Um
A beira de um colapso.
Pete tentava reunir todas as suas forças para não deixar seu cheiro engrossar, mas sua mãe não estava ajudando em nada com aquela conversa sobre casamento e constituição de família, o blá blá blá do qual parecia ter o prazer de encaixar em qualquer conversa.
Agora, nesse momento, Pete lavava um copo, uma das três peças de louça que estavam sujas e sendo postergada para depois, pela centésima vez. Uma desculpa para não ter que encarar a mãe.
— Não finja que não está me ouvindo, Pete. Eu sou sua mãe, te conheço muito bem.
Pete soltou o copo com cuidado na pia, aquela conversa parecia mais longa do que as anteriores e nada que Pete dissesse ou fizesse fazia sua mãe desistir como das outras vezes e ir embora.
Ele se virou na direção da mais velha tentando conter a raiva que ameaçava saltar pelos poros. Odiava pensar que a mãe fazia todo aquele drama sobre casamento pelo fato dele ser um ômega e não um Alfa como Ravi.
Ele odiava toda a maldita sociedade que pregava o quanto os ômegas eram como tesouros, mas nunca os respeitavam pelo tal e nunca reconheciam suas lutas. Nenhum ômega era digno se não tivesse uma aliança no dedo, pelo menos um filho e vivesse submisso ao seu Alfa. Ridículo.
Pete sonhava em construir sua carreira como design e era por isso que vinha lutando todos esses anos. Não era fácil, também nunca achou que seria. Por ser ômega muitas portas foram fechadas na sua cara e ainda eram, mas depois de um tempo, ele finalmente vinha ganhando espaço e retorno. Havia até conseguido financiar um micro apartamento e nunca se sentiu tão feliz por ter de subir e descer cinco lances de escadas todos os dias.
Era difícil para ele, que lutava diariamente por seu lugar no mundo alfista, perceber que sua mãe vivia no comodismo, se agarrando a tradições que não faziam nenhum sentido para ele. Casar? Para quê?
— Você me conhece mesmo, mãe? Se me conhece como diz, deveria saber que eu não vou me casar só devido a um conservadorismo idiota. Os tempos mudaram e eu não quero casar, a senhora sabe disso desde o meu primeiro cio.
— Você precisa casar, Pete. — a mulher não deu a mínima para o que foi dito, fazendo um gesto de desdém com a mão, dispensando a maneira do filho pensar. Continuou — Em breve você fará trinta anos e depois disso nenhum alfa digno de respeito vai te querer. Já pensou o quanto isso seria ruim pra nossa família? Um ômega rejeitado até o fim da vida. Uma tragédia.
— Isso seria ótimo, assim a senhora pararia de tentar colocar uma aliança no meu dedo de vez. Isso seria um enorme lucro pra mim. — ele enfatizou as últimas palavras, apontando o dedo para o centro de seu peito.
Mas sentiu seus ombros se retrair minimamente quando o cheiro de sua mãe passou de um sutil cheiro de rosas para algo azedo. Observou a mulher suspirar profundamente, uma tentativa de apaziguar os ânimos, então aproveitou seu minuto de distração e atravessou a pequena cozinha em direção à sala e se colocou a arrumar o sofá, que na sua visão nem estava tão desarrumado assim.
Ele sorriu fracamente quando o resquício do cheiro de tangerina atingiu seus sentidos. Vegas havia estado ali no dia anterior. Os dois comeram pipoca enquanto assistiam a um filme de comédia besteirol e falavam sobre como havia sido o dia de cada um. Pete daria tudo para ser ele ali na sua casa no lugar da mãe, pelo menos ele estaria feliz e não querendo se jogar da janela.
— Não quero saber como, nem se você vai amar o Alfa, só estou dizendo que você tem que casar antes dos trinta.
O Saegthan suspirou. Parecia a porra de uma batalha perdida. Sua mãe não iria desistir e o ômega já sentia seu controle se esvaindo. O limite existia, certo?
— Foda-se, eu não sou nenhum robô, mãe. Porra! Será que é tão difícil para senhora e o papai entender que eu não quero casar? Eu finalmente estou conseguindo realizar meu sonho, não espere que eu desista só porque vocês assim desejam. Eu não sou a senhora.
Ele sabia que tinha tocado em um assunto delicado quando viu sua mãe avançar em sua direção e lhe dar um tapa. Nem conseguiu registrar o momento, apenas sentiu a ardência na bochecha e os olhos marejarem automaticamente. Entretanto, não daria o gosto a mais velha, não se submeteria as suas ideias tortas. Embora conhecesse o passado da mãe e os sonhos que teve que abdicar para seguir todas essas regras ridículas da sociedade, ele também era ciente que não era ela.
Não desistiria daquilo que tanto lutou para conquistar.
Sua mãe ficou paralisada na sua frente por longos segundos, seu rosto retorcido em algo como raiva e dor. Seu cheiro grosso da mais pura fúria. Sua respiração entrecortada. Quando voltou a falar, sua voz saiu em um timbre de advertência.
— Nunca mais ouse falar assim comigo. E sobre seu sonho… — olhou ao redor do pequeno apartamento, o desdém estampado em cada movimento de seu rosto. — é isso que você chama de realizar? Morando num apartamento tão minúsculo que mal tem espaço pra você e o ar juntos? Comendo comida barata? Usando roupas velhas por não ter como comprar novas? É isso que você chama de se realizar, Pete?
Pete não podia negar o que a mãe citara, ele realmente vivia em um apartamento minúsculo e gastava o mínimo, no entanto, ele se sentia realmente realizado. Não era tão ambicioso como a maioria. Antes que ele pudesse argumentar isso com a mãe, ela o encarou. O sorriso em seu rosto o deixando tenso. Aquele sorriso sempre precedia a algo cruel.
— Você acha que está realizando um sonho? — sua risada fez os pelos da nuca de Pete se eriçarem. Era quase maligna. — Pra começar, você só está brincando de artista porque eu e seu pai deixamos. Achamos que depois de um tempo tentando, você perceberia o quão inútil é esse esforço todo e retornaria para nós, a sua família; mas não, você tem que ter a síndrome de herói. Tem que mostrar o quanto é capaz, mesmo quando tudo aponta claramente para outra direção. Deixe eu te dizer, isso nunca funcionará.
Pete sentiu a palma da mão arder conforme a apertava, seu coração tamborilando agoniado contra o peito, a garganta advertindo se fechar. Ele tentou com todas as forças, mas seu cheiro escapou e preencheu o ambiente. Ele se sentia traído, decepcionado, angustiado e com raiva na mesma proporção. Tudo o que mais desejava era que sua mãe calasse a porra da boca e fosse embora.
Pete não pretendia, contudo, ficava cada vez mais difícil não odiar a mãe. A mulher em toda sua beleza e elegância era um poço de frieza, ao qual Pete nunca se acostumou.
— Mas não se preocupe. — o tom da sua mãe abrandou, mas a calma nunca chegou até Pete. — tenho o cara perfeito pra você. Ele é um Alfa de boa família e…
Pete parou de ouvir. Seus sentidos se tornando uma bagunça, um redemoinho agitado. Sentiu o corpo tremer, a beira de um colapso real. Sua mãe não entendia o que ele vinha falando há anos?
Não! Definitivamente ela entendia, mas claramente fingia que não.
— Eu. Não. Vou. Casar! — foi tudo que Pete consegui dizer, seus dentes tão trincados que um pouco mais e eles poderiam se partir.
Sua mãe o encarou com ar confuso, quase inocente, então seu olhar se tornou atroz, sua postura se transformando em algo quase imperial. Rígida. Altiva.
— É o que veremos. — anunciou. — vamos ver até quando você manterá essa pose.
— E o que a senhora vai fazer? Me dopar pra esse tal alfa me marcar e assim me obrigar a casar?
Pete queria que a mãe criasse bom senso, entretanto, parecia ser um desejo grande demais para ser concedido.
— Se for preciso, sim.
O mais novo se sentiu quebrar. Seu cheiro angustiado transbordando pelos poros. Ele não conseguia controlar nem mesmo as lágrimas que banhavam seu rosto em cascatas. Nunca se sentiu tão minúsculo e sem valor.
Ele só queria sumir.
— Você não pode estar falando sério. Eu sou seu filho, a porra do seu filho, a quem você deveria proteger, amar e apoiar.
— Eu te apoiaria se você fizesse o mínimo de esforço para ser alguém na vida, mas tudo o que você faz é esses desenhos inúteis, viver de sonhos idealizados e andar grudado naquele alfa que deseja tanto da vida quanto você. Aliás, ele é o culpado de você viver com a cabeça no mundo da lua. Onde já se viu um alfa e um ômega sendo amigos? — desdenhou. — ele vive te rondando e espalhando aquele fedor ao seu redor, é por isso que nenhum outro alfa te leva a sério.
Essa foi a gota d'água. Pete sentia e muito que a mãe pensasse daquela forma, mas havia aprendido a neutralizar a maioria de seus ataques. Mas Vegas? Não, ela não poderia falar do seu melhor amigo daquela forma. Não quando ele foi o único que o apoiou desde sempre. Nunca.
— Aquele Alfa se chama Vegas e ele é meu melhor amigo, não será a senhora ou sua falta de noção que fará eu me afastar dele. Quer saber? Sai da minha casa.
A mais velha o olhou assustada. Pete não alterou a voz, mas estava terrivelmente com raiva. Não era só seu cheiro que deixa isso transparecer, sua expressão corporal intensificava tudo. Seu dedo apontado em riste na direção da porta e olhar ferino completavam aquele combo.
— Eu não tenho culpa do que houve com você, mãe; e se você não é capaz de ficar feliz pelas minhas conquistas, saiba que eu sou, e o Vegas também. Então, se tenho que manter alguém do meu lado, será aquele que sempre me apoiou e me acolheu nas noites de tempestade. Eu não posso e não vou me curvar aos seus caprichos. Agora, FORA DA MINHA CASA!
Pete não olhou quando a mãe caminhou a passos pesados e contrariados até a porta, nem se dignou a prestar atenção aos seus resmungos. Sua mente estava tão agitada, uma catástrofe pura, que agiu no automático quando trancou a porta e se jogou no sofá, soluçando. Uma mistura de raiva, medo, frustração, desespero, decepção, angústia.
Ele gritou contra o travesseiro, mas não foi o suficiente para aplacar sua dor, então ele esbofeteou-o uma, duas, três vezes. Quando nada daquele redemoinho diminuiu, ele pegou a primeira coisa sobre a mesinha de centro e jogou, percebendo tarde demais ser o jarro que Vegas havia lhe dado de presente de boas-vindas a casa nova.
Ele se puniria por isso depois.
Ainda frustrado ele se levantou do sofá e seguiu até o quarto, a sensação de que as paredes ao seu redor estavam diminuindo gradativamente, o sufocava. O desejo de querer sumir o dominando.
Se jogando sobre a cama, ele esperneou, bateu no colchão, mordeu as próprias mãos, gritou e por fim se entregou ao choro. Chorou até se sentir dormente e o cheiro de tangerina se fazer presente.
Ele pensou que provavelmente estivesse sonhando.
Até breve!!!
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top