Prologo
THOMAS
Val Gardena: extremo norte da Itália.
A neve branca agasalhava a relva das montanhas Dolomitas em um abraço gelado. Mesmo que o sol e a sua temperatura amena sobre as copas murchas das árvores transmitissem uma falsa sensação de calor.
— Isso é ridículo! — Observou Thomas com seu ar costumeiramente sarcástico. — Tanta perda de tempo para nada.
Maria sorriu de lado, passando a ponta dos dedos pelos fios cacheados e pretos, enquanto negava com a cabeça.
— Por que seria ridículo? — argumentou. — Non essere scortese, Thomas, (Não seja rude, Thomas,) desse modo você nunca irá arrumar um pretendente a sua altura.
— Mas que pretendente? — Thomas vociferou. — Você realmente acha que eu concordo com essa loucura por que quero, Maria?
Ela revirou os olhos verdes, bebendo um pouco do seu chocolate quente com canela. Não seria louca em não aproveitar a bebida gratuita servida na instalação anual da feira de São José.
Em alguns dias seria Páscoa, e acompanhada dela, também aconteceria uma das tradições mais esperadas por todos em Val Gardena. Até mesmo por Maria, mesmo que o seu melhor amigo desde a infância deixasse claro que não concordava com a sua opinião.
— Eu sei muito bem disso — continuou. — Eu escutei "por mero acaso" a conversa das nossas mammas, por isso sei que ela te obrigou a vir.
— Apenas me obrigou? Isso me soa como um elogio para alguém deveras "sensata" como dona Pietra. — Ele bufou entre os dentes. — Oddio! (Oh meu Deus!) Ela praticamente me ameaçou de morte.
— Boh, è un modo di dire. (Ué, é um modo de dizer.) — Maria sorriu.
Seus recém completos vinte e oito anos não era a pior das tragédias, mas para Pietra di Achille, sua preciosa mamma, sem dúvidas, essa sim era uma calamidade.
Quando se revelou um homem gay para a mulher muito religiosa, ela não tinha se mostrado nada decepcionada em comparação ao tê-la em seu encalço vinte quatro horas por dia querendo que ele se casasse de imediato.
“Per dio, figlio, omosessuale sì, ma mai da solo”. (Por deus, filho, homossexual sim, mas nunca sozinho.) Dizia ela, com todo aquele jeito melodramático que toda mamma italiana parecia ter.
Já tinha perdido a conta de quantos pretendentes Pietra lhe havia apresentado: primos distantes, amigos de amigos, e a última dela era o filho de uma grandíssima amiga a qual ele nunca sequer tinha ouvido falar.
Mas não era algo fácil como Pietra pensava. Se casar com outra pessoa requer mútua confiança, algo que Thomas acreditava não mais possuir após ter o seu coração destruído por um “maledetto” bastardo.
— Sabe amigo… — disse Maria em um sussurro, sabendo que estava entrando em um terreno muito delicado. — Você deveria dar uma segunda chance ao amor. Nem todos os homens do mundo possuem o caráter maltrapilho do Marcello.
— Ma cosa stai dicendo? (Mas… o que você está dizendo?) — ele devolveu com chateação. — Mas é claro que possuem. — Thomas empinou o nariz de botão. — Talvez eles sejam até piores que ele.
Saindo dali e deixando para trás a feira sendo montada e a sua amiga gritando desculpas, Thomas caminhou para longe sabendo que ela não queria machucá-lo, mas escutar o nome daquele parvo já era demais para ele.
Ela que voltasse para casa sozinha e a pé.
[...]
O sol desapareceu repentinamente, e agora estava coberto pela neblina fria, ao passo que Thomas se afastava às pressas daquela enxurrada de pessoas sorridentes. Com as mãos nos bolsos do casaco ele apressou os seus passos em direção ao carro estacionado ao lado de uma árvore junto aos seus galhos secos.
Com as mãos trêmulas ele abriu a porta com manchas de uma tintura branca, fechou-a e ligou o motor e o aquecedor.
Dando marcha ele pisou com força no acelerador já exausto pelo tempo, e qual foi a sua surpresa quando o bendito carro não deu partida. Ele tentou uma vez mais, mas a lata velha apenas chiou tal como um cachorro moribundo e morreu.
Oh Dio, - O Mercedes era uma lembrança do seu velho pai, Antônio di Achille, tinha um enorme carinho pela velharia enferrujada. E esse era apenas um dos motivos pelo qual Thomas nunca havia se livrado dele.
A contragosto ele desceu e abriu o capô, e mais um empecilho apareceu quando uma nuvem de fumaça malcheirosa atingiu seu rosto. E apenas alguns segundos o separaram de um Thomas em perfeito estado, a um moribundo insoluto dono de uma tosse descabida.
Com pressa ele se afastou, colocando as mãos nos joelhos e respirando profundamente em busca de ar puro.
A sua coluna queimava dolorosamente e seus pulmões ardiam como o inferno. O coração pulsando cada vez mais rápido e um chiado rouquenho escapando dos seus lábios azulados.
Com os olhos lacrimejando ele respirava com dificuldades em mais um repentino ataque de asma. Agora sonolento e com a visão extremamente turva pela escassez de ar, ele rapidamente se ajoelhou no chão frio. Enquanto seu rosto e as suas mãos suavam em bicas.
— Ciao! (Olá!) Tutto bene (Tudo bem?)
A voz suave, dona de um timbre levemente rouco, o fez virar o rosto em sua direção. Infelizmente não conseguia ver o rosto da pessoa devido à fumaça, mas aqueles ombros incrivelmente largos foram suficientes para Thomas saber que se tratava de um homem.
— Cof… cof… a minha bombinha. — disse com dificuldades em meio a mais uma crise de tosse. — Está no porta-luvas.
Em seguida Thomas pode apenas sentir seu corpo ser carregado sem um mínimo esforço contra um lugar quente e aconchegante, e a bombinha em sua boca enquanto ele fazia os movimentos de sucção às pressas.
Enfim fechando os olhos com tranquilidade.
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Apesar de todo o acontecido, Filippo continuou a admirar com fascinação a beleza daquele jovem homem. Os traços dele eram suaves, com uma boca vermelha muito suculenta, olhos castanhos mel e a pele naturalmente bronzeada como um pêssego em calda.
O seu carro estava estacionado a alguns metros dali, quando ele avistou a névoa de fumaça cinzenta que chamou a sua atenção. Depressa ele subiu o morro escorregadio, não esperando encontrar de tal maneira uma bela criatura precisando da sua ajuda.
Então tudo aconteceu muito rápido, e agora ele agradecia aos céus por seus reflexos rápidos e a vasta experiência de anos na clínica médica da família.
Com ele em seu colo, Filippo pegou-o sem qualquer esforço e o levou para o outro extremo da árvore. Ajeitou o corpo muito menor que o dele contra o seu peito encostando-se no carvalho, e colocou a bombinha respiratória na boca entreaberta.
Apesar disso, Filippo se encontrava totalmente paralisado. Não somente por agora ter aqueles incríveis olhos através da lente dos óculos fixos nele, mas também por ouvir mesmo que com dificuldades aquela deliciosa voz.
— Grazie per… (Obrigado por…) ter me salvado.
Filippo sorriu, mesmo que pudesse estar entrando na maior furada da sua vida. Sua mamma não ficaria nada feliz em saber que ele já tinha encontrado o homem da sua vida, mesmo que ela já estivesse de acordo com a sua preferência sexual.
Miranda Ferretti tinha seus próprios planos para o seu bambino.
Ele estava duplamente enrascado.
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