Capítulo 17 (não revisado)
Quinta-feira.
A casa estava em paz e harmonia, mas parecia a bonança que precederia a tempestade. Diariamente, Ricardo acordava cedo e ia meditar para depois treinar. Sabia que o perigo rondava e queria estar pronto para defender a sua família. O tenente costumava observar pois não se cansava de ver tanta beleza.
– Venha, junte-se a mim que lhe ensino os movimentos – convidou o delegado. Alegre, o policial aproveitou para aprender. Devagar, ia memorizando as posições e acelerando gradativamente. Tinha a vantagem de já ser mestre em Karatê e aprendia rápido. O Ninjitsu, todavia, era muito mais complexo. Acompanhava bem, mas era incapaz de atingir a velocidade do Ricardo.
– Pegue leve, Santana – disse Ricardo –, eu levei dois anos para ser como sou e comecei o Karatê aos quatro anos. Não exija tanto de si.
– É que isto é lindo demais e tenho que aprender.
– Você tem uma vantagem – comentou. – Está aprendendo por prazer. Na época, eu queria morrer e não tinha mais vontade de aprender isto que tanto gosto. Achava que ela estava morta.
– Ora, você aprendeu e eu sinto que jamais serei tão bom.
– É um dom, mas você também o tem e sinto isso, então tente. Vamos de novo, mas sem se esforçar demais.
O pequenino apareceu e viu os dois treinando. Alegre, começou a imitar o pai que mostrou para o filho como se fazia o primeiro movimento. O rapazinho tinha um dom natural para a coisa e fez com perfeição. Foi esse trio que Mariana viu da varanda, cheia de felicidade. O pesadelo acabou e sentia-se muito feliz. Pôs uma roupa e desceu para o seu noivo. Quando ele pressentiu a sua presença, interrompeu o treino e virou-se para a beijar.
– Esse cara só pode ter olhos nas costas – afirmou Santana, sacudindo a cabeça –, não é possível!
– Preciso de tomar um banho. – Ricardo deu uma risada. – Depois vamos tomar café. Esperei você, Jade.
– Ok. – Ela virou-se para o filho. – Oi, bebê, quer ser pentacampeão como o tio Ric?
– O que é isso?
– Ele venceu cinco vezes seguidas o campeonato da polícia Federal.
– E, pelo jeito, jamais será derrotado – disse Santana. – Eu sou tetracampeão do BOPE e não ia durar dez segundos com ele. E olhe que o BOPE é imbatível. Tivemos um campeonato unificado da civil e militar. Ainda bem que não juntaram a federal.
Ambos deram uma risada. Ricardo, que ia mais à frente com o filho nos braços, ouviu e sorriu. Após o banho e na mesa do café, Jade falou:
– Amor, eu queria ir ver a minha loja. Acha que posso?
– Claro, mas você vai ficar triste.
– Por quê?
– Porque está tudo diferente, sem liderança.
– Mas a Cíntia não tá mais lá?
– A sua amiga foi assassinada, amor, você imaginar por quem.
– Ó meu Deus. – Ela baixou a cabeça, mas segurou as lágrimas por causa do filho. – Quem mais está lá?
– Daquele tempo só escapou uma moça que está em uma loja vizinha, mas não sei se continua por lá. Ela era a garota do caixa, encontrei-a lá quando investigava o que aconteceu.
– Anita, não se aproveitou de você não? – Mariana deu um sorriso triste. – Ela é derretida por você. Sempre gostei dela, tem um potencial excelente e é muito esperta. Era muito amiga da Cíntia.
– Eu fiquei com pena dela e lhe dei dois milhões para começar a vida novamente. Então, não sei se ainda está lá. Também dei essa quantia para a família da Cíntia.
– Afinal quanta grana você tem?
– Sei lá, pouco mais de vinte bilhões – respondeu, encolhendo os ombros.
– Caraca, sabia que você era muito rico, amor, mas isso nem dá pra conceber – disse a noiva, expressando o pensamento de todos. Ricardo apenas sorriu.
– Vamos trocar de roupa e vamos ao shopping ver a sua loja. O gerente foi pra cadeia e ela precisa de orientação urgente.
Prepararam-se para sair e Ricardo, na dúvida, levou três pistolas duas em baixo dos braços e uma nas costas, sem falar na tradicional espada.
– Amor, não vamos para a guerra!
– Já perdi você uma vez, Jade, e não a quero perder de novo.
– Vamos na Ferrari?
– Você escolhe. – Na garagem ela olhou os vários carros.
– Que carro é aquele ali? – apontou um veículo coberto com uma lona.
– Era o que usávamos, no atentado.
– Livre-se dele, por favor – começou a respirar acelerado. – Eu tenho medo.
– Não posso, por causa do processo. Vai ser feita nova perícia, mas depois que tudo acabar, prometo que farei isso. Então, escolheu o carro?
– Ferrari. – Ela ri. – Sei que você ama esse Mustang, mas adoro a Ferrari.
– Então ela é sua, meu amor, entre.
Chegaram ao Shopping Tijuca e Mariana estava ansiosa para ver a sua loja. Ao se aproximar, ficou triste. As vitrines estavam mal-ajeitadas e as moças com cara desanimada. Entrou na loja e ninguém a conheceu. As vendedoras não a atenderam e foi para o caixa.
– Onde está o gerente?
– Desculpe, mas ele foi preso segunda-feira. Estamos sem gerente.
– Foi nisto que transformaram a minha loja? – disse, quase gritando e dando uma volta em torno de si mesma. Ricardo acalmou-a e uma das moças vê a arma sob o paletó, chamando discretamente a segurança.
– Vocês, fechem a loja.
– Afinal, quem é a senhora?
– Eu sou a dona disto tudo, algum problema?
Uma figura passou à frente da loja e viu Mariana junto com o delegado. Correu para dentro e abraçou-a, chorando.
– Dona Mariana, que bom ver a senhora de novo.
– Anita! – retribuiu o abraço. – O que foi que fizeram com a minha loja?
– Usavam as lojas para fazer lavagem de dinheiro. Mataram Cíntia e mais três. Depois, contrataram gente sem experiência.
– Anita, você quer assumir a gerência da rede?
– Acabei de me demitir e agora não tenho mais problemas financeiros, mas por você eu assumo. Aprendi muito com Cíntia, só que sei que jamais serei tão boa quanto ela.
– Não importa, feche a loja...
– Vocês, mãos na cabeça. – Ricardo virou-se devagar. Quatro seguranças apontam as armas. – Jogue a arma no chão.
– Sou delegado federal e vou tirar meu distintivo. – Mariana virou-se.
– Não precisa, reconheci o senhor. Baixem as armas, amigos, é o noivo da dona da loja, delegado federal. – Virou-se para Ricardo e continuou. – Perdoe o mal-entendido.
– Anita, feche a loja e ponha uma ordem nisto. Instrua as moças a atenderem corretamente os clientes. Livre-se dos trapos que não prestam. Se for necessário contratar ou demitir, você tem o meu aval. O telefone ainda é o mesmo?
– Sim.
– Ótimo, ligarei para você. Ainda estou resolvendo minha vida e não poderei vir aqui toda hora, mas, em breve, vamos assumir tudo e arrumar esta bagunça. Só vendemos roupas de qualidade nível "A". Veja se alguma das lojas daqui deseja comprar o que não nos interessa vender, mesmo que seja abaixo do custo. Coloque um cartaz "Sob Nova Direção e Em Reforma". Venha, vamos para dentro. – Foram para o escritório, nos fundos da loja. Ao ver a bagunça, ficou irritada.
– Mande alguém limpar isto. – Pegou no computador, escreveu uma procuração para Anita e registrou-a como gerente. – Aqui tem tudo o que necessita, minha querida. Agora preciso de ir.
– Obrigada por confiar em mim, dona Mariana. – A moça abraçou-a. – Que bom que está de volta e bem.
No carro ela disse:
– Sabe, André, se ele me amava a ponto de fazer o que fez, por que motivo destruiu tudo o que havia de valor para mim, inclusive o respeito que eu tinha por ele?
– Creio que tenha virado obsessão.
– Sei lá, isso não tem muita explicação. Ele nunca foi capaz de me fazer feliz e foi um período muito ruim para mim, amor. Imagino que para você também. Morro de pena da Camila. Como deve ter sofrido.
– Nem me fale da Camila que a morte dela me abalou demais. Vamos pôr uma pedra nesse assunto – disse. – Senão vou lá e acabo com ele de vez.
– Desculpe.
Ele beijou-a e diz:
– Esqueça. Vamos prá nossa casa. Não devemos ficar pela rua que ainda não acabou.
― ☼ ―
Sexta-feira da semana seguinte.
A semana passou tranquila e mantinham uma rotina normal mas evitavam sair. Depois que Ricardo levou Mariana até à loja, ela ficou muito chateada e ele pediu que aguardasse o desfechar de tudo. O tenente aproveitava para aprender com Ricardo e o menino não o largava, fazendo os movimentos que o pai ensinava. Quando voltou para o banho, a sua Jade, na porta da cozinha, segurava um bolo com uma vela. Cantaram parabéns e Ricardo ficou levemente encabulado. Ela pousou o bolo na mesa, abraçando o noivo, muito sorridente.
– Parabéns, meu amor, sei que faltaram vinte e seis velas, mas era o que havia.
– Parabéns, gato – disse Lena, dando um selinho. – Feliz aniversário e muitas felicidades. Chega de sofrer.
– Parabéns, delegado. Espero que as coisas acabem logo. Até porque tenho muitas saudades da minha esposa.
– Parabéns, tio Ric, você fez um desejo ao apagar a vela?
– Não! – sorriu para o filho. – Devia, pequeno?
– Sim, mamãe diz que dá azar se a gente não faz um desejo.
Abaixou-se e abraçou-o com carinho, erguendo-o ao colo e dizendo:
– Então fazemos o seguinte. Eu acendo a vela de novo, você faz um desejo por mim e sopra, que tal?
– Combinado, tio, sei de um desejo bem bacana. – O garoto fechou os olhos com força e soprou a vela. – Pronto, agora não vai ter azar. Eu desejei que você fosse meu pai.
Ambos olharam-se e Ricardo perguntou:
– Eu ou você, Jade?
– Melhor eu, André – respondeu, pegando o garoto. – Venha, filho, que preciso de conversar com você.
– Fiz alguma coisa errada, mamãe?
– Não, meu amor, quero explicar uma coisa. – Alguns minutos depois, ele apareceu com os olhos brilhantes de felicidade. Soltou a mãe e correu em direção ao Ricardo, subindo por ele até ao seu pescoço. Com as mãozinhas em volta dele, disse, com um suspiro de alegria:
– Meu papai. – Os olhos do Ricardo ficaram cheios de água, da mesma forma que a mãe.
– Eu te amo, filho, e esperei muito por este abraço.
– Mas você está chorando!
– Sim, meu amor, de felicidade. Eu não podia contar para você até sua mãe saber. Eu amo muito você, meu filho. Fiquei longe porque me afastaram de vocês, mas juro que nunca mais ficarei.
– Não chore, papai, eu sempre quis que você fosse meu pai. Agora, estou muito feliz. Desde aquele dia no shopping.
– Eu amo você, meu filho – repetiu. – Me roubaram você de mim, mas agora está comigo.
Abraçou o filho feliz.
― ☼ ―
Escondidos sobre uma árvore e na sombra, dois homens observavam a família. Conversavam muito baixo e sempre mantinham distância do Ricardo, pois sabiam que ele podia senti-los desde muito longe. Falavam em japonês.
– Tem certeza que pode ser hoje?
– Sim, mestre Ishiro, o deputado começou a agir.
– Não é melhor avisá-los?
– Prefiro apanhá-lo de surpresa e, oficialmente, aqueles documentos ainda não são públicos.
– Espero que saiba o que está fazendo. Da última vez, ele virou um trapo humano. Vendo-o abraçado ao filho e à noiva, com aquele ar de alegria e profundo amor, fica difícil imaginar o seu estado antes disso.
– Não se esqueça que eu vi como ele estava.
– Isso não era nada. Quando soube da morte dela, desistiu de viver e tive demasiada dificuldade em convencê-lo a não cometer sepuku. Mas, se acha prudente, vamos aguardar – disse Ishiro.
– Não se esqueça de que temos de preservar a integridade dela e do filho.
– Isso é óbvio. Sem eles, é melhor matá-lo logo.
– Mestre, achava melhor termos trazido armas de fogo.
– Não – replicou Ishiro. – As espadas matam em silêncio e nós podemos pegar muitos em pouco tempo.
– Lá se foi o espaço no necrotério. Já tem defunto saindo pelo ladrão! – Ferreira deu um suspiro. – Assim o município vai precisar de ampliar as instalações.
― ☼ ―
Aconteceu pelas cinco horas da tarde. Dois ônibus da polícia militar, encostaram na frente da casa, seguidos por uma viatura, também da PM, de onde desceram três policiais fortemente armados e Marcelo. Dos ônibus, saíram mais noventa homens. Todos portavam pistolas e fuzis. A campainha tocou e Ricardo viu o pelotão.
– Abra em nome da lei. Temos um mandato de busca e apreensão.
Sem opção, ele abriu a porta.
– Lena, tenente Santana – instruiu Ricardo, às pressas. – Peguem armas pesadas e corram para o terraço. Não atirem no Marcelo em hipótese alguma. Ele é meu. – Pôs uma nove milímetros às costas, na faixa do quimono e a espada a tiracolo. – Se quiserem levar você, Jade, serei obrigado a ceder, senão poderão matar todos, mas não se preocupe que volto para buscá-la. Este é o movimento final dele, a prova derradeira. Será tudo gravado pelas câmeras de segurança. Ricardinho, não deixe que ele descubra que você sabe que é meu filho. Finja que ainda é seu pai.
– Sim, papai, mas eu estou com muito medo.
– Não tenha medo, amor. Irei atrás de vocês, mas preciso que você e sua mãe estejam protegidos. Lena, vocês atiram assim que ouvirem o primeiro disparo. Atirem para matar pois o risco é muito grande.
Ricardo esperou no pátio. O tenente e a Lena fizeram o que ele pediu, mas ele ligou para o BOPE, pedindo socorro. Os policiais espalharam-se e apontam as armas. Eram demasiados para ficarem lado a lado, devido ao tamanho daquele local, e isso ajudava Ricardo, pois impossibilitava que pudessem atirar todos ao mesmo tempo. Marcelo apareceu, com ar triunfante e um sorriso de pura arrogância.
– Temos um mandato, entregue minha mulher e meu filho.
– Esse mandato é falso, Marcelo – informou Ricardo. – Eu sei que o seu juiz está preso. Vejo que reuniu todos os policiais corruptos da cidade.
– É a vantagem de ser deputado. Temos poder, Ricardo, mais do que imagina. Todos trabalham para mim.
– Como foi transformar-se nesse monstro? Éramos tão amigos!
– Todo o homem tem um preço e o meu era ela. Você jamais devia tê-la apresentado a mim.
– E por isso mandou matar tantas pessoas, até a Camila?
– Isso era necessário. Você sempre metido a bom com as melhores garotas, deixando o lixo para mim e acha que acredito que era meu amigo, Ricardo?
– Lixo, Marcelo!? – André não acreditou no que ouviu. – Chamou Camila de lixo?
– Lixo, sim, você a usou e depois descartou para me apresentar.
– Cara, eu e Camila namoramos uma semana e ela deu o fora em mim. Acredite que fiquei muito triste, pois gostava demais dela; era profundamente apaixonado por ela. Não fui eu que a descartei, ela me descartou. Apenas ficamos amigos e, quando ela conheceu você, apaixonou-se. Você jamais mereceu o amor dela, homem. Nós três saíamos juntos e eu amava-a, mas ficava calado. Via vocês saindo para um motel e desejava estar lá, no seu lugar. Cara, ela me descartou e eu soube perder. Então, conheci Mariana. Você é muito cruel, Marcelo, não vale o ar que respira.
– Agora chega de conversa, entregue a Mari.
– Vá, Jade, senão poderá ser morta – disse o Delegado. – Eu salvarei vocês mais tarde. – Acrescentou baixinho ao seu ouvido. O pequeno deu um beijo no pai e seguiu a mãe que foi agarrada por um dos guardas.
– Acho que agora podemos acabar com você.
– Se tem um pingo de humanidade, não faça isso na frente deles – pediu Ricardo, que queria a mulher e o filho longe da zona de perigo.
– Tem razão – virou-se para o guarda. – Quando formos embora, podem começar e não quero ninguém vivo. Deve ter uma garota escondida lá dentro. Matem-na também.
– Marcelo, quando isto acabar, vou atrás de você. E vai implorar pela morte, eu prometo.
– Acredita que ficará vivo?
– Pode ter a certeza e vou buscar a minha mulher mais o meu pequeno. E você vai se foder. Prepare-se, pois sofrerá a mais terrível e cruel das vinganças que eu conseguir inventar. Esteja preparado, pois a morte vai-se transformar numa boa escolha. Irá implorar por ela, eu garanto. E lembre-se do que lhe disse no quiosque.
– Vamos embora. Acabem com isso assim que eu sair. – Virou-se para Ricardo, rindo e com cara de deboche. – Mesmo que você sobreviva, o que eu duvido, jamais me encontrará. Estarei longe, em um lugar que não conhece... e com ela.
Assim que Ricardo ouve o carro sendo ligado, sacou da pistola e matou, em menos de trinta segundos, dezoito homens, também ferindo alguns mais. Apesar de a arma ter apenas dezoito balas, o poder de uma nove milímetros era tão grande que, muitas vezes, a arma matava o da frente e feria ou mata o que estava atrás. O delegado atirava sempre no rosto ou pescoço para evitar que o disparo fosse anulado pelo colete dos soldados e, enquanto atirava, corria para o lado de modo a escapar dos adversários que erravam o alvo. Como combinado, mal o primeiro tiro foi dado um fogo cerrado veio do terraço, matando vários PMs. Por trás das fileiras, dois homens de preto faziam outro massacre assustador, pois não se ouvia a sua incursão devido ao barulho dos tiros. Os corruptos eram mortos pela força das espadas. Ricardo, aproveitando a situação, colocou-se no meio deles e, com a espada, começou a eliminar os policiais, ao mesmo tempo que os tiros do terraço cessaram, o que o preocupava.
Não demorou muito e ele viu que tinha ajuda de dois espadachins, adivinhando no ato quem eram. Apesar de muitos dos PMs já estarem mortos, os que permaneciam de pé defendiam-se desesperadamente, assustados por verem os três homens e suas terríveis espadas movendo-se tão rapidamente que não os conseguiam acompanhar com os olhos. Um após o outro foram caindo, degolados ou tendo as mãos que seguram as armas decepadas, sem conseguirem acertar um único tiro que fosse. Outros foram cortados ao meio pelo tronco, logo abaixo dos coletes. Os dois ninjas matam-nos rapidamente, mas Ricardo era implacável, sempre provocando mortes lentas e tremendamente doloridas. O chão escorregava de tanto sangue, o que dificultava mais ainda a ação dos atacantes. Manejando a espada com perícia, Ricardo eliminou quase todos, desviando-se facilmente dos poucos tiros que sobravam. Com um grito para os companheiros, pediu que terminassem o serviço e, como um macaco, subiu pelas paredes e varandas até alcançar o terraço, vendo Lena caída e sangrando muito. O tenente, sentado e com o ombro ferido, tentava estancar a hemorragia da moça.
– Chefe – gritou para baixo –, chame um helicóptero. Lena foi baleada e é muito grave.
– Desculpe, delegado – disse Santana. – Fomos atingidos quase ao mesmo tempo. O meu ferimento não é grave mas ela morrerá logo se não for socorrida. Tire seu quimono, dobre e faça uma compressa, mantendo a pressão para reduzir a hemorragia. Isso, mantenha pressionado. Eu aprendi primeiros socorros com paramédicos. É a única forma de a ajudar.
Após pouco tempo, um helicóptero desceu com médicos, pois o chefe previra algo perigoso e mandou que um ficasse no ar.
– Precisamos cauterizar, mas aqui não há equipamento para isso. Ela não sobreviverá até ao hospital.
– Use pólvora – orientou Santana, mostrando como fazer com uma bala. – Delegado, o BOPE deve chegar com um ônibus, pois eu liguei para o meu Coronel que vem pessoalmente. Devem estar chegando, pode abrir a porta?
– Acho que agora temos dois McGivers – afirmou Ricardo, ao ver o médico satisfeito com o resultado. – Obrigado por ajudá-la, Santana, ela é muito importante para mim. E seu ombro?
– Não é grave. A bala perfurou a carne e não pegou em ossos. Foi quase de raspão. Gostaria de ter sua velocidade. Talvez tivesse me safado.
– Só me safei porque mestre Ishiro e o chefe estavam de tocaia. A campainha tocou e deve ser o seu pessoal. – Mal o ônibus entrou, vinte policiais do BOPE armados até aos dentes desceram e avançam em formação com o coronel atrás. Ao dobrarem a esquina, viram os corpos, dezenas deles: degolados, cortados ao meio, sem mãos ou pernas, bem como outros com buracos de bala nas testas ou gargantas. O chão era um mar de sangue.
Ouviram um rotor de helicóptero e olharam para o terraço, vendo-o subir. Pouco depois, quatro homens apareceram no pátio. Frente a frente, o coronel olhou para o chefe da inteligência federal, vestido como um ninja, um japonês do mesmo jeito, o tenente com o ombro ferido e o delegado federal, só de calças brancas, manchadas de sangue e com uma espada às costas. Na verdade, todos menos o seu tenente portavam espadas.
– Vocês fizeram isto, somente os quatro!?
– Não, Coronel. Uma colega minha foi gravemente ferida e seguiu para o hospital. Eles vieram com o deputado Guimarães e tinham um mandato falso. Tive de entregar Mariana e o meu filho, pois corriam o risco de serem mortos. Depois, tentaram atirar em mim que não gostei nada da ideia...
– Mas são... eram policiais! – Interrompeu, assustado.
– Todos corruptos, comprados pelo Marcelo que confirmou e, para seu azar, as câmeras de segurança gravaram tudo.
– Delegado – informou Santana –, vou recolher as armas no terraço.
– Você está ferido, tenente – disse Ricardo –, precisa de atendimento.
– O senhor enganou-se, delegado – contestou o coronel – não é tenente e sim capitão Santana. Parabéns pelo seu trabalho, capitão, mas agora vá ao ônibus que há um médico lá.
– É só um arranhão, senhor, e ficaram muitas armas pesadas lá. Vou recolher e depois passo no médico. – Ricardo apanhou a sua pistola do chão e conferiu o pente vazio.
– Vamos ao seu escritório, McGiver. Precisamos falar com ministro Gutierrez e meu filho.
– McGiver? – O coronel estava espantado. – Você é "O McGiver?"
– Pelo jeito, estou ficando conhecido – comentou André.
– Nossa senhora, quem imaginava! – No escritório, o coronel ficou doido com os equipamentos. Observava tudo em volta, até que o convidaram a sentar-se em uma poltrona. O chefe pegou o telefone e dispara uma ordem atrás da outra.
– Pronto, mandei fechar todas as autoestradas, aeroportos e fazer uma busca na casa dele e dos pais. McGiver, ponha uma linha segura e contate o ministro mais meu filho. Este é o número dele.
– Estão em conferência, senhor, pode falar.
– Excelência, pode ouvir?
– Perfeitamente.
– Jorge?
– Alto e claro.
– Muito bem, a coisa foi feia, muito pior do que eu esperava pois ele veio aqui com um exército de PMs.
– PMs?
– Sim, corruptos na folha desses sujeitos. Precisamos de combater e acabamos matando todos, pois não havia alternativa. Vou enviar os vídeos das câmeras de segurança. A delegada Lena, que o senhor conheceu, está no hospital entre a vida e a morte.
– Não... – disse Jorge, baixinho e aflito. – Isso não...
– Levou Mariana e o filho – continuou Otávio. – E fugiram com três policiais em uma viatura da PM.
– Ele não é burro – comentou Ricardo. – Vai-se esconder. Deixou isso bem claro e estará num lugar que não vou encontrar.
– Envie o vídeo – pediu o ministro. Ricardo manipulou os computadores.
– Está subindo e vai demorar uns quinze minutos a chegar.
– Delegado, qual é o impacto se noticiarmos na mídia que você morreu? – perguntou Jorge. A voz dele estava muito agoniada e Ricardo notou.
– Não façam isso, pelo amor de Deus. Mariana acabou de recuperar a memória. Ela vai ter um choque terrível e a criança já sabe que sou o pai verdadeiro.
– E se dissermos que você está muito ferido, no hospital?
– Ferreira tem razão – interrompeu o ministro –, ele vai sentir-se mais seguro e cometerá erros.
– Acho que isso vai fazê-la sofrer um pouco, mas não será tão ruim – disse Ricardo, aceitando a sugestão. – Jorge, a Lena vai safar-se pois é um osso duro de roer. Não se martirize.
– Obrigado, Ricardo.
– O vídeo chegou. Esperem que vou assistir – pediu o ministro.
O desembargador e o promotor, que também recebeu a cópia, assistiram. Eram quatro vídeos simultâneos de várias câmeras, pois a tela era dividida em quadrantes, um do terraço e três do pátio, de ângulos diferentes. Enquanto assistiam, Ricardo aproveitou e passou ali, para os demais verem. Santana acabou de entrar e também viu o estrago, inclusive dele e da Lena. O capitão foi ferido logo no início da refrega, apenas mudando a arma de mão e continuando o seu ataque, só parando quando Lena foi atingida para poder socorrê-la. Ela caiu para a frente e ele agarrou-a pela perna, puxando de volta. Entretanto, as cenas mais assustadoras eram em baixo. Primeiro a precisão dos tiros iniciais e, depois, o combate macabro com as espadas.
– Escute, Ricardo – disse o promotor. – Se ficar zangado comigo, avise antes, por favor.
– É só não sequestrar minha mulher nem virar bandido. – Ricardo deu um sorriso.
– Combinado, onde está Lena? – perguntou, Jorge. – Quero vê-la.
– Não sabemos. Ligue para a central e identifique-se que dirão.
– Muito bem, vamos executar a operação. Ferreira, ponha a federal toda nisso e prenda essa corja. Estamos informando agora que eles são foras da lei, cassados, e não dispõem mais de imunidade. Mande prender todos os envolvidos da lista. Os mandatos estão expedidos, naquele envelope que lhe pedi para não abrir.
– O nosso efetivo é insuficiente e ainda temos de achar a moça e a criança.
– Meu pessoal ajuda.
– Quem fala?
– Coronel Maurício Torres, chefe do BOPE, excelência.
– Boa noite, coronel, tem carta branca. Sincronize com a federal. Otávio Ferreira fica no comando da operação. Sei que estão submetidos ao governo do estado mas peço cooperação extraoficialmente. Depois poderei conseguir as devidas ordens por escrito.
– Sim, excelência, farei de bom grado.
– Mande os parabéns para o jovem que socorreu Lena. Ele é muito corajoso.
– Ele salvou a vida dela, excelência – afirmou Ricardo. – Agora, temos mais um McGiver.
– Ricardo, fique na surdina pois vamos noticiar que está ferido. Enquanto isso, tente achar a localização deles.
– Ok mas agora vou ao hospital. A Jade não corre perigo imediato e devo minha vida à Lena.
A ligação foi desfeita.
– Manterei dez homens aqui de guarda – informou o coronel. Com um sorriso continuou. – Capitão, vá para casa e tire folga.
– Senhor, vou com prazer. Há dias que não vejo minha esposa e meu filho, mas peço para voltar ao caso amanhã. Eu não gosto de deixar uma missão pela metade e ela é proteger dona Mariana.
– Concedido, mas quero que tire um dia de descanso.
– Obrigado, meu coronel.
– Ferreira – o coronel estendeu um cartão. – Vou para o quartel. Este é o meu número particular.
– Obrigado, tome o meu – disse Otávio, retribuindo o cartão.
– Delegado. – O coronel sorriu – já pensou entrar para o BOPE?
– Não posso – brincou Ricardo. – Meu amigo Santana ia ficar chateado em deixar de ser o campeão de Karatê.
– E alguns da federal iam exultar para ter a chance de serem os novos campeões. – O chefe sorriu. – Mas o senhor não me tirará o meu melhor agente, coronel.
– Não custa tentar – respondeu, rindo. – Como pode viver aqui com o salário que recebe?
– Herança, coronel, trabalho por amor à profissão. Tenho um profundo prazer no que faço, mas não gosto nada desta matança.
– Ninguém gosta, meu rapaz. Os civis muitas vezes nos interpretam mal e julgam que somos violentos, cruéis, mas a verdade é que nós fazemos o trabalho podre que ninguém quer fazer, embora todos queiram ver feito.
– Sei disso, coronel. Afinal, não somos muito diferentes, embora a minha especialidade seja outra.
– Tem razão, garoto. Talvez um dia o mundo seja tão diferente que nós não sejamos mais necessários.
– Eu luto por isso, coronel.
― ☼ ―
Mariana foi encolhida no banco, agarrada ao filho. Quando começou a ouvir os tiros, seus olhos encheram-se de água. No seu ouvido, ouviu um sussurro desesperado do filho. – Papai...
Mas, à medida que se afastavam, o tiroteio aumenta em vez de acabar. Ela, inteligente, chegou à conclusão que seu André ainda estava bem vivo e que não o pegaram.
– Viu a merda que arrumou, Mariana? – disse Marcelo. – A morte dele pesará nos seus ombros.
– Você é um monstro, Marcelo, e não me engana mais. Recuperei a memória e lembro de tudo. Não acredito que mandou matar Camila, era a sua noiva e amava você acima de tudo.
– É, mas só depois que Ricardo a descartou.
– Mentira e sei a história toda, pois foi ela que me contou. Ela e o Ricardo saíram uma semana. Então ela não quis mais e ficaram amigos, muito amigos. Tanto que ele a apresentou a você. Sabe o que ela me disse? Que você era doce, gentil, e tinha um olhar tão apaixonante que ela simplesmente gamou à primeira vista. Isso não é descarte. Você é paranoico e sociopata. Jamais a mereceu.
– Cale-se ou...
– Ou o quê, vai-me bater de novo? Não se esqueça: André sempre cumpre o que promete. Sempre.
– Se ele se safar daquilo, pode chamá-lo de McGiver.
– Você devia saber que é esse o apelido carinhoso que lhe dão na polícia federal, justamente por conseguir realizar o impossível.
– Federal? – O motorista olhou furioso para o deputado. – Você fez a gente invadir a casa de um federal? Caralho, que merda, onde tinha a cabeça?
– Cale-se que está sendo muito bem pago.
– Você devia saber que não se mexe com a federal nem com o BOPE, porra. Isso vai dar muita merda!
– Vamos, para o aeroporto de Jacarepaguá. Um helicóptero nos aguarda.
– Você deve ser doido. Tudo isto por causa de uma mulher? Com a grana que tem, pode comprar qualquer uma, até um harém.
– Mas não esta – disse, quase gritando. – Além do mais, é minha esposa.
– Não parece – contestou o PM, irritado. Ele ficou preocupadíssimo, pois sabia que haveria retaliação pesada. – "Um federal, mas que grande bosta" – pensou.
A criança nem escutava. Está apática e não acreditava que o terror ia recomeçar. O pobrezinho tinha acabado de descobrir o melhor pai do mundo para vê-lo roubado logo depois. No campo de pouso, pegam um helicóptero onde Mariana e o pequeno são jogados dentro sem grande consideração, cercados por dois dos policiais que entram entre ambos.
O terceiro policial, que dirigiu a viatura, disse:
– Você pode seguir sem mim. Eu já não tava gostando disso e agora que não quero saber. Com federal é suicídio. Você já tem gente que chega e não precisa de mim. Pode ficar com a grana.
– Covarde – disse Marcelo subindo no aparelho. Ele ainda ouviu a resposta do policial:
– Prefiro ser um covarde vivo do que ser um idiota morto.
A porta foi fechada e Marcelo orientou o piloto, cujo voo não fou muito longo, pousando no terraço de uma casa na encosta de Angra dos Reis.
– Aqui, ninguém nos encontrará, entre.
Mariana, como uma sonâmbula, penetrou na residência sem prestar atenção a nada. Foi levada para um quarto e trancada junto com o filho.
– Aproveite esta noite para dormir, pois amanhã vamos acabar o que aquele policial idiota me interrompeu.
– Não tenho roupas e preciso de absorventes.
– Foi ficar menstruada justo agora?
– Faça as contas e verá que começou hoje. – Devia ter começado, mas não ocorreu.
– No sanitário deve ter – insinuou. – Afinal, trouxe para cá muitas garotas.
– Você é um canalha – afirmou ela, que recebeu uma risada de deboche em troca –, mas é tão incompetente na cama que até dá pena.
Ele saiu, furioso, trancando a porta.
– Mataram o papai. – O pequeno começou a chorar no ombro da mãe.
– Não mataram não, filho. Se o tivessem morto, os tiros tinham acabado rápido. Acho que ele é que estava matando os policiais maus.
– Você jura, mamãe?
– Não posso jurar pois não tenho certeza, querido, mas o seu pai é o maior lutador do mundo. E a tia Lena estava escondida para pegar eles também, assim como tenente, lembra?
– Você acha que eles podem pegar todos aqueles policiais?
– Até acho, meu filhinho. Eu já vi o seu pai enfrentar vinte e cinco bandidos sozinho e matou todos eles. Deu na TV. Seu pai é o maior herói do mundo, amor. Ele virá nos salvar. Espere e verá.
A criança acalmou-se e adormeceu no colo da mãe. Esta, porém, estava morrendo de preocupação. Sabia que noventa policiais de metralhadoras e fuzis era muito mais complexo que aquele bando de bandidos desordeiros e um senador imbecil, pois ele estaria a lidar com gente muito bem treinada. Por outro lado, o fato dos tiros não terem cessado rapidamente foi para ela um bom sinal, o único.
Deitou a criança na cama e foi ao banheiro, pois precisava de manter as aparências. Encontrou uma caixa de absorventes internos e procurou um objeto cortante, encontrando um pequeno alicate de unhas. Rapidamente, fez um corte na palma do pé e, com uma careta de dor, molhou o absorvente até que o sangue estancasse, colocando-o em seguida. Se o miserável quisesse conferir, estaria garantida.
Depois, deitou-se e tentou dormir, embora fosse em vão pois não conseguia tirar seu adorado André do pensamento. Perguntava-se sem parar se ele conseguiu safar-se da confusão. Na cama, virou-se de um lado para o outro, até que, altas horas da madrugada acabou adormecendo de pura exaustão. Na manhã seguinte, Marcelo abriu a porta e chamou-os para tomarem café. A TV estava ligada no jornal da manhã, pois o seu desejo era que ela visse a notícia da morte do rival, desejando saborear a vingança, vê-la sofrer com isso. As notícias iam passando, quando começam a ouvir.
"Ontem, no final do dia, um grupo de cerca de noventa e oito policiais militares, todos corruptos, invadiu uma casa em São Conrado. Liderados pelo ex-deputado federal, Marcelo Guimarães, sequestraram uma mulher, Mariana Silva, e o filho, Ricardo. O dono da casa, Ricardo Godói, um agente especial da polícia federal e a delegada Madalena Motta, foram baleados e estão no hospital em estado muito grave, porém fora de perigo. Os policiais foram todos mortos. O capitão do BOPE, Antunes Santana, destacado para proteger Mariana Silva é o único sobrevivente ileso. A polícia federal não divulga o hospital para não haver mais atentados e o ex-deputado Guimarães é procurado pela federal e pelo BOPE, acusado de diversos crimes, entre homicídio, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, estupro e outros. Este foi cassado e perdeu a imunidade parlamentar. Qualquer informação que tiverem, liguem para..."
– Quantas vidas esse filho da puta tem?
– Ele é o McGiver – Mariana riu da cara dele. – Se deu mal.
– É, mas vai demorar a sair do hospital.
– Quando ele vier aqui, vai matar você, papai, e eu vou estar rindo da sua cara. Você não presta. Ele sim, é que é bacana comigo e com a mamãe. Você é um covarde – disse garoto não só demonstrando uma coragem incrível como provando que sabia guardar o segredo do seu pai.
– Fique calado senão dou uma surra em você.
– Agora vai bater num bebê? Não chega eu? – ripostou Mariana, furiosa.
– Vão para o quarto e não saiam de lá.
Marcelo sentia-se irritado e derrotado. Em vez de se divertir com a morte do inimigo, acabou de descobrir que perdeu a batalha. E pior, agora é procurado pela polícia.
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