Capítulo 16 (não revisado)


Quarta-feira.

As informações necessárias para entregar à mídia e ao ministério público estavam prontas graças ao fato da Lena ter investigado Marcelo, mas o Ricardo notou que faltavam dados.

– Anjo, há uma lacuna aqui – afirmou. – Falta um arquivo.

– Impossível.

– Lena, sei que falta um arquivo. – Ricardo olhou sério para a amiga. – Eu criei o programa catalogador. Onde está ele?

– Amor. Eu mostro o arquivo para você se me jurar que não vai fazer nada por agora.

– Madalena!

– Jure, Ricardo. – Seu olhar era de genuína preocupação. – Eu amo você demais e sei que vai fazer besteira se olhar esse arquivo.

André ficou olhando para a amiga e preocupou-se um pouco com o fato dele nem ter ficado zangada por ter usado seu nome completo, tentando imaginar o que seria tão grave.

– Eu prometo, Lena – disse com um suspiro. Ela moveu o arquivo de volta para o lugar e ele abriu o vídeo.

– Vá para o minuto vinte e um.

Estarrecido, ele obteve a confirmação inequívoca de quem o traiu de forma tão vil.

Furioso, levantou-se e atravessou o escritório, abrindo o armário das armas. Desesperada, Lena correu até ele e meteu-se na sua frente, mas Ricardo afastou-a para o lado. Lena pendurou-se no seu braço e ele simplesmente afastou-a, fazendo a amiga cair atordoada.

– Vai me matar também? – perguntou, aflita. – Você me prometeu...

Ricardo parou repentinamente e virou-se para ele, levantando-a com carinho.

– Me perdoa, Lena, tem razão. – Disse, finalmente. – Mas eu devia matá-lo.

– O chefe já tem esse vídeo em mãos – explicou. – Por isso ele conseguiu apoio do ministro da justiça para o ajudar neste caso, amor.

– Está, bem. Vamos descansar. Amanhã, entrarei em ação.

― ☼ ―

À noite, o tenente Santana preparava-se para mais um turno de vigília, sentado em uma cadeira ao lado da porta do Marcelo, sempre alerta. Tinha muito zelo pelo seu trabalho pois era um agente do BOPE e altamente treinado. Só não entendia o motivo do seu comando ser destacado para um serviço que era da alçada da PM comum, pois o BOPE era para combater traficantes e milícias, não para dar proteção a um político, já que era um grupo de guerrilha urbana.

– "Este sujeitinho deve ser influente" – pensou. – "E que mulher mais linda foi arrumar! Mas ainda não vou com a cara dele"

O seu ouvido sensível captou vozes exaltadas. Depois, uma voz feminina gritou: NÃO. Ela gritou várias vezes e PM ouviu choro. Sem aguentar mais, levantou-se e abriu a porta da casa, seguindo em direção ao barulho e vendo algo que o deixava furioso: o deputado, nu e com uma tremenda ereção, queria forçar a mulher a fazer sexo. Este, ao ver o policial resmungou exaltado.

– O que está fazendo aqui? Desapareça.

– Largue a sua esposa. Deputado ou não, meto-lhe um tiro neste exato momento. Isso é um estupro e eu estou aqui para a proteger. E não é só do tal Ricardo Godói, mas de qualquer ameaça.

– Salve-me – implorou Mariana, desesperada. – Ele é uma farsa. É tudo mentira. Eu estou presa aqui porque não me quer dar o divórcio.

– Solte a moça, AGORA – engatilhou a arma e apontou.

– Vai-se arrepender – vociferou Marcelo, soltando a mulher.

– Quem se vai arrepender é você. Vou levá-la agora para a delegacia e farei um relatório completo. O senhor está acabado. Ponha uma roupa, moça, que vamos sair daqui.

Marcelo abriu a gaveta da mesa de cabeceira e pegou uma arma, apontando para o policial que atirou por instinto. A bala atravessou a mão do deputado e este gritou de dor, caindo no chão. Mariana correu de volta, assustada e a tempo de ver o policial afastar uma arma com o pé. Pegou um saco plástico e pôs dentro, pegando-a pelo cano.

– Vamos moça, apresse-se. Não se preocupe que o tiro foi na mão. Eu vou pegar a criança.

O policial, que tinha um filho pequeno, sabia exatamente o tipo de coisas que precisava de pegar. Encheu uma bolsa com mudas de roupa. Por incrível que parecesse, o pequeno já não usava fraldas.

– Estou pronta – disse Mariana, aparecendo no quarto.

Desceram e foram para a garagem pegar o carro dela. A pobre moça estava muito nervosa e ainda tremia bastante.

– Acalme-se, senhora, que eu sou a sua proteção e nada vai acontecer. Sente-se aí atrás e pegue seu filho. Deixe que dirijo.

– Não quero ir para a delegacia. Preciso de ir para a casa do Ricardo Godói.

– Mas há uma restrição contra ele!

– Acredite que André jamais faria isto comigo. Eu preciso mesmo é de proteção contra meu marido, que se transformou completamente. Tornou-se um monstro e você é testemunha disso.

– Sou sim, senhora, indique o caminho.

O carro saiu da garagem, enquanto Marcelo discava, pedindo uma ambulância.

― ☼ ―

Ricardo começava a desligar os equipamentos quando a campainha tocou.

– Quem será? – perguntou Lena, curiosa. – São onze e meia!

– Não sei. – Ele ligou o monitor e viu a Mariana junto com um policial. Apertou um botão para abrir o portão e disse para o interfone. – Entrem.

Às pressas, pôs a roupa preta de ninja e o capuz. Nas costas, a espada.

– Fique aqui, Lena, e pegue uma pistola.

O policial conduzia devagar por aquela casa fantástica. Parou o carro no estacionamento de visitantes, saiu e abriu a porta de trás para pegar o bebê, quando uma espada afiadíssima encostou-se no seu pescoço.

Apavorado, deu-se conta que não ouviu absolutamente nada. Ele tinha um treinamento de elite e era um mestre em artes marciais, mas foi completamente incapaz de sentir a aproximação do sujeito.

– Endireite-se e largue o fuzil no chão, se quer continuar respirando e com a cabeça presa no seu pescoço. – O policial obedeceu sem alternativa.

– A pistola também. – Tirou a pistola e a Jade saiu do carro correndo, pois reconheceu a voz.

– André, ele me ajudou, não lhe faça mal. – Ricardo retirou a espada e pôs na bainha, às costas. – Ele me salvou do Marcelo.

O policial virou-se devagar, enquanto Ricardo tirava mascara.

– Então é o senhor! – Perguntou ele de olhos arregalados, pois era o mesmo sujeito que o parara na blitz quatro anos antes, na primeira noite com Jade. – Esta moça pediu-me que a trouxesse aqui pois o senhor tinha condições de a proteger.

Jade abraçou-se ao Ricardo.

– Ai, André, estava tão assustada, meu amor. Ele tentou me violentar. – Sem falar mais nada, desfaleceu no seu colo.

– Vamos, tenente, por aqui. Traga o bebê, por favor. – Conduziu o policial e levou Mariana para o seu quarto, deitando-a na cama, tirando os seus sapatos e cobrindo-a com um lençol. Depois foi para o quarto ao lado e pôs o pequeno em uma cama, enchendo de travesseiros a toda a volta para não cair.

– Obrigado, tenente – disse Ricardo. – Devo-lhe muito, mas temo que o senhor me tenha arrumado um tremendo problema, pois não posso ficar a menos de cinquenta metros dela.

– Sabe, delegado, ela tem mesmo é que ficar e menos de um metro do senhor, pois eu sei da ação. Estava designado para a proteger e a salvei de uma tentativa de estupro do próprio marido. Aquele canalha não vale nada. Ia levá-la para a delegacia, mas ela implorou que viesse para cá. Diz que é o único lugar seguro no mundo.

– O senhor faria um depoimento? – A voz da Lena veio de trás dele, assustando-o. – Toda a ajuda é pouca.

– Sim, senhora, eu ia fazer um relatório, mas não sairei daqui. A minha função é protegê-la.

– Tenente, Lena é delegada federal. Pode ficar tranquilo. Lena, leve-o para o escritório e pegue um depoimento completo, também em vídeo. Ligue para o chefe e veja se ele pode entrar em conferência. Precisamos de ajuda, pois Marcelo virá com tudo.

– Não sei não, senhor. Tentou atirar em mim e dei um tiro nele. Não foi grave. Acertei na mão e, mesmo assim de raspão, mas vai precisar de levar alguns pontos. A esta hora, deve estar no hospital.

– Desçam, vou ficar um pouco com a Jade e já encontro vocês.

O oficial hesitou.

– Tenente – afirmou Lena –, pode confiar no Ricardo. Para ele, a Mariana é a coisa mais sagrada deste mundo. Iam-se casar antes do desgraçado do Marcelo provocar a destruição da vida deles.

O policial desceu mais tranquilo. André deitou-se ao lado da Jade e abraçou-a com carinho. O alívio de estar ali, em segurança, deixou-a prostrada. Puxou-a para o seu ombro e chorou em silêncio, ficando ali por meia hora.

Recompôs-se, foi ver o filho e desceu para o escritório. As coisas caminhavam para um desfecho, mas ainda temia que ela viesse a sofrer com os fatos. Não fazia a menor ideia de qual será a próxima etapa e isso deixava-o muito preocupado.

― ☼ ―

O tenente, ao entrar, ficou pasmo com os equipamentos. Logo depois viu as fotos da Mariana com o verdadeiro noivo, e notou que ela era completamente diferente. Irradiava alegria e felicidade, assim como ele.

– Meu Deus, o que fizeram com este casal!

– É verdade, sente-se aqui. Vou ativar as câmeras. Pronto. Pode começar o seu relatório.

O tenente conta tudo, sucintamente. Como oficial da polícia que era, está habituado a dar os detalhes mais ínfimos da história. Quando terminou, Lena apertou uma tecla e o computador imprimiu tudo.

– Tome, quer conferir?

– Essa máquina imprimiu o que eu disse!?

– Sim. Ricardo tem softwares avançadíssimos.

– Posso ter uma cópia para mim? – perguntou enquanto assina o depoimento. – Assim, no quartel não preciso escrever tudo de novo.

Lena sorriu e imprimiu mais uma cópia.

– Agora, vamos falar com o chefe da Inteligência – ligou para Ferreira que atendeu imediatamente ao ver quem é.

– Chefe, as coisas mudaram e complicaram-se muito. Mariana está aqui, junto com o filho.

– O que foi que esse maluco fez desta vez? – perguntou Otávio, preocupado.

– Nada, chefe, ela fugiu do marido auxiliada por um...

– Espere, estou no Alto da Boa Vista com meu filho. Tínhamos ido jantar fora e chego aí em menos de quinze minutos. Prefiro ouvir isso pessoalmente.

Chegaram rápido e Lena levou-os para o escritório onde, conversavam sobre o assunto quando Ricardo apareceu. Está com um quimono branco e tinha os olhos ainda levemente marcados por ter chorado. Lena viu e imagina que tenha sido alívio. Assistiram o depoimento e, quando acabou, o chefe permaneceu calado e pensativo.

– Bem, ele está no hospital e provavelmente um tanto desorientado – disse o promotor. – Temos algum tempo.

– Eu falei com o ministro da justiça – informou o chefe. – Ele chega aqui ao Rio amanhã às dez horas. Vou pegá-lo com um helicóptero e viremos direto para cá. Vem acompanhando este caso a mando do presidente e quer falar com você, McGiver.

McGiver!? – O tenente estava admirado. – O senhor é o famoso McGiver da federal? Dizem que faz milagres para obter informações de corruptos!

– Não sabia que era conhecido fora da inteligência!

– Tá brincando? Você é o meu herói, cara. Não é conhecido pessoalmente, só pelo apelido. A maior parte dos nossos colegas acha que é apenas uma lenda.

– Fico lisonjeado. Bem, e quanto à Mariana? Ela não pode voltar para lá. Já me tiraram a minha noiva uma vez e não permitirei a segunda. Está-se lembrando, chefe, e estou disposto a matar por ela, se necessário. Cada vez mais recupera a memória e já disse que me ama, querem prova maior?

– Ele conseguiu declará-la incapaz perante a lei. Você não tem muita escolha, mas as provas que vocês reuniram mostram que ele fez isso em proveito próprio. A rede de lojas dela vem sendo usada para lavagem de dinheiro. Ricardo, ela deve ficar aqui, por hora. Vou falar com o seu coronel, tenente, e peço-lhe fique junto deles. Vocês estão autorizados a usar força letal, se necessário, e não importa a restrição. Temos as provas necessárias e o ministério público está ao nosso lado, sem falar no ministro da justiça.

– Tome, chefe, cópias de tudo.

– Obrigado, Lena, bom trabalho. Vocês são mesmo a minha melhor equipe. Parabéns.

– Obrigado, chefe. Obrigado por confiar e acreditar em mim.

– Jamais deixei de acreditar em você, filho. Por que acha que você e Lena são os únicos com acesso aos maiores segredos da inteligência? Só mais uma coisa: não se esqueça que o necrotério continua cheio, então não mate mais gente.

– Foi tudo legitima defesa, chefe. O senhor sabe disso, o Brasil todo sabe. Deu na TV!

– Era você de novo!? – O tenente estava de queixo caído. – O seu rosto não aparecia direito, mas agora noto que era mesmo você! Você desvia de balas?

– Questão de treino. No nosso primeiro encontro, eu avisei você que se fosse um bandido não estaria vivo, lembra-se? – O tenente engoliu em seco. – Mas você deve ser muito bom, pois foi para o BOPE e agora é tenente.

Despediram-se e o chefe aproveitou para ligar para o coronel do BOPE, contando o ocorrido e afirmando que tem os depoimentos. Também conta que o ministro da justiça vem, em pessoa, ver este caso. Pediu que o BOPE ficasse de fora. O coronel agradeceu pelo contato e não só disse que não iria interferir, como ajudaria, se necessário.

– Infelizmente, coronel, há infiltração nos nossos setores. Deixe-o que ele sabe proteger-se muito bem. Pedi para o seu tenente ficar com eles... Obrigado... Se precisar, ligarei.

O coronel desligou, pega no celular e ligou para o tenente. Ele gostava daquele oficial que era novo no BOPE, mas já se destacou e muito. Era zeloso e honesto ao extremo.

– Tenente, falei agora com o chefe da inteligência federal. Bom trabalho. As suas ordens são proteger esse pessoal a qualquer custo, especialmente a mulher. Faça isso e não se arrependerá. Poderemos pensar em uma promoção.

– "Senhor, fico muito feliz se quiser me promover, mas vou fazer isto de qualquer forma. O senhor não imagina a crueldade que fizeram com eles."

– Bom trabalho, tenente.

– "Obrigado senhor."

– Precisa de armas ou roupas?

– "Não preciso, meu coronel. Há um arsenal nesta casa. Não tenho roupas, mas poderei sair para comprar algumas. Melhor não comprometer o local."

― ☼ ―

Após a saída dos Ferreira, os três ficaram um pouco no escritório, sentados, calados e os olhos do Ricardo eram outros. Lena levantou-se e disse:

– Ricardo, vá para a sua Jade. Você esperou tanto para recuperá-la e agora ela está aí. Já está tarde e devemos dormir. A casa é inexpugnável mesmo! Eu fico com seu filho.

– Ok, mas durma com alguma roupa, senão ele agarra os seus seios. – Levantou-se e deu uma risada alegre. A primeira em quatro anos. Ela sorriu e beijou-o nos lábios.

– Vá, eu arrumo um quarto para o tenente. – Ricardo saiu e o oficial perguntou:

– Filho dele?

– Sim, o pequeno é filho dele. Temos o exame de DNA para provar e até isso o deputado roubou dele. Olhe, vou-lhe mostrar uma coisa, mas ainda é segredo. – Exibiu o vídeo que provava a armação.

– Eu devia tê-lo morto!

– Deixe esse prazer para o McGiver. Ele não o vai matar mas fazer algo muito pior.

Ricardo deitou-se ao lado da sua Jade. Beijou-a docemente nos lábios e adormeceu feliz pela primeira vez em muito tempo. Acordo bem cedo, mal havia raiado o dia. Ao vê-la, ficou muito alegre, pois temia que fosse um sonho cruel como tantos que teve nesse tempo. Ficou deitado por uns quinze minutos, olhando para ela, saboreando o seu cheiro e ouvindo o coração bater devagar. No sonho ela sorria e Ricardo olhava derretido para o seu rosto, radiante. Deixou-a dormir, pois ela devia estar em exaustão total. Pôs um quimono branco, pegou a espada e foi para a piscina meditar e treinar, pois desejava manter-se em plena forma para poder proteger a mulher e o filho.

― ☼ ―

O tenente dormiu bem, embora ficasse sempre alerta. Acordou muito cedo, como era seu hábito, e abriu a porta da varanda para apreciar a vista deslumbrante que tinha do seu quarto. Olhando para baixo, viu o delegado sentado, meditando e os seus ouvidos treinados escutaram uma música oriental.

Menos de trinta segundos depois, ele levantou-se e tirou o casaco de seda do quimono. Posicionou-se e começou a treinar. Maravilhado, o policial olhava a velocidade estonteante e a precisão dos movimentos. Quando André pegou a espada e começou a treinar com ela, descobriu como esteve perto da morte na noite anterior.

Aquele homem era um exército só, mas o que mais o impressionava era a beleza dos movimentos daquilo. Ele lutava Karatê e era muito bom, o campeão do BOPE, mas achava que jamais seria como aquele delegado. Desceu para o pátio e continuou observando o treino, enquanto Ricardo lutava exaustivamente por uma hora. Nesse momento, o tenente descobriu que ele fazia tudo isso de olhos fechados. Pouco antes de parar, Ricardo disse:

– Bom dia, tenente, espero que tenha descansado.

– Como sabe que estou aqui?

– Escuto seu coração, sinto o seu cheiro e ouço os seus passos.

– Impossível – disse o tenente, contrariado. – Eu caminho em silêncio absoluto.

Ricardo pôs a espada na bainha, ainda de costas para ele.

– Você luta alguma coisa?

– Pensei que lutava Karatê até ver o senhor, delegado – respondeu e Ricardo sorriu.

– Ataque-me – amarrou um lenço nos olhos. – Não se preocupe que não lhe farei mal.

Não resistiu e moveu-se silenciosamente, com os passos de um soldado treinado para surpreender o inimigo. Quando desferiu o ataque, Ricardo desviou e moveu a espada com uma velocidade impressionante. A bainha tocou o pescoço do tenente.

– Incrível, senhor. – Ricardo tirou a venda e sorriu para o homem. Avaliou o porte físico dele e disse:

– Você tem o tamanho do meu pai. Venha. Tenho roupas mais adequadas. Melhor ficar à paisana.

Levou o tenente a um quarto de arrumações, o mesmo de onde tirou o brinquedo do filho, abriu um armário e escolheu. Em sacos plásticos, muito bem acomodadas, estavam as roupas dos seus pais. Selecionou umas bermudas, calças e camisetas.

– Fique à vontade e escolha o que quiser. Vou ver a minha Jade.

– Você devia matá-lo, McGiver.

– Vou fazer muito pior. E pensar que ele era o meu melhor amigo. Assassinou a noiva e a gerente da loja dela só para que não contassem a verdade. E matou o porteiro do edifício assim como o dono do quiosque onde eu e ela íamos curtir o fim do dia. Não. A morte é boa demais para ele. Como você está de munição?

– Estou bem e vi as armas no seu escritório. Se precisar sei onde pegar.

– A senha da porta é cinco, dois, três, três, mas tome cuidado pois não quero que a Jade entre até recuperar a memória. Mantenha a porta sempre fechada.

– Porque chama a dona Mariana de Jade?

– Quando a conheci, naquele dia em que você me parou na blitz, de cara fiquei apaixonado por ela. Ao falarmos, eu disse que o nome dela devia ser Jade, por causa dos olhos verdes. Ela gostou muito pois era assim que a falecida mãe a chamava. Ela chama-me de André porque esse é o meu segundo nome e achava que combinava mais. Sirva-se do que precisar. Eu vou vê-la.

Subiu para o quarto e Mariana ainda estava profundamente adormecida. Ficou quase meia hora sentado, olhando para ela, que tinha o semblante tranquilo, até alegre e, por um momento, viu a noiva sorrir e virar-se de lado. Beijou-a e saiu. Ouviu vozes no quarto ao lado e foi até lá, encontrando o pequeno Ricardo a brincar com a parceira.

– Tio Ric. – O menino correu até aos braços do pai, beijou-o e abraçou-o com força. – Que bom que estamos aqui. Não quero mais voltar para a casa do papai. Ele bateu na mamãe! Você é bacana, tio, não ia bater nela, né?

Os olhos do Ricardo ficaram duros como uma pedra e Lena até tem medo ao ver, mas logo amoleceram, quando olhou para o filho.

– Você não vai mais precisar de ir para lá, meu amor. E claro que eu jamais bateria na sua mãe, pois ela é uma pessoa muito especial para mim.

– Eu não gosto dele, nunca gostei – afirmou o pequeno, decidido. – Ele não devia ser meu pai.

– Pronto, Ricardinho, já passou. Que tal um café da manhã?

– Onde está a minha mãe?

– Está dormindo, amor, está um pouco doente e precisa de dormir. Quando acordar, você vai poder falar com ela. Venha.

Levou o pequeno para o quarto dele e pediu que não falasse nada, entrando. O filho viu a mãe dormindo e ficou feliz.

– Agora ela não está mais chorando, tio Ric – disse, quando saíram do quarto – eu escutava ela chorar todos os dias, quando dormia.

– Vamos, vamos tomar café – disse o pai. – Aqui, sua mãe nunca mais vai chorar.

Na cozinha, o policial e a Lena já estavam se mexendo para fazer o desjejum. Ricardo sentou o pequeno numa cadeira e foi ajudar.

– Desculpe, tenente, dei férias para todos os empregados até resolver isto pois não queria nenhum inocente ferido. Afinal, já houve um atentado aqui.

– Eu entendo, delegado, e estou acostumado a me virar, não se preocupe.

Tomaram café tranquilos. Ricardo não saía de perto do filho, que o adorava. Ele mudou da água para o vinho e só tinha sorrisos no rosto. Lena sentiu que o seu tempo acabou e um lado dela morreu, mas o outro sentia-se feliz porque o pesadelo estava prestes a acabar.

O tenente era um homem jovial e alegre que também gostava de crianças, conquistando logo a simpatia do bebê. Mal terminaram o café, um helicóptero desceu no terraço.

– Lena. Cuidas da criança?

– Claro, amor.

– Você chamou tio Ric de amor, mas disse que ele não é seu namorado!

– Eu gosto muito dele, Ricardinho, mas não somos namorados. Somos muito, muito, muito amigos. É um jeito carinhoso de falar.

– Ele gosta da mamãe, eu sei.

– E como você sabe? – perguntou Lena, espantada.

– Isso é segredo meu e jamais direi. Prometi não contar. Vamos brincar um pouco, tia Lena?

– Venha comigo, tenente. – Ricardo sorriu, pois a criança era fenomenal. O chefe, o filho e o ministro da justiça saíram do helicóptero e o piloto ficou no aparelho, aguardando. Cumprimentaram-se e Ricardo indicou o caminho para o escritório.

– Sentem-se. – O anfitrião apontou cadeiras, mas o tenente do BOPE fica de pé. – O senhor também, tenente.

– Não posso ficar sentado em frente ao ministro Gutierrez.

– Tenho a certeza que sua excelência não se importará. Sente-se, por favor.

– Sente-se, tenente – pediu o ministro. Relutante, o policial sentou-se.

– Já nos conhecemos há alguns anos, excelência – disse Ricardo.

– Eu sei, meu filho. Este era o teu quarto de brinquedos. – Ele sorriu e olhou em volta para todo aquele maquinário. – E continua sendo, mas os brinquedos mudaram um pouco. Fiquei muito triste com a morte dos teus pais, que eram grandes amigos meus. Bem, tchê, vamos direto ao assunto.

– Espere, excelência, há um agravante que ainda não lhe contamos. O tenente tem uma história a reportar – disse Otávio. – Fale, tenente, por favor.

O policial contou novamente a história toda e o ministro ouviu em silêncio até ao final.

– O senhor agiu certo, tenente, e não se preocupe com represálias – disse, por fim. – Nem mesmo um deputado com foro privilegiado pode cometer um crime na frente de um oficial da lei, e este cometeu muitos. Mas isto não muda nada. Eu recebi a lista de corruptos e todas as provas. O presidente está furioso, pois até um dos seus assessores está envolvido. Concordou em esperar darmos o bote e já coloquei todos os juízes e promotores daquela lista sob observação da polícia federal. Também preparei todos os papéis de captura e expulsão. Alguns até já estão presos, mas vamos esperar cometerem o próximo erro, que será vir aqui. Os deputados envolvidos, os poucos que sobraram – sorriu para Ricardo –, também estão prestes a serem presos. Uma sessão secreta já os cassou, mas não vai ser tornado público por agora. Pela primeira vez na história, a nossa máquina legal funcionou a jato e acho que devemos isso a vocês.

– Obrigado, excelência – disse Ricardo –, mas ainda temos o problema da minha noiva.

O Ministro levantou-se e andou até às fotografias, olhando para elas.

– Isso não é mais problema. O juiz que fez isso é da quadrilha dos corruptos. – Virou-se, pegou um envelope, abriu-o e um maço de folhas veio parar à sua mão. – Este despacho anula a declaração de curatela. Não é uma amnésia ou depressão que deixa uma pessoa incapaz; este anula o casamento dela, feito sob mentiras. Isso foi praticamente uma coação; este determina que a ação de restrição é inválida e de fundamentos completamente mentirosos; este determina que Marcelo Guimarães não chegue perto dela a menos de cem metros; este congela todos os bens dele, determinando também, que ela tenha os seus devolvidos. O gerente da loja já está preso. Finalmente, este aqui anula a paternidade em favor do teu exame de DNA. A criança não se chama mais Ricardo André Guimarães e agora, tu só precisas de ir a um cartório e registrar o teu filho.

Ricardo recebeu as cópias com as mãos tremendo. Foram quase quatro anos de sofrimento, mas agora tinha a sua vida de volta.

– Este último, filho, é uma ordem minha e retroativa que te faculta alguns dos teus atos de vigilância e também que tu agiste no cumprimento do dever ao matar os criminosos. As provas mostraram legítima defesa mas é melhor jogar pelo seguro. Ninguém te poderá processar.

– Não tenho palavras para agradecer, excelência.

– Convida-me para o teu casamento. Isso será um ótimo agradecimento.

– Com certeza, excelência. – Ricardo sorriu. – Como desembargador, o senhor poderia nos casar e seria uma honra para mim. Mas antes ela precisa de recuperar a memória. Por mais que eu queira, o certo é aguardar.

– Farei isso com prazer. Onde ela está?

– Dorme. Estava exausta e só Deus sabe o que passou.

– Eu imagino. Infelizmente as coisas ainda não terminaram. Como vai o Ishiro?

– O senhor sabe dele?

– Sim. Ele trabalhou para mim quando eu era chefe da inteligência. Na época designei-o para proteger a tua família, pois o teu pai era muito ameaçado. Quando pensou que fracassou, ficou muito magoado e afastou-se, mas sei que só ele poderia ter ensinado aquilo que fizeste, filho. Dá-lhe um grande abraço e diz que não falhou. Tu és a prova disso.

– Foi ele que me salvou dos assassinos naquela noite do atentado. Cuidou de mim enquanto me escondia em um hospital particular durante os três meses que fiquei em coma e me deu a força necessária para lutar quando o meu mundo desmoronou. Acho que ele sabe que não falhou, mas darei o recado.

– Informe-o, filho – pediu Otávio – que a vaga dele ainda está disponível.

– O que ele fazia?

– Resolvia certos casos insolúveis, a última instância. Mais ou menos o que você fez nestes últimos dias, só que sem chamar a atenção – respondeu o chefe.

– E, pelo menos, ele não enchia o necrotério. – O ministro sorriu. Levantou-se e deu-lhe um cartão. – Bem, tchê, agora vou-me que tenho uma série de compromissos. Quando estiveres pronto, liga-me que farei o casamento com todo o prazer. Sabes, filho, só não entendo uma coisa. Como um rapaz com um patrimônio de bilhões de Reais, foi escolher ser policial. – O tenente engoliu em seco ao ouvir isso.

– Eu queria fazer a diferença, excelência, queria ajudar o meu país, sem falar que tenho o dom necessário para isso. Sei que não mudarei o Brasil sozinho, mas faço a minha parte. E não sou o único, pois vejo que o tenente Santana pensa como eu. Quando os políticos entenderem que são nossos empregados e não mandantes inescrupulosos, o mundo será bem melhor.

– Temo que sejas muito utópico, filho.

– Então continuarei a fazer meu trabalho e a prender corruptos.

– Marcelo combatia a corrupção, mas foi envenenado por ela.

– Nem todos são assim, não podem ser. As coisas vão mudar. Eu acredito nisso, acredito na humanidade. Será devagar, mas... será. Afinal, eu não sou assim.

Quando subiram, viram Lena com a criança que correu para o pai.

– Tio Ric, você demorou muito! Quem são esses homens?

– Eu trabalho para eles, pequeno.

– Já vi o senhor na TV com o meu pai. Ele chama o senhor de min... min... esqueci!

– Eu sou o ministro da justiça, querido, e cuido para que as pessoas más fiquem presas.

– Então o senhor tem que prender meu pai. Ele é muito mau e bateu na mamãe. Mas agora estamos na casa do tio Ric e ele vai proteger a gente.

– Vai sim, meu amor.

– Quando eu crescer, também vou pegar gente má.

– Tal pai, tal filho – complementou o ministro, rindo. Subiram para o terraço e Lena puxou Jorge de lado.

– Quando tudo acabar, quero saber se realmente o que disse é verdade.

– Não sou prêmio de consolação, Lena – sorriu com autoconfiança.

– E quem lhe disse que era? Eu gostei realmente de você. Apenas... amo ele. Só que fico feliz de o ver bem. Agora, também quero minha felicidade e só vou descobri-la se procurar. Combinado?

– Combinado, Lena – sentiu o coração bater mais forte, pensando. – "Que gata." – Tome o meu número.

Quando o aparelho desapareceu no céu, voltaram para o pátio e o Ricardo foi preparar almoço para todos, que comeram relaxados como se estivessem de férias. Ele brincava e ria com vontade. O garoto, que já gostava dele, gostou mais ainda.

– Tio Ric, você é muito mais bacana quando está rindo.

Lena não aguentou e deu uma gargalhada. Ricardo pegou o garoto ao colo, sorrindo.

– Ricardinho, agora você vai dormir um pouco. É bom para a saúde.

– Preciso mesmo?

– Sim.

– Tá bom, mas só porque você disse.

Ele levou o pequeno para o quarto e acomodou-o na cama.

– Não precisa me proteger com essas almofadas. Eu não vou cair. Durmo na minha cama desde que tinha um ano e nunca caí.

– Você é mesmo muito especial.

– Obrigado, tchê.

Beijou o filho, que adormeceu rapidamente. Saiu do quarto e foi ver a sua amada, que ainda dormia. Olhou para o relógio e viu que ela dormia há quatorze horas. Nesse momento, Mariana acordou e a primeira coisa que viu, foram os olhos cinzentos do Ricardo, que sorriu. Ele levantou-se e deitou-se ao seu lado, beijando-a ternamente.

– Oi, Jade, passou tudo. Aqui, está a salvo.

– André... – apertou-o com força. – Como eu amo você.

Beijaram-se a abraçaram-se por muito tempo.

– Preciso de ir ao sanitário – antes que Ricardo dissesse alguma coisa, ela levantou-se, abriu a porta do closet, atravessou-o e entrou no banheiro, fazendo a sua higiene pessoal. Quando saiu, viu Ricardo esperando com um sorriso muito alegre e os olhos brilhando com intensidade. Ela acha-o irresistível e sentiu uma vontade louca de se atirar aos seus braços.

– Acho que dormi demais, não é?

– Bastante. O suficiente para tirar todo esse cansaço e sofrimento.

– Sinto-me bem pela primeira vez em muito tempo, André, mas estou morrendo de fome.

– Venha, vou fazer algo para você comer, minha princesa.

Abraçou-se a ele e desceu as escadas, muito feliz. Na cozinha, ainda estavam o tenente e Lena.

– Oi – cumprimentou – acho que perdi a hora.

– Depois do que você passou, minha querida, devia ter dormido mais. – Lena levantou-se e abraçou Jade. – Bem-vinda de volta.

O tenente, que ficou de pé ao vê-la, notou a diferença no seu semblante.

– Tenente, muito obrigada por me salvar daquele monstro. Jamais me esquecerei do senhor. – Deu-lhe um abraço e um beijo no rosto.

– Era minha obrigação salvar a senhora. Tenho a certeza que qualquer um teria feito isso.

– Mesmo assim, obrigada. – André sentou-a na cadeira e foi ao congelador.

– Lasanha?

– Eu gosto de lasanha. Foi a primeira coisa que você me serviu, não foi? E foi neste mesmo lugar.

– Está recuperando a memória, Jade.

– Ainda tenho muitas lacunas. Só que sei de uma coisa: amo você desde a primeira vez que o vi e isso não foi semana passada.

– Não, não foi, Jade. – Lena fez sinal para o tenente sair.

McGiver, tá na hora e ela precisa de saber tudo. Ou você conta, ou eu conto. O que escolhe?

– Madalena!

– Parece que você quer que ela fique viúva antes da hora, né?

– Tá bom, Lena, me dê o tempo certo. – Eles saíram.

– O que eu preciso de saber, André?

– Do seu passado, meu amor, mas antes vai-se alimentar. Então vamos para o quarto e conto tudo.

– Onde está Ricardinho?

– Dormindo.

Mariana comeu a lasanha quase toda, com olhar belo e alegre, virada em sorrisos. Depois, ele tomou-lhe a mão e subiram para o quarto. Ricardo trancou a porta e levou-a para a varanda. Mariana estava com um vestido delicado e curto, que lhe realça a cintura fina. Sentiu-se desejando-a, mas primeiro tinha de contar tudo. Sentou-se em um banco e ela nem pensou duas vezes. Sentou-se no seu colo, enlaçando-lhe o pescoço e beijando-o. O seu toque fez com que se esquecesse de tudo por alguns minutos e ficaram aos beijos e carícias. Ele, por si, ficaria desse jeito pelo resto do dia, mas Mariana precisa de saber a verdade e, ao final de um tempo, afastou-a.

Após ter ensaiado tantas vezes como contaria tudo, descobriu que não se lembrava de nenhuma das formas que escolheu para a esclarecer e decidiu apelar para o improviso. Após um minuto de silêncio olhando para ela, beijou-a e perguntou suavemente:

– Do que você se lembra, Jade?

– Pouca coisa, tenho flashes. Camila, por exemplo, quem é ela, a sua noiva?

– Não. Era uma grande amiga, mas era noiva de outra pessoa.

– Eu sabia que ele me mentiu – disse, triunfante. – Como assim, era?

– Foi assassinada.

– Meu Deus, mas por quem?

– Marcelo é o mandante e ela era noiva dele.

– Estou confusa, André. Marcelo é assustador. Eu me sinto enganada e só tenho duas lembranças boas dele: o meu filho e o anel de noivado que me deu. Eu, sempre que olhava para o anel, sentia um amor muito profundo. Sinto até hoje, tanto que jamais me separo dele e foi por isso que aceitei casar com ele. O anel me dizia que meu noivo era o amor da minha vida. Mas ele se transformou!

– Nenhumas desses lembranças provém dele, meu amor. É um anel de ouro branco, diamantes e com uma pedra de jade no centro, não é?

– Como você sabe? – estava surpresa. – À, claro, já nos conhecíamos!

– Pense bem, meu amor, pense metaforicamente sobre a minha noiva que morreu. Será que ela morreu realmente ou foi simplesmente roubada de mim?

– Você está me confundindo!

– Amor, o anel tem uma pedra de jade – afirmou, olhando sério para a garota. – Quem é a única pessoa viva que a chama assim?

Ela começou a tremer.

– Ele nunca foi meu noivo, não é? Fui enganada, pois se a Camila era noiva dele, eu jamais poderia ter sido.

– Jade, ele mandou matar todos os que sabiam do seu passado para que não pudessem falar. Você, amor, era a minha noiva, a mulher da minha vida, arrancada de mim às custas do meu sangue. Eu fui baleado e fiquei entre a vida e a morte por três meses. Seu anel de noivado é de ouro branco e com uma enorme pedra de jade, cercada de diamantes. Mandei fazer esse anel e dei para você durante um jantar. Só duas pessoas no mundo chamam você assim, eu e a sua falecida mãe. Por isso o anel. Eu conheci você naquele quiosque... – foi contando tudo, vendo a garota de olhos arregalados. Depois, à medida que ouvia, seus olhos ficavam úmidos.

– Eu...

– Shhh... Desde esse dia, nunca mais nos separamos... – continuou a história, falando da Camila e do noivo, sobre o segundo encontro e o resto, a vida que levaram, o atentado e o coma. – Marcelo pensava que eu estava morto e aproveitou-se da situação.

– Eu sabia. – Ela chorava, magoada. – Eu sabia que não poderia tê-lo amado. Como fui burra! Mas ele falou do Ricardinho e mostrou um exame de DNA. Eu não acredito que seja filho dele!

– Olhe para a cara do nosso filho, Jade...

– Nosso!?

– Sim, nosso. Ele é a minha cara e não entendo como ainda não notou! Sabe o que a Lena disse no meu ouvido, no sábado, quando me abraçou e beijou? Você ficou brava e soltava faíscas pelos olhos. Ela disse: "Seu filho é a coisa mais linda deste mundo, Ricardo, e o beijo foi só para provocar".

– Mas e o DNA?

– Falso. Eu tenho um feito pela polícia federal e garanto que é nosso filho, Jade. Amor, ver você viva e casada com ele acabou comigo de tal forma que foi a presença do meu filho que me deu força para continuar lutando por você.

– André, é verdade mesmo? Eu tenho tanto medo e amo tanto você. Estou cansada de ser um joguete dos outros e não tenho vocação para ser bolinha de pingue-pongue.

– Eu jamais mentiria para você, meu amor, venha – levou-a para o closet e mostrou o lado esquerdo. – Abra, veja suas coisas.

Ela abriu e só encontrou roupas de mulher.

– As suas roupas, amor. Olhe o vestido que lhe dei. – Ela viu tudo, com lágrimas nos olhos.

– Lembro dele. Você apareceu na minha loja e comprou. Pensei que era para dar a outra mulher e o meu coração quase parou de tristeza. Então você disse que queria dar para alguém especial, cujo vestido combinava com os olhos.

– Isso mesmo, Jade, foi a nossa segunda noite.

– No dia seguinte você encheu a minha sala de flores que não dava nem para andar lá dentro. Oh, André, meu amor.

Atirou-se aos seus braços, chorando muito. Ele tirou-a dali e levou-a para o quarto. Bem mais tarde, Ricardo disse:

– Eu te amo, Mariana, onde está aquele anel?

– Na minha bolsa.

Pegou a bolsa dela e tirou o anel, pondo no seu dedo e dizendo:

– Case comigo, Jade. Quero reafirmar o meu amor por você.

– Eu caso, mas antes preciso do divórcio. – Ela sorriu.

– Não se preocupe. – Ricardo riu. – O seu casamento foi anulado, mas ainda não é oficial. E o nosso filho poderá ser registrado no nosso nome também. Eu tenho pessoas muito mais influentes que o Marcelo, Jade.

Ela sorriu, olhando o anel, e disse novamente:

– Eu amo você, Ricardo André.

– Eu também, minha Jade, eu também. Acho melhor levantarmos. O pequenino deve acordar em breve e quererá ver você.

– Como vamos contar tudo para ele?

– Espere. Não conte nada agora. É melhor dar tempo para ele se habituar à nova situação. Apesar de ser excepcionalmente precoce e inteligente, é um bebê.

Tomaram banho juntos, sempre felizes. Ela aproveitou que tinha as suas roupas ali e trocou-se, escolhendo uma camiseta de algodão e uma bermuda. De mãos dadas, sairam do quarto, ouvindo vozes alegres no andar de baixo. Quando o pequeno viu a mãe, correu para ela e perguntou:

– Mamãe, já está curada?

– Quase, meu amor.

– Tio Ric, você e a mamãe voltaram a namorar? Eu vi vocês de mãos dadas!

– Como voltamos? – perguntou Mariana, sem entender nada.

– No sábado, ele entrou no meu escritório e viu fotografias nossas, Jade. Eu disse que antigamente eramos namorados e pedi para guardar segredo. E ele sabe guardar segredos!

– Quero ver essas fotografias, André.

– Ok, agora que você já sabe a verdade, não mais preciso de as esconder. – Desceram para o escritório e, quando Ricardo abriu a porta, ela viu os equipamentos. O pequeno desceu do colo da mãe e puxou-a pela mão. Virou-se para o outro lado, onde uma parede inteira estava repleta de fotografias dela e do Ricardo. Mariana aproximou-se e foi olhando, vendo a fotografia dele pondo o anel no seu dedo.

– Oh, André... por que fizeram isso comigo? – continuou vendo as fotos, tentando tirar uma lembrança dos dias que passavam juntos. Em algumas, reconheceu lugares e pessoas. No canto mais afastado da parede, viu o recorte do jornal e algo assustador aconteceu.

Uma onda de pavor enorme, que a ameaçava tragar, atirou-se a ela, dentro da sua cabeça. Ecos de lembranças do que aconteceu começam a aparecer na sua mente, o barulho dos disparos pareciam acontecer naquele momento, a dor aguda na cabeça e a escuridão completa. Ficou ofegante e de olhos arregalados, tremendo e com o coração disparado,

– Não, não... – Recuou dois passos enquanto sussurra, apavorada. Ergueu as mãos à cabeça e gritou em seguida. – ANDRÉ...

Caiu desmaiada. Ricardo pega-a ao colo e levou-a para cima.

– Mamãe...

– Venha, filho, ela passou mal – disse, desesperado.

– Foi minha culpa – choramingou o bebê.

– Claro que não foi, meu amor, venha.

Subiram as escadas correndo. Ao passar pela Lena, que veio ver o que houve, ele pediu-lhe.

– Cuide do pequeno que ela teve um choque ao ver o recorte do atentado. – Correu para o quarto e deitou-a na cama. Molha uma toalha, passando no seu rosto. O coração já estava normal e ela começou a voltar a si.

– André, meu amor, tive um pesadelo horrível – disse, com os olhos fechados. – Sonhava que nos mataram, que batiam no nosso carro e depois atiravam na gente...

– Amor, acorde...

– Mas a gente tinha um acidente e uns caras matavam-nos. Você era baleado e caía.

– Eu estou vivo, Jade, e você também. – Ela abriu os olhos. Ficou calada por algum tempo. Virou-se para ele e viu que estava aflitíssimo. Depois, sorriu.

– Lembro tudo, amor, lembro de tudo. Recuperei a minha memória. Eu amo você.

Beijaram-se e ele disse:

– Vamos. O pequeno está com Lena, apavorado achando que foi culpa dele. – Desceram as escadas e Mariana sorria abertamente. O filho correu para ela, aliviado.

– Mamãe. Está curada agora?

– Sim meu amor, agora estou totalmente curada. Voltei a lembrar de tudo. – Olhou para a Lena. – Oi, minha amiga inimiga, obrigada por ter ajudado André. Você é realmente muito especial.

– Como conseguiu recuperar a memória?

– O recorte do jornal, eu revivi tudo.

– Mamãe, então você vai casar com tio Ric? Assim eu posso ganhar uma irmãzinha.

– Oh meu Deus! – comentou Mariana.

– Que foi, amor?

– Acabei de lembrar que não estava me cuidando – disse baixinho no ouvido do Ricardo, levemente preocupada – e estou exatamente no período fértil.

– Quer que eu vá comprar uma pilula do dia seguinte?

– Não funcionou da última vez!

– É porque fomos baleados antes de você tomar, meu amor.

– Vamos deixar à vontade Superior – disse ela. – A menos que você não queira.

– Tudo o que você quiser, Jade. Só quero ficar perto de você... o resto da minha vida.

– Então vão casar?

– Sim, filho, vamos. Nós sempre fomos namorados e só um acidente é que separou a gente.

– Então o senhor vai ser o meu novo pai, tio Ric?

– Se você quiser, filho.

– Claro que quero. Eu sei que você vai ser o melhor pai do mundo. – Atirou-se ao colo do Ricardo. – Eu amo você desde que vi você no shopping e fomos tomar sorvete.

Ricardo apertou a criança contra si, sentindo lágrimas nos olhos.

– Ei vocês querem café? – perguntou Lena. – Acabei de fazer.

O casal sentou-se a tomar café e Lena chamou o pequeno para brincar, de modo a dar privacidade aos dois.

– Tia Lena, você também podia casar e ter uma filha. Sabe, você é muito, muito bonita. Sei que a minha mãe é muito mais, mas se você tivesse uma filha, quando eu crescesse ia namorar com ela – olhou para os seios da Lena. – É que esses peitões fazem mais o meu tipo. A sua filha seria assim?

Ricardo e Mariana engasgaram-se, derramando o café.

– Xiiiii, foi mal – disse o pequeno. Os pais não aguentaram e começaram a rir.

– Com essa idade!? – comentou Ricardo.

– Se puxou ao pai, você escolheu a mulher errada. Os meus não são pequenos, mas não são páreo para ela.

– Você é o suprassumo da perfeição, meu amor. Não nego que ele puxou a mim, mas eu amo você, Jade. Ou acha que eu ia aguentar tudo o que passei se não amasse?

– Isso, meu querido, é a maior prova do seu amor. Sabe, André, eu passei uma época demasiado ruim.

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