3 - Hugo
Após a sessão fotográfica que Hugo fez para os Baltimore — e o valor consideravelmente alto que ganhou com isso —, achou que distrair-se seria uma ideia a se considerar, mas não queria fazer isso sozinho, claro. Dois dias antes, enquanto August mostrava-lhe o caminho para a residência de uma das famílias mais faladas de toda a região, Hugo, de um jeito sedutor e sutil, perguntou a August os lugares que ele mais gostava de frequentar por aquelas bandas. August disse que conhecia um local que ele provavelmente gostaria — onde geralmente não se dispensa uma segunda visita — mas não imaginava que este fosse tão escondido da civilização.
— Aqui é a “Tá aberta” — August disse, rindo logo em seguida.
— Que nome é esse? — Hugo também soltou um riso.
— Eu acho genial, Hugo. Com certeza o melhor nome que se pode dar a uma taberna.
Os dois riram até entrarem na “Tá aberta”. Se a noite lá fora estava congelante, lá dentro o calor dos corpos frenéticos era quase insuportável. Hugo desvencilhou-se de sua jaqueta de couro e fez menção para que August tirasse seu casaco, mas ele recusou e disse que estava bem assim.
Enquanto caminhavam até o balcão, Hugo encarou, perplexo, dois rapazes perto de uma janela ali perto, um de cabelo loiro sentado nas pernas de um moreno e mais corpulento. Aquilo deixou Hugo em êxtase. Cenas como essa ele nunca vira enquanto estava na França. Pensou se lá haveria muitos lugares como esse.
— Hmm... — Hugo pigarreou ao tomar um assento perto do balcão, ficando de costas para os rapazes que estavam se pegando atrás dele. — Quem é? — Ele apontou para uma mulher vestida em trajes coloridos e com uma maquiagem muito forte que estava cantando uma música em um pequeno palco lá na frente, a voz grave ressoando pelo ambiente como um sopro cálido e aconchegante.
August vasculhou com os olhos entre os pares de gente que estavam dançando a música.
— Ah, essa é a Liz. Muito talentosa, não é? — August falou.
— É mesmo — respondeu Hugo, estudando August a cada segundo.
Hugo não havia percebido antes, mas enquanto August falava com um moço no outro lado do balcão, percebeu que havia uma caneta presa no bolso do casaco dele.
— Você leva isso para todo lugar? — Hugo perguntou, gesticulando para o bolso do casaco de August.
Ele tirou de lá não só a caneta, mas também um bloco de folhas, diferente do que ele estava escrevendo no dia em que se conheceram.
— Tenho que está preparado para o caso das ideias aparecerem — August disse, repousando seu instrumento de trabalho no balcão.
Os dois se encararam por um tempo, até o momento em que as bebidas foram servidas.
— Isso é o quê? — Hugo questionou, levando o copo ao nariz.
Parecia forte.
— No dia em que nos vimos pela primeira vez, você me perguntou o que me inspirava. Aqui está — August disse com entusiasmo, tomando o líquido em um só gole.
Hugo preferia vinho a bebidas mais fortes, mas ele queria mandar ver naquela noite, queria ficar mais leve e poder ser ele mesmo. Na verdade, ele sentia que podia ser ele mesmo enquanto estava perto de August, mesmo sem o álcool correndo em seu sangue.
— Espera... — Hugo crispou os lábios quando a bebida desceu pelo esôfago. — Isso é o láudano?
August fez que sim, rindo com a mão na boca, provavelmente achando engraçado a cara que Hugo fez.
Após a primeira dose vinheram a segunda e a terceira e a quarta, até que os dois estavam a centímetros um do outro, dançando no salão. Hugo percebeu que August estava muito quente, mas achou que era sua impressão já que seus sentidos não estavam funcionando direito por conta do álcool.
— Então — Hugo sussurrou, sentindo o cheiro de lavanda que emanava dos fios do cabelo de August —, vai levar em consideração o que eu disse a você naquele dia?
— Do que você está falando? — A voz de August soava lenta.
— Estou falando sobre divulgar seus escritos por aí. Posso te indicar para algum jornal da cidade.
August ficou em silêncio por um tempo.
— Eu não sei. Meus monstros ainda estão muitos frágeis para verem a luz do dia.
— Monstros?
— É. É assim que chamo os meus textos.
— São textos muito lindos para serem chamados de monstros.
— Existem monstros que são belos nesse mundo, sabia?
— É verdade. Você está certo.
Eles não souberam quanto tempo ficaram agarrados no meio do salão, mas seus pés já não estavam acompanhando os compassos da música, então voltaram a se sentar perto do balcão. Ficaram se encarando até que ambos começaram a sorrir.
— Sabe — August começou —, eu poderia estar na pior.
— O que seria pior do que ficar batendo com uma vara de bambu na janela das pessoas para acordarem?
— Eu poderia estar limpando chaminé. Ou caçando ratos — August riu.
Hugo caiu na gargalhada, pensando na possibilidade de um rapaz tão bonito como August procurando ratos pela cidade. Seria um desperdício de potencial, pensou ele.
— Eu também poderia estar na pior. Poderia estar trabalhando como fotógrafo pós-morte.
— Já ouvi falar disso por aí. Deve ser um trabalho horrível, não é? Fotografar pessoas mortas. Eu sei que a intenção é enternizar a pessoa, mas acho isso tão estranho.
— É mesmo. Eu não me vejo fazendo isso.
De relance, Hugo tomou caneta e o bloco de folhas de August e começou a escrever.
— O que você está fazendo? — August perguntou.
—Esse é o endereço do estúdio onde trabalho. Quero que você o conheça — Hugo entregou o bloco com o endereço anotado em uma caligrafia horrenda. Mas não era o endereço do estúdio, e sim o da casa de Hugo.
— Eu vou. É claro. Adoraria — August disse, guardando o bloco e a caneta de volta no bolso do casaco.
A música já havia parado. Tudo que se ouvia era o som de corpos se agitando.
— Estou curioso com uma coisa — August falou, capturando a atenção de Hugo. — O que fez com aquela foto que você tirou de mim?
1000 palavras
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