Navegando pelos mares do norte
Poster de Juna, a pirata/ Ilustrado por Helcio Rogério.
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Juna estava parada no cais, numa postura relaxada e, ao mesmo tempo, alerta... Apenas observava o movimento dos marujos no convés de seu navio. Ela lhes ordenou que ficassem a postos para levantar âncora a qualquer momento. Esperava concluir as negociações o quanto antes, pois tinha um mau pressentimento sobre aquele lugar. Ao seu redor, quatro malfeitores – todos piratas – rodearam-na com sutileza. Como se Juna não tivesse percebido suas intenções! Ela apenas fingiu que não...Já que estava no meio de uma transação importante. Pretendia vender as mercadorias trazidas da Bretanha e esperava conseguir um bom preço por elas. No entanto, os piratas e contrabandistas da costa de Toulon pareciam dispostos a dificultar o negócio.
Talvez fosse aquele pequeno detalhe: de sua cabeça estar a prêmio. Que tédio!
Alguns deles sacaram suas espadas e se aproximaram dela devagarzinho. Deliberadamente afastado do grupo, Domênico sentou-se sobre um toco de madeira. Tinha um semblante pensativo enquanto contava algumas moedas de ouro. Pelo menos uma parte da mercadoria já tinha sido devidamente despachada.
–Tudo certo – ele informou Juna.
Ótimo, ela já podia fazer o que sentia vontade. Virou-se para os piratas que tentavam cercá-la. Embora demonstrassem não a temer, eles recuaram instintivamente, quando ela ergueu a sobrancelha. No íntimo de cada um, duelava a ambição de ganhar a recompensa pela cabeça dela e o medo do mito. Estavam prestes a pagar para ver.
Então, ela teve a súbita compreensão de que eles estavam ganhando tempo. Alguém estava para chegar...
Era uma emboscada!
–Certo! – Ela se controlou para não rir, porque via nos olhos de Domênico que ele também já tinha percebido.
Virando-se para sua própria tripulação, que a tudo assistia do convés, ela gritou:
– Vamos logo com isso, seus malandros! Preparem o Loba do Mar para zarpar.
De repente, sem aviso, a recompensa pela cabeça de Juna falou mais alto nas mentes afiadas dos bandidos que se mantinham afastados. Eles decidiram empunhar suas espadas. Aqueles que estavam à frente da negociação, optaram por recuar. Não arriscariam a sorte com Juna, a pirata.
Um dos incautos, no entanto, bradou:
–Será que a moça tem a espada tão afiada quanto a língua?
–Vamos ver se a fama é merecida... – O outro comentou, golpeando o ar, ameaçadoramente.
–Rapazes, rapazes! – Um pescador idoso manifestou-se, no barco próximo, enquanto calmamente recolhia sua rede de pesca. – Não tenteis nada do que imagino que vós pretendeis, porque ireis vos machucar...
–Não te intrometas, velho senil.
Juna relanceou o olhar para a figura do pescador.
–Ele pode ser velho, mas quanto a ser senil... Tenho minhas dúvidas – comentou, sacando devagar a própria espada.
Os malfeitores avançaram contra ela. Juna atingiu o primeiro em cheio no peito, rasgando roupa e pele. Articuladamente, quase ao mesmo tempo, chutou o rosto do outro que avançava sorrateiramente por trás, surpreendendo-o com um golpe alto da perna e girando rapidamente o quadril como aprendeu com Gideon (era assim que os orientais lutavam).
Um a um, eles foram derrubados. Agora, jaziam ao solo, desacordados. Um deles ainda tentou rastejar até sua espada. Mas, Juna foi mais ligeira e pisou em seu braço; em seguida, inclinou-se e apontou a espada direto para o pomo de adão do sujeito. Ele engoliu em seco, imobilizando-se.
Os piratas da área tinham parado tudo o que faziam para apostar, enquanto a luta se desenrolava. Em meio aos gritos dos marujos que circulavam pelo cais, Domênico aplaudiu e assoviou. Estendeu a mão para um deles. De má vontade, o homem lhe estendeu um pequeno saco de moedas.
–Obrigado, Juna. – gritou Domênico – Eu sempre posso ganhar moedas fáceis contigo!
–Ora, cala-te, irmão! – Juna de repente se sentiu irritada. Não gostava de chamar a atenção quando estava num porto aberto, como aquele. – E chega de fanfarrices! Manda os homens ficarem a postos, que vamos zarpar imediatamente.
Ele riu.
–Sim, senhora!
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O alerta veio de uma fonte amiga, como Juna costumava chamar os antigos parceiros de negócios, encarregados da vigilância local. Seus antigos ladrões dos telhados. (Domênico chamava os espiões de Juna, como seus misteriosos e queridos olheiros.)
O teor da mensagem, entregue dentro de um pedaço de pão: Tropas imperiais se aproximam dos portões da cidade.
A decisão de jogar o que restava da carga sobre o convés e zarpar do porto de maneira intempestiva, foi tomada pela capitã no mesmo instante em que recebeu o aviso. Os irmãos vikings sugeriram o norte e Juna, por enquanto, estava acatando a sugestão.
Ao se afastarem do cinturão sem lei, Juna recebeu outra mensagem, desta vez por pombo correio, vindo do navio de Nahim, o olho de tigre. Ele mandou avisar que a frota do rei estava patrulhando o litoral e abordando cada barco e navio que encontravam.
Juna se viu obrigada a desviar para mar aberto e, assim, evitar a patrulha. Para enfrentar a imensidão, entretanto, o navio teria que passar por perigos diversos, a começar por transpor a rebentação. Um pesadelo para qualquer navegador experiente.
No convés do Loba do Mar, os piratas se movimentavam freneticamente – a embarcação vencia as ondas raivosas – para, enfim, afastar-se da ameaça dos recifes.
Alguns se ofereceram para secar o convés da água que borbulhava ao redor do casco; outros cuidaram das velas e das cordas. Jayme assumiu o leme, deixando Domênico livre para inspecionar as equipes no tombadilho. Quando finalmente o imediato conseguiu estabelecer o curso, eles gradualmente encerraram o mutirão e voltaram às suas tarefas rotineiras.
Juna baixou sua pedra do sol, satisfeita. Ela sabia que, assim como o mar ficava violento, voltava à calmaria num piscar de olhos. Eles finalmente estavam em mar aberto. O céu azul quase se confundia com o azul da água. Aquele iria ser um excelente dia para navegar. Nenhum navio hostil foi avistado em qualquer uma das direções. Por enquanto, estavam a salvo.
Juna encontrava-se na proa, aguardando a chegada de seu próximo pombo correio. Ela o havia enviado há dois dias e esperava que os alcançasse antes de deixarem a zona conhecida pela ave. Félix adestrou os pombos a fim de procurarem o Loba do Mar, percorrendo uma distância que, muitas vezes, não era fixa.
Não demorou muito para divisar o pombo no horizonte. Ela lhe dera o nome de Craon, pois era o seu pássaro mais valente e temperamental. Juna estendeu a mão para o alto, satisfeita, a fim de recebê-lo. Aninhou-o carinhosamente ao peito e o afagou, até acalmá-lo. Devia estar cansado da viagem. Félix se aproximou dela e indagou:
–Alguma novidade?
Ela tirou o anel da pata da ave, então, desenrolou o bilhete.
– Nahim manda avisar que a frota do rei preparou uma emboscada para nós, no estreito de Valeja. Lá, não temos como fugir pelo mar ou mesmo por terra.
Com um último olhar para o horizonte sem nuvens, Juna voltou-se para Félix e lhe entregou o pombo para os devidos cuidados.
–Temos como escapar? – Félix conjecturou – Talvez devêssemos mudar o curso para as ilhas britânicas.
Juna meneou a cabeça, como se considerasse a ideia.
–Ao invés de descermos pela costa africana, subiremos. Mas não pela costa...
O problema é que ninguém ousava se afastar tanto assim para encurtar o trajeto. As embarcações que se aventuravam, com exceção dos vikings, costumavam se perder... Nunca mais retornavam. Ela teria que fazer uso simultâneo da placa crepuscular e da pedra do sol para navegar em mar aberto.
–Se me permites dizer, capitã – Félix manifestou-se, ficando vermelho como um pimentão. – Sou nascido na Irlanda, mas me criei em Gales, onde aprendemos, muito cedo, a arte da navegação. Sei como chegar a minha terra natal pelo mar aberto. Além do mais... – Ele estendeu o braço para trás, indicando o tombadilho abaixo. – Temos dois vikings na tripulação.
Domênico gritou do leme:
–Embarcações inimigas à vista!
Juna e Félix imediatamente interromperam o diálogo. Domênico estendeu o monóculo de cristal para a capitã, que constatou que ele não exagerou em seu aviso. Que visão tinha aquele seu irmão postiço! Ela se voltou para Félix, e tomou uma decisão.
–Vamos enfrentar os mares bravios e traiçoeiros da Bretanha! Félix irá orientar o curso – ordenou, em alto e bom som. – Bombordo!
O imediato hesitou por uma fração de segundo. Afinal, tratava-se de uma das zonas marítimas mais difíceis de navegar. Para seu crédito, Domênico assumiu seu posto para dar o exemplo e, assim, manter elevado o moral da tripulação.
– Certo, seus miseráveis, baixeis as velas! – Gritou para os homens. – Hoje mostraremos à Marinha do rei que seus marujos são bebês desmamados em comparação aos piratas!
O Loba do Mar avançou, deixando para trás a esquadra que o seguia desde o litoral sul. Os navios francos não ousariam continuar. Somente os vikings possuíam conhecimento náutico para tal. E antes deles, os frísios e os fenícios. Mas, os comandantes navais do império logo acabariam por aprender a navegar em mar aberto, incitados pelo exemplo dos piratas. Isso era algo que preocupava Domênico.
Enquanto isso não acontecia, eles iriam desfrutar de sua vantagem tática e, porque não, de sua engenharia naval mais avançada.
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O Loba do mar singrou os mares bravios do norte por seis dias e seis noites, até que, no sétimo dia, foi envolvido por uma espessa neblina, que não permitia visualizar um palmo adiante do nariz. O interessante é que, à medida que a neblina aumentava, o mar ficava mais e mais calmo.
Dizia-se que naquele trecho, as sereias costumavam seduzir os marujos mais experientes, levando-os para o fundo do mar. Contudo, elas não importunaram a tripulação do Loba do Mar. Alguns deles cogitaram que, talvez, estivessem protegidos do feitiço pela presença de três mulheres a bordo.
A embarcação era comandada por uma mulher.
Juna ordenou que recolhessem totalmente as velas, a fim de diminuir a velocidade. Ao contrário dos companheiros preocupados, Félix estava contente, porque a neblina indicava a aproximação da costa irlandesa. Quando o castelo surgiu no topo do penhasco, em meio à neblina, ele se permitiu maturar suas lembranças e sentir saudades. Julgou que reviveria os momentos da infância e adolescência. O que ele não sabia era que nada mais restava do que deixou para trás...
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