Capítulo 13 (não revisado)
Sexta-Feira.
Ricardo acordou tarde e estava sozinho na cama. Levantou-se, pôs um quimono de seda e saiu do quarto. Sentia-se melhor, mas ainda estava muito abatido, apesar de ter dormido mais do que o usual. Desceu as escadas e foi para a cozinha. Naquele período, a casa ficava sempre vazia pois, com as férias dos empregados, eram eles que a mantinham limpa. Sentia falta deles porque eram mais do que simples funcionários, eram como amigos, familiares, especialmente a governanta, a Tatiana ou Tata como a chamava desde que aprendeu a falar. Serviu-se de um copo de leite mais umas bolachas e sentou-se no balcão. Tinha os ombros caídos e o rosto bastante abatido, quase apático.
– Oi, gatinho – Lena entrou na cozinha, abraçou-o e beijou-o nos lábios – você dormiu bastante. Sente-se melhor?
– Sim, Lena, bem melhor. Estou cansado de tantas mortes, mas não vou parar enquanto não resolver isto.
– Brasília está um caos – disse ela – acabei de ver as notícias. O próprio presidente exigiu uma investigação minuciosa. Quatro políticos de alto calibre, um deles senador, todos corruptos! O cara pirou. Ai se ele soubesse que há muitos mais! O chefe chega daqui a pouco e quer falar com você. Por isso eu estava subindo. Ele vem com alguém que quer que conheça.
– Está bem, anjo. Vou meditar um pouco. Leve-os até à piscina, quando chegarem.
– Amor, isto está quase no fim, não sofra tanto. – Triste, olhou para ele. Ricardo observou nos seus olhos o profundo amor e carinho que ela sentia a sorriu delicadamente, um dos pouquíssimos sorrisos que deu nesse período. Os olhos dela brilharam de felicidade e abraçou-o. – Vá, vá meditar que eu sei que isso lhe faz bem.
Desceu as escadas até à piscina, sentindo o dia ensolarado, mas não quente. Tirou o quimono, ficando apenas com as calças, ligou um pequeno aparelho de som que tinha no galpão onde fazia churrascos, bem atrás da piscina, e sentou-se. A música instrumental japonesa, especial para isso, tocava baixa e suave enquanto cruzava as pernas em posição de lótus, mas não sem antes deixar a espada ao seu alcance. Esta, infelizmente, tornou-se uma companheira constante. Com as mãos sobre os joelhos, fechou os olhos e relaxou. Retirou todos os pensamentos da cabeça e concentrou-se na música até ficar apenas um vazio.
Cerca de uma hora depois, um helicóptero pousou no seu heliporto e dois homens saíram. Lena esperava-os.
– Oi, chefe. – Ela estava alegre e vestia um vestido vermelho que a deixava irresistível. – Algum problema?
Otávio deu uma geral na subordinada e assobiou.
– A boa e velha Lena voltou a ser o que era – comentou sorrindo. – Este é o promotor Ferreira, do ministério Público. Onde está o McGiver.
Observou o homem que o acompanhava. Calculou que tinha cerca de trinta e cinco anos, alto, quase tanto quanto o Ricardo, e muito bonito, com corpo atlético e olhos bem azuis, brilhantes. Trajava um terno com gravata, impecável e via-se que tinha muito bom gosto. Ao sentir-se avaliado pela bela moça por quem caiu de amores, deu.
– Muito prazer, promotor. Chefe, Ricardo está meditando na piscina e pediu que eu levasse vocês até lá. Olhe, ele não está nada bem, então pegue leve, até porque a aversão que ele tem à violência, incomoda-o bastante.
– É difícil acreditar que um homem que fez o que ele fez, tenha alguma aversão à violência – afirmou o promotor. A voz grave e firme agradava à garota que, no entanto, não gostou nada do comentário.
– Pois saiba que ele é um homem calmo, gentil, educado e sempre foi muito alegre e amigo, até que uns espertinhos acabaram com sua vida – disparou com um tom de reprovação na voz.
– Paz, Lena, não quis ser grosseiro nem estou aqui para julgar o seu marido, antes pelo contrário, vim ajudá-lo.
– Ele não é meu marido.
– Então talvez eu venha a ter uma chance. – O sorriso dele desarmou-a, que sorriu de volta.
– Talvez, se ele deixar de ser solteiro – comentou e depois arrependeu-se de ter sido tão enfática.
– Nesse caso eu seria apenas um prêmio de consolação. Isso não me agrada – respondeu o promotor.
– Eu não faria algo assim, mas confesso que você é muito atraente. – Otávio divertia-se com a conversa, pois sabia que a Lena jamais sairia de perto do Ricardo enquanto houvesse uma chance, por menor que fosse.
– Venha, chefe, quero-lhe dar uma coisa que não desejo que Ricardo saiba. Se ele descobrir, nem Deus o vai impedir de cometer um assassinato. Eu pesquei isso hoje e é assustador.
Desceram as escadas até ao escritório. O promotor deu um assobio ao ver o equipamento.
– Meu Deus! Quantos computadores! Isto aqui até parece um escritório da inteligência!
– Os nossos equipamentos nem chegam perto disto – afirmou o chefe. – Este escritório é inigualável.
– Tome este DVD, chefe – Lena entregou um disco – a parte interessante começa aos vinte e um minutos. Agora vamos sair daqui que ele não gosta de nenhum desconhecido neste lugar.
– Fique tranquila, Lena. – Otávio pôs o DVD no paletó. – Eu jamais traria qualquer um aqui.
O promotor olhou pela primeira vez para o outro lado da sala e, ao ver as fotografias, aproximou-se delas.
– Mas ela é a...
– Noiva dele, arrancada da sua vida de forma brutal.
– ... esposa do deputado Guimarães!
– Que a roubou dele de forma cruel e inimaginável. – Olhe, chefe, as coisas ainda estão longe de acabar, então prepare-se. Olhe o DVD.
Aproximando-se das fotos, ele olhou algumas, onde Ricardo ria, alegre, abraçado na noiva à beira da piscina. Noutra, ele beijava-a. Havia uma onde punha um anel de jade e diamantes no dedo dela. Por último, os olhos dele caíram no recorte do jornal e aproximou-se para ver melhor.
– Vamos sair daqui, por favor – pediu Lena. – Isso é muito pessoal. Não devia ter vindo aqui com você.
– Devia sim, Lena, eu venho investigando o deputado Guimarães e alguma coisa não encaixava. Agora vejo que ele só pode estar atrás deste atentado.
– Ricardo matou ontem os responsáveis pelo atentado, promotor Ferreira – afirmou a garota – mas, para mim, esse cara está sim, envolvido. Para Ricardo é um alvo de qualquer forma, pois ele quer recuperar a noiva. Vamos, saiam daqui.
Eles saíram e ela trancou a porta. Ao subir para a varanda, desceram em direção à piscina. Ricardo continuava sentado, meditando e com a espada que o Ishiro lhe deu ao seu lado. Quando estavam a dez metros de distância, ele, ainda de olhos fechados, afirmou:
– Bom dia, chefe, espero que saiba quem está trazendo para a minha casa.
O promotor observou Ricardo. Era um jovem alto, mais que ele, muito bem constituído e com músculos bem delineados, sem parecer hipertrofiado. Estava sentado tranquilamente, de pernas cruzadas e corpo ereto, trajando apenas com uma calça de quimono e parecendo um Buda atlético. Ao seu lado, viu uma espada embainhada. Permanecia de olhos fechados; mas, mesmo assim, sabia exatamente quantas pessoas estavam ali, o que impressionou o jovem promotor.
Ricardo abriu os olhos. Olhou para o recém-chegado e gostou dele, pois tinha o dom de avaliar instantaneamente o caráter de uma pessoa. Pegou na espada, levantou-se e olhou de novo para eles.
– Eu conheço você de algum lugar. – Caminhou displicente até ao aparelho de som e desligou-o, pousando a arma branca ao lado. Vestiu o quimono e continuou. – Tenho a certeza.
– Este é o promotor Ferreira. Nós estivemos conversando bastante sobre você.
– O senhor sabe se ele merece a devida confiança? – perguntou Ricardo. – Queira desculpar, Ferreira, mas eu já fui traído antes. Por acaso você viveu em Porto Alegre?
– Não pretendo traí-lo. E sim, vivi lá. Já nos conhecemos, mas você era ainda muito pequeno, agora me lembro.
– Ricardo, ele é o meu filho.
– Ora, sabia que nos conhecíamos. Agora é do ministério público? – Ricardo estendeu a mão. – Se não me engano, seu nome é Jorge, não é?
– É verdade, excelente memória – sorriu o interlocutor. – Anda sempre armado?
– Tem ideia de quantas pessoas já tentaram matar-me esta semana?
– Uma grande ideia, pois o necrotério está superlotado! O MP anda de olho em você, mas as provas sempre indicam legítima defesa e os políticos atirando em si foi um prato cheio. Só que nós precisamos de pôr a mão em alguém. Você mata todo o mundo!
– Ao último, reservo algo realmente especial. Ele vai desejar ter morrido, mas ficará vivo. Pode ficar tranquilo que o terão para processar. Só preciso de achar quem realmente é, mas, por enquanto, posso arrumar-lhe mais, venha.
Foram até ao escritório e Jorge não deixou de se impressionar novamente. Ricardo ativou um console e executou alguns comandos. De uma gaveta cheia de pen drives, tirou um e copiou vários arquivos para dentro.
– Aí encontrará toda a lista de corruptos sustentados por eles. Verá alguns nomes interessantes, mas cuide-se que vai a um nível alto, vários juízes, então veja a lista antes de entrar com uma ação.
– Santo Deus, você não perde tempo!
– Eu já lhe disse, meu filho, que tenho a melhor equipe da inteligência do país inteiro. Estes dois são imbatíveis, especialmente com a ajuda daquele monstrinho ali.
– O que é aquilo?
– Um supercomputador – respondeu Ricardo. – Somente graças a ele conseguimos quebrar a criptografia desse pessoal. De alguma forma eles sabiam os nossos limites e contrataram um especialista para se protegerem da nossa vigilância. Só não sabiam da existência deste equipamento. Apenas a minha noiva sabia.
– Agora, quero fazer um acordo com você – continuou. – Forneço todas as informações de que precisam, mas existe alguém que pode estar a ser usada por eles, alguém que me é muito importante e que desejo recuperar a qualquer custo, só que não a quero sofrendo mais do que já está. Então, eu vou levar a termo as investigações e pegá-los ao meu jeito. Essa é a minha exigência. – Ricardo olhou para a fotografia enorme da Mariana e os demais notaram a sua dor.
– De acordo – afirmou o promotor. – Você merece essa revanche, pode ter a certeza.
– Não é uma vingança que eu desejo – disse, ainda olhando para a fotografia. Devagar, virou-se para eles e continuou – o que quero é a minha mulher de volta, só isso. Quem estiver no caminho apenas vai pagar o pato, mas isso é uma mera consequência dos fatos. O mais importante é a minha noiva.
– Ainda assim estou de acordo, mas deixe-os vivos para eu poder processá-los. Mortos, não me adiantam nada. Do contrário, não sobra ninguém!
– Não se preocupe quanto a isso. – Saíram com os dados e Ricardo acompanhou-os para o terraço. O piloto ligou o helicóptero. Eles entraram; mas, antes, o chefe disse:
– Filho, tome isto.
Retirou um envelope lacrado e entregou para Ricardo, que o abriu e leu. Por um momento fugaz, os olhos encheram-se de alegria e ele sorriu abertamente. Mas foi tênue e apenas Jorge e o pai viram. Logo, voltou a ser o mesmo de antes.
– Obrigado chefe, devo-lhe mais uma. – O aparelho subiu e desapareceu ao longe. Lena pegou na mão do Ricardo e desceram.
– O que você deu a ele, pai? – perguntou Jorge.
– A prova de que ele é o verdadeiro pai do filho do Marcelo.
– Isso não vai prestar, pegue esse DVD, tenho um aparelho portátil aqui, vamos ver o que ela lhe deu. Nossa, que garota, não me sai da cabeça.
– Ela é fantástica sim, mas ama o Ricardo. Foi séria ao dizer aquilo e você certamente terá uma chance, quando ele recuperar a noiva. Afinal, gostou de você só que a esperança é a última que morre!
Enquanto falavam, ele ligou o computador e pôs o disco para tocar. Foram direto ao ponto indicado pela Lena e assistiram o vídeo, horrorizados. Otávio fez um gesto com a mão.
– Ponha do início, filho – pediu. – Ainda bem que a Lena foi perspicaz.
– Pai, como o deputado acabou casando com a garota?
O chefe contou toda a história da amnésia e como ele manipulou Mariana para pensar que eles eram noivos.
– Isso é verdadeiramente maquiavélico e, também, um crime. Vou ter muito prazer em tentar acabar com isso. Afinal, se recupera a noiva talvez eu ganhe aquela formosura.
― ☼ ―
– Então, querido, vamos continuar o nosso trabalho? – perguntou Lena, embora não desejasse que ele visse o que ela pesquisava.
– Anjo, pode seguir sem mim? – pediu ele. – Vou visitar o meu mestre.
– Claro. – Ela abraçou-o e beijou-o, com carinho. – Vá, mas tome cuidado com você. Melhor não a ver hoje. Afinal, amanhã ela estará aqui.
– Você tem razão, Lena – concordou. – Isso está-me deixando doente, mas não sei se sou capaz de ficar longe.
– Eu sei, já vi isso. Vá. Cuide-se e lembre-se que amo você.
– Também amo você. Infelizmente não do jeito que você gostaria que fosse. Sinto muito.
– Tudo bem, já tive o meu prêmio – disse, sorrindo. – Em breve, também terá o seu.
– Lena, obrigado por ter ficado comigo. Acho que talvez não sobrevivesse sem você.
– Vá, meu gatinho. – Ela beijou-o novamente. – Você é mais forte do que pensa.
Na casa do mestre, ele meditou mais um pouco e eles conversaram muito sobre todos os eventos. Ishiro sentia a tortura que o seu pupilo passava e tinha pena dele, mas esse era um fantasma que ele precisava de vencer por si. Declarou uma guerra terrível e agora não podia abandonar o barco. Tão-pouco queria, pois precisava da sua noiva de volta. Mas, enquanto perdurasse este combate tão desigual, sofreria bastante.
Ricardo almoçou lá e ficou algum tempo. Na volta, viu Mariana no bar, de pé virada para o mar e não resistiu, parando o carro. Desceu e aproximou-se silenciosamente, abraçando-a delicadamente por trás e beijando sua nuca.
– Oi, Jade, como você está?
Ela virou-se e sorriu, mas Ricardo preferiu afastar-se por estarem em público.
– Oi, André, que bom que veio – disse, tímida. – Não consigo parar de pensar em você. Vamos dar uma volta?
– Claro – voltou a sorrir e pegou a sua mão. – Vamos caminhar um pouco.
– Sabe – comentou Mariana – eu nunca tinha prestado atenção naquele quiosque até conhecer você, mas agora ele me transmite uma sensação tão boa. Estou certa que algo importante e bom aconteceu comigo ali.
– É, Jade, esse quiosque é especial. – Quando se ajastaram da casa dela e do bar, ele pegou-a pela cintura. E a garota fez o mesmo.
– Sabe, André – disse à queima-roupa –, sentir você assim, colado em mim, me dá uma sensação maravilhosa, uma alegria enorme que nunca senti antes. Eu queria que o tempo parasse!
– Também me sinto assim, meu amor, mas ambos sabemos que isso é errado.
– Você acha errado sermos felizes, André? – perguntou, enrugando a testa.
– Não, meu amor – respondeu, Ricardo. – Isso é o que mais quero, mas acho errado trairmos o Marcelo.
– Caraca, amor – riu e parou de andar, virando-se para ele e lascando-lhe um beijo de tirar o fôlego. – Você sempre foi assim todo certinho?
– Sim, fui. – Ricardo encolheu os ombros. – Mas você me faz ficar perdido, só que um de nós precisa pôr os pés no chão.
Sem resistir voltou a lhe dar um beijo intenso, apaixonado e recomeçaram a caminhar, ambos com um sorriso no rosto.
– Bem – começou ela –, considerando que tenho intenção de pedir o divórcio ainda esta semana, não chega exatamente a ser uma traição, mas eu gostaria de saber o que devemos esperar um do outro.
– Já lhe disse antes, meu amor, que você precisa recuperar a sua memória para poder realmente viver bem e feliz – insistiu o Ricardo. – Mas independente do que você decidir, estarei ao seu lado, apoiarei e respeitarei a sua escolha, seja ela qual for.
– Amo você, André, e não canso de pensar ou repetir isso – insistiu Mariana. – Esta noite, Marcelo volta para casa e passará dois dias que, para mim, serão um martírio. Há muito que já eram, mas agora...
– Acalme-se – insistiu, Ricardo. – Há muito mais em jogo do que você pensa, minha Jade, muito mais coisas onde nós somos apenas uma pequena parte, muito pequena mesmo, mas nem por isso menos importante.
– Pelo menos, quando só estou eu e meu filho, há paz naquela casa – afirmou ela. – Marcelo mudou demais depois que Ricardinho nasceu. É um inferno esse mau humor dele. Por isso vou pedir o divórcio, sem falar em você, claro. Mas também tem uma coisa que me preocupa. Se ele me expulsar do seu apartamento, não terei onde ficar.
– Bem, Jade, você sempre terá a minha casa para qualquer coisa que desejar, mas tem algo que precisa saber, nesse caso: aquele apartamento – apontou a mão para trás –, é única e exclusivamente seu. Marcelo morava com os pais no Leblon e esse apartamento já era seu muito antes disso pois foi parte da sua herança. Por isso, ele não pode expulsar você.
– Fico mais confortada ao saber disso. Felizmente, parece que você sabe mais a meu respeito que o Marcelo.
– Pode ter a certeza disso, meu amor. – Pegou um cartão de visitas e deu-lhe. – Tome isto e guarde sempre com você. Aqui tem meu endereço e telefones. Se alguma coisa a ameaçar, basta estalar os dedos e venho para cá num piscar de olhos.
– Vamos andar na beira do mar? – pediu ela. – Estamos de sandálias mesmo!
– Tudo o que você quiser.
– Você é sempre assim com as mulheres? – Mariana levantou o rosto para ele, sorrindo. – Todo atencioso e gentil. Aposto que deve ter metade da população feminina da cidade aos seus pés.
Ricardo deu uma risada gostosa e beijou-lhe os lábios.
– Posso até tê-las aos meus pés, mas só me importa uma única.
– Ahá – Mariana riu. – Já vi que me vou incomodar muito quando as coisas se acertarem.
Caminharam mais um bom bocado e fizeram meia volta pois logo ela precisaria de pegar o filho. Quando estavam perto da escola, o celular dele tocou, mas Ricardo ignorou, pois estavam no meio de mais um beijo.
– Não vai atender? – perguntou Mariana. – Pode ser importante.
– Poder até pode, mas não mais que você. – Suspirou e pegou o aparelho, mas parou de tocar. – Olhou o número e descobriu que era privado, estranhando isso a menos que fosse alguém da inteligência. – Desistiram e o número era privativo.
Ricardo foi recolocar o aparelho no bolso quando voltou a tocar. Olhou para a tela e viu que era privado. A contragosto atendeu.
– Alô. – Mariana olhava e fazia caretas, provocante. Ricardo riu ao ver que ela agia como a verdadeira Mariana que ele conhecia, mas repentinamente ficou sério e Mariana parou de brincar, pegando a sua mão.
– O senhor disse Pedro Queiroz – perguntou e ficou ainda mais sério. – Senhor Queiroz, eu não quero falar com o senhor pelo telefone e tenho os meus motivos, mas é imperativo que fale com o senhor. Encontro-me agora na Barra da Tijuca, mas já estou saindo agora mesmo para a sua casa. Por favor, me aguarde que o assunto é esse mesmo... sim... estou indo. Até breve.
Ricardo desligou e virou-se para Mariana.
– Desculpe, Jade, mas é muito importante. Trata-se do pai de uma pessoa que foi aparentemente assassinada e era no nosso círculo de amigos. Na verdade, ela era uma das suas maiores amigas e preciso de informações que me levem aos criminosos, pois acho que está relacionado comigo.
– Ela era sua amiga? – perguntou Mariana.
– Ela? – Ricardo riu. – Ela foi o meu grande amor até eu conhecer você, Jade.
– E era minha amiga? – Mariana ficou confusa. – Eu hein!?
– Quando recuperar a memória entenderá. Preciso ir, amor. Vejo vocês amanhã.
Ricardo beijou-a novamente e virou-se apressando-se quando ela gritou:
– Pegue todos eles, McGiver.
Isso deixou-o ainda mais feliz e ele virou-se, risonho, mandando um beijo.
― ☼ ―
Ricardo usou as sirenes e luzes para forçar passagem e conseguiu chegar a Copacabana rapidamente.
A entrada estava fechada, mas ele apresentou o distintivo ao segurança que lhe abriu a cancela. A casa da Camila era relativamente perto dali e o porteiro viu que ele dirigiu-se a ela, tocando à campainha. Logo depois a sua atenção foi desviada pela buzina de um morador que desejava entrar.
Ricardo não precisou aguardar mais do que dez segundos para a porta ser aberta.
– Senhor Pedro Queiroz?
– O próprio – respondeu o dono da casa. – E o senhor foi quem me deixou o cartão debaixo da porta com um recado. Entre.
– Sim – confirmou Ricardo, estendendo a mão. – Um dos garotos da vila deu-me essa notícia devastadora e que o senhor estava viajando.
– Eu estava, sim, mas quando a minha sobrinha veio cuidar das plantas viu o recado e me ligou.
– Bem, provavelmente o senhor nem se deve lembrar de mim, senhor Pedro, mas fui um grande amigo da Camila, uma época até bem mais do que isso...
– Sei muito bem quem é, filho, você era o herói dela esempre que a Camila falava de você os seus olhos brilhavam como estrelas cadentes. Só havia uma pessoa que ela amava mais que você: o infame do ex-noivo. Talvez nem isso, mas nunca entendi por que ela o largou até ao dia da sua morte.
– Por que motivo no dia da morte dela? – perguntou o delegado, pensativo. – O que foi que aconteceu.
– O laudo é acidente de trânsito. Eu chamo de assassinato. Venha, tenho uma coisa para você.
– Para mim?
– Mas quem ia querer matá-la? – perguntou Ricardo. – Camila era a criatura mais doce que eu já conheci.
– Tome esta carta. Desculpe, mas quando ela morreu abri-a, desconfiado de algo. Confiou a carta a mim, dizendo que se você aparecesse, deveria entregá-la a si. Ela foi taxativa em pedir que não confiasse em mais ninguém.
Com as mãos tremendo ligeiramente, Ricardo abriu o envelope e desdobrou a folha de papel.
"Querido Ricardo.
Se você está lendo esta carta é porque eu fui assassinada e um dos culpados da minha morte não deve ser ninguém menos que o Marcelo. Infelizmente, acho que você também já partiu desta para melhor, pois, após o atentado, nunca encontraram seu corpo. Mas, mesmo assim, fica esta carta aguardando. Ao contrário do que os jornais disseram, Mariana, sua Jade que você tanto ama, não está morta, mas sim em coma profundo. Marcelo, que se transformou tanto nestes últimos meses, jamais saiu do lado dela, então eu descobri tudo o que vinha acontecendo e o porquê dele não ter dado a mínima quando rompi o noivado: ele é perdidamente apaixonado por ela. Quando joguei isso na cara dele, respondeu que agora que você estava fora do caminho não se importava. Falou de um jeito que assustou muito e saí do hospital chorando muito. Quatro meses depois do atentado, fui lá ver como ela estava e coincidiu com o dia em que se recuperou do coma.
Ricardo, Mariana perdeu a memória e ele aproveitou-se descaradamente disso mentindo e se colocando no seu lugar. Zangada, eu saí dizendo que o ia denunciar e, entre dentes, ele respondeu que era melhor eu não me meter nisso.
Meu amor, eu não temo pela minha vida. Vim para casa escrever esta carta e, depois que terminar, vou à polícia e ao ministério público fazer a denúncia.
Às vezes arrependo-me tanto de ter terminado com você, pois confesso que nunca deixei de o amar e admito que o amo perdidamente, Ricardo. Só que eu não aguentava a preocupação de você ser policial e um dia eu acordar viúva...
Eu devia ter arriscado tudo, apesar que agora sei que teria sido um pouco curto, mas pelo menos talvez eu tivesse sido feliz como nunca. Cheguei a pensar em voltar, só que Mari apareceu na sua vida e a minha chance foi-se. Contudo, eu vi a sua felicidade e desejei tudo de bom.
O que mais queria, era ver você e Mariana casados, criando o vosso filho que ela carrega sem saber. Eu amo muito vocês os dois. A Mariana foi a amiga que eu sempre quis ter mas só fui encontrar muito tarde. Esta carta está assinada do meu punho e com as minhas digitais para provar a autenticidade.
Amo você e me perdoe por ter largado você. Espero que compreenda e esteja vivo para voltar e acabar com isto.
Da sua eterna,
Camila"
O Ricardo leu a carta duas vezes enquanto algumas lágrimas silenciosas caíram sobre o papel. Limpou o rosto com as costas da mão e dobrou a carta, guardando-a no envelope, sempre calado e Pedro Respeitou o silêncio.
– O senhor leu isto – disse aflito –, então sabe ou imagina o mal que me fizeram. Além da Camila, outros foram assassinados nesta trama diabólica, mas ela não devia ter passado por isso. Eu jurei fazer justiça e o senhor prepare-se para ver o que vai acontecer por aí. Só esta semana foram dezenas de criminosos abatidos a sangue frio. A Camila não merecia isto e só não me arrependo de o ter salvo daquele sequestro porque ela estava no carro, com ele.
– Filho, não transforme a sua vida em um mar de sangue.
– Ele roubou a minha mulher e quero-a de volta. Ainda não sei se foi ele que matou a sua filha, mas é o mais provável. Perdi três anos e meio da minha vida e nem mesmo tive a felicidade de ver meu filho nascer. Meses em coma. Levei tantos tiros que parecia uma peneira. Nem sei como estou vivo, mas estou e vou pegá-los, pode ter a certeza.
– Obrigado por se importar com ela. Vejo que as suas lágrimas são verdadeiras. Só espero que não o matem.
– Já fizeram isso uma vez e nunca mais conseguirão. Tome, considere isto como um seguro de vida dela – entregou-lhe um cheque de uma quantia muito elevada. – Sei que não a trará de volta, mas é uma ajuda para a sua velhice.
– Não posso aceitar, é demasiado dinheiro.
– Por favor – insistiu Ricardo. – Tenho muitíssimo mais que isso e não preciso. Este é o meu número. Se precisar de mim, ligue.
Ricardo foi para o carro e sentou-se. Abraçou a direção e encostou o rosto nela, fechando os olhos e pensando. – "Marcelo, se foste realmente tu, nem imaginas a merda que fizeste, tchê. Quando eu acabar, desejarás a morte, mas não a terás."
Ligou o motor e saiu devagar por causa das crianças, mas um segurança parou-o na cancela.
– O senhor está bem? – perguntou. – Eu vi que saiu da casa do seu Pedro muito aflito. Precisa que chame alguém, alguma ajuda?
– Não, meu amigo, apenas acabei de descobrir que uma pessoa muito especial para mim morreu de forma estúpida.
– Camila. Todos nós sofremos. Ela era muito amada aqui na rua, sempre atenciosa com as crianças e os animais. Sinto muito pela sua perda. Tem a certeza que está em condições de dirigir? Não quer parar na guarita e tomar um café?
– Estou bem, obrigado por se importar.
– Por favor, pare ali e venha tomar um café. Posso contar algo mais e sei quem você é. Não engoli a história da filmagem na TV naquela Ferrari e sou bom de fisionomia.
Com a curiosidade aguçada, Ricardo desceu do carro e foi até à guarita, onde três outros seguranças aguardavam. Um deles estendeu um copo de plástico e serviu café da térmica. O que o havia parado, começou a falar.
– Delegado, somos todos policiais militares aposentados. Quando o acidente aconteceu foi a dois quarteirões daqui e um dos nossos viu tudo. Ela saía no carro e um caminhão de lixo bateu de frente. Só que o lixeiro mudou a direção de propósito, para colidir. Quando abalroou o veículo, dona Camila ainda estava viva. Eles saíram e deram uma marretada na nuca dela. Ele – o homem aponta um dos colegas – saiu correndo atrás deles e matou um com um tiro. O outro fugiu. Nós testemunhamos para a polícia, mas o caso foi arquivado por falta de provas e o corpo do assassino sumiu misteriosamente. Isso, foi feito por gente graúda, muito graúda. Temo que o senhor corra perigo, mas se precisar de algum apoio, conte conosco. Nós amávamos muito dona Camila.
– Eu já comecei a limpeza na segunda, não se preocupem. Fiquem de olho na TV. – André terminou o café e continuou. – Bem, obrigado pelo café e fiquem de olho na TV que vai tocar filme de terror. Agradeço o apoio, senhores.
― ☼ ―
Ricardo voltou para o carro e foi para casa. Já estava ficando escuro quando o telefone tocou.
– "Oi McGiver, onde se meteu?"
– Estava em Copa, Lena. Demorei por causa do trânsito. Daqui a pouco chego.
– Ok.
Quando chegou a casa, foi direto para o quarto e trocou de roupa. Desanimado, sentou-se na cama e olhava a carta, triste. Lena chegou, sorridente, mas seu sorriso foi-se esvaindo ao ver a sua cara triste.
– Você esteve com ela de novo – constatou, preocupada. – Sinto o cheiro. Puxa vida, pra quê se flagelar assim?
– Estive, mas essa foi a melhor parte do meu dia, Lena – estendeu a carta. – O pai da Camila me ligou e fui bater um papo com ele.
Lena leu a carta em silêncio e ergueu os olhos, esperando que ele falasse.
– Todos os que sabiam do passado dela comigo morreram em acidentes estranhos foram assassinados, todos – concluiu. – Isso não pode ser coincidência. É estatisticamente improvável. Apesar da carta não provar nada, eu conhecia a Camila bem demais, até. Ela dirigia excepcionalmente bem e tem mais uma coisa: um dos seguranças da vila onde mora testemunhou o assassinato.
– Qual a sua conclusão, amor?
– Não é óbvio? – perguntou, triste. – Marcelo, além de ter enganado a minha noiva, também é cúmplice de assassinato.
– É o que dita a lógica e a razão – disse Lena. – Mas agora, precisamos de aprofundar os relacionamentos. Temos duas situações: A: Vocês praticamente foram mortos por criminosos; B: Marcelo pegou sua noiva, casou com ela e todos os que sabiam estavam de vocês dois morreram; C: segundo o vídeo do recreio, o deputado disse que eles têm um envolvimento parcial e sabemos que a loja da sua noiva é usada para lavagem de dinheiro. Você investigava corruptos, criminosos, e seu amigo fingiu aliar-se a eles Será realmente que fingiu. Onde mais ele conseguiu poder para se livrar de todos?
– Sim, ele deve ter-se corrompido, sem sombra de dúvidas. E por minha causa, um monte de gente boa morreu.
– A culpa não foi sua, Ricardo. – insistiu Lena. – Você é tão vítima quanto eles.
– Precisamos incluir o Marcelo na relação de investigados, anjo.
– Ele está na minha lista faz quase quatro anos e nunca saiu, amor – disse a delegada. – Além disso é o que venho fazendo desde que tenho trabalhado sozinha com seus computadores. Eu tinha um diretório com os e-mails dele e adivinhe: abriram com a mesma chave dos outros.
– Então agora não há mais dúvidas.
– Nunca houve, amor. – Lena puxou-o. – Venha, vamos jantar que fiz uma coisa gostosa para nós dois.
No caminho, Ricardo disse:
– Amanhã temos que combinar uma forma de o desconsertar.
– Sim, temos.
Enquanto Lena o servia, Ricardo disse:
– Lena, obrigado.
– Obrigado por quê?
– Por não ter "dito eu te disse."
– De nada – deu uma risada e continuou. – Mas que eu te disse eu disse.
– Madalena!
– Se você me chamar assim de novo eu toco esta frigideira na sua cabeça – ameaçou-o, mas Ricardo viu o sorriso dos olhos e encolheu os ombros.
– Daí vai perder o melhor colega do mundo.
– Você não tem jeito. – Ela aproximou-se e sentou no seu colo, beijando-o. – Mas eu o amo mesmo assim.
Ricardo afastou-a e ela entendeu que rolou alguma coisa entre ele e a Mariana, mas não perguntou nada. Quando terminaram, limparam a cozinha e subiram para dormir. Ricardo dormiu quase imediatamente, mas ela custou a pegar no sono, pois pensava muito em tudo.
Sabia que as coisas não iam durar, mas queria aproveitar cada segundo com Ricardo, pois ele não só precisava dela, como ela precisava muito dele e Ricardo acabava cedendo aos seus encantos por conta da fragilidade. Por outro lado, o fato dele ter rejeitado os seus beijos no jantar, era certo que ele e a Mariana tinham reencontrado alguma coisa. Ficava triste com isso, mas ficava feliz por ele, como sempre foi. Ama tanto o amigo que deseja ardentemente que ele recupere a noiva, porque só assim será feliz.
Quando tudo estivesse resolvido, decidiu que ia sair novamente e procurar pelo seu par. Afinal, ela ajudava-o a recuperar a Mariana mas não adiantava fazer como antes, esquecer tudo o resto e pensar apenas nele. Pensou no filho do chefe e sorriu, adormecendo satisfeita.
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