5 - Fuga

Diana


Olhei um tempo por trás da cortina, mas ela não apareceu. Desencanei e fui tomar banho. Admito que fiquei meio frustrada, mas o que eu poderia fazer? Talvez fosse apenas coisa da minha cabeça, ela provavelmente não estava me observando.

Deixa isso pra lá, Diana!

Fui à cozinha preparar algo para comer. Luís não estava lá, claro. Depois de se empanturrar de comida, certeza tinha ido dormir.

Enquanto eu comia e tentava tirar a vizinha da cabeça, voltei a pensar no que poderia ter acontecido com o meu tio para tomar aquele tiro. Ele era um homem bom, não acreditava que fosse capaz de se envolver com nada ilícito, então provavelmente devia ter reagido a um assalto ou coisa do tipo. Também estava curiosa sobre o motivo de ele estar na cidade.

Ele e meu pai, embora muito parecidos fisicamente, tinham comportamentos completamente opostos. Tio Gu era gentil, carinhoso comigo, enquanto o Afrânio era seco e frio. Com a minha mãe, então, nem se fala, era arrogante e violento.

Uma vez o tio Augusto chegou lá em casa no meio de uma discussão entre meus pais, eu assistia tudo do topo da escada, meio que me escondendo, porque morria de medo de apanhar também. Quando eles começavam a brigar, eu travava, ficava imóvel, sem como reagir, tremia impotente. Ele entrou quando o asqueroso do meu pai levantou a mão para bater na minha mãe e o impediu, avançando sobre ele.

— O que pensa que está fazendo? Não interfira nos meus assuntos, Augusto. Cuide da sua própria vida. — disse após ser arremessado no sofá.

— Você perdeu o juízo? Que covardia é essa, batendo em mulher... na sua mulher? Olha pro teu tamanho, Afrânio!

— Isso não é da sua conta. Como mesmo disse, é a minha mulher... e esta é a minha casa. Saia daqui.

A discussão entre os dois se intensificou ao ponto de levá-los a uma briga física. Os dois se atracaram no meio da sala, tio Augusto levou uns socos, mas bateu bem mais do que apanhou.

— É diferente quando a outra pessoa consegue se defender, né, seu desgraçado? — disse, em tom irônico e saiu.

— Seu imbecil, você me paga! — Meu pai esbravejou do chão.

Minha mãe, àquela altura, já havia corrido dali apavorada. Não sei para onde ela foi, mas entendi o sumiço. Eu teria feito o mesmo.

Continuei no mesmo lugar, observando aquele miserável tentando se levantar, todo quebrado, não mais travada, já me deliciando com o desfecho daquela cena. Senti vontade de rir da cara dele, finalmente estava pagando um pouco pelo que fazia com a coitada da minha mãe. Quando ficou de pé, pegou o telefone e ligou para alguém. Não entendi direito sobre o que falava, ele abafou a voz e baixou o tom, mas vi que mencionou o nome do meu tio. Depois disso, saiu.

Mamãe passou dois dias sem aparecer em casa, mas no mesmo dia em que saiu, me ligou.

— Filha, mamãe não pode mais voltar pra casa. Por favor, entenda.

— Eu entendo, mãe, mas... e eu? Vai me deixar aqui com ele? Eu tô com medo. — falei, chorando.

— Fique calma, meu amor! Ele não vai fazer nada contra você. Vamos fazer assim: arrume uma mala com o básico, e seu tio vai te buscar em dois dias. Não deixe ninguém ver, e evite ficar perto do seu pai. Eu amo você.

— Tá bom, mamãe. Também te amo!

Fiz o que ela ordenou, mas em dois dias, ao invés de o tio Augusto ir me buscar, meu pai a trouxe de volta. Lembro que ela chorou por vários dias, ficou trancada no quarto sem querer comer ou ver ninguém.

Pouco tempo depois soube que ela havia sido diagnosticada com câncer de mama. Quase morri, queria já ser adulta e ter me formado para poder salvá-la e chorei frustrada, me sentindo impotente.

O mais estranho foi a evolução do quadro dela. Do dia para a noite, após iniciar o tratamento, ela ficou muito debilitada. Mesmo assim, aquele monstro não se compadecia, continuava a machucando. Finalmente destravei, e completamente trêmula e ofegante, avancei em cima dele, que me jogou longe.

— Não seja insolente, menina! Eu sou seu pai.

— É, mas eu preferia que não fosse. — gritei em meio aos soluços causados pelo meu choro nervoso. — Tenho ódio de ser sua filha, você é horrível.

— Pois engula o seu ódio e me respeite, porque sou o pai que você tem. Saia daqui agora mesmo, vá para o seu quarto e fique lá, ou vai sobrar pra você também.

Atrevida, ignorei a ordem dele e peguei um vaso para acertá-lo, mas ele foi mais rápido em tomar da minha mão e me dar um tapa que me fez cair. Minha mãe entrou em desespero.

— Filha, obedeça, vá pro seu quarto. — pediu, nervosa e em lágrimas.

Eu estava chorando também, vi que não tinha forças contra ele e finalmente saí. Mas não ficou barato, liguei para o meu tio, que em poucos minutos apareceu para socorrer a minha mãe. O desgraçado já não estava mais lá quando ele chegou, minha mãe estava caída no chão, cheia de hematomas, a boca sangrando. Ela chorava de dor.

Fomos para o hospital, ela ficou dois dias internada. Dois meses depois, morreu. Lembro que chorei muito, mais de ódio do que de tristeza. Meu tio me confortou, me abraçou e me pediu para ter calma.

— Ele matou minha mãe, tio! — disse, abraçada a ele, chorando em seu peito.

— Não diga isso, princesa. Não em voz alta, acalme-se.

— Mas ele matou, precisa ser preso.

— Diana, não é assim que as coisas funcionam. Fique calma, meu amor, por favor! A justiça sempre é feita, de um jeito ou de outro. Então não se preocupe, ele vai pagar por tudo que fez à sua mãe.

— Eu não tenho mais ninguém, estou sozinha. — falei, intensificando o choro.

— Não é verdade, eu amo você e nunca vou te abandonar.

O som dos cachorros da rua latindo me trouxe de volta ao presente. Eu estava em lágrimas, evitava lembrar da minha mãe, aquilo me maltratava demais. Mas a presença do tio Augusto trazia tudo à tona. Senti vontade de vê-lo imediatamente, queria aquele abraço caloroso que sempre me acalmava, mas resolvi esperar pelo dia seguinte mesmo.

Tentei limpar aqueles pensamentos tristes da mente e imediatamente voltei a pensar na vizinha.

Linda demais! De perto pude ver a perfeição.

Caminhei até a varanda e não a vi. Fiquei reticente em ficar lá, tinha medo de que ela desconfiasse que eu a estava observando, mas aquela era a minha rotina. Eu ia para a varanda quase todas as noites, então, por que agir diferente?

Peguei um livro e sentei. Comecei a folhear sem dar atenção, apenas fingia ler. Cerca de dez minutos depois notei uma movimentação na janela dela, olhei tentando disfarçar e a vi.

Engraçada era a sensação, como se tivesse sido pega no flagra. Ruborizei, senti isso quando meu rosto ardeu. Fiquei muito nervosa, coração palpitando, mãos suando.

Queria olhá-la diretamente, mas tive vergonha. Lembrei do contato no mercado, aqueles olhos intensos e tristes.

Consegui segurar a minha vontade por um tempo, mas depois não resisti e a encarei. Ela estava me olhando e aquilo fez minha boca secar. Passei por cima do meu receio e larguei o livro, me levantei e fui até o parapeito para olhá-la direta e descaradamente. Ela não desviou, sorri nervosa e acho que ela sorriu de volta. Não um sorriso aberto, mas um meio sorriso, quase forçado. Logo em seguida olhou para a rua e pareceu se assustar com algo. Virou-se subitamente e saiu.

Fiquei sem entender nada. Olhei para baixo, mas estava tudo deserto. O único sinal de vida ali era o barulho dos cachorros da rua latindo, estavam muito agitados aquela noite. Esperei por cerca de meia hora ainda, mas ela não apareceu de novo. Frustrada, entrei e fui tentar dormir. Não tive muito sucesso.

Na manhã seguinte, cheguei mais cedo no hospital, queria ver meu tio antes do plantão começar. Fui ao quarto e vi Gabriel o examinando. Falava com ele, que não respondia, apenas o olhava.

— Bom dia! — falei, baixo.

Gabriel se virou e me cumprimentou com um aceno de cabeça. me aproximei da cama e ele virou para me olhar. Quando me viu, abriu um largo sorriso.

— Minha filha! — sussurrou e buscou a minha mão.

Uma lágrima escorreu pelo rosto dele, que sempre me chamava de "filha", e eu amava isso. A verdade é que sempre quis que ele fosse meu pai. A minha vida e a da minha mãe certamente teriam sido bem diferentes.

— Tio Gu! — disse, carinhosamente e sorri, estava emocionada também.

Curvei o corpo para beijar o alto da cabeça dele, mas acabei o abraçando, pois ele me puxou com o braço direito.

— Minha princesinha virou uma mulher. Que saudade!

— Saudade também! Como você está se sentindo?

— Bem! Não foi dessa vez ainda...

Sorri e me afastei um pouco, nem lembrava que Gabriel estava lá, só notei quando ele falou:

— Pelo menos agora que te viu ele está falando.

— Por que esse silêncio, tio? — indaguei, curiosa.

— Doutor Gabriel, será que posso ter um momento sozinho com a minha sobrinha?

— Claro, doutor Augusto. Com licença!

Gabriel me olhou curioso e depois saiu.

— Diana, ninguém pode saber que estou aqui.

— Ué, por que não? O que tá havendo? Você sabe que a polícia está lá fora querendo te interrogar, não sabe?

Ele arregalou os olhos e seu semblante ficou assustado.

— Você precisa dar um jeito de me tirar daqui antes disso, por favor!

Franzi o cenho confusa, ele não parecia estar brincando.

— Tio, você sabe quem atirou em você?

— Sei, mas não é seguro falar. Só posso dizer que se não me tirar daqui imediatamente, o atirador vai me achar e pode ser que não falhe dessa vez.

Levei as mãos à boca em um ato nervoso. Estava muito assustada.

— Você confia em alguém nesse hospital, filha?

— Quê? Como assim, o que...

— Diana, confie em mim, por favor. Logo você entenderá tudo. Só faça o que eu te disser, ok?

— Ok!

— Esse rapaz, Gabriel, você confia nele? Ele pode nos ajudar?

— Sim, eu confio.

— Então vamos fazer o seguinte...

Mesmo confusa e assustada, ouvi as orientações e as segui. Eu confiava muito nele quando era criança e nunca me decepcionei. Não seria possível que ele tivesse mudado.

Saí do quarto e procurei Gabriel, que ouviu o plano e não hesitou em ajudar. Ele foi até a recepção e deu um jeito de se livrar da polícia, depois foi para o quarto preparar o tio Gu para que pudesse sair sem maiores traumas, devido ao estado dele.

Eu precisava conseguir medicação e material para tratá-lo em casa, além disso, tinha que conseguir roupas para que ele pudesse sair disfarçado. Não tinha tempo para fazer as duas coisas e ainda por cima não poderia ser vista pelo Jales, meu plantão estava para começar. Precisava de mais ajuda, mas a quem eu pediria?

No corredor, cruzei com a Jéssica e resolvi me aproveitar do sentimento dela por mim. Não me orgulho de ter feito isso, mas não tinha outro jeito. Ela passou por mim com um sorriso no rosto e a puxei pelo braço. Entramos em uma sala de materiais.

— Oi! — cumprimentei com um falso sorriso.

Estávamos muito próximas, e ela ruborizou.

— Oi! — respondeu simplesmente, meio confusa.

— Estou precisando de um favor... — falei baixo e dei um passo em sua direção, ficando bem perto dela e continuando antes que falasse qualquer coisa. — Será que pode me ajudar?

Suspirou profundamente, pude sentir o tremor do corpo dela.

Ótimo, está funcionando!

— Cla... claro. — gaguejou. — O que posso fazer por você?

Inventei uma desculpa qualquer para justificar o motivo de precisar de roupas cirúrgicas, e ela foi buscar sem me questionar.

— Prontinho, aqui, do jeito que você pediu!

— Obrigada, linda! Nem sei como te agradecer. — Sorri e dei um beijo estalado no rosto dela.

Fui saindo e a ouvi me chamar.

— Diana?

— Oi?

— O que acha de sairmos qualquer dia? — perguntou, muito envergonhada.

Queria dizer não, mas que espécie de vaca eu seria se fizesse isso depois de tê-la usado daquele jeito?

— Claro, vamos combinar. — sorri e saí.

Vinte minutos depois, tio Augusto saiu pela porta da frente do hospital usando roupas cirúrgicas, máscara e touca. Eu já estava no estacionamento, esperando com o carro ligado. Fomos para a minha casa, eu o instalei no meu quarto, fiz o acesso, troquei o curativo, dei a medicação e voltei correndo para o meu plantão. Felizmente o hospital era perto de casa, e no intervalo do almoço eu voltaria para alimentar meu tio. Mas somente a noite eu teria tempo de questioná-lo sobre aquela situação absurda.

A manhã correu tranquila no hospital, ao meio-dia saí rapidamente, passei num restaurante e comprei algo.

Entrei em casa, estava tudo calmo, meu tio estava de olhos fechados, abriu-os quando sentiu minha presença. Como estava com muita pressa, não demorei. Ele comeu direitinho e saí, deixando água perto dele. Corri de volta ao hospital, pretendia voltar em umas três horas, mas acabou não dando certo, entrei numa cirurgia e voltei pra casa depois das sete da noite.

— Tio? — chamei ao entrar e fui ao quarto.

Ele não estava na cama. Já entrei em desespero. Chamei novamente, procurando pela casa, até que o vi lavando as mãos na cozinha.

— Tio, que susto! Desculpa não poder ter vindo mais cedo. O que houve? Não devia estar aqui. — falei e toquei em seu braço. Notei a blusa suja de sangue. Afastei para olhar e o curativo estava encharcado. — Ah, meu Deus, tio, o que houve?

— Estou bem, filha! Fique calma, eu só caí e...

Interrompeu a própria frase quando avistou algo através da janela. Olhei na mesma direção e vi a vizinha. Eles estavam se olhando, mas no instante em que a encarei, ela desfez o contato e saiu.

Estranho!

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