Noite de arrepiar

O dia passou rápido e a noite caiu de maneira impactante naquele lugar. Tudo ficava mais sinistro diante da escuridão e do silêncio. Os piratas cogitaram descer a trilha íngreme para dormir nas suas redes. De repente compreenderam que era uma péssima ideia, pois não havia lua visível no céu, para guiá-los na descida. Uma descida repleta de apoios duvidosos... E um profundo abismo.

O mordomo apontou os quartos da ala sul, os quais estavam preparados para recebê-los. Informou-os que a ceia seria entregue na privacidade de seus aposentos.

Félix não queria se recolher tão cedo. Desejava matar as saudades do castelo que conheceu por um breve espaço de tempo. Ele era, na ocasião, apenas um moleque. Tomou o rumo das escadas, com a intenção de seguir o velho mordomo. Mas este parou no topo e se voltou para o rapaz.

–Não recomendo que saias do quarto, mestre Félix. Este lugar pode ser muito perigoso; especialmente, à noite.

–Como? Por quê?

O velho sorriu, dissimulando a preocupação anterior.

– Na escuridão, o senhor poderá sofrer algum pequeno acidente... Muitas coisas podem acontecer num castelo antigo como este. Por favor, aguarda no quarto, pois irei levar a ceia, assim que possível.

Félix meneou a cabeça, recuando em direção ao corredor.

–Eu queria ficar mais tempo com você. Maxwell, saber das novidades.

–Não é recomendável, mestre – respondeu o velho mordomo, pesaroso. – Mas não nos faltará oportunidade.

Uma corrente de ar atravessou o corredor de um lado a outro, batendo portas, e assoviando de uma maneira estranha.

–Está certo. – Félix se voltou para o próprio quarto e entrou o mais rápido que pode.

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Enquanto isso... Domênico cogitava se deveria ocupar o sofá, ao invés da cama... Estaria menos empoeirado do que os lençóis sujos? Os dosséis da cama estavam repletos de teias de aranha. Como aquele velho dissera que os quartos estavam preparados para receber os hóspedes? Nem a taverna do Pônei Saltitante era tão suja quanto aquilo... Ele torceu o nariz, saudoso de sua rede, no Loba do Mar.

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A Jayme, pareceu ter visto uma sombra passar por baixo da sua porta. Ele se escondeu no parapeito da janela, puxou as pesadas cortinas e se cobriu com uma manta. A poeira fez com que uma tosse incontrolável o dominasse, denunciando o seu esconderijo.

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Gideon estava sentado à moda índia no chão, sobre o tapete. Nada poderia perturbar sua concentração. De modo que duas criaturas o sobrevoaram, curiosas, e depois de muito tentar assustá-lo, decidiram sair pela janela aberta.

Ele abriu um olho para espiar. Fechou novamente e retomou o seu mantra.

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Já Morthen, irmão de Lang, vasculhava o próprio quarto em busca de pequenos souvenires que pudesse carregar nos bolsos. Uma vez ladrão, sempre ladrão.

A corrente de ar passou assoviando e ele deteve a mão cobiçosa. Acabou mudando de ideia, imaginando que tudo lá dentro pudesse lhe atrair uma maldição por parte de espíritos infelizes... A não ser que ele conseguisse vender os objetos, antes... Sorriu consigo mesmo, ao levantar um pente incrustado com pérolas, contra a luz do lampião.

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Acomodada no quarto que lhe fora destinado pelo mordomo, Juna segurava uma caixa de joias, a qual lhe chamou a atenção desde que entrou, pois era toda em ouro e pedras preciosas. Deixou sua espada recostada ao lado da cama.

–Pernoitar nesse castelo de horrores vai ser, no mínimo, interessante! – Falou consigo mesma.

Larga a caixa. Não te pertence!

Juna se virou ao ouvir a voz fantasmagórica. De repente, avistou a figura pálida de uma mulher flutuando no ar. A pirata arregalou os olhos. A caixa escapou-lhe dos dedos paralisados, caindo sobre o tapete de peles.

Vejo que meu esposo maldito não desiste... Arranjou outra amante!

–Eu não sou amante do teu esposo – retrucou Juna. – Nem o conheço!

Tu não me convences! Pagarás como as outras!

Caitlin apontou as unhas muito longas para a espada de Juna, que foi arremessada direto para o seu peito. A pirata instintivamente rolou pelo chão, escapando, por um triz. Em seguida, a pirata saltou por sobre a cadeira para alcançar a porta, que se fechou antes que ela pudesse ultrapassá-la. A pirata caiu para trás, sentada, quando a porta bateu violentamente e a maçaneta se travou.

Sem outra saída evidente, Juna se voltou para enfrentar Caitlin.

–Estás enganada! – Disse, procurando argumentos convincentes.

Precisava ganhar tempo!

– Eu não vim até aqui para me envolver com teu marido. Vim para vingá-la.

Caitlin cessou a investida, pairando pouco acima da pirata. Parecia um pouco surpresa. Enquanto a fantasma a encarava de cima, Juna tateou atrás do corpo a fim de alcançar a caixa de jóias que tinha derrubado. Estava sobre o tapete.

Explica-te víbora! – Caitlin rugiu.

–Antes, acho melhor tu te preocupares com ISTO! – Juna se virou para o lado e jogou a caixa em direção à janela, diante dos olhos horrorizados da criatura.

Não! – A outra emitiu um grito agudo.

Juna aproveitou para se levantar. Destravou a porta, e correu para o corredor. As portas dos quartos se abriram a sua passagem. Os piratas apareceram para ver o que estava acontecendo. Alguns, confusos, outros pelados, e outros praticamente dormindo em pé.

–O que houve? – Domênico perguntou, aturdido. O estardalhaço o acordou, e ele não fazia ideia do que estava acontecendo.

–A defunta acabou de me fazer uma visitinha! – Juna parou ao lado dele, de espada em punho, e sem fôlego.

Ela e seus piratas automaticamente olharam para a porta escancarada do quarto de Juna. Eles esperaram, imaginando que o fantasma iria persegui-los no corredor, mas nada aconteceu. Só então, Juna baixou a espada. Sentiu-se ridícula, já que a espada nada poderia fazer para protegê-la de uma criatura de outro mundo.

–Eu gostaria de saber... – Lang comentou num tom de voz impessoal – ...onde fica o túmulo. Talvez possamos descobrir algo que nos auxilie a despachá-la de vez para o outro lado!

–E tu falas assim, tão calmamente? – Juna comentou, irritada.

Ele deu de ombros.

– Nós, os vikings, temos uma forma diferente de lidar com estas questões.

–Então lida! – ordenou ela.

–Ficaram malucos, os dois? – Domênico os repreendeu, ainda olhando para a porta aberta do quarto de Juna. – Com demônios, não se brinca!

Lang o encarou, seriamente.

– Caitlin não é um demônio.

– Ah, quer dizer que sabes até o nome da coisa? – Juna o encarou, muito séria. – Trocaram miudezas, foi? Quem sabe tricotaram uma manta juntos?

Lang se segurou para não rir, e prosseguiu: – Caitlin é apenas um espírito atormentado que não encontrou o caminho, porque ainda tem questões a resolver aqui. Se fosse um demônio... Um de verdade... E não estou falando de espíritos que assumem formas odiosas... Se fosse um demônio, nós não estaríamos vivos, agora. Creia-me, já vi um demônio de perto. Eles são capazes de coisas que fazem tudo isso tudo parecer brincadeira de criança.

Maxwell surgiu no corredor, ouvindo o final da conversa. Ele disse, pesaroso, mas sem preâmbulos:

–Caitlin O'Shea não foi enterrada... Seu corpo continua no castelo, pois nenhum empregado, ou morador da região, quis carregar o caixão até o cemitério da família. Somente McFlint sabe onde escondeu o caixão. Mas ele não fala para ninguém!

–Bem... – Lang coçou a cabeça. – Acho que agora está explicado porque a alma dela não teve descanso. Decidiu ficar no castelo; imantou-se das energias que a transformaram numa espécie de assombração. E, alimentando-se do medo e dos maus pensamentos dos vivos, ela conseguiu forças para agir no mundo físico.

Maxwell aproximou-se de Lang, com olhos brilhantes pela chama da tocha. – O senhor está certo em praticamente tudo. Exceto numa coisa...

– No quê? – Lang quis saber.

– Alguns espíritos conseguem fazer coisas tão abomináveis que poderiam ser comparadas às ações de um demônio. São espíritos degenerados... Acredite, eu vi com meus próprios olhos. Mas se querem mesmo descobrir, precisam perguntar ao Senhor Malcolm.

Os piratas trocaram um olhar de preocupação e o seguiram.

Morthen voltou correndo para o seu quarto, mostrou o pente de pérolas para o ar e devolveu à penteadeira. Juntou as mãos em respeito e saiu correndo para encontrar o grupo nas escadas.

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