Oito
Pela primeira vez em dias, Pete desligou os alarmes e permitiu-se descansar, sentindo o peso das semanas intensas finalmente diminuir. Tanto ele quanto Vegas vinham mergulhados em suas responsabilidades, mal conseguindo conciliar o tempo para estarem juntos. Vegas estava imerso na criação do novo aplicativo, bem como nas consultorias prestadas, e Pete estava sobrecarregado com os novos designers, que, graças ao último trabalho, haviam tido um aumento. O alfa havia conseguido passar no apartamento de Pete apenas três vezes para conversas rápidas, e as ligações tornaram-se cada vez mais escassas, substituídas por mensagens trocadas com longos intervalos entre elas.
Depois da proposta feita pelo Theerapanyakul e da conversa sincera que tiveram, não houve mais oportunidades para retomarem o assunto. Ambos eram cientes de que precisavam se organizar antes de dar o próximo passo, mas o tempo parecia-lhes muito escorregadio. Agora, com o início de uma nova semana, finalmente parecia que o caos estava diminuindo, e Pete encontrou um momento raro para reorganizar a rotina.
Quando acordou, renovado, percebeu algumas mensagens do agora noivo. Vegas propusera que se encontrassem na cafeteria que costumavam frequentar quando mais jovens. Com um sorriso discreto, Pete respondeu marcando para a tarde e aproveitou o restante da manhã para colocar algumas tarefas pendentes em dia.
Arrumou a casa sem pressa, separou as roupas para levar à lavanderia e planejou aproveitar a volta para passar no mercado e repor os itens faltantes na despensa. Saiu do apartamento com a mochila nas costas, cheia das roupas sujas, e na mão um saco de lixo que pretendia jogar fora no caminho.
Imerso na música que tocava em seu fone e revisando, pela milionésima vez, a lista de compras, não percebeu que já tinha alcançado o fim dos degraus. Tudo aconteceu muito rápido: seu corpo pendeu para frente e, instintivamente, fechou os olhos, apertando o saco de lixo na mão e aguardou a queda inevitável — que nunca chegou.
Quando deu por si e abriu os olhos, confuso, encontrou-se diante de uma figura de cabeleira loira, olhos gentis e um sorriso afável o encarando. O cheiro sutil de mirra pairava no ar, entregando sua denominação.
— Desculpa. — Pete pediu, desvencilhando-se dos braços do alfa, retirando os fones e se curvando em uma breve reverência.
Por instinto, deu um passo para trás, sendo limitado pela parede às suas costas.
— Tudo bem, só tome cuidado; você poderia ter se machucado feio.
A voz um tanto grave e o sorriso suave do alfa causaram uma espécie de desconforto em Pete; mesmo assim, ele se viu retribuindo gentilmente o sorriso, embora um tanto quanto sem jeito.
O ômega olhou ao redor; o pequeno saguão do prédio onde morava, sempre vazio, emanava uma tranquilidade que ele amava, mas que agora não passava nenhuma segurança. Ao fixar seus olhos novamente no alfa à sua frente, franziu o cenho em dúvida.
— Você não mora aqui, certo? — sentiu a desconfiança traindo sua voz controlada ao perguntar.
— Na verdade, sim. Estou de mudança.
E, sorrindo mais amplamente, o alfa indicou com um gesto a pequena lata de tinta que carregava na mão. O ômega arqueou a sobrancelha por um momento antes de soltar uma exclamação surpresa.
— O quarto andar?
O loiro tornou a sorrir, confirmando com um leve aceno de cabeça.
— Seja muito bem-vindo, então — Pete desejou, sincero, embora sua voz tenha falhado minimamente ao falar.
— Obrigado...
— Pete. Meu nome é Pete.
— Obrigado, Pete. É um prazer conhecê-lo. Eu me chamo Vince.
— Seja bem-vindo, Vince — respondeu, retribuindo o aperto de mão oferecido pelo loiro. — Então… reforma? — o Saegthan pergunta, retirando sua mão rapidamente do contato com o alfa e voltando o olhar para a lata de tinta.
— É… tentando deixar o apartamento um pouco mais a minha cara, antes de finalizar a mudança.
— Boa sorte com isso. — desejou, tentando soar o mais casual e sincero possível.
Não queria ser tão paranóico, mas todos os seus instintos de sobrevivência o obrigavam a ser o mais frio e distante possível de qualquer alfa que não tinha o mínimo conhecimento. Talvez Vince fosse apenas seu novo vizinho; no entanto, esse “talvez” rondando sua mente o instigava a ficar em alerta.
O loiro sorriu e, parecendo perceber o desconforto do ômega, deu um passo para trás. Embora Pete estivesse levemente incomodado com a presença do alfa, também sentia certa frustração por não conseguir socializar adequadamente, mas era grato por pelo menos o alfa ter tomado certa distância.
— Obrigado pela ajuda. — Pete se adiantou, fazendo uma pequena saudação, o ato soando como o preenchimento de uma lacuna vazia. Um pedido silencioso de desculpa pela maneira arisca que estava agindo, embutida no gesto.
— Não precisa se desculpar nem agradecer. Só tome cuidado.
O ômega ficou imóvel por alguns segundos, então murmurou uma despedida e fez uma nova reverência antes de recolocar os fones de ouvido e retomar seu caminho, permitindo-se respirar tranquilamente quando tomou distância do loiro.
Entre as tarefas planejadas, fez uma breve pausa na cafeteria para um lanche rápido, deixando-se envolver pelo aroma característico do lugar: uma combinação do doce dos bolos com a robustez marcante do café. Ignorou, mais uma vez, as insistentes ligações da mãe — a terceira só naquela manhã. Pete estava tudo, menos disposto a ouvir suas reclamações ou ameaças. Além disso, estava finalmente relaxado após dias de exaustão. Sentia que merecia prolongar aquele momento de paz e não tinha a menor esperança de que a mãe trouxesse algo minimamente agradável para lhe dizer.
Ao voltar para o apartamento, próximo ao horário de almoço, preparou uma massa rápida e, enquanto comia, conferiu as redes sociais. Em seguida, colocou um filme de animação para se distrair até chegar a hora de sair para encontrar Vegas.
Passava pouco das três da tarde quando adentrou o "Ancorado", uma charmosa cafeteria temática. Seus olhos varreram o ambiente à procura de Vegas, mas, ao não encontrá-lo, dirigiu-se diretamente à mesa que os dois sempre ocupavam.
O ambiente permanecia inalterado, com os tons de caramelo ainda dominando as paredes, adornadas com retratos falados de clientes representados como piratas e quadros detalhados de navios e embarcações, todos feitos à mão com um cuidado quase artesanal. O balcão lembrava um grande barril de rum, com suas bordas reforçadas por aros de metal, enquanto as mesas de madeira tinham um design rústico, como se fossem partes resgatadas do convés de um antigo galeão.
As cadeiras, robustas e de encostos levemente curvados, eram revestidas de couro marrom. No teto, cordas grossas e nós de marinheiro formavam um emaranhado decorativo que lembrava as velas içadas de um navio, enquanto lanternas náuticas pendiam preguiçosamente, balançando suavemente como se acompanhassem o movimento das ondas.
Nas prateleiras atrás do balcão, barris menores com rótulos manuscritos pareciam prometer misturas únicas de café e destilados. Acima delas, um leme desgastado era um detalhe central, marcado por lascas e manchas que contavam histórias imaginárias de batalhas em alto-mar. Entre as mesas, baús ornamentados serviam como pequenos suportes, contendo talheres e guardanapos, enquanto os cardápios eram dispostos na forma de réplicas de pergaminhos de mapas-múndi, desenhados em traços detalhados como se indicassem rotas perdidas de tesouros escondidos entre os sabores. O aroma que preenchia o ar era uma mistura acolhedora de café recém-passado, especiarias exóticas e um toque adocicado que lembrava melaço de cana. Típico do lugar.
Sentado à mesa, Pete teve seus olhos capturados pelos entalhes de bússolas e palavras antigas, como se tivessem sido esculpidos às pressas por um pirata em fuga.
A nostalgia atingiu o ômega em cheio, trazendo consigo a lembrança vívida da primeira vez que estivera ali com Vegas. Um sorriso suave curvou seus lábios com a lembrança, que se alargou ao notar o alfa cruzar a porta com a confiança de sempre. Levantou-se quase que de imediato, o coração carregado por uma alegria tranquila e uma sensação familiar de conforto.
— Espero não ter te feito esperar muito, estrelinha.
O alfa o envolveu em um abraço firme, deslizando o nariz pela glândula de cheiro dele antes de inspirar profundamente. O suspiro que soltou na sequência parecia dissipar um fardo, fazendo seus ombros relaxarem como se todo o peso tivesse desaparecido.
Pete pensou em se afastar, mas algo dentro dele o manteve no lugar. Ele precisava daquele conforto tanto quanto o alfa, e por isso não recuou quando Vegas sussurrou e apertou ainda mais o abraço, encaixando-se nele com suavidade.
— Só mais um instante... preciso recarregar as baterias.
Pete manteve-se em silêncio, respeitando o tempo do alfa. Quando Vegas se afastou, puxou uma cadeira para se sentar ao lado dele, como se o abraço anterior não tivesse bastado. Permaneceram em silêncio por alguns instantes, com os olhos fixos no cardápio em formato de pergaminho. Logo depois, começaram a trocar palavras leves sobre as rotinas diárias, enquanto esperavam pelos pedidos.
Pete escolheu o “Rum do Capitão”, um cappuccino com um leve toque de essência de rum (sem álcool), chantilly e raspas de canela. Vegas, por sua vez, optou pelo “Tempestade Negra”, um café expresso duplo com espuma de leite e calda de caramelo salgado. Para acompanhar, ambos decidiram dividir uma fatia do “Ilha Perdida”, um bolo de coco recheado com doce de leite e coberto com açúcar de confeiteiro.
A conversa fluía por assuntos triviais enquanto degustavam seus pedidos, até que um suspiro pesado escapou dos lábios de Pete, carregado de cansaço e uma irritação latente. O motivo era o telefone vibrando sobre a mesa, exibindo o nome de sua mãe no visor. Antes que a tensão se agravasse, a mão do alfa pousou sobre a dele em um gesto discreto, mas reconfortante. O aroma suave de tangerina pairou no ar, trazendo um breve instante de calma em meio à inquietação.
— Você se lembra da primeira vez que viemos aqui? — A voz do alfa era baixa, quase nostálgica, enquanto seus olhos percorriam o local antes de pousar em expectativas sobre o ômega.
Pete sabia exatamente o que ele estava fazendo e era grato por isso. Não deixou de pensar na pergunta, no entanto, e respondeu com um sorriso genuíno:
— Como poderia esquecer? Foi naquela vez em que você roubou o cofrinho dos gêmeos.
Vegas adotou um ar falsamente ofendido, mas logo desmanchou-se em uma gargalhada que soou como um bálsamo entre os dois.
— Eu queria te trazer aqui porque era diferente, sabe? E porque a maioria do pessoal do nosso grupo achava estranho, então era perfeito pra nós. É verdade, peguei emprestado o dinheiro dos meus irmãos, mas devolvi tudo com um bônus. Eles nem perceberam. — Sua voz carregava um certo orgulho, e Pete não conseguiu evitar o sorriso. — Me declaro culpado, mas minha intenção era só dar a nós um lugar pra onde pudéssemos fugir quando o mundo estivesse pegando fogo.
— Pela frequência com que viemos aqui, acho que o mundo deve ter incendiado completamente.
O comentário arrancou um sorriso breve do alfa, mas um vislumbre de tristeza passou por seus olhos, rápido, quase imperceptível.
— Faz tempo que não voltamos — murmurou Vegas, distraído, os dedos traçando círculos no entalhe da bússola que decorava a mesa. Seu olhar escorregando vez ou outra para o ômega, que saboreava o último pedaço de bolo com tranquilidade. — Mas o mundo não parou de pegar fogo. A única diferença é que, agora, nosso refúgio mudou para o seu apartamento.
Pete repousou a colher no prato vazio e se recostou na cadeira antes de inclinar a cabeça contra o ombro do alfa. O cheiro familiar de Vegas o envolveu, e ele sentiu o calor do braço dele repousar sobre seus ombros, trazendo uma calma silenciosa.
— E por que decidiu vir aqui hoje? — perguntou em um tom baixo, quase como se hesitasse em quebrar o momento.
— Nostalgia, talvez. — Vegas ficou em silêncio por um momento, o olhar perdido nos detalhes da mesa. Ele suspirou e, sem pensar, cobriu novamente a mão de Pete com a sua, seus dedos tocando suavemente o anel de noivado. — Estava mexendo nas nossas fotos antigas e acabei lembrando daqui.
— Seu trabalho está tão ruim assim? — Pete perguntou, observando os dedos de Vegas brincarem com o anel. Era um gesto simples, mas carregado de algo inexplicavelmente certo.
— Não ruim... Só muito corrido. — Vegas deu um leve aperto no ombro de Pete antes de se ajeitar na cadeira. — E, aliás, queria te pedir um favor.
— Sou todo ouvidos.
— Quero que você integre minha equipe. — O alfa hesitou por um instante, a ansiedade evidente nos gestos contínuos que fazia no anel. — Sei que desenvolver aplicativos não é a sua área, mas estou um pouco desesperado. Não te pediria isso se não precisasse mesmo.
Pete permaneceu em silêncio por alguns instantes, absorvendo o pedido. Vegas, visivelmente apreensivo, manteve o olhar fixo em seus movimentos, esperando ansiosamente.
— Tudo bem. — A resposta foi simples, mas carregada de intenção.
O alfa, surpreendido, endireitou-se imediatamente, segurando o ômega pelos ombros e buscando seus olhos para confirmar o que tinha acabado de ouvir.
— Assim, tão fácil?
— É o mínimo que posso fazer por tudo o que você vem fazendo por mim.
Vegas balançou a cabeça em negativa, mas antes que pudesse responder, Pete continuou:
— Eu sei que você não está fazendo isso esperando algo em troca, mas quero ajudar mesmo assim. — Ele buscou a mão do alfa sobre seu ombro e a segurou com firmeza antes de complementar: — Não vou me tornar um membro definitivo da sua equipe, mas estarei lá para te ajudar no que for preciso.
Vegas sorriu, aquele tipo de sorriso que era metade agradecimento, metade algo que Pete não sabia como decifrar.
— Vou tentar não abusar. — O alfa se desvencilhou do ômega e se inclinou na direção da mesa, apoiando os cotovelos enquanto soltava um suspiro curto, como se liberasse parte do peso que carregava. — É engraçado... Às vezes, sinto que tudo isso: o trabalho e as responsabilidades, é exatamente o que eu queria, mas, em outras, parece apenas... esmagador demais.
Pete se inclinou instintivamente, pousando a mão firmemente no ombro do alfa chamando sua atenção.
— Não se cobre tanto. — disse com a voz branda. — Você tem uma equipe boa, apesar de não conhecê-los, sei que são bons porque você os escolheu e agora também tem a mim. Mas, honestamente, fico feliz de você admitir isso. Na maior parte do tempo, você está me ajudando e se colocando de lado. É bom saber o que você tá sentindo.
— Não te escondo nada, você sabe.
— Sei, mas você sempre me coloca como prioridade e se coloca pra escanteio. Não é justo com você.
O alfa não conseguiu negar e, antes que pudesse dizer algo para suavizar aquela situação, o celular do ômega vibrou novamente sobre a mesa. Pete desligou o aparelho e o empurrou para longe, sua paciência dando lugar à frustração.
— Sua mãe realmente não sabe a hora de parar…
Pete apenas balançou a cabeça em resposta, com o semblante cansado. Agora era ele quem traçava círculos distraídos sobre os desenhos espalhados pela mesa. Por instinto, Vegas cobriu sua mão com a dele, entrelaçando os dedos em um gesto reconfortante. Seus olhos buscaram os de Pete e, apesar do sorriso singelo que curvava seus lábios, havia uma determinação feroz e inabalável brilhando em seu olhar.
— Vamos resolver isso de uma vez, ok? — o alfa o tranquilizou. — Vou ligar pra minha mãe e dizer que vamos jantar lá hoje à noite. Contaremos sobre nosso noivado e aproveitamos pra marcar um jantar com as famílias reunidas.
— Medo de todo o nosso esforço ser em vão. — Pete verbalizou em uma voz baixa. O medo de que seus pensamentos se tornassem realidade o atingindo como uma flecha.
— Não vai ser. Nós temos um ao outro, ok? Vai dar tudo certo.
— Me sinto confiante com você, ao mesmo tempo que temo por você.
O alfa sorriu com a revelação do Saegthan e, recostando-se na cadeira, com o semblante orgulhoso, disse:
— Isso é um alívio, porque sei que posso contar com você, mas também terei seu cuidado.
— Sempre, Veve. — o ômega falou em um tom suave, quase sussurante.
— Então vamos manter nossas mentes positivas. — a voz do alfa soou empolgada, enérgica, e o ômega se viu sorrindo também. — Passo às sete no seu apartamento, tudo bem?
Pete concordou em um aceno, tendo o braço do alfa passando por seus ombros e o puxando de encontro ao seu peito. Ambos mergulhando em um silêncio reconhecido e reconfortante.
Até breve!!!
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