Streamer na Tormenta

C O P A  D O S  C O N T O S 2021
F A S E  4
T E M A:
P I R A T A S
T I P O:
4. ESPACIAL
P A L A V R A - C H A V E:
TESOURA

Lúcia estava aliviada por finalmente ter seu computador funcionando novamente, havia passado um mês com o técnico para ser consertado e ela quase ia a falência nesse período por não poder fazer suas streams. Um acidente com líquido amarelo em seu teclado havia lhe custado a única profissão em que se saiu bem, de streamer, e seus músculos pois a mãe de Lúcia claramente não iria permitir que a jovem passasse um mês fazendo nada, então a streamer teve que largar o teclado e o mouse para segurar colheres de pau e a faca na cozinha de sua mãe.

Ajudar no sustento da casa – Dona Clara possuía um negócio alimentício, como gostava de chamar, ou vendia quentinhas, como todo o resto da humanidade chamaria – Não havia sido ruim, mas cortar dezenas de cebolas todos os dias, ninguém merecia, nem ficar misturando purê de batata na beira do fogão a tarde toda. Lúcia era apenas um fantasma de si mesma, mas agora iria reencarnar, pois sua câmera estava ligada e o monitor possuía uma caixinha onde dizia "live on".

Como sentiu falta de falar com sua audiência, de ler piadas sem graça e de jogar  Garotas Mágicas nas Masmorras, estava encerrando a madrugada quando viu o pedido de um telespectador, jogar Tormenta de Anna, um jogo novo que iria entrar em beta fechado (teste apenas para convidados) em algumas semanas, ela só precisava fazer o pedido para participar e esperar ser aprovada. Não perdeu tempo e logo já enviava o formulário respondido para a Sgeam, a plataforma que hospedava o jogo. Aparentemente apenas 100 pessoas teriam acesso naquele teste, se ela conseguisse a vaga, poderia ter a maior audiência de toda a sua história de streams. Então Lúcia cruzou os dedos e aguardou ansiosamente pela resposta.

Duas semanas depois de mais marmitas e zerar o Garotas Mágicas nas Masmorras, Lúcia recebe uma notificação do e-mail.

"Jogador(a) LucyKad,

Sua candidatura para participar do primeiro beta fechado de Tormenta de Anna foi avaliada e após minuciosas considerações, você selecionado(a) para contribuir em nosso teste. Parabéns!
Ao final dessa mensagem encontra-se o link de acesso único para download do jogo, alertamos que poderá acessar esse link uma vez e apenas um download será executado, para prevenir um excedente de jogadores.
Recomendamos a leitura prévia do guia de TdA que está anexado neste e-mail.
O jogo ficará disponível para teste das 00:00h até as 23:59h GTM-3.

Aguardamos você na Tormenta,
Sgeam."

Lúcia não contém o grito de vitória e já está clicando desenfreadamente no link para fazer o download. Ela escuta Dona Clara gritar da cozinha.

— Lúcia! Para com esses gritos menina, vai acordar a cidade inteira!

Lúcia se controla para não rolar os olhos, se tem alguém naquela casa que grita para toda a vizinhança escutar, esse alguém não é ela. Não foi a toa que sua mãe havia ganhado tanta fama quanto ela na internet.

Demora duas horas para o download ser concluído, talvez Lúcia devesse ter aproveitado esse tempo para ler o guia, mas assim que o abriu viu que possuía trezentas e setenta e nove páginas, Lúcia não ganhou a vida estudando, não seria agora que iria começar, apesar de não ter a vida ganha. De toda forma, tinha mais o que fazer e esse mais envolvia câmeras e chats ao vivo; precisava anunciar que faria parte do teste exclusivíssimo de um jogo novo.

Enquanto falava com sua audiência ela nem notou Dona Clara entrando no quarto com uma caixa até a senhora a soltar de uma vez bem na frente da streamer.

— Mãe! Quer me matar de susto?

— Eu que te coloquei nesse mundo, eu vou querer te matar? Cuidado com o que fala menina! Agora abre esse negócio que eu quero ver o que é, se for outro desses bicho de ouvido seus vai querer ter morrido de susto mesmo.

Lúcia revira os olhos.

— Headset mãe, eu já disse que só comprei outro porque o anterior tinha queimado quando o poste explodiu.

— Tá tá tá. Agora abre logo.

Lúcia já havia desistido de esconder sua mãe da internet, a senhora não colaborava para a proteção da própria privacidade. A jovem olha a caixa e estranha, pois não esperava nenhuma encomenda, ela tenta soltar a fita da caixa, mas não consegue.

— Onde foi que eu botei...?

— Desatenta como sempre.

Dona Clara bate na mesa deixando a tesoura no lugar, Lúcia abre um sorriso amarelo.

— Advinha onde eu encontrei. – ela nem mesmo tenta responder pois já sabe que a resposta virá em breve. – Estava na saboneteira. O que você estava fazendo com uma tesoura no chuveiro Lúcia Brenda Silva Canuto?

A garota nem ousa pensar em responder aquela pergunta, já sabia que só piorava as coisas. Pegou a tesoura e cortou a fita que lacrava a caixa, ao abrir encontrou o que menos esperava, roupas. Tirando de uma por uma, viu calças e uma blusa pretas simples, botas de cano alto e uma jaqueta de couro marrom. Ao olhar o remetente pela primeira vez percebe que havia sido por causa do jogo, ela abre um sorriso.

— Lúcia, quanto custou isso?

— Nada, eu não comprei.

— E quem te deu isso menina?

A garota soltou um suspiro.

— Eu ganhei para fazer o teste de um jogo.

— Ah, sendo assim tudo bem. Mas não vá dormir tarde demais.

Lúcia ignora o comentário da mãe tentando não se alterar pelo pré julgamento que recebeu.

Depois de download completo, jogo instalado e roupas trocadas, Lúcia senta-se na frente do computador pronta para jogar, aguardando ansiosamente pelo horário, tinha que aproveitar cada segundo. As pessoas na stream estavam tão ansiosas quanto ela. Os minutos passavam e quando a tela do jogo finalmente mudou para um botão piscante dizendo "play" ela não esperou. A tela ficou preta e Lúcia achou que tinha dado tudo errado, mas aí a casa inteira ficou escura e ela escutou um estrondo. Não podia acreditar, o poste tinha explodido de novo, dessa vez não seria apenas a cozinha, sua mãe ia a colocar para limpar a casa e fazer as entregas, só esperava que seu computador ainda estivesse inteiro.

— O que está esperando? Vamos LucyKad!

Ela escutou a voz, mas não via nada, foi aí que aos poucos sentiu o ambiente, ela estava deitada de bruços no chão, havia uma arma em sua mão e ao piscar algumas vezes viu um rapaz em pé, a chamando com a mão enquanto trocava tiros luminosos contra um grupo à frente deles.

— Precisamos correr, mas não vamos conseguir se você não me ajudar ou ficar deitada nesse chão. Atire!

Ela estava desnorteada, mas se levantou, aquela situação era um pouco familiar, lembrava de algum jogo daquele jeito. Ela pegou a arma, de algum jeito sabia como atirar, então foi o que fez, disparou contra uma dúzia de robôs brancos. O rapaz lhe ajudou e então eles correram pelo corredor apenas para encontrar mais deles, dessa vez precisaram se esconder e rolar para evitar serem atingidos.

— Os outros conseguiram, vamos LucyKad, já podemos sair. Eles já pegaram a bateria.

Então o estranho correu para uma porta ao mesmo tempo em que as luzes do lugar começaram a piscar. Eles correram por corredores metálicos, até passarem por um com telas laterais, ela correu junto com o rapaz que, ela notou pela primeira vez, usava roupas idênticas às dela. Lúcia se perguntou onde estava e porque o rapaz a chamava de LucyKad. Ela parou e olhou ao redor, se aproximou dos telões e seu coração gelou. Não eram telões, era o espaço, vácuo, luzes e poeira estelar. Ela estava no meio do espaço sideral numa nave espacial!

— Ora ora, se não é a tenente LucyKad.

Uma voz falou vinda da direção para onde estavam correndo segundos antes.

— Merda!

O rapaz gritou. Adiante um homem usando um uniforme branco avançava na direção deles, parecia um comandante. O rapaz com quem tinha corrido pela nave atirando em robôs sacou a arma e apontou para o novo desconhecido.

— Merda merda merda!

— Ficou sem carga, Terry?

O rapaz xingou mais uma vez.

— E que surpresa não é encontrar minha antiga pilota ao lado de um dos desgraçados que está roubando minha bateria. Você nos trocou para se juntar a um bando de piratas?

— Atire nele LucyKad!

Terry falou.

— Ela não vai. LucyKad e eu somos bem íntimos, sabe Terry. Sabe o que mais? Em nome à nossa antiga amizade vou lhe propor uma coisa, por que não volta para a Armada? Eu poderia ocultar o que você fez aqui hoje, seria nosso pequeno segredinho. É só capturar esse pirata e poderá voltar à glória da Armada.

— Atire LucyKad!

Terry exclamou mais uma vez.

— Silêncio! – o estranho comandante falou com autoridade, saindo e voltando facilmente para seu estado sereno e negociador – Você é a minha melhor piloto. O que vai escolher, se tornar uma deles, perseguida por toda a Armada da galáxia, ou voltar para nós, em toda a glória e honra de ser uma piloto da Armada?

— LucyKad, não escute ele, lembre-se do que eles fizeram, lembre-se do seu irmão. Podemos roubar deles, podemos ser chamados de piratas e escória da galáxia, mas fazemos o que acreditamos ser certo, eles se escondem atrás dos uniformes limpos e robôs enquanto tomam a liberdade de vida de todos.

Lúcia absorvia aquela informação como se lesse um texto. Os dois pareciam chamá-la para uma grande aventura, mas ao olhar para Terry ela sabia que aquela valeria a pena.

— Eu jamais me juntaria a você novamente Rangar!

Por algum motivo aquela fala saiu dela no instante em que fez a sua decisão.
O rosto do comandante deixou de ser amistoso e adquiriu uma sombra.

— Então você morrerá pelas minhas mãos!

No segundo seguinte ela escutou o som de passos  ao olhar para trás eles viram a horda de robôs.

— Corre!

Lúcia gritou. Eles correram passando por Rangar que sequer reagiu. Em alguns minutos e após toda a carga da arma de Lúcia acabar eles passaram para uma nave acoplada. Logo que passaram a porta se fechou e eles foram recebidos por um trio. Dois rapazes em vestes pretas assim como eles, um sendo anão e o outro com uma pele roxa quase brilhante de olhos completamente pretos; a outra era uma mulher, com longos cabelos vermelho vivo, ela sorria para Lúcia.

— A missão foi bem sucedida, pegamos a bateria.

O anão jogava um pequeno cilindro no ar e o pegava repetidamente. A mulher deu um passo à frente.

— Bem vinda à nave Tormenta de Anna. Agora você é uma de nós LucyKad.

Terry sorriu e complementou.

— Mais precisamente, agora você é uma pirata procurada e terá cartazes oferecendo uma recompensa pela sua cabeça.

Nesse momento tudo ficou preto novamente e Lúcia piscou para em seguida ver a tela de seu computador piscar com a mensagem:

Parabéns, agora você faz parte da tripulação do Tormenta de Anna.
Obrigada por participar do Beta de Tormenta de Anna.

Lúcia suspirou atônita logo antes de escutar sua mãe.

— Lúcia! Tu ainda não foi dormir menina!?

Um sorriso lhe escapou diante da familiaridade de seu lar.

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