jeito, deu um suspiro e passou a se concentrar no trabalho da prefeitura. Dedicava-se a elaborar uma lei municipal que seria muito mais rígida com a corrupção na prefeitura do Rio, uma tarefa com que se entregava de corpo e alma, já enfrentando algumas dificuldades por isso, sem falar em ameaças de outros vereadores e grupos.
Entretanto fornecia discreta e secretamente informações sobre todos eles para o seu amigo.
― ☼ ―
Depois do almoço, passearam um pouco pelo shopping. Ele olhou um filme em cartaz, que lhe interessava, e disse:
– Precisamos ver este filme, amor, deve ser ótimo.
– Que tal hoje à noite?
– Difícil, já vim aqui almoçar com você porque vou ficar até tarde, mas não queria deixar de a ver mais uma vez, Jade. Amanhã deve ser outro inferno. Que tal quarta? Pegamos um cineminha, jantamos, fazemos amor...
– Vai ser maravilhoso – apertou-se a ele. – Só que vai dar muita saudade até lá.
– Eu sei, também sinto – respondeu, sorrindo. – A gente acostuma muito rápido, não é?
– Você podia passar no meu apartamento, antes de ir para casa, André.
– Devo sair pela uma hora ou até mais e vai ficar cansada, esperando por mim. Talvez seja melhor você ir para a minha casa. Fica mais perto e posso instruir o segurança a abrir o portão.
– Combinado.
― ☼ ―
O casal ia vivendo, feliz como nunca, cada vez mais próximos um do outro. Sem se darem conta, praticamente já viviam juntos, ora em uma casa, ora em outra e nunca se separavam. Nos encontros semanais com os amigos, as duas garotas ficaram muito íntimas.
Marcelo, entretanto, não conseguia tirar Mariana do pensamento, disfarçando tão bem que nem o amigo notava. Vê o olhar que a garota tinha para o Ricardo e sentia muita inveja, sem se dar conta que a sua noiva era loucamente apaixonada por ele e também muito bela. Nesse mês, o relacionamento dos dois começou a esfriar lentamente.
No dia em que completam um mês de namoro, saíram sozinhos para jantar e acabaram se encontrando com Marcelo e Camila completamente por acaso. Os noivos, convidaram-nos a se juntarem a eles. Durante a sobremesa e nervoso, Ricardo virou-se para a Mariana, ofegante e com o rosto vermelho.
– Jade, meu amor, nós estamos juntos há um mês, o melhor que eu tive em toda a vida, e não consigo mais me imaginar sem você.
– Eu também não, André – respondeu-lhe com os olhos brilhantes e um sorriso juvenil.
Ele estendeu uma caixinha branca, abrindo-a virada para a namorada. Dentro, estava um anel de jade e diamantes.
– Você quer casar comigo, Jade?
Com as mãos tremendo muito, ela pegou o anel e olhou para ele, cheia de lágrimas nos olhos.
– Quero sim, André, não imaginava que podia haver tanta felicidade – respondeu.
Ricardo pôs o anel no dedo dela e beijaram-se longamente. Com o celular, Camila tirou algumas fotos. Depois, bateu palmas enquanto Marcelo olhava estranho. Ricardo, muito observador, notou algo, mas pôs de lado e esqueceu o assunto, pois a única coisa em que pensava naquele momento era na sua agora noiva. As duas ficaram olhando os detalhes do anel, feito com ouro branco e uma pedra de jade rodeada de diamantes. Mariana não tirava os olhos dele, toda ela virada em sorrisos e alegria.
– Que lindo, Ricardo – comentou Camila – você soube escolher bem e combina perfeitamente com Mari.
– Bem, parabéns aos dois – disse Marcelo. Os seus olhos, porém, não mostravam isso.
No fim de semana seguinte foi a competição de artes marciais da polícia federal e Ricardo levou a noiva para assistir. Os colegas assobiaram para ela e brincaram bastante até que Ricardo, rindo, fingiu ameaçá-los. Mariana sentou-se na arquibancada e, ao seu lado, uma mulher de uma beleza incrível sentou-se e sorriu-lhe.
– Olá, você deve ser Mariana, suponho. Pelo menos parece com a que apareceu na TV. Sou Lena, sua maior inimiga – sorriu novamente.
– Oi, Lena, mas por que motivo você seria a minha maior inimiga? – correspondeu ao sorriso da morena com quem simpatizou.
– Simples, porque você roubou a minha última chance de conquistar o McGiver. Mas tudo bem, não estou zangada. O que importa é que vocês estão muito felizes. – Ela retribuiu o sorriso e Mariana descobriu que a moça era uma ótima pessoa e muito simpática.
Ricardo chegou de quimono e sentou ao lado delas.
– Oi, Lena, já conhece a minha noiva? – perguntou sorrindo, enquanto beijava a colega.
– Já – disse, confirmando. – Estava declarando guerra a ela.
– Deixe de bobagens. Amor, a Lena é minha parceira, uma matemática brilhante, mas eu não costumo dizer muito isso pois pode subir à cabeça. – Ele deu uma risada.
Ricardo foi sorteado como primeiro competidor e a luta durou um minuto, para infelicidade do oponente pois foi facilmente vencido. À medida que os competidores eram eliminados, a disputa ficava cada vez mais difícil, mas Ricardo mantinha-se sempre invicto e o no topo da contagem de pontos. Ao final, tornou-se o primeiro pentacampeão consecutivo da polícia federal. Jade não parava de bater palmas, cheia de orgulho e com os olhos muito brilhantes, enquanto Lena a observava e divagava em pensamento.
Amava loucamente o Ricardo e sentia muita tristeza em ver essa moça com ele, mas era justamente esse amor que a deixava satisfeita por ele estar tão feliz. Desde que a menina anterior lhe deu o fora, um tempo depois que namoraram, ele nunca mais se envolveu com uma garota. Saiu uma dúzia de vezes, inclusive com ela, mas não se envolvia. Com um misto de tristeza e, ao mesmo tempo alegria por ele, torceu para que desse tudo certo.
― ☼ ―
No seu aconchegante gabinete, Marcelo recebeu quatro pessoas. Sentados nas poltronas, aguardou que falassem.
– Vereador, o senhor vem criando certas dificuldades...
– Dificuldades, Senador? – questionou. – Pode explicar isso?
– Essa sua empreitada contra a corrupção está desagradando muitas pessoas e nós não gostaríamos de o ver morto por aí – disse outro interlocutor.
– Está-me ameaçando, Deputado?
– De modo algum. Olhe, há espaço para todos – retrucou o senador. – Por que não se junta a nós?
– Tá maluco? Eu entrando nessa? – Marcelo olhou para eles.
– Vereador, todos os homens têm um preço, qual é o seu?
– Não creio que eu tenha um preço – responde debochado, mas podemos continuar esta conversa amanhã, se desejarem. Eu tenho algumas coisas importantes a fazer e preciso de pensar na oferta, ok?
– Combinado. – Eles levantaram-se. – Estaremos aqui às dezesseis horas de amanhã.
– Aguardarei.
– Sugiro – disse um dos interlocutores – que não nos tente enganar, pelo seu bem.
Quando eles saíram, Marcelo deixou-se cair na cadeira, suando frio.
― ☼ ―
Eram quase dez horas da noite e o bar estava cheio. Tratava-se de um desses bares perto da praia em Copacabana e Marcelo sentava-se em um dos cantos, aguardando alguém. Já era a quinta vez que pegou o telefone para ver as horas quando um homem alto aproximou-se dele e sentou bem à sua frente. Só depois de sentado é que reconheceu o seu amigo Ricardo, tamanha era a escuridão daquele canto.
– Oi, Marcelo, o que é tão importante para me trazer aqui a esta hora da noite, ainda por cima sozinho? – perguntou-lhe. – Você não está com boa cara.
– Ricardo, desculpe, mas só confio em você – disse, aparentando muito medo. – Eu literalmente fui ameaçado de morte e depois convidado a participar do esquema de corrupção a menos que...
Não terminou a frase, mas Ricardo entendeu muito bem.
– Por acaso aquela fruta podre que ando investigando tem a ver com isso? – perguntou o policial.
– É um deles.
– Complicado, isso. – Ricardo pegou o telefone e fez uma ligação. – Temos que pensar... amor, tudo bem. Olhe, eu vou chegar mais tarde que tô resolvendo um problema.
– "Tudo bem, André" – disse Mariana. – "Mas tente não demorar que tô com saudades. Você está num bar? pelo menos o barulho parece de um."
– Sim, amor, é um bar. Depois eu explico. Beijo. – Desligou e viu o garçom passar por perto, pedindo uma água mineral.
– Por favor, Ric, não conte para a Mariana que...
– Que é isso, Marcelo, eu confio na minha noiva. Tá me estranhando?
– Não, Ric, me desculpe, mas não lhe conte porque ela e Camila estão muito amigas e, se Camila souber, vai ter uma síncope. Por favor, prometa que não dirá.
– Prometo – disse Ricardo, tomando um gole de água. – Bem, são quantos?
– Quatro, mas só conheço dois deles. – Marcelo contou tudo e finalizou, dizendo. – Eu devia ter trazido a gravação. Sempre grava minhas conversas em vídeo.
– Marcelo, junte-se a eles que terá acesso a todas as informações. Me ajude a pegá-los e não se preocupe que eu mato essa gente antes que lhe façam algum mal. Aliás, eu vou arrumar uma arma para você e vamos praticar no clube de tiro sempre que for possível.
– Isso me dá muito medo, Ricardo. – Marcelo estava visivelmente nervoso. – Se descobrem que sou um maldito espião, eu já era.
– Pense bem, Marcelo – explicou o amigo. – Você deixa de ser alvo e passa a ter as informações em primeira mão. Sem falar que eu vou dar um jeito que não nos relacionem.
– Mas...
Marcelo continuava reticente e com medo. Conversaram mais uma hora e, depois, Ricardo despediu-se, voltando para casa. Marcelo preferia caminhar um pouco até à casa da Camila, que era perto.
Quando chegou, Mariana abraçou-o e perguntou:
– Algum problema, amor?
– Nada grave, Jade – disse, mantendo a promessa de não contar para a noiva. – Gente com problemas pedindo ajuda. Não se preocupe.
– Qual é a mulher de um policial que não se preocuparia com seu bem-amado, André? – Ela riu e ele abraçou-a pela cintura.
– Acho, minha linda, que devíamos ficar na minha casa durante a semana, já que é mais perto do trabalho.
– Ora, podemos ficar lá sempre, se você quiser.
Ricardo parou de rir e beijou-a, dizendo:
– Amo você.
― ☼ ―
RSA: Um algoritmo de criptografia muito usado atualmente.
Pequeno e agradável shopping center, bem diferente do usual.
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