Capítulo 15 (não revisado)


Domingo.

Ricardo acordou tarde e permaneceu passivo para não fazer barulho. Por sorte, não ficou de ressaca pois não tinha o hábito de beber muito. Ficou deitado e quieto, ouvindo a Lena dormir ao seu lado com o coração batendo lentamente. Lembrou-se do que aconteceu teve um sentimento de culpa, não por ela, mas pela Mariana. Apesar de não ter sido muito delicado com a amiga, sabia que era o que ela mais queria. Apesar de dormirem sempre juntos, foram muito poucas as vezes em que fizeram amor. Pouco tempo depois ela abriu os olhos e viu seu rosto. Sorriu e beijou-o.

– Sente-se melhor, amor? – perguntou, puxando-o para si e aproveitando-se dele.

Tomaram café em silêncio até que ele disse:

– Lena, me desculpe ter sido tão brusco ontem. Você tinha razão e eu não devia ter bebido tanto.

– Deixe pra lá, amor. – Ela riu. – Você sabe que eu tava louca por aquilo.

Depois do café da manhã, ambos foram para a piscina descansar e ela voltou a tomar o seu banho de sol nua. Ricardo limpou tudo e, depois, tirou as roupas e mergulhou na piscina, começando a nadar vigorosamente durante mais de uma hora. Apaixonada, observa como ele era, aparentemente, incansável.

Terminou, tomou um duche de água fria e deixou-se secar ao lado da Lena, relaxando um pouco. Quando a fome bateu, chamou a amiga para almoçarem e tudo indicava que seriu um domingo tranquilo, no meio de tanta tormenta.

Pela uma hora da tarde, o telefone tocou.

– "Ricardo, é o Marcelo." – A voz dele estva seca. – "Pode encontrar-me ainda hoje?"

– Claro, Marcelo. Está tudo bem?

– "Sim. Venha àquele quiosque que você gosta, perto da minha casa."

– Ok. A que horas?

– "Em uma hora, pode ser?"

– Estarei lá, até mais.

– O que foi? – Lena olhou para Ricardo e viu a preocupação estampada no rosto. – Pela sua cara, não é boa coisa.

– Algo na voz dele me deixou empertigado, Lena, e ela disse que ia pedir o divórcio. Quer vir comigo?

– Agora que você me diz isso, McGiver? – Lena ficou meio irritada. – O que tem acontecido nos vossos encontros?

Ricardo contou tudo, sem omitir nada. Lena fechou os olhos, suspirou e abanou a cabeça.

– Só espero que você não tenha provocado um desastre, Ricardo.

Ambos entraram no Mustang e dirigiram-se para a Barra, sem pressa. Ele vestia uma roupa folgada, camiseta de algodão, bermuda e sandálias. Lena estava de forma similar. Na dúvida, colocou uma pistola presa pelo cinto às costas e, malicioso, Ricardo perguntou-lhe:

– Tudo isso é vontade de sentir o cano na bunda?

– Engraçadinho – respondeu, fazendo cara de desdém. – Acho que você também devia usar uma arma.

– Tava brincando e não preciso de armas. O lugar é público, quase na frente da casa dele. Além disso, há quatro armas dentro do carro e uma delas é uma escopeta, lembra?

– Quais são a terceira e quarta armas?

– Uma espingarda de dois canos e uma submetralhadora.

– Céus, McGiver, você espera uma guerra!?

– Não, mas é bom ser precavido.

– Precavido é uma coisa, carregar um arsenal desses é outra bem diferente. – Ela riu. – Você é maluco, amor, mas sou louca por você.

Entraram na avenida Lúcio Costa e descobriram que iam ter dificuldade em estacionar. Aquele dia, ensolarado e quente, trouxe muitos banhistas para a paria, cuja rua estava cheia pedestres passeando no calçadão. Após duas voltas, conseguiram parar quase em frente à casa da Mariana.

– A Jade mora ali, no quinto andar.

– Esse apartamento deve valer milhões, dois ou três.

– Mas esse é dela, vamos, temos de andar uns cem metros para trás e o horário quase fechou.

– Você é excessivamente pontual, amor.

Desceram do carro e ela aproveitou para se abraçar a ele. O cheiro do mar deixava-a alegre, quase hipnotizada, pois fazia muito tempo que não ia para a praia e adorava isso. Quando sentaram no quiosque, na mesa que Ricardo tanto gostava, o dono veio atendê-lo. Apesar de cheio, aquele lugar era o melhor, na opinião do delegado. O bar estava repleto de banhistas que se divertiam tomando cerveja e tocando samba.

– Oi. – Ricardo cumprimentou, gentil. – Como vai a viúva do Severino?

– Está melhor, senhor. Como disse, o cheque não o traz de volta mas ajuda na velhice. E minha mãe também está melhor. Nós devemos muito a você.

– Traga-me um suco de laranja.

– Um acaí para mim – pediu a Lena.

Mal o rapaz afastou-se, Marcelo apareceu. Se qualquer cerimônia, deu uma geral na delegada e sentou-se na mesa. Olhou de forma dura para Ricardo e não os cumprimentou, indo direto ao ponto:

– O que você andou dizendo prá Mariana, Ricardo? Eu sempre confiei em você, cara.

– Desculpe, Marcelo, mas pode explicar-se?

– Ela entrou em depressão e agora quer o divórcio! Você fez a cabeça dela, Ricardo.

– Eu não fiz nada, meu caro, vontade não me faltou mas mantive a minha palavra e não tomei qualquer iniciativa para afastá-la de você – disse, muito calmo. – O mais provável é que ela esteja se recuperando. Eu avisei que o nome do meu filho não podia ser uma simples coincidência, Marcelo.

– Não acredito.

– Faça um favor para si e para ela, Marcelo. Dê-lhe esse divórcio e acabe com uma vida de mentiras. Isso fará bem a todo o mundo.

– Por acaso colocou álcool no suco? – perguntou de forma grosseira.

– Marcelo, estás te excedendo, tchê – respondeu Ricardo, muito irado – não me provoques que vai dar merda, muita mesmo.

– Olhe, Marcelo – afirmou Lena, apaziguadora – Ricardo tem ficado trabalhando, quase sempre comigo. Acredite nele.

– Eu imagino que tipo de trabalho essa numeróloga peituda fazia com você, não é Ricardo? – replicou o outro, zangado e falando muito alto. – Você deve ser uma maravilha na horizontal, garota.

O jeito dele falar e o tom utilizado, provocaram silêncio completo no bar e a única coisa que se ouvia era o som do mar rebentando na praia. Antes que Ricardo pudesse reagir, ela levantou-se e sacou da pistola, enfiando-a na boca do Marcelo que ficou muito pálido, tremendo.

– Repita isso, seu filho da puta, vamos, repita. Estou louca para furar os seus testículos com isto. Que tal?

– Vou chamar a polícia. – Praticamente choramingou de medo.

– Azar o seu, imbecil – pegou o distintivo, batendo com ele em cima da mesa metálica e provocando um estrondo – sou delegada federal, babaca. Escolheu a garota errada para ofender. Isso é desacato a uma autoridade federal e você tá ferrado.

– Sou um deputado, tenho imunidade.

– Imunidade é o caralho e pode ser detido. E aqui há inúmeras testemunhas. Além do mais, já morreram tantos deputados ultimamente que o povo está começando a achar que isso é bom. Ricardo aqui, mandou três e um senador para o inferno. – Tirou a trava e armou a pistola. – Acho que vou mesmo apagar você. Assim, ela fica viúva, livre e não acredito que alguém aqui vá-me denunciar.

– C... c... calminha aí, quê isso. Pelo amor de Deus. – Ele tremia desesperado.

– Chega, Lena. – Ricardo levantou-se, pôs a mão sobre a pistola e afastou-a. – Acho que ele já entendeu o seu ponto de vista. Agora, Marcelo, vou-lhe dizer uma coisa: se fizer mal a um fio de cabelo da Jade ou do meu filho eu esquartejo você sem dó nem piedade e pode ter a certeza que irá demorar muito a morrer. Se ama a sua vida dê o divórcio prá minha noiva. Você não pode aparecer aqui ameaçando e bancando o bom. Mantive a minha palavra, mas essa vida de mentiras que você criou tem de acabar. Não pense que a sua imunidade de parlamentarista me incomoda, pois já matei quatro esta semana. O que você fez comigo e com a Mariana foi pura sacanagem e estou farto disso. Começo a achar que essa história de saúde delicada é uma farsa. Agora, desapareça daqui e pense no assunto.

A voz do Ricardo foi firme e baixa, mas ouvida em cada canto daquele quiosque. O silêncio que se fez quando Marcelo berrou com eles foi tão grande que perdurou até aquele momento. Lena pôs a arma nas costas enquanto o quando o outro saía consternado com todos os clientes batendo palmas e rindo. O filho do Germano apareceu perto do casal:

– Doutora, ele saiu todo mijado. Se precisar, eu testemunho.

– Qual é o seu nome, nunca perguntei! – pediu Ricardo.

– Eu sou Germano Filho.

– Germano, tome cuidado. – Ricardo falou baixo, só para os ouvidos do rapaz. – Ele é provavelmente o elemento chave responsável pelas mortes do seu pai e do Severino. Eu deixei este para o final.

Após uma hora, voltaram para casa, cada qual pensando no ocorrido. No carro, ela ficou calada um bom tempo até que, arrependida, disse:

– Desculpe, Ricardo, mas ele me deixou zangada. Sei que não queria que soubesse da minha profissão.

– Não tem problema, meu anjo. Agora, a guerra está quente e declarada, sem falar que ele mereceu aquilo. Está com o caráter deturpado e nem parece a mesma pessoa. Mas tenho que agir rápido pois deve ter dado um jeito de a prender.

– Como assim?

– Não sei, meu anjo.

– Você deixou claro que sempre desconfiou dele, McGiver, mas vivia defendendo o desgraçado. Por quê?

– Não é óbvio, minha linda? – Ricardo sorriu.

– Para mim não!

– Leninha, era de se esperar que todos pensassem que eu desejava o fígado dele. Ao mesmo tempo, eu queria ter a certeza que minha desconfiança não era motivada pela Mariana. Inverti os papeis e defendi Marcelo para que você me provasse que eu não estava errado. Sabia perfeitamente, Madalena – ela deu-lhe um soco e ele riu –, que quanto mais eu o defendesse, mas você tentaria provar o oposto e certamente conseguiria.

– Seu diabo – berrou a garota. – Você me usou!

– Claro que não – respondeu com um carinho. – apenas não confio em mais ninguém como confio em você, Lena. Eu sabia que se você provasse a verdade, não estaria influenciada por posições pessoais, que seria tão imparcial quanto uma juíza, coisa que não acreditariam em mim por causa da Jade.

O telefone da Lena tocou, interrompendo a conversa do par.

― ☼ ―

Mariana estava trancada no quarto junto com o filho quando ele retornou. Notou que estava com as calças molhadas.

– Marcelo, você urinou na calça?

– Foi aquela vagabunda da amiguinha do Ricardo – vociferou, irritado. – Enfiou-me uma pistola na boca e ameaçou disparar.

– Afinal, o que você foi fazer?

– Falar com Ricardo, ele anda fazendo a sua cabeça.

– Acho que, no lugar dela, eu teria disparado. É o que você merece. Já lhe disse que eu desejo separar-me há mais de um ano.

– Você não pode. – Saiu para o quarto e trocou de roupa. Deu uns telefonemas e, uma hora depois, um policial do BOPE apareceu.

– Bom dia, senhor, sou o tenente Antunes e fui destacado para a proteção policial. Ficarei sentado na porta e, em oito horas serei substituído um colega. Teremos três turnos de oito horas cada.

– Olhe, Antunes, minha esposa não pode sair de casa em hipótese alguma. Ela sofre de depressão e tem alucinações que eu lhe quero fazer mal. Há quase quatro anos, teve um acidente gravíssimo, perdeu a memória e foi declarada incapaz. Eu sou o tutor dela.

– Entendo, senhor, fique tranquilo que passarei a palavra aos colegas.

– Obrigado, se precisar de alguma coisa é só dizer – agradeceu o deputado. – Quer que eu traga uma térmica com café?

– Agradeço pela oferta, senhor. Se não for incômodo, eu aceito.

― ☼ ―

– Oi, Manuel – Lena olho para Ricardo. – Tá tudo bem com você?

– "Sim, mas preciso de falar com vocês."

– Estamos um pouco longe de sua casa, Manoel – disse ela, voltando a olhar para o amigo e pondo no viva voz. – Vai demorar um pouco a chegar aí.

– "Eu rastreei o seu telefone, desculpe" – disse. – "Como sabe sou um hacker, e estou na barra, na verdade ainda estou em São Conrado. Minha casa não é segura."

– Está de carro?

– "Sim."

– Pegue a estrada das canoas e estacione no mirante. Espere no carro que chegaremos em cinco minutos.

Lena desligou e Ricardo disse:

– Ele está apavorado com alguma coisa.

– Pode ter certeza.

– Quando chegarmos, você desce e vai com ele para a minha casa. Eu sigo na frente para dar uma geral antes, então faça o favor de se atrasar uns dez minutos.

– Ok, McGiver.

― ☼ ―

Manoel aguardava no local combinado, muito nervoso e preocupado. Não precisou de esperar muito para ver o Mustang parar à sua frente e aquela mulher deslumbrante descer e caminhar na sua direção enquanto o carro desaparecia em alta velocidade. Fascinado, não cansava de apreciar tamanha beleza.

Ela parou de frente para a janela e abaixou-se, deixando parte dos seios de fora e fazendo o coitado babar ainda mais.

– Quem sabe você destranca a porta e me deixa entrar.

– C... c... claro.

Lena sentou-se e olhou para ele, sorrindo.

– Agora ligue o motor e ande – disse, apontando. – Eu mostro o caminho, mas vá devagar.

Nervoso, Manoel obedeceu e ela voltou a dizer:

– Sabia que podia arrumar uma puta encrenca rastreando uma delegada federal?

– Não tive escolha, eu juro – respondeu. – Tentaram me matar, mas eu arrumei informações importantes.

– Deixe para falar depois, quando chegarmos na casa do Ricardo.

– Por que ele saiu correndo?

– Foi na frente para ver se não havia uma emboscada em casa. Ele desvia de balas, nós não.

Chegaram e lena abriu o portão usando o controle de André lhe dera. Na dúvida, pegou a arma e destravou-a, fazendo sinal para o homem continuar. Desceram do carro, mas não havia nada, apenas Ricardo já de quimono e tranquilo.

– Isso que eu chamo de viver bem – comentou Manoel. – Caraca!

– Vamos – mandou Lena –, podemos descer.

Ricardo virou-se para o visitante e disse, em tom ameaçador:

– O que você vai ver nesta casa é segredo absoluto. Se você contar para alguém, pode ter certeza que o busco até no inferno se for preciso, e quando o encontrar não vai gostar nem um pouco, entendeu?

– Tudo bem – respondeu ele. – Já lhe disse que larguei essa vida. Eu fui sério quando falei que era consultor de segurança da informação.

– Muito bem – Ricardo deu-se por satisfeito – vamos lá.

Quando Manuel entrou e viu o que era a sala onde estava, arregalou os olhos e comentou:

– Caraca, morri e fui para o paraíso!

Lena não aguentou e deu uma risada, enquanto Ricardo apontava uma poltrona. Manoel sentou-se e não esperou que o mandassem falar.

– Não sei porquê, mas ontem alguém tentou invadir a minha casa e não era assaltantes comuns – começou dizendo. – De alguma forma, outras pessoas acharam que eu poderia ser perigoso para elas.

– Como sabe que não eram assaltantes comuns? – perguntou Ricardo.

– Porque tenho um sistema de vigilância bem eficiente graças ao susto que me deu na quarta-feira e ficou tudo gravado.

– O que eles queriam?

– Queima de aquivo, simples assim – respondeu. – Suspeitam e com razão que os posso entregar.

– Com razão? – questionou o delegado.

– Sim, com razão – voltou a responder afirmativamente. – Não verdade, preciso confessar que...

– Que você não foi lá muito sincero conosco – disse Lena, levantando-se e indo para um computador. – Não é, meu gatinho?

Com um gesto rápido, fez o computador tocar uma gravação:

– "Então, Guimarães, acha que seis Kb são suficientes?"

– "Mais do que suficientes, Martins. O limite deles é de três Kb. Acima disso a Policia Federal não tem capacidade..." – Ricardo reconheceu imediatamente a voz do amigo.

– Você conseguiu invadir meu computador? – perguntou Manel, irritado. Aclamou-se e continuou. – Bem, era isso que eu vim mostrar para vocês.

Tirou o celular e tocou a gravação na íntegra.

– Eu sabia da gravação, pois gravava todas, mas precisava localizar onde estava. Eles devem ter imaginado algo similar. Selecionou outro arquivo e mostrou para o par. Olhem o vídeo dos invasores.

Ricardo olhou tudo e concluiu que, se ele continuasse na rua, a sua vida não valeria um centavo.

– Lena – pediu. – Ligue para o chefe e peça para ele vir aqui, por favor. O que fez dos seus equipamentos, Manoel?

– Estão escondidos. Eles apenas roubaram um pequeno notebook – explicou. – Levei para a casa de um amigo e acessava remotamente do note.

― ☼ ―

– Chefe – disse Ricardo, mal ele entrou. – Este é Manoel Lins Santos, o espertinho que fez a criptografia dos deputados. Acontece que ele cooperou nos fornecendo informações e agora os que sobraram querem a caveira dele. Precisamos de incluir o cara no programa de proteção à testemunha.

– Só isso? – perguntou Otávio. Ricardo olhou para a colega.

– Não – disse Lena. – Agora temos certeza que o Marcelo está envolvido na coisa toda.

– Isso nunca foi novidade para mim. Bem, eu preciso resolver uma coisas e aproveito para levar Manoel para a inteligência. Lá destacarei alguém para a proteção dele.

– Devia contratá-lo, chefe – disse Ricardo. – O cara é muito bom.

― ☼ ―

Segunda-feira.

Ao meio dia, a campainha tocou e Ricardo viu no monitor um homem acompanhado de um policial.

– Pois não? – perguntou no interfone.

– Sou oficial de justiça. Preciso de falar com Ricardo Godói, tenho uma intimação.

– Apresente uma identificação à câmera, por favor – olhou para a amiga. – Viu, Lena? Eu tinha certeza que faria algo.

– Desculpe por isso, amor.

– Tudo bem.

O oficial fez o que ele pediu.

– Entrem. – Abriu a porta e os dois entraram no carro. Ao chegarem ao estacionamento, ambos os delegados aguardavam.

– Ricardo André Godói?

– Sim.

– Tenho uma intimação para uma ação de restrição. O senhor está proibido de se aproximar dos incapazes Ricardo André Guimarães e Mariana Silva Guimarães. A distância mínima permitida é de cinquenta metros e o descumprimento acarretará na sua prisão imediata.

– O senhor disse incapaz? – perguntou Ricardo, incrédulo com isso. – Mariana tem vinte e quatro anos!

– Segundo este documento, consta como incapaz. Deve ter ficado curatelada. Por favor, assine aqui. – Ricardo assinou o documento. – Aqui está a sua cópia.

– O senhor por acaso sabe que o juiz que assinou isto é corrupto até à alma? Lena, mande cópias disto para o chefe, o ministério público e tente anular tudo. Obrigado, oficial, não se preocupe. Eu respeito a lei, mesmo quando um juiz filho da puta faz isso.

– E agora, amor – questionou Lena –, o que faremos?

– Continuamos a lutar – respondeu Ricardo, mas mostrava preocupação no rosto. – A vitória é uma questão de tempo. Já enviou a cópia dos documentos para o chefe?

– Sim – afirmou a delegada. Ele pegou o telefone e ligou:

– Chefe, o senhor pode investigar porque ela é incapaz perante a lei? Eu aposto que sei quem é o curador e temos de anular tudo. O próprio casamento foi ilegal por ter sido através de uma mentira. Ela foi enganada, coagida. Temos de dar um jeito e o tempo urge.

– Já tenho tudo aqui e Jorge está mexendo os pauzinhos – disse Ferreira. – Eu tenho reunião com o ministro da justiça em breve, então aguarde e não faça nada de que venha a se arrepender.

– Aguardarei, chefe.

― ☼ ―

– Pronto. – Marcelo desligou o telefone e olhou para a mulher, triunfante. – Se ele se aproximar a menos de cinquenta metros de você, será preso e os guardas podem atirar para matar.

– Não me faça rir – afirmou, sarcástica – ele desvia de balas! Eu vi. Estava na varanda quando quatro homens atiraram nele. Você é muito covarde mesmo, Marcelo. Ele sim, é um homem de verdade. Bem que eu queria que o meu filho fosse dele e não seu, mas parece que, pelo menos, a criança é bem diferente de você!

– Deixe de besteira – ordenou, empalidecendo ligeiramente.

– Provavelmente eu não era sua noiva antes de perder a memória, não é Marcelo? – questionou, incisiva. – Acho que você mentiu para mim!

– O que foi que Ricardo andou inventando? – Marcelo ficou bastante nervoso e Mariana notou.

– Ele não me disse nada. Respeita-me, ao contrário de você. Só que não sou burra e não creio que me fosse apaixonar por você, Marcelo. Tentei em reconhecimento por ter cuidado de mim, achando que me ia lembrar do passado, mas quanto mais tempo passou, menos vontade de o amar eu tinha. Logo, Marcelo, eu não era sua noiva, provavelmente não era noiva de ninguém.

– Você está delirando, Mari – disse, cada vez mais nervoso e preocupado. – Deixe disso.

– Estou com a mente muito clara e lúcida, Marcelo Guimarães. Agora, se eu não era sua noiva, o meu filho não é seu. – Mariana estava cada vez mais próxima da verdade e o marido sentia-se encurralado. – Logo, resta saber de quem será essa criança.

– Ele é meu filho sim – mentiu descaradamente. – Você estava em coma e eu ficava sempre ao seu lado. Vestia apenas uma bata de hospital, sem nada por baixo. Eu amava você, então aproveitava. Além do mais tenho um DNA para provar.

– Agora juntamos estupro para a sua onda de crimes. Lembre-se que o crime não compensa.

– Chega de conversa. O que está feito, feito está.

– Quem é Camila, Marcelo?

– Quem lhe falou nesse nome? – Olhou para a esposa, muito assustado.

– Acabou aparecer para mim, do nada.

– Ela era noiva do Ricardo. Foi assassinada no atentado.

– Por que será que eu tenho a nítida sensação que você está mentindo? – questionou-o, cada vez mais desperta. – Para você, pelo jeito, mentir é uma coisa totalmente corriqueira. Será que é isso que a política faz com um homem de bem? Transforma-o em um mentiroso descarado? Uma tristeza, não é, Marcelo? Eu acho que você é podre e cada vez tenho mais lembranças. Quando eu descobrir a verdade, espero que não seja culpado pelo meu estado atual, porque se for eu o mato. Não se esqueça que uma hora você precisará de dormir. Nesse momento, não acordará mais.

A ameaça foi tão intensa que ele chegou a empalidecer de vez. Para disfarçar, saiu do quarto e foi para a sala dar uns telefonemas.

― ☼ ―

Terça-feira.

Ricardo pegou no seu carro, daquela vez a Ferrari, e foi visitar o mestre Ishiro, que aconselhou o jovem:

– Destrua-o agora, filho, apresente todas as provas. Arranque sua mulher e filho das garras dele. Podemos invadir aquele prédio, entrar e sair com ela e a criança sem que alguém chegue a saber. Isso nem chega a ter graça.

– Não posso violar a lei, mestre. Além disso, se apresentar as provas, estarei fazendo a máquina legal trabalhar e ela é morosa demais. Pode demorar muito, por isso não é o caminho ideal.

– Então, seria bom forçá-lo a agir. Torne público para a mídia alguma coisa ou diga-lhe que tem as provas necessárias. Ele vai perder o controle.

– Ótima ideia, mestre, vou preparar isso. Em dois dias, lançarei os dados – afirmou Ricardo despedindo-se.

Ao voltar, Ricardo foi pela avenida Lúcio Costa pois queria passar no quiosque e conversar com os pais à beira do mar. Estacionou em frente, já que durante a semana costumava haver vagas, e atravessou a rua, sentando-se na sua mesa. Germano filho, levou-lhe o suco de laranja.

Ali perto, na janela, Marcelo viu o ex-amigo parar no bar. Rancoroso e vingativo, pegou no telefone e chamou a polícia.

Ricardo caminhou até perto do mar com o copo de suco na mão e falou em silêncio por cerca de vinte minutos, voltando para a mesa, relaxando um pouco e colocando as ideias no lugar. Uma viatura do BOPE encostou e desceram dez homens fortemente armados cercando o bar. Um deles perguntou:

– Quem aqui se chama Ricardo Godói?

– Eu – Ricardo ergueu o rosto e levantou o braço. – Algum problema, senhor?

– Você está preso por violar a ordem de restrição.

– Pode ser mais específico?

– Você está próximo demais da residência da Mariana Guimarães e Ricardo Guimarães. Violou a lei.

– A ordem é não estar a menos de cinquenta metros dela. Daqui até lá, há pelo menos cem metros. Assim não violei a lei, meu amigo. Pode conferir. – Levantou-se calmamente. – Venha, vou-lhe mostrar onde ela mora.

– Está vendo? – apontou o prédio. – Não infringi a lei, apesar de ter passado perto pois a rua passa à frente da residência. No entanto só parei o meu carro aqui. Venho sempre a este lugar.

– Ele vem mesmo, policial – confirmou o dono do bar –, e posso testemunhar isso. Vem aqui há muito tempo e é freguês regular. Toma um suco de laranja ou uma cerveja, fica sentado curtindo o mar e depois vai embora.

– Nesse caso, não há nenhuma violação. Peço desculpa pelo inconveniente. O senhor não me é estranho!

– É possível que tenhamos nos encontrado algumas vezes, já que sou delegado federal. E isso por si só já é um motivo para não me prender. Só posso ser detido por outro federal.

– Bem, farei um relatório para os meus superiores e o coronel não vai gostar nada. – Bateu uma leve continência. – Tenha uma boa tarde.

– Obrigado. Germano, eu vou indo. Amanhã pago a conta, pois esqueci de pegar dinheiro, desculpe.

– Não precisa de pagar nada senhor, nunca mais.

O policial do BOPE observou Ricardo entrar no carro.

– Que carrão... ei, lembrei quem ele é. Esse cara é um herói!

– Pode ter a certeza, senhor – disse Germano. – Pena que o proibiram de ver a mulher que devia ser dele e o filho que é dele.

– Por que disse que ele não precisa pagar nunca mais?

– Porque quando soube que o meu pai foi assassinado aqui, ele me deu um cheque de dois milhões de Reais.

O policial recolheu a equipe para a van da polícia e seguiram para o quartel.

– Ele não me é estranho – comentou um dos policiais.

– É o cara que enfrentou os motoqueiros para salvar um amigo há quatro anos. E também é o sujeito que fez aquele estrago na Avenida das Américas quando foi atacado por criminosos a comando de um senador. O que deu na TV, semana passada.

Caralho! Se ele resistisse estávamos todos fodidos. Nunca vi alguém em ação como ele. Aquilo até parecia coisa de filmes americanos! Por que mandaram só dez homens? Acho que deviam ter mandado um batalhão completo!

– Não resistiria. É um herói, não um vilão. Mas nós não temos o poder de prender um federal. Nem sei por que nos mandaram aqui.

– É, capitão, mas de herói a vilão é só um passo.

– Este não, eu vi os olhos dele e o cara é íntegro. Devia ser do BOPE e não da federal. O sujeito é bom demais!

― ☼ ―


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