Três


E lá vem o alarme tocando na minha cabeça.

Como se alguém dissesse, "Não confie nele, não"

••

Olhei para cima e encontrei um par de olhos azuis fixos em mim.

Seu rosto era tão pálido quanto a neve branca que cobria as ruas durante o inverno. E sua expressão tão fria quanto a mesma.

Me senti tão pequena diante dele. Era como se eu fosse uma vela queimando a mim mesma toda vez que deixava ele pisar em mim, apenas para que ele continuasse brilhando entre o seu grupinho.

— O que você está fazendo aqui, esquisita? — Sua voz rouca rompe o silêncio e me puxa para fora dos meus devaneios.

Torno a encará-lo. Seus olhos ainda se mantinham fixos nos meus; tão belos quanto uma obra de arte, e aparentemente tão sem vida e sem sentimentos quanto.

— O quê... Você, mora aqui? — foi uma pergunta mais para mim do que para ele.

Como Samantha não me falou nada? Que tipo de amiga ela é?

— O que você está fazendo aqui? — sibilou.

— Victor, essa é Julieta Schulz, a babá que eu te falei que ficaria com a Sophie. — Interrompeu uma mulher de estatura baixa, com olhos azuis, e cabelos loiros escuros. Ela vestia um vestido vermelho que parecia seda, e seus cabelos tinham leves ondas. — Julieta, seja bem-vinda. Meu nome é Sarah Castagnoli. Eu sou a mãe de Sophie. E esse é meu filho Victor Gabriel. — Tocou o ombro de Victor com tapinhas leves. Logo um homem, alto, esguio e com cabelos escuros como os de Victor se aproximou da porta. Vestido de modo formal. Como a Sarah.

Ah... Oi. — Foi tudo o que consegui dizer na frente de Victor. Ele deve estar me odiando por estar na casa dele. Mas eu não tenho culpa. Ou tenho?

— Esta é a babá? — perguntou o homem tentando sem sucesso ajeitar sua gravata borboleta.

Não pude deixar de notar as roupas deles. Elas pareciam de época, talvez eles fossem à algum baile, ou restaurante temático.

— Sim, essa é Julieta. — Sarah apontou para mim com a mão aberta. — Julieta, este é Carlos, meu marido. — Voltou à mão em direção ao homem que me encarava cuidadosamente, indo logo em seguida ajeitar a gravata do mesmo, desta vez, com êxito.

— É um prazer conhecê-la, senhorita...? — questionou-me Carlos enquanto estendia sua mão para me cumprimentar formalmente.

— Schulz... — conclui apertando sua mão, agradecendo mentalmente por minha voz não ter falhado.

— Schulz? — Carlos sibilou, parecendo intrigado.

Victor encarou os seus pais por alguns segundos, e depois voltou o olhar pra mim. Meu rosto enrubesceu com todos me olhando.

— Sim. — Minha voz saiu firme, pelo menos eu acho que saiu firme. Assim espero.

— Filha de Eduardo Schulz? — questionou Sarah, parecendo se lembrar de algo que fizera questão de ter esquecido. uma linha torta pairava sobre seus lábios – extremamente vermelhos, provavelmente pelo batom que usará. – Formando um meio sorriso que fracassou antes de se formar.

Sim. Por quê? — minha voz saiu mais interrogativa do que eu esperava.

— Eu sou o xerife desta cidade, cuidei pessoalmente do caso do seu pai. — Carlos respondeu por Sarah, que passou a me observar cuidadosamente. — Minhas condolências. — Concluiu ele, fechando os olhos rapidamente em um gesto rápido de apoio.

Sarah olhou para mim como se procurasse alguma fraqueza, alguma parte de mim quebrada por falar do meu pai.

Mas havia anos que eu escutava isso.

"Minhas condolências"

"O seu pai foi um grande homem."

" O seu pai era um ótimo cara."

" O seu pai ficaria orgulhoso de ver a mulher que você se tornou" (só Samantha fala isso na verdade)

— Obrigado. — Respondi inexpressiva. — O caso ainda está em aberto né...? É uma pena ainda não terem descoberto como tudo aconteceu, mas espero que o senhor volte a investigar o caso, afinal o culpado tem que pagar.

Confesso que fiquei muito interessada na conversa, pois o caso ainda não havia sido concluído. Havia muitas perguntas que Cassandra nunca me deixaria fazer.

— Com certeza. — Disse Carlos. Sua voz saiu firme, embora ele ficasse trocando o peso das pernas o tempo todo. Aparentemente falar sobre aquele assunto o incomodava, eu só não sabia o porquê. — Se me dá licença. — Disse e dirigiu-se para mais perto da porta.

— Claro. — Sai de seu caminho, dando passagem para que eles passassem. Um breve sorriso passou pelo meu rosto.

— Victor vai lhe dar os remédios que a Sophie precisa tomar. — Disse Sarah. Ela entrelaçou seu braço ao do marido. — Eu deixei tudo explicadinho. Não tem erro, são apenas algumas vitaminas e gotas para controlar a febre. O envelope com o pagamento você pode pegar amanhã de manhã com o Victor antes dele sair para o treino de futebol. Estaremos em casa assim que pudermos. Tenham uma boa noite. — Disse já passando por mim e indo em direção ao táxi que havia chegado há alguns minutos atrás e estava estacionado em frente à casa dos Castagnoli. — Há. — Ela para e vira-se para mim, como se tivesse acabado de se lembrar de algo que esquecerá de falar. — Caso vocês sintam fome, tem comida congelada na geladeira. — Disse Sarah olhando alternadamente para mim e para Victor. — Julieta! Fique à vontade. — Concluiu com um sorriso.

— Vamos acabar nos atrasando. — alertou Carlos.

— Você está certo. — Ela disse e tornou a entrelaçar seu braço no dele. — Nós já vamos indo. Julieta, mais uma vez: sinta-se à vontade. Mi casa, su casa. — Falou Sarah em tom divertido e saiu dando um sorriso acompanhando Carlos até o táxi.

— Obrigado. — Foi tudo o que eu consegui dizer.

Me virei para Victor, e este estava com uma cara fechada para mim.

Com certeza estava bravo.

— Você não pode cuidar da Sophie aqui fora! Não vai entrar? — questionou com as sobrancelhas arqueadas.

Assenti com a cabeça e passei por ele que estava escorado na porta, abrindo passagem para que eu entrasse.

Ao entrar dentro de casa, pude ouvir a porta se fechar atrás de mim, e logo em seguida ouvi a mesma sendo trancada.

Parei no corredor que dava de encontro com a sala de estar.

Victor vinha logo atrás de mim.

— Ela está aqui. — Ele passa por mim e abre a porta de vidro que estava entreaberta.

Aquela sala era realmente incrível, havia uma enorme TV. E dois sofás de cor musgo.

A decoração era moderna e sofisticada. Parecia a casa da Cassandra. Porém havia algo que na casa da Cassandra já não havia há muito tempo.

Clima de vida.

••

Eu entrei na sala e parei ao lado do sofá. Havia uma garotinha — que eu deduzi ser Sophie —, com cabelos longos e loiros — como os de Sarah — e caído pelos ombros. Ela estava sentada de qualquer jeito no sofá assistindo "Princesinha Sophia".

Ela nem pareceu me notar, seus olhos azuis como os de Victor estavam olhando curiosamente o coelho fugindo do dragão.

Sua boca se formou um sorriso quando o dragão cuspiu fogo na bunda do coelho.

Eu pigarrei fraco.

Ela me olhou um pouco assustada.

Oi. — Eu disse baixinho.

Oi... — ela quase sussurrou.

— Eu sou a sua babá, me chamo Julieta. — Sorri para ela, que retribuiu em um largo sorriso.

— Eu sou Sophie.

— Sophie? Assim como a princesinha do desenho? — questionei gesticulando com a mão em direção a televisão. Sophie sorriu fraco.

— Não Julieta! A do desenho chama-se Sophia com "a" e eu sou Sophie com "e" — ela disse em tom divertido.

— Okay, okay... Desculpe-me. — pedi erguendo as mãos em gesto de rendimento e sentando-me ao seu lado no sofá. — Mas vocês duas são princesas. — Eu sussurrei ao me aproximar de seu ouvido, quase como se aquilo fosse um segredo. Ela sorriu novamente, desta vez foi um sorriso largo que fez com que eu percebesse que assim como Victor, quando Sophie sorria também apareciam covinhas em suas bochechas.

— E você? — questionou-me ela. Arqueei as sobrancelhas como quem diz: "o quê" — chama-se Julieta igualmente à de Romeu e Julieta?

— É, a única diferença é que eu não tenho um Romeu. — Eu disse. Sophie riu fraco e levou seu olhar até a porta da sala que estava aberta. Segui seu olhar e vi Victor que nos observava em silêncio. Ele fechou a cara em uma careta quando nossos olhares se encontraram e foi até as escadas, subindo para o segundo andar.

— Minha mãe acabou de sair... Acho que ela deixou os remédios com o meu irmão. — Ela falou baixinho, tornando a concentrar-se no desenho animado.

Ela não aparentava ter mais do que seis anos. Ela vestia um pijama lilás com coroinhas.

Nos seus pés tinha um cobertor os cobrindo.

Sua mão foi em direção ao chinelinho de lã que ficava ao lado do sofá.

Ela os calçou e foi até a porta.

Eu a observava, quando ela virou e disse:

— Vamos Julieta, você não pode atrasar o remédio.

Sorri e fui atrás dela. Ela me deu a mão e subiu as escadas me puxando para o andar de cima.

Eu já sabia o que íamos encontrar: Victor.

••

Suas pequenas mãos bateram lentamente em uma das portas de um enorme corredor.

Enquanto esperávamos em frente à única porta colorida do corredor — que pela cor azul, eu deduzi ser a do quarto de Victor.

Eu fiquei observando o tanto de portas misteriosas que haviam ali.

Me perguntando o tempo todo: quais segredos elas escondem atrás de si? Talvez alguma sala de música com algum piano antigo, ou o escritório do xerife com os dados de todos os crimes da cidade, incluindo os da morte do meu pai...

— O que é? — A porta azul abriu-se lentamente e a voz de Victor ecoou pelo corredor. Me fazendo dar um pulo.

— Você precisa falar pra ela os horários dos meus remédios. — falou Sophie.

Victor ficou com a cara emburrada e desceu rapidamente as escadas.

Sophie já ia indo atrás e me puxava pela mão. Isso é mais constrangedor do que eu esperava. Ele parou na cozinha e pegou uma caixa branca — aparentemente igual as de primeiros-socorros que têm em aviões e ônibus de viagens —, e a abriu.

Tinha vários remédios dentro. Ele lia atenciosamente todas as caixinhas procurando os remédios de Sophie.

Ele separou duas caixinhas e pegou um papel na mão e se virou pra mim.

Esse — balançou um frasco de vitaminas na mão. — é de seis em seis horas. Ela tem que tomar daqui a uns vinte e cinco minutos. E esse. — Sacudiu o outro frasco na outra mão. — é de quatro em quatro horas. Até amanhã as oito horas ela ainda toma. Depois das oito não precisa dar mais nenhum remédio a ela. Caso ela fique com febre, tem uma cartela de paracetamol do lado da cama dela. — disse ríspido, mal me olhando.

— Certo. Obrigado.

— Qualquer coisa eu estou lá no meu quarto. — Ele disse olhando para Sophie. deixou os remédios na minha mão bruscamente e depois foi indo em direção à escada.

Vi. — Chamou Sophie.

— Oi? — Ele virou-se lentamente.

— Você prometeu que iria assistir àquele filme comigo. — Ela fez um biquinho.

— A Julieta pode assistir com você Soph. Eu estou quase atrasado. — disse me olhando furioso.

Como se eu estivesse atrapalhando.

E talvez eu realmente estivesse.

— Mas você prometeu Vi... — Sophie resmungou chorosa.

— Outro dia Soph. — falou seco.

Ela saiu brava em direção a sala.

Eu repousei os frascos lentamente na bancada e fui atrás dela.

— Sophie! — chamei ela que estava sentada no sofá.

Ela havia fechado a porta da sala por dentro. Então eu bati calmamente.

— Eu não quero Julieta! — resmungou brava.

— Ué! O que você não quer? Eu não te ofereci nada. — falei em tom de desdém.

Ela veio, abriu a porta e falou com as mãos na cintura:

— Eu não quero assistir ao filme com você.

Eu ri dela, ela estava realmente engraçada daquele jeito.

— Que bom, eu também não quero.

Entrei na sala e sua expressão estava enfurecida.

Sentei no sofá oposto do que ela estava sentada há minutos atrás e olhei pra ela ainda em pé ao lado da porta.

— O que você quer fazer?

Logo a cara de brava se desfez e ela veio se sentar no sofá.

— Quero comer salgadinho e bolo. — Ela disse. Os seus olhos azuis brilhavam. — Eu estou com fome. — Concluiu.

— Tem bolo? Eu não sei fazer bolo.

— Sim, dentro do forno.

— Ótimo. Vou ir ali na cozinha buscar e já volto. — disse me erguendo do sofá. — Põe algum desenho pra nós duas assistirmos enquanto comemos? — pedi com um sorriso.

••

Preparei a bandeja com potes de salgadinho, pires com pedaços de bolo de chocolate, e dois copos de refrigerante. Coloquei também o remédio que ela tomaria há alguns minutos. Mas logo desisti de levar a bandeja, pois ela estava cheia demais. Então, levei as coisas dela primeiro e voltei para pegar as minhas.

Arrumei o meu refrigerante e bolo. E me virei rápido para chegar antes do filme que ela decidiu assistir comigo, começar.

Esbarrei bruscamente em Victor, virando tudo em cima de nós.

Minhas roupas ficaram completamente sujas. O bolo de chocolate grudou todo em mim.

O refrigerante caiu nele e o salgadinho se espalhou em mim, nele e no chão.

Seu rosto ficou rígido.

Ele estava bravo.

Victor... Me desculpa! — Disse com a voz quase falhando. — Eu juro que não vi você.

QUE DROGA JULIETA! VOCÊ NÃO OLHA POR ONDE ANDA? ME SUJOU TODO. — gritou fuzilando-me com seus olhos azuis.

— Me desculpa, foi sem querer.

— O que vocês... — Sophie foi interrompida pela própria risada. — Vocês estão sujos, eca. — Zombou Sophie enquanto tentava conter sua crise de riso.

— Essa esquisita. — Ele fez uma pequena pausa trincando os dentes. — Ela derrubou tudo em mim! — esbravejou Victor.

Sophie apenas riu.

Ele fez uma cara brava e correu pra cima dela que saiu correndo pela casa.

Enquanto eu limpava a bagunça que eu mesma fiz.

••

Depois de limpar toda a bagunça que eu mesma fiz, tirei meu casaco que havia ficado completamente sujo de bolo e fui atrás de Sophie, já que estava na hora dela tomar as suas vitaminas.

Fui guiada pelos gritos e risadas da pequena, até uma sala, diferente da que estávamos.

Ela não tinha portas, mas tinha algumas cortinas de pedras coloridas que faziam barulho ao se chocar.

Abri cuidadosamente a cortina.

Victor e Sophie não notaram a minha chegada ali, estavam entretidos demais um com o outro.

Ele agarrava a cintura dela e levantava ela para cima, enquanto ria das caretas da pequena Sophie.

Ele a erguia com facilidade, suas mãos firmes sobre a cintura da garota faziam com que ela se sentisse confiante o bastante para praticamente dançar no ar.

Ele a conduzia no ar, quase como um rio conduz uma folha solta sobre as correntezas.

Desviei o meu olhar dos dois, e o percorri pela sala. Ela era iluminada por uma luz negra. (Azul, neon.) tinha pufes coloridos, e almofadas que tinham as cores destacadas pela luz negra.

As coroinhas brancas se destacavam no pijama lilás de Sophie, a deixando parecida com o céu quando as primeiras estrelas aparecem no final de tarde.

Em uma das paredes, havia uma enorme TV desligada. Sobre um painel branco, que ficava neon pela luz.

Em baixo havia um X-box e vários jogos bagunçando a pequena estante no chão.

Na parede haviam fotos. A maioria delas eram da Sophie e do Victor, quando pequenos. Sarah e Carlos, o que me parece há um bom tempo atrás, encontravam-se no maior quadro da sala. Por Sarah estar vestida de noiva e Carlos de smoking, deduzi ser a foto do casamento deles. Em uma das fotos, Sarah está tão nova, se tivesse dezoito anos era muito. Seus olhos se destacavam no cabelo loiro e a pouca maquiagem a deixava angelical.

Do outro lado da sala, tinham várias fotos do Victor com um outro menino, igualmente a ele de olhos azuis. Deviam ser algum tipo de melhores amigos, pois haviam muitas fotos deles juntos.

Logo volto a minha atenção para Victor e Sophie novamente.

— Sophie, você precisa tomar as suas vitaminas. — Digo, o olhar de Victor vai de encontro ao meu. Seus olhos azuis me encaravam com tamanha intensidade que era quase como se ele pudesse ler os meus pensamentos.

Ele solta Sophie, e ela vem em minha direção. Lhe entrego o copinho com as vitaminas e ela as toma, voltando logo em seguida para perto de Victor.

Que agora procurava o controle da TV em um dos pufes.

— Julieta, eu vou ficar aqui com o meu irmão. — A pequena Sophie diz ao se acomodar em um dos pufes perto da TV.

— Tudo bem, eu vou arrumar a bagunça que ficou na sala. — Digo me virando para sair.

Julieta. — Victor me chama, sua voz rouca soa tão baixa quanto um sussurro. — Você pode ficar aqui, se quiser. — Ele fala me fazendo virar para encará-lo. A voz dele sai baixa, quase como se não quisesse que eu o ouvisse.

— Você quer que eu fique aqui com você, digo, com vocês? — Pergunto. As palavras saem rasgando a minha garganta, me fazendo temer a resposta de Victor. Seu olhar que até então estava voltado para mim, se desvia e vai de encontro à televisão.

— Há, hum... Eu já, já terei de sair e bom. — Ele tenta, mas acaba se enrolando em suas próprias palavras. — À droga! Você é a babá da Sophie, você deve ficar aqui com ela! — ele praticamente cospe as palavras, tornando a ser o mesmo Victor de sempre, o Victor que sempre me humilha na escola.

— Claro. — Minha voz sai baixa, quase inaudível.

— Oba! — Sophie exclamou, provavelmente ignorando a arrogância de seu irmão, mas feliz por eu ficar para assistir seja-lá-o-que-for que eles irão ver. — Você poderia trazer o bolo para mim, por favor, Julieta? — perguntou Sophie fazendo um biquinho.

— Claro. — Foi tudo o que eu disse.

Victor que até então me encarava silenciosamente, levantou o controle da TV para mim, como se quisesse dizer "achei", mas logo percebeu o que estava fazendo e se virou novamente para a TV.

Ele deve ser bipolar. Gritou o meu subconsciente.

Enquanto eu fui pegar o bolo de Sophie.

••

Com a bandeja em mãos, voltei para a sala que eu vou passar a chamar de playground.

Dei a bandeja para a Sophie, que comia olhando o desenho qualquer que Victor colocou para ela.

Ele parecia tão entretido quanto ela.

Me sentei em um Puff no meio dos dois. Era o único vago.

Tinha mais pufes, mas estavam lá atrás.

Meu coração disparou ao ficar do lado do Victor. Ele com certeza estava bravo por estar ali comigo.

Não passou dois minutos que eu sentei ao lado dele pra ouvi-lo se levantar.

Vi... Fica aqui. — disse Sophie em um gemido.

— Soph, eu estou atrasado. — Não deu nem tempo de a pequena retrucar e ele já estava fora do Playground.

Com certeza ele vai se encontrar com a Brenda...

Passou-se alguns minutos, eu estava mexendo no meu celular quando percebi que a Sophie dormia desajeitadamente sobre o Puff.

Então, eu devia colocá-la na cama.

Mas eu nem ao menos sabia onde ficava o quarto dela.

Eu devia perguntar ao Victor, mas ele já devia ter saído.

Mesmo assim, sai do playground e subi as escadas.

Bati na porta de Victor. Eu não iria abrir porta por porta para saber onde era o quarto da menina.

Todas as portas pareciam iguais, tirando a do Victor que era azul.

Ele abriu a porta e deixou amostra que seu peito estava nu e molhado, assim como o seu cabelo preto.

Eu desviei o olhar rapidamente.

— Eu queria saber onde é o quarto da Sophie. Ela acabou dormindo no Puff, e eu queria levá-la para o quarto. — Digo, olhando em direção à algumas portas.

— Pode me olhar, Julieta, eu estou de toalha. — disse Victor com desdém. Então eu o olhei. E realmente ele estava de toalha, na parte de baixo. Não pude deixar de notar o abdômen sarado que ele tinha, nem mesmo as coxas grossas. Mas eu não fiquei encarando por muito tempo. Apenas uma rápida olhada. — Fica duas portas depois da minha. — Ele apontou para uma das portas brancas. — A última do corredor. — Concluiu.

— Obrigado. — Disse, agradecendo mentalmente pelas luzes daquele corredor serem escuras, pois isso impedia que Victor notasse o rubor em minhas bochechas.

— Você quer ajuda pra trazer ela? É uma escada e tanto para você. — falou como se eu não fosse capaz de carregá-la.

Era claro que eu era capaz. Eu claramente deixei o desgosto estampado na minha cara, para ele ver.

— Não precisa, obrigado Victor. Só queria saber onde era o quarto dela. — disse me virando e descendo as escadas em direção ao playground.

Victor bufou atrás de mim. Ouvi a porta se fechar.

••

Coloquei a pequena Sophie em meus braços, de um jeito que ela não ficasse tão desconfortável, se não ela acordaria.

Foi um custo para pegá-la em meus braços. Ela era pequena e nem pesava muito. Mas mesmo assim era bem difícil carregar ela.

Não queria nem pensar nas escadas.

Com ela no colo saio do playground e dou de encontro com Victor, agora de calça e camiseta.

— Deixa que eu a levo, Julieta. Não quero ver vocês caírem na escada. — disse já pegando a pequena Sophie e colocando-a em seus braços.

Ela parecia se encaixar nele como uma peça certa de um quebra-cabeça complicado. Me pergunto se isso que é ser família, serem tão diferentes e mesmo assim se encaixarem.

O jeito cuidadoso em que Victor segurava Sophie em seus braços, aos poucos desmanchava a figura monstruosa que minha mente e Samantha formaram dele.

Ele se virou para mim ainda na escada com a pequena sobre seus braços e disse:

— Pegue o Teddy, ela não dorme sem ele.

Pegar quem? — Perguntei, sem saber a quem ele se referia. Deveria ter algo em minha voz, talvez a minha confusão tenha saído junto com as palavras e isso fez com que Victor se virasse para me encarar.

— Além de esquisita e inútil, também é lerda. — Ele diz com desdém ao revirar os olhos. Um quê de ironia nítido em sua voz.

— Olha Vic... — Ele me interrompe.

— Teddy é o ursinho cor-de-rosa dela. — disse. E embora sua voz soasse calma, era quase como se ele estivesse gritando em forma de sussurros. — Ele provavelmente deve estar lá na sala. — Concluiu. Subindo as escadas logo em seguida.

Fiquei parada encarando o chão frio por debaixo dos meus pés, enquanto minha cabeça remoía as ofensas de Victor. Acho que ele não sabe, mas as palavras machucam. E as dele, em mim elas causam bem mais dor do que provavelmente socos no estômago causariam.

Sim, de fato, aquela imagem monstruosa que minha mente tinha dele havia se desmanchado, dando lugar à uma completamente bipolar.

Cerrei os meus punhos com tanta força que os nós dos meus dedos ficaram brancos. E, depois soltei o ar que eu nem havia percebido que estava prendendo.

Fui até a sala — cujo eu encontrei Sophie logo que cheguei na casa dos Castagnoli, — e procurei pelo ursinho dela. Porém, eu não o encontrei. E não foi por eu não ter procurado direito, afinal, até debaixo dos sofás eu olhei para ver se ele não havia caído lá. Mas, o ursinho simplesmente não estava em lugar algum.

Eu havia acabado de desistir de procurá-lo, quando encontrei o ursinho cor-de-rosa caído sobre o sofá. Ele estava escondido por debaixo do cobertor que Sophie usará para cobrir e aquecer seus pés mais cedo, quando à encontrei pela primeira vez.

Me aproximei do sofá, tirei o cobertor de cima do ursinho e o tomei nas mãos. E, após um longo suspiro de alívio — por tê-lo encontrado —, segui até as escadas. Subi para o segundo andar, rezando mentalmente para que Victor não me chamasse de inútil novamente.

Quando cheguei no corredor dos quartos, uma enorme confusão tomou conta da minha cabeça.

Olhei para todas aquelas portas que, fora a do quarto de Victor que era azul, eram todas iguais.

Tentei lembrar-me do que Victor havia me dito: "Fica duas portas depois da minha". Ergui o meu olhar em direção a porta do quarto de Victor, logo ao lado haviam mais três portas brancas. A do quarto de Sophie, segundo ele, ficava duas após a dele. Mas, ele também havia me dito que era a última do corredor. E isso fez com que um nó se formasse em minha cabeça. Me deixando ainda mais confusa.

Me senti quase como a Alice de: "Alice no país das maravilhas " lembro-me vagamente de que em determinado momento da história, Alice se vê confusa e perdida em meio a portas cujo ela não sabia aonde elas à levariam.

Minha timidez — e também um pouco de medo de Victor, — me impediam de abrir porta por porta, para encontrar o quarto de Sophie. Ignorei o meu subconsciente que dizia para que eu o fizesse, e preferi não correr o risco de ser chamada de bisbilhoteira por Victor.

Andei até a última porta do corredor e bati nela. Aguardei uma resposta, mas tudo o que eu recebi como resposta foi silêncio.
Deduzi que Victor já deveria ter deixado Sophie em seu quarto, e enquanto eu procurava o ursinho cor-de-rosa ele deveria ter saído para sabe-se-lá-para-aonde ele iria ir.

Tornei a bater na porta, desta vez pedindo para entrar. Mas como resposta, novamente, tudo o que eu recebi foi mais silêncio.

Abri a porta do quarto e entrei com o ursinho em mãos.

A luz estava apagada, e isso dificultava a minha visão.

Passei as mãos pelas paredes, procurando pelo interruptor. O encontrei atrás da porta e então liguei as luzes.

A primeira coisa que eu fiz após meus olhos se acostumarem com a claridade, foi levar o meu olhar até a cama, procurando por Sophie. Mas esta não estava lá.

Sobre a cama, — no lugar aonde Sophie deveria estar deitada —, haviam muitos livros.

Reconheci muitos dos livros que estavam sobre a cama, a maioria era da saga "Os instrumentos mortais". Que fora os livros de Harry Potter, eram os meus favoritos.

Sobre o bidê que ficava ao lado da cama, havia um pequeno quadro de fotos. Me aproximei e após largar o ursinho de Sophie sobre a cama, peguei o quadro nas mãos. Eu o aproximei dos meus olhos logo em seguida para poder olhá-lo melhor.

A foto que havia nele, reconheci rapidamente ser de Victor, junto daquele garoto que igualmente a ele, também tinha os olhos azuis.

O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO AQUI?

Um nó se forma em minha garganta, sinto um aperto no peito à medida em que meu coração dispara.

Largo o quadro de fotos novamente sobre o bidê, pego o ursinho de Sophie que eu havia deixado sobre a cama, e me viro de frente para Victor. Ele estava parado do lado de fora do quarto, me fuzilando com os seus olhos.

— .. — Eu tentei dizer algo, mas um nó havia se formado em minha garganta. Esse nó em minha garganta era sufocante; me tirava o fôlego, e impedia as palavras de saírem.

Victor começou a andar em minha direção; os punhos cerrados com força, deixando os nós de seus dedos brancos. Mesmo não querendo ver, vi os músculos de seu maxilar se enrijecendo.

"Corre, ele está com raiva de você, ele te odeia!" Gritou o meu subconsciente, e ele tinha razão: Victor estava com raiva de mim, e ele também me odiava.

Queria seguir o conselho do meu subconsciente e correr para longe dali, mas por mais que eu quisesse e tentasse, minhas pernas não me obedeciam.

Ele permanecia se aproximando de mim, com passos rápidos e pesados.

Era como se fôssemos dois carros desgovernados; prestes a colidir em um desastre iminente.

Eu conseguia prever os destroços da batida. Mas, por algum motivo, eu continuei parada. Esperando-o se aproximar.

E isso não tardou a acontecer, foi tudo tão rápido quanto a passagem de uma estrela cadente.

Senti sua mão firme envolver o meu pulso direito. O toque de sua pele contra a minha, para mim foi quase como se houvessem chicoteado o meu braço.

Primeiro veio o choque da colisão, depois a ardência que era quase como se alguém houvesse jogado sal sobre o corte causado pela chicotada.

Ele praticamente me arrastou para fora do quarto e me jogou no corredor.

Quando ele me soltou, eu senti o meu pulso quente, quase como se tivessem chamas sobre a minha pele.

Meu coração havia se afundado em meu peito. Quase como uma tartaruga se afunda dentro de seu casco, apenas para esconder-se e se proteger.

Nunca mais entre naquele quarto. — Ele disse. Sua respiração estava ofegante e desconcertada. E embora a raiva estivesse nitidamente presente em seu olhar, também havia resquícios de tristeza na profundidade daqueles olhos azuis.

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