O AMIGO
🌻 🌻 🌻
Por força do hábito eu passei a entender que não existe um lugar pra mim dentro deste círculo invisível que estar a minha volta. Eu não apenas o via, eu também conhecia o sentimento de tê-lo ali sempre me separando das demais pessoas. Mas algo estava para acontecer de modo tão repentino e tão natural que eu não sei explicar como em alguns poucos dias tudo a minha volta simplesmente mudaria.
- Mamãe! Eu vou subir até o Alto daquele Cruzeiro, prometo estar de volta na hora do almoço. - Eu não sou comunicativa, mas sempre digo onde vou estar pra minha mãe. Não gosto de deixá-la preocupada em vão.
- Leve algum dinheiro com você e também o celular. - Pediu ela. Concordei.
Sair seguindo uma trilha reta, assim não teria dificuldade para voltar. Fui apreciando cada detalhe e depois de uma longa caminhada de mais ou menos meia hora, eu cheguei no Cristo Rei que o Sr. André falou. Ele era radiante e passava uma sensação de paz para quem o olhava.
E a visão daqui de cima do Monte era mesmo impressionante. Por perto havia umas pessoas com jeito de turistas que nem me notaram. O sol estava castigante, logo senti sede e foi então que percebi que já havia bebido toda água que trouxe no caminho até aqui. Avistei aqui do Alto alguns comércios e resolvi descer e comprar uma garrafa de água mineral. Pensava comigo mesma que enquanto eu conseguisse visualizar o Monte com o Cristo Rei, eu não me perderia neste lugar. Desci, conheci o famoso comércio do Seu Pedro e aproveitei para fazer uma ligação pra minha mãe e informa-la que eu estava bem.
Foi só quando eu voltei até o Monte novamente que tive uma inesperada surpresa, descobrir que havia muitas trilhas semelhantes e eu já não distinguia por qual eu subir. Peguei o celular para ligar pra minha mãe uma outra vez, mas eu já não encontrei área. Aqueles muitos turistas já haviam partido. Fiquei assustada mas mantive a calma e o bom senso, então pensei. - Farei o que o Sr. André me mencionou no caminho da viagem. Agora eu saberia se Deus existe, se neste lugar Deus ouve e se por mim Deus realizaria um milagre.
- Deus... - chamei baixinho, e logo em seguida percebi que não sabia como continuar. Ainda de olhos fechados eu me perguntava o que pedir para Aquele que eu nunca vim a falar. Neste momento eu queria muito encontrar o caminho de voltar pra casa, mas e se eu só tivesse essa oportunidade de pedir algo a Deus? Porque não pedir para acabar com este círculo invisível que me separa do mundo populacional. Se não der certo tudo bem, não é algo que me importa mesmo.
- Eu estou descendo. - Ouvi uma voz masculina jovem e me assustei. Ao me virar avistei um rapaz sorridente.
- Calma, não me diga que tem medo de fantasmas, porque se for isso eu vou logo avisando que sou um fantasma legal. - Ele se aproximou com alguns passos, parecia querer me cumprimentar. Eu me afastei.
- Não existe fantasmas! - Exclamei.
- Não é o que falam os moradores da cidade de Gravatá. - Ele alargou ainda mais seu sorriso. Eu deveria está com a palavra "medo" escrito na testa bem evidente.
Eu o observava atenta para o caso de qualquer aproximação dele, eu ter como me afastar.
- Sendo assim me desculpe se atrapalhei sua meditação, você devia estar falando com Deus! - Agora ele não mais sorria, ficou sério.
- Não sei fazer isso! - virei- lhe as costas. Observei mais uma vez à vista daqui de cima deste Cruzeiro.
- Repetindo, estou descendo, se quiser me acompanhar. - Ele fez um gesto cortes. - Vejo que é novata por aqui e pode estar perdida.
Eu não o respondi. Pensava se por ventura minha voz foi ouvida por Deus. Por um instante esqueci do círculo invisível.
- Tudo bem ter medo de fantasmas. - Vi ele começar a descer por uma trilha e não acreditei que perderia a chance de voltar pra casa.
- Não existe fantasmas! - Comecei a segui-lo de longe. Não tão longe, só meio distante.
Descer foi mais rápido que subir e não gastamos a mesma meia hora que gastei para subir. A distância ainda continuava entre nós, o silêncio também veio nós fazer companhia. Vi ele acenar com a mão umas duas vezes para alguns moradores da cidade. E antes de chegar ao final da trilha que seguiamos eu já avistava a residência dos Santana. Acho que ele percebeu, então virou em minha direção.
- Eu sou o Gui ou "Guilherme" se assim preferir, e você? - Ele esperou um pouco e como não falei nada, ele continuou andando. - ah, entendi.
Senti minhas pernas trêmulas, o coração acelerado, um entalo na garganta enquanto o observava partir. Foi assim que reunir todas minhas forças, fechei os olhos, respirei fundo e entrei na parte interior deste círculo invisível...
- Júlia! - ... Falei em bom som. Ele imediatamente olhou pra trás sorridente.
- A gente se ver Júlia! Suba ao Monte mais vezes. Fale e agradeça os feitos de Deus. - Ele partiu após um aceno de mão.
Na manhã seguinte eu me ocupei muito ajudando minha mãe em alguns afazeres da residência e não pude subir ao Monte. Mas eu queria e precisava voltar naquele lugar. E sentir aquela paz com Deus. Lá não existia barreiras imaginárias.
- Que tal pedir alguma coisa para o jantar? - Falou o Sr. André que também nos ajudava a colocar os móveis de volta ao lugar.
- Eu posso ir comprar? - Perguntei, deixando minha mãe e o Sr. André surpresos com a pergunta.
- Não vai ficar perdida? O caminho pode ficar escuro ao cair da tarde. - Comunicou o Sr. André.
- Vou ficar bem. - Olhei para o Sr. André.
Balancei a cabeça em sinal de sim, minha mãe estava admirada.
Desci até o comércio do seu Pedro e entreguei a lista com o pedido das coisas que minha mãe mandou trazer. Antes mesmo que o seu Pedro pagasse e entregasse meu pedido o Gui me apareceu.
- Então a Júlia voltou? - Falou ele sorridente como da outra vez.
- E porque eu não voltaria? - Respondi com outra pergunta.
Ele conteu o riso neste momento. Sei que foi porque não esperava uma resposta minha. - Porque fantasmas existem. Buuuuuuu...
De repente eu senti algo como a muito tempo não sentia, ver o Gui tentando inutilmente me assustar me deu uma vontade imensa de sorrir. Mas o problema era que eu não sabia como fazer isso. Gui do nada me pegou pela mão e saiu correndo Monte acima me arrastando com ele, chegando diante do Cristo Rei me soltou. Estávamos cansados por subir correndo, principalmente ele que veio me puxando. E foi assim que não me contendo mais soltei uma enorme risada como nunca havia solto antes. Eu não sabia que um dia poderia sorrir daquele jeito. Acho que esse riso estava acumulando de muito e muitos tempos.
- hahahahaha... - O que estava havendo comigo? Eu estava feliz em descobrir que eu podia sorri? Eu entrei dentro do círculo? Eu não queria esquecer disso novamente. Não, jamais. - hahahahaha....
- Então você sabe sorri. - Falou ele me acompanhando na gargalhada. - hahahahaha...
Depois disso ficamos os dois a observar a bela visão do céu no seu calipso. Nenhum dos dois falou nada até meu celular tocar, era minha mãe preocupada e também reclamando que seu Pedro estava a nos esperar.
Descemos até o comércio e seu Pedro se aproximou colocando meu pedido nas mãos do Gui.
- Que bom que se deram bem, porque o Gui é quem vai levar suas compras. - falou o seu Pedro.
- Não precisa se incomodar. - Falei tentando pegar o pacote de suas mãos.
- Não é nenhum incômodo, e esse é meu trabalho, sou entregador. - Falou o Gui saindo na frente.
Segui-o a uma pequena distância como da última vez. Claro, como não lembrei? A voz é a mesma que a do dia que cheguei não residência dos Santana. O Gui era o entregador que ficou conversando com o Sr. André e minha mãe. Isso me chateou.
- Distância. Silêncio. Pensamentos. Isso significa que ainda tem medo de mim Júlia. Você sabe falar e fica em silêncio. Sabe sorri e fica fechada. É legal mas se afasta. Me explique porque. - Falou Gui enquanto o segui pela mesma trilha agora já muito próxima de casa.
- Eu estou bem assim. - Respondi.
- Isso não é verdade. - Ele era brando quando falava.
-É verdade! - Exclamei. - Eu não me importo de ser assim. Acho que você andou ouvindo coisas demais. Eu gosto verdadeiramente de ser assim.
- Pare com isso. Está mentindo pra mim é pra si mesma. - Revelou ele.
- Nao estou! - Me sentir ainda mais chateada, aquela sensação de ter sido enganada por ele, ele sabia o tempo todo de mim, isso me fez perder o apetite. Entrei na residência bufando e fui direto para o quarto.
- Júlia o que houve? não vai jantar? - Perguntou minha mãe sem entender minha mudança repentina de humor, eu saí de casa tão bem.
Eu mal educadamente não a respondi.
- Gui nos acompanha no jantar? - Perguntou minha mãe mostrando afinidade a ele. Então ele realmente era o entregador do outro dia e já havia estado na residência. Isso só esclarecia muito mais as coisas.
- Hoje não Dona Juliana. Obrigado! - Ele também não aceitou. - Apenas fale ao meu pai que já fui pra casa na frente.
- Pai... - Eu ouvi pai? Então o Gui era filho do Sr. André. Como não percebi.
Chateada estava e chateada adormeci. Acoredei com o mesmo mal humor na manhã do dia seguinte e passei o dia inteiro isolada dentro da residência. Ainda bem que na próxima manhã voltávamos pra nossa casa.
- Júlia, amanhã vocês estarão voltando pra sua cidade, tem certeza que está bem? Não quer subir ao Monte, ver o Cristo Rei ou ir ao comércio uma última vez? - Falou o Sr. André quando eu passei por ele já perto de anoitecer.
- Tenho sim. Eu estou muito bem assim. - Respondi grosseiramente.
Voltei ao quarto e não consegui me acalmar. A quem eu estava enganando se não a mim, era óbvio que eu queria subir ao Monte, ver o Cristo Rei mais uma vez, passar no comércio e me despedir do Gui e eu ainda não tinha terminado de falar com Deus. Impaciente abrir a porta do quarto e saí a procura do Sr. André. Encontrei-o no jardim.
- Acha que já é tarde? - Perguntei a ele que demonstrou um sorriso alegre.
Subimos ao Monte, eu, o Sr. André e minha mãe que por fim aceitou nos acompanhar. Passamos no Cristo Rei onde minha mãe fez uma oração, em sequência descemos até o comércio onde o Sr. André e minha mãe conversou um pouco com seu Pedro. Mas não encontrei o Gui por lá. Então chegou a hora de votarmos a residência.
- Mamãe! Deixe-me ficar só mais um pouco aqui. Por favor. - implorei.
Minha mãe não gostou da ideia, mas o Sr. André a convenceu que não teria problemas me deixar ir um pouco atrás deles. Ele sabia que eu queria falar com seu filho.
- Desça antes que nos perca de vista. - Foi a condição da Dona Juliana.
Fiquei ali e não podendo mais avistar minha mãe com o Sr. André, eu me preparei pra descer. Comecei a descer devagar na esperança de ser surpreendida pela presença do Gui, mas ele não veio. Ele não apareceu. Cheguei na residência e já ia abrir a porta quando ouvi..
- Júlia! Oh Júlia!
- Gui... - Ele se encontrava de braços abertos lá fora e eu corri para o abraço.
- Você tinha razão o tempo todo, Gui. - admitir.
- Eu não sei do que você está falando, Júlia. - Ele sabia do que eu falava, só queria ouvir tais palavras sair de meus lábios.
Gui mais uma fez me arrastou até o Monte. Lá ficamos mais um tempo abraçados. Então eu cofessei.
- Eu me importo, eu quero ficar aqui dentro, faz esse círculo invisível sumir. - Falei pra Deus e pro Gui.
- "A maior mentira que eu vivi, foi quando acreditei que tudo era verdade". - Conclui.
E assim aconteceu a única coisa que faltava na minha vida para aquele círculo invisível se esvair. O choro. E eu chorei. Chorei e me permitir deixei tudo que me atemorizava cair.
🌻 🌻 🌻
Conclui-se no próximo capítulo. Não levo muito jeito para essas coisas de contos, mas espero que vocês gostem. 😍😘
Beijinhos 💕 Glaucilene_
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