Capítulo 10 (não revisado)
Chocado e muito triste, Ricardo dirigia calmamente pela Conde de Bonfim já perto da subida do Alto da Boa Vista. A subida começou a ficar mais íngreme e a floresta em volta reduziu um pouco a forte luminosidade. Como gostava muito daquele trecho cuja temperatura era consideravelmente mais amena, desligou o ar-condicionado e abriu a janela, inalando o ar impregnado com os cheiros da natureza. Apesar disso, tratava-se de um gesto quase mecânico pois não desfrutou desse prazer. Quanto mais se aproximava de casa, mais a realidade do que descobriu lhe pesava nos ombros e começou a sentir uma pequena dor de cabeça.
Em casa, subiu direto para o quarto e tirou as roupas, colocando uma calça de quimono de seda. Não encontrou a parte de cima, mas como estava quente simplesmente deitou-se na cama e fechou os olhos.
Não demorou muito e Lena entrou no quarto, toda sorridente e vestindo o quimono dele, que mais parecia um vestido nela além de ficar muito sensual. Ele virou-se e voltou a fechar os olhos, enquanto a amiga dizia:
– Oi, McGuiver, por que não desceu? – perguntou. – Puxa vida, você nem olhou para mim...
Ela deu-se conta de que havia algo muito errado e aproximou-se, continuando a falar:
– O que houve, amor?
– Mortos, todos mortos.
– Quem está morto, Ricardo? – perguntou ela, aflita. – Você está-me assustando.
– Todos, Lena – respondeu com um suspiro, sem nem mesmo abrir os olhos. – O dono do bar, o porteiro do prédio, a gerente da loja mais três vendedoras... mas o pior é a Camila, anjo. Ela não merecia um fim assim.
– Ó, meu Deus – disse baixinho, quase um murmúrio. – Mas como?
– Ainda não sei. – Ricardo virou-se de costas. – Minha cabeça dói, Lena, e meu coração mais ainda.
– Eu sei, meu amor. – Ela aproximou-se e fez-lhe cafuné devagar enquanto enxugava uma lágrima. – Durma um pouco e esqueça isso por enquanto. Depois vamos analisar os fatos. Agora, apenas descanse.
Deitou-se ao seu lado e abraçou-o, continuando a fazer cafuné. Ela sabia perfeitamente que a Camila foi um grande amor dele. Rápido, mas bastante intenso e que ele sempre amou muito a garota, mesmo após conhecer a noiva.
Isso, de certa forma preocupava-a, pois ele já estava muito fragilizado com o ocorrido em relação à Mariana. Quando sentiu que Ricardo adormeceu pensou em voltar para os computadores, mas acabou preferindo ficar com o colega e, sem se dar conta, ela mesma acabou adormecendo por uma hora. Quando acordou, puxou Ricardo para si e beijou-o fazendo com que acordasse lentamente enquanto voltava a acariciar seus cabelos num suave cafuné.
Ao abrir os olhos e ver as grandes e belas bolas negras que eram os da amiga, ele sorriu, agradecido.
– Melhor, McGiver?
– Sim, Lena, obrigado por isso – respondeu. – Saber dessas mortes foi um choque. É um rastro de sangue enorme que precede a Jade.
– Agora que você está melhor, precisamos discutir isso, amor. Não acha um excesso de coincidências?
– Qual a sua opinião? – perguntou Ricardo, sabendo a resposta de antemão.
– A minha opinião é o que eu desconfio desde que tentaram matar você: que seu amigo Marcelo é o grande responsável. De alguma forma, ele se juntou ao crime e tornou-se um deles, tomando a Mariana como um troféu. É o que penso.
– E em que grau de probabilidade você enquadra a sua tese?
– Perto de cem por cento, amor.
Ricardo estava com a cabeça no seu colo, que permanecia sentada na cama acariciando-o. Ergueu os olhos direto para o rosto dela e disse:
– Existe uma probabilidade de ser verdade, até mesmo elevada, só que ele não pode ser o culpado.
– O quê? – questionou Lena, um tanto exaltada. – Você tá louco, Ricardo? Olhe, me desculpe, mas você está com o seu juízo muito afetado. Esse sujeitinho é o pivô de uma série de situações horríveis. Quem se interessaria em matar todas essas pessoas senão ele que é o maior beneficiado com o silêncio?
– Lena...
– E tem mais, desde que você saiu de circulação, eu venho desconfiando dele e você sabe muito bem que a minha intuição é tão forte que você até chama de bruxaria, ou esqueceu? Eu tenho certeza...
– Mas que droga, Madalena – disse Ricardo, erguendo um poco a voz. – Me deixe explicar em vez de me interromper.
– Você sabe que detesto quando me chamam de Madalena...
– Que diabo. – Ricardo estendeu a mão para a mesa de cabeceira e pegou o telefone, mostrando para a amiga. – Olhe esta mensagem que ele me mandou hoje mais cedo.
Lena pegou o aparelho e leu:
"Ric, o senador Bento Falcão andava discutindo umas coisas ao telefone e pesquei umas informações. Ele estava de saída para o Rio ainda esta manhã e falava em emboscada. De alguma forma que desconheço, ele sabe que você está vivo e aqui. Falou em um informante na federal. Ele falava que os deputados da 'turma' vão para o Rio esta noite e descobri que existe um quarto deputado que desconheço o nome, mas que deve ser o chefe. Tome cuidado, pois ele falou em 'arrancar o mal pela raiz esta noite mesmo.' Infelizmente, eles não confiam mais em mim e nem posso estar aí para ajudar pois tenho compromissos que não posso falhar em hipótese alguma.
Tome muito cuidado pelos próximos dias, especialmente hoje, M. G."
Ela devolveu o telefone e disse:
– Mande uma mensagem de agradecimento e pergunte-lhe o que aconteceu com a loja da Mariana.
– Boa ideia – disse, Ricardo, obedecendo. Não demorou muito e veio a resposta:
"De nada, meu camarada. Não sei a quantas vai a loja porque, na época, falei com um deputado meu amigo se ele conhecia uma administradora capaz de gerir a rede de lojas e passei uma procuração para eles. A Mari não está capaz de administrar a empresa dela e eu não tenho tempo. Por quê? Tava a fim de comprar a rede?"
Ricardo respondeu que era só curiosidade, pois não entendia nada de moda – mas que poderia pensar no assunto – e disse para a amiga:
– Como você pode ver, isso invalida a sua teoria...
Lena suspirou, quase bufando e retrucou:
– Obvio que não e seria muito bom descobrir quem foi esse deputado e que administradora é. Ele pode estar a fazer isso para ganhar sua confiança e se livrar da concorrência, mas admito que a probabilidade reduziu muito, só que sei que ele andava de conchavo com nossos suspeitos.
– Sim, andava – disse André. – Eu mesmo o orientei a fazer isso.
– Agora você me deve explicações – exigiu ela –, e é melhor que seja bem convincente.
– Na época não lhe falei porque a vida dele corria perigo e não quis arriscar nada, mas ele foi ameaçado e convidado a juntar-se a eles...
Ricardo contou toda a história e Lena ouviu atentamente.
– E você ensinou esse diabo a atirar! – disse, irritada. – Francamente, McGuiver, espero que você não tenha cometido um erro crasso.
– Mesmo depois do que lhe disse você ainda o considera culpado? – Ricardo ergueu-se, um tanto aborrecido. – Francamente digo eu.
– Me perdoe, meu amor, mas considero sim – replicou a garota, séria. – Não gosto dele e acho ele podre. Sinto muito, mas, mesmo assim, vou dar o benefício da dúvida só por sua causa.
– Obrigado na parte que me toca – respondeu, levantando-se e indo para o closet. – Vou tomar banho que tenho que bancar a isca. Você não acha que se ele fosse realmente culpado, ia mesmo era desejar que eu fosse morto hoje?
– Não se for para eliminar concorrência. Não se zangue, McGiver. Afinal o tempo dirá quem está certo. – Ela levantou-se e seguiu atrás dele, despindo-se. – Onde vamos?
– Jantar. Não almocei e estou com fome.
Tomaram banho e Ricardo escolheu um conjunto esportivo com paletó leve que lhe permitiria esconder um arsenal. Desceram para a sala dos computadores e ele abriu um armário de aço, tirando várias armas, especialmente brancas. A última coisa a pegar foi a espada e Lena riu. Enquanto caminhavam para a garagem, ela observava a espada até que disse:
– Vai mesmo usar uma espada quando carrega uma automática no paletó? – perguntou, rindo. – Isso não me parece muito lógico!
– Já pensou no efeito psicológico, Lena? – abriu a porta do carro e fez sinal. – Entre.
Colocou a espada entre o banco e a sua porta, saindo em seguida direto para a Barra procurar um restaurante.
– Uma moto segue-nos.
– Acha que ela vai atacar?
– Não. É só o piloto. Serve apenas para nos seguir e ver onde vamos. Acho que vão usar uma turma grande. Olhe, este aqui parece bom.
― ☼ ―
No aeroporto de Jacarepaguá, uma equipe da televisão preparava-se para decolar. O objetivo era uma reportagem para o jornal da noite falando sobre as férias do meio do ano e do trânsito praticamente vazio a cidade. Eram três pessoas: o piloto, o repórter e o câmera. Os dois últimos já repassaram todo o planejamento e o aparelho foi revisado, com a decolagem iminente. Em primeiro lugar, decidiram ver a Barra.
– Mais uma daquelas saídas calmas e entediantes – disse o câmera para o repórter, sorrindo muito. – Não sei por que tantos colegas não gostam de sair no helicóptero.
– É verdade – concordou o parceiro – eu gosto de voar, mas muitos deles acham ruim.
– Prontos? – perguntou o piloto.
– Vamos nessa, parceiro.
O rotor começou a girar mais rápido e o aparelho subiu lentamente para o ar. Tranquilo, o câmera ia preparando o seu equipamento, testando as imagens que estavam ótimas. Ele sorriu e deu seu aval:
– O equipamento de vídeo está pronto.
― ☼ ―
Entraram em um restaurante agradável que tinha bufê com grelhados e, também, frutos do mar mais comida oriental. Um músico tocava o seu violão e cantava com uma voz bem agradável. Jantaram muito bem, já que não haviam almoçado. Impaciente, Ricardo olhou o relógio e disse:
– Dez horas, tá na hora. Eu tenho um compromisso antes da uma. Vamos? – pagou a conta e ambos saíram abraçados, como se fossem um casal de namorados. Mal entraram na Avenida das Américas, em frente ao Shopping Down Town, Ricardo notou que era seguido.
– Lena, temos companhia da pesada. São seis carros e duas motos. Ponha esse cinto de segurança que vou para a pista central em direção ao Recreio dos Bandeirantes. Quero evitar vítimas entre o povo.
– Ok. – Ela pôs o cinto. – Qual é o plano.
– O plano? – perguntou Ricardo. – O plano é bem simples, matá-los e interrogá-los, não exatamente nessa ordem, claro.
– Claro, amor. – Lena deu uma gargalhada. Ela gostava do sarcasmo que o seu superior às vezes tinha.
Ricardo pisou fundo no acelerador e o Mustang começou a rugir, disparando como uma bala. Lena, sentindo-se prensada contra o banco, olhou o mostrador que subia lentamente, já marcando oitenta.
– McGiver, seu velocímetro tá com defeito. Só marca oitenta e uns quebrados, mas estamos voando baixo!
– Estamos a quase cento e quarenta, Lena. Isso são milhas por hora – explicou o colega, sempre calmo. – Eles têm carros bons, mas eu quero pegá-los, então vou deixar que se aproximem. Prepare sua arma e pegue uma escopeta que está escondida debaixo do seu banco. Passe-a para mim.
– O que vai fazer com esse canhão de bolso? – perguntou, pegando o artefato com alguma dificuldade.
– Explodir o que se aproximar primeiro. Consegue atirar em pneus?
– Sim, consigo. Para mim é muito fácil.
– Ótimo, pois vamos fazer um senhor estrago – afirmou Ricardo, com um sangue frio de dar inveja. – Vai ter defunto pra dedéu.
– Acho que o chefe não vai gostar muito. – Ela deu uma risada e continuou. – Afinal fica bastante difícil esquecer a reação dele, como, por exemplo, um certo sábado do qual ainda me lembro perfeitamente...
– Preferia não pensar nesse assunto, Lena – pediu, interrompendo. – Está pronta?
― ☼ ―
No alto, sobre a Avenida das Américas, o helicóptero preparava a reportagem a respeito da falta de movimento nas ruas, mas não estavam ao vivo. Enquanto o repórter dizia o texto que preparou, mais lendo do que olhando para as ruas, o câmera não perdia uma imagem. Por isso, não lhe foi nada difícil interceptar a perseguição dos seis carros atrás do Mustang. Rapidamente virou o rosto para o colega e gritou, cutucando-o com o cotovelo:
– Rápido, chame o pessoal do estúdio e peça para entrarem ao vivo. Temos um crime em andamento e estamos pegando em primeira linha. – Depois disso, colou toda a atenção nas câmeras, sem perder uma única imagem.
A equipe do estúdio, ao ver o que ocorria, descobriu uma oportunidade única e abriu a vinheta de emergência.
– "Senhores telespectadores interrompemos o nosso programa para mostrar o flagrante de um crime em andamento. Mais detalhes com o nosso helicóptero de plantão." – A imagem dos carros apareceu imediatamente, enquanto a voz do repórter começava a narrar com aquele barulho típico do interior das aeronaves.
– "Aqui, na Avenida das Américas, seis carros e duas motocicletas estão perseguindo aquele Mustang vermelho cujo motorista parece ter muita perícia, correndo feito um louco para evitar os atacantes" – começou. Logo depois, viu os clarões dos disparos, continuando mais alto. – "Mas o que é isso? Os ocupantes dos carros estão atirando e o nosso fugitivo muda constantemente de direção para não ser atingido. Meu Deus, ele quer briga!"
O helicóptero não perdia uma cena. Fascinados, o câmera e o repórter filmavam e narravam tudo, pois eram muito bons e sabiam o que fazer, já que ambos trabalhavam juntos há alguns anos, estando bastante entrosados e quase não precisando de palavras para operar. O câmera pediu ao piloto para descer mais e, mesmo violando algumas normas, ele desceu pois estava tão curioso quanto os outros. Por isso, observavam a cena de cadeira cativa e sem perderem um detalhe que fosse.
― ☼ ―
– Ei, Lena, isso não é arma. – Olhou o trinta e oito, inclinou-se sobre ela e abriu o porta-luvas, tirando uma nove milímetros do fundo falso. – Tome.
– Não achei que fosse precisar de algo mais forte. Então, só tinha trazido esta. – Pôs o revólver no lugar da pistola e pegou nela, destravando-a.
– Anjo, não quero que a vejam pois há um helicóptero da TV bem em cima da gente. Vou rodar o carro e atirar no mais próximo. Você acerta os pneus dos outros, mas tome cuidado.
– Ok. – Em uma manobra bastante ousada, Ricardo fez o carro derrapar cento e oitenta graus, ficando de frente para os inimigos. Pela janela aberta, pôs a escopeta para fora e atirou. O estrondo foi enorme e o motor do carro da frente explodiu, capotando e pegando fogo na hora. Do outro lado, uma mão feminina efetuou vários disparos. Os cinco carros restantes rebentaram os pneus e, quase descontrolados, pararam atravessados na rua. As motos colidiram e os seus passageiros foram catapultados, voando cerca de vinte metros e morrendo instantaneamente. Ricardo freou o seu carro, que agora andava de ré, e acelerou fortemente até ficar perto dos quatro cadáveres dos motoqueiros, saindo com a espada às costas e, nos bolsos, shurikens, mas a arma de fogo ficou dentro do paletó para ser usada por último. Correu para o lado, afastando-se do carro, ao mesmo tempo que dois sobreviventes do primeiro veículo conseguiram fugir pela janela de trás. Dos outros carros, saíram mais de vinte pessoas armadas e atirando nele, que se desviava rápida e habilmente.
A cada movimento seu, um shuriken era lançado e um criminoso caía em agonia, pois a estrela mortal atingia pontos fracos do organismo que provocavam hemorragias fatais e muito dolorosas. Por isso, caíam no solo mas ainda iam levar um bom tempo agonizando, pois Ricardo, implacável, era um perito no uso dessas armas. Após o décimo arremesso, ficou sem as estrelas, sobrando apenas nove homens vivos.
Preocupado, o delegado notou que o helicóptero aproximava-se demais e fez sinal que se afastasse. Ao mesmo tempo, do carro mais à frente saiu um homem de metralhadora na mão. Assustado, Godói começou a correr para o lado, temendo ser atingido por uma rajada, mas o criminoso virou-se para o helicóptero e disparou sem aviso prévio.
― ☼ ―
– Ele está apontando para nós – gritou o câmera. – Fuja, piloto, suba essa m...
O piloto tentou desviar e arremeter, mas sentiu o rotor parando de responder corretamente e a aeronave girando sobre o próprio eixo.
– Fomos atingidos – gritou, expressando medo –, segurem-se que vou tentar um pouso de emergência.
Com muita dificuldade, o piloto procurava estabilizar o aparelho que girava sem parar. Os equipamentos de televisão foram atingidos na segunda rajada, parando de funcionar, mas o cinegrafista, que não queria perder nada e tinha muita presença de espírito, agarrou em uma câmera portátil, um equipamento experimental, continuando a filmar e comentar, apesar de estar apavorado e provavelmente não se entender grande coisa, pois o seu colega berrava sem parar.
O aparelho teve o seu movimento de rotação controlada, mas a descida era cada vez mais rápida e difícil de conter. Felizmente, já estavam próximos da rua, que ficou vazia devido aos carros atravessados. Com um impacto não muito suave tocaram o solo.
Imediatamente o câmera saiu correndo e o repórter ficou paralisado, tremendo de medo, enquanto o piloto saltava e convencia-o a sair do aparelho para escaparem de uma possível explosão que, felizmente, acabou não acontecendo.
O repórter estava tão desconcertado, que precisou de ser puxado pelo piloto, que desejava afastar-se do aparelho só que passageiro era sua responsabilidade.
― ☼ ―
Ricardo viu o helicóptero tentar fugir, mas sendo atingido e uma fumaça preta começando a sair do rotor. Após disparar duas salvas, o criminoso virou-se para matar o delegado e apontou a metralhadora na sua direção.
Vendo que o homem se preparava para atirar e que, se a rajada fosse contínua não teria chances palpáveis de escapar, Ricardo puxou a espada e arremessou-a com toda a força que possuía. A arma voou como uma flecha e atingiu o agressor em cheio no abdômen, penetrando o fígado. A violência do arremesso foi tamanha que a lâmina saiu pelas costas e perfurou a lataria do veículo, que era bastante fina. O criminoso, mortalmente ferido, ficou preso, estaqueado.
Farto de brincadeiras, o delegado usou a nove milímetros e atirou nos demais bandidos, sempre tiros certeiros, mas que os deixavam vivos e incapazes, para sentirem toda a agonia que provocavam às pessoas, especialmente a si mesmo.
Guardou novamente a pistola, pois sabia que Lena estava de vigília, e caminhou tranquilamente para o homem da metralhadora, que olhava Ricardo incrédulo e como se este fosse um fantasma. Atrás, ouviu os passos do cinegrafista e o policial fez sinal com a mão para ele não se aproximar demais. Tirou a metralhadora da mão do criminoso e jogou-a longe, enquanto o sujeito balbuciava:
– C... como f... fez isso? – perguntou. – Vo... vo... você dev...ia es...tar mor...to...morto!
– Nem mesmo o diabo me quis no inferno, senador – respondeu Ricardo, falando, com uma frieza dura. – Reconheço o senhor. Eu investigava-o quando algum engraçadinho destruiu a minha vida e agora as consequências serão sempre estas: mortes lentas, muito dolorosas e cruéis. Onde está a criança sequestrada?
– Vá...se fo... der – afirmou o Senador, com dificuldade por causa das dores.
– Resposta errada. – Ricardo remexeu a espada e o homem gritou. – Diga onde ela está e liberto-o da espada.
– Já... disse que... se... fo... desse. Aiiii. – Na terceira, informou onde estava a menina do Gomes. Como prometeu, André arrancou a espada, mas o homem já estava para lá de qualquer salvação e ele sabia disso perfeitamente. Agachou-se, abriu o seu casaco e tirou-lhe o celular, guardando-o no paletó.
– O senhor não devia ter mandado que me matassem, senador.
– Ma... Mar...
– O deputado Martins terá a sua vez, pode ter a certeza, e será o último, onde o pior dos castigos será reservado para ele, pois não morrerá. Só que passará o resto da vida em martírio.
– Ma... mate-me. A... dor é... in... supor... tá... vel.
– A dor purifica a alma, senador. Aguente a sua assim como eu aguentei a minha por quase quatro anos. – Abaixou-se novamente e limpou a lâmina na roupa do homem. O câmera aproximou-se mais da cena e filmou tudo, até o diálogo final.
– Quer filmar mais? – perguntou Ricardo, virando-se para ele.
– Claro! – disse, entusiasmado. – Isto é a chance da minha vida.
– Com três condições, nem o meu rosto nem o da minha colega devem aparecer, assim como este diálogo. Eu quero uma cópia completa e vocês somente levarão a público o que for autorizado. Depois que tudo estiver resolvido e a quadrilha desmantelada, poderão mostrar na íntegra, do contrário, vão afastar os passarinhos.
– Combinado, vai resgatar a menina?
– Sim. – O telefone do delegado tocou e ele atendeu. – Oi, chefe.
– "Você enlouqueceu, Ricardo? Isso passou em todas as televisões do Brasil, cara!" – Falou tão alto que até o repórter ouviu.
– Ótimo, chefe, assim vão ficar todos cagados.
– "Ricardo, você matou um senador! Reconheci o rosto dele."
– Legitima defesa, chefe. O cara disparou uma metralhadora contra o helicóptero da televisão e depois apontou para mim, então não tive escolha. Afinal, eles atacaram-me e todo o Brasil viu. Agora escute: tenho o endereço de onde levaram a filha do Gomes. É no Recreio e vou resgatá-la. – Passou os dados. – Mande um helicóptero, mas espere eu salvar a menina. Lena ligará. Adeus.
– "Cuide-se, filho, e acabe com todos esses filhos da puta. O mundo ficará bem melhor sem eles. Ainda bem que o helicóptero não transmitiu tudo ao vivo. Quando foi atingido, o sinal caiu."
– Entre no carro e segure-se que vou correr bastante. – Ricardo pegou no telefone e falou em japonês. – Mestre, a filhinha de um dos nossos colegas foi sequestrada e ele era obrigado a passar informações para a quadrilha. Precisamos de salvar a criança.
– "Vi você na TV, filho, e noto que aprendeu realmente bem. Onde podemos achar a criança? Suponho que obteve a informação com os criminosos antes de os matar. Quando acertaram o helicóptero, o sinal caiu e não vi mais nada."
– Mestre, graças a Deus estão a cem metros da sua casa. Pode ir na frente e cuidar para que não fujam? Se viram a TV, podem estar pensando nisso. Eu estou a caminho, mas aguarde por mim que não demoro a chegar.
A mais de duzentos por hora, para pavor do câmera, chegaram rapidamente ao endereço. André saiu do carro, tirando o paletó, a camisa e as calças. Por baixo, envergava um traje todo negro, muito justo.
– O que diabo o senhor é? – O câmera, cada vez mais espantado, não perdia uma imagem. – Algum maluco metido a super-herói?
Ricardo sorriu, pôs o capuz e correu os cem metros que o separam da casa do senador. Quando lá chegou, uma sombra movia-se e ele encontrou o mestre Ishiro.
– A casa está minada de seguranças armados, filho.
– Se necessário vamos matá-los pois eu não estou para brincadeiras.
Ishiro foi para um lado e Ricardo para outro, enquanto a Lena mandava vir o helicóptero da federal. Ela empunhava a nove milímetros do colega e avançava sorrateiramente, acompanhada do câmera que se amaldiçoava por não ter luz noturna. Contudo, a máquina era muito sensível e conseguia filmar bem, embora com menos nitidez.
Silenciosamente, os dois ninjas pularam o muro, cada um por um extremo, e foram eliminando os guardas. Evitavam mortes desnecessárias mas nem sempre conseguíam. Ishiro fez sinal que entraria pelos fundos, afastando-se. Ricardo subiu pela parede e entrou em um dos quartos do andar de cima.
Segundos depois, ouviu-se um grito de criança e muito barulho de pancadaria, chamando atenção de todos os seguranças da casa. Com a criança no colo, Ricardo desviou de um tiro e desferiu um forte chute no bandido, que voou pela janela, estilhaçando-a e caindo no pátio, morto. Caminhou para a porta sempre protegendo a menina que chorava. Um segundo criminoso alcançou-o e repetiu a dose anterior, fazendo-o voar pela janela. Ishiro fez o mesmo com mais seis e foi dar apoio ao pupilo.
Quando ouviu os tiros, Lena soltou uma sonora praga e, com a arma em punho, pulou o muro correndo abaixada em direção à casa. Mal se aproximou, voltou a silenciar tudo. Nesse momento a porta abriu e ela empunhou a pistola já pronta a disparar, mas era apenas Ricardo saindo com a criança ao colo, que ainda chorava baixinho.
Após acalmar a menina, tirando o capuz e tranquilizando-a com aquele jeito especial que tinha com as crianças, confirmaram que era a filha do Gomes. Ela, sentindo-se protegida e a salvo, adormeceu no colo do seu salvador. Minutos depois, ouviram um helicóptero descer ali perto e saíram duas pessoas.
― ☼ ―
Gomes desceu ansioso e sem saber o que lhe esperava. Tremia de ansiedade e medo, mas não parava de caminhar ao lado do Ferreira. Quando viu uma criança no colo de um homem de preto, correu desesperado para lá procurando a filha, mas, quando chegou mais perto, reconheceu Ricardo. Assustado, Gomes reduziu a velocidade no momento em que o colega se virou e viu seu rosto. Com cuidado, afagou a criança, despertando-a delicadamente e mostrando Gomes. Ela viu o pai e estendeu os bracinhos para ele, que voltou a correr esquecendo-se de tudo o resto. Ricardo estendeu-lhe a filha e o agente apertou-a contra o peito, olhando para o colega, quase chorando:
– McGiver, obrigado por salvá-la e desculpe pelo que fiz. Você não imagina o que é o desespero de um pai.
– Hoje eu sei o que é um desespero de um pai, Gomes, e não guardo rancor. Afinal, quem saiu perdendo não fui eu. A sua menina é muito bonita.
O pai da criança não ouvia mais nada. Abraçava-se a ela e acariciava-a feliz até que ela agarrou-se ao seu pescoço e adormeceu novamente. Nesse momento lembrou-se de ligar para a esposa.
– Ela está bem, amor, dormindo no meu colo. Eles pegaram todos... O sequestrador era esse mesmo, o senador.
Otávio aproximou-se do Ricardo.
– Quantos, desta vez? – perguntou laconicamente.
– Chefe, quinze mortos lá dentro, vinte desmaiados e doze mortos aqui fora. Acho que oito deles pensavam que podiam voar pela janela, só que estavam enganados. – Apontou os corpos caídos perto das paredes. – Os vivos foram amarrados, mas vão levar algumas horas para acordar. Com isso, temos noventa e quatro criminosos fora de combate.
– Ótimo. Eles devem estar ficando sem recursos. – Otávio virou-se para uma sombra e continuou em japonês. – Ishiro, obrigado por salvá-lo. – O japonês apareceu no meio deles, tirando o capuz e dando um sorriso para o chefe.
– Aquele que se sente parte pai, faz tudo pelo filho – respondeu.
Cumprimentaram-se e Ishiro foi embora, desaparecendo nas sombras como se jamais tivesse estado ali. O chefe ficou olhando por um tempo até ele sumir no breu da noite.
– Chefe, leve a Lena para a minha casa. Tenho uma coisa para fazer e estou quase atrasado.
– O que pretende fazer agora, Ricardo? – Lena demonstrou preocupação.
– Calma, vou visitar uma viúva, possível vitima desses caras. Quero dar-lhe um cheque pois é gente simples e deve estar com dificuldades.
– Então vá, estarei lá – apertou-o forte –, que noite, McGiver!
Ricardo voltou a entrar no carro e saiu disparado. A pequenina, que acordou com o barulho do veículo, estendeu o braço para dar adeus. Ele parou em um canto escuro, trocou-se novamente e aprumou-se a uma velocidade absurda para poder chegar a tempo. Quando passou no lugar do primeiro confronto, havia várias viaturas da polícia, bombeiros e televisões, filmando, recolhendo provas e fotografando tudo. Eles só viram o Mustang quando este já havia passado, indo a uma velocidade absurda na direção oposta, encostando no bar poucos minutos depois.
Ainda havia dois fregueses grudados na TV do quiosque, vendo o jornal e bebendo. Naquele momento passava a reprise do que ocorreu antes do sinal cair.
– Caralho, que banho de sangue – afirmou um dos fregueses, incrédulo – esse cara não existe. Só pode ser montagem. É impossível desviar das balas!
– Você não viu que isso foi ao vivo, irmãozinho? – insistiu o segundo, rindo. – O cara é bem real.
– Oi, delegado – disse o atendente –, que estrago!
– O senhor é delegado? – perguntou o primeiro. – Confirme para o meu amigo que isto só pode ser uma montagem. Ninguém desvia de ba...
Ele parou de falar e estendeu a mão para o carro, dizendo:
– Mas aquele é o carro que estava sendo perseguido!
– Não posso provar, mas há uma forte probabilidade de que ele fosse um dos criminosos responsáveis pela morte do seu pai – explicou Ricardo. – O triste é que ele era um senador, mas escolheram a pessoa errada para tentar assassinar.
– Amigos – disse o rapaz – preciso fechar. Terminem a cerveja fora e não precisam pagar. Essa é por conta do meu pai.
Pouco depois estavam a caminho de Jacarepaguá e o rapaz mostrou um condomínio de classe média baixa. – Ali, apartamento duzentos e três.
– Obrigado. Cuide-se e não gaste todo o dinheiro. Na poupança você tira uns dez mil por mês, só de juros. Mas não feche aquele quiosque que ele é tudo para mim.
– Obrigado pela dica. Jamais me esquecerei.
O delegado subiu as escadas e caminhou por um corredor escuro, procurando o apartamento da viúva. Quando encontrou, bateu na porta e uma senhora já com uma certa idade abriu, olhando pela fresta. Ela aparentava ter uns cinquenta e cinco anos e o olhar era triste, com todo o jeito de ser paraibana.
– Boa noite, senhora, você não me conhece mas a minha ex-noiva mora no prédio em que o Severino trabalhava. Eu sei que ele era um bom homem e gostava muito dele.
– Sei quem é você. – Abriu a porta. – Entre. Há uns quatro anos, num carrão, matou os motoqueiros bandidos. Mas Severino falou que mataram o senhor e sua noiva ficou muito doente...
― ☼ ―
Ricardo foi para casa, chegando às duas horas da manhã e encontrando Lena a dormir na sua cama. Deitou-se e ela acordou, abraçando-o e adormecendo novamente. Demorou a dormir, pois sentia falta da sua Jade, sem falar que não gostava da matança que promovia, mas não pararia até desmantelar toda a quadrilha.
― ☼ ―
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