2 - August

Ele viu o rapaz com a câmera se aproximando, meio sem jeito. Olhava de um lado para o outro, e quando não, encarava o chão. Era como fosse um grande risco cruzar o olhar com o de August. O rapaz, muito arrumado por sinal, trotava de um jeito engraçado, o que o fez sorrir de soslaio. Seria facilmente confundido com um modelo de folheto para propaganda de loção para barba.

— Oi, como vai? — ele disse quando finalmente atravessou a rua, segurando a câmera com todo o cuidado do mundo.

Agora estavam bem próximos, o que fez August perceber a tensão do outro. O seu perfume era amadeirado e muito forte. Ele ficaria com aquele cheiro nas narinas por uns dias.

August ficou em silêncio, apenas se encostou na parede, cruzou os braços e começou a estudar o rapaz. Os olhos dele eram grandes e intrigantes, August reparou, como se fossem dois botões de um casaco de caxemira. Eram de um azul feito o mar, capazes de despertar desejo e curiosidade assim como o seu horizonte.

— Eu sou o August. — Ele ficou ereto para cumprimentá-lo.

— Me chamo Hugo — ele disse, hesitando antes de pegar em sua mão, mas quando o fez, demorou para largar.

Além de ter roubado do rapaz bem vestido um pouco de creme para mãos — o que o fez disfarçadamente limpar a sua na parte de trás da calça —, August percebeu o sotaque presente na voz dele, mas achou muito indelicado perguntar para alguém que tinha acabado de conhecer de onde era. Estava na cara que era francês.

— Avistei de longe que você estava escrevendo. Por acaso você é algum tipo amador de escritor? Poeta?

A resposta demorou a vir, mas August disse:

— Não consigo lhe responder. Não sei o que eu sou, na verdade. Pensar nisso faz minha cabeça girar.

— Esse é o tipo de coisa que um escritor diria — Hugo disse, dando um breve sorriso.

August percebeu que toda vez que ele ria abaixava os olhos, como se tivesse vergonha do seu sorriso. Se eu tivesse um sorriso desses eu seria a pessoa mais feliz do mundo, pensou ele.

Instantaneamente, instalou-se aquele silêncio que existe quando a conversa deveria continuar mas as duas pessoas não sabem para onde direcioná-la, então August decidiu quebrar o clima.

— Indo a algum lugar? — Ele fez um gesto de cabeça, apontando para a câmera de Hugo.

— Ah, sim, eh... — Ele corou. — Estou indo à residência dos Baltimore, porém não sei muito bem onde fica. Eles querem aproveitar os primeiros raios de sol. Soube que pagavam muito bem, então dei um jeito de encaixar o ensaio deles na minha agenda.

August entendeu a sugestão na fala de Hugo.

— Bem, então é melhor de se apressar. Posso lhe guiar até lá.

— Você não está ocupado?

— Não. Já acordei as pessoas que tinha de acordar.

Eles sorriram ao mesmo tempo, Hugo mantendo o olhar firme dessa vez. Então desceram a rua, o sol aparecendo timidamente entre os prédios e banhando a cidade.

— Então, estou curioso para saber o que você escreve — Hugo disse, passando a mão no cabelo.

August pensou se deveria mostrar seus escritos para uma pessoa que conhecera há minutos. Ninguém nunca havia demonstrado interesse no que ele fazia. Por anos tudo o que ele achava que as pessoas pensavam a seu respeito é que ele era um simples despertador humano que ganhava o suficiente para comer todo os dias.

— Não é nada demais — ele disse, escondendo o caderno debaixo do braço e brincando com a vara de bambu enquanto caminhava.

— Eu sou muito curioso, August. Se eu não ver o que há nesse caderno provavelmente não dormirei hoje — Hugo falou, com um tom de voz desafiador.

August encarou os seus olhos, até que finalmente cedeu ao pedido do rapaz e passou-lhe o caderno.

Enquanto dobravam uma rua que dava para uma pequena praça, onde os estabelecimentos comerciais começavam a se pôr em movimento — uma barbearia, uma loja de roupas e uma sorveteria — Hugo folheava atenciosamente o caderno de August.

Hugo parou, encarando uma página e estreitando os olhos. August não conseguiu pensar no que ele tinha acabado de ler.

— “A grande questão da minha existência é que não sei chover sem fazer alagar meu coração” — Hugo ditou cada palavra como se estivesse saboreando-as, e no final da frase olhou para August e sorriu.

— Você não era para ter lido isso. — August tomou o caderno das mãos de Hugo.

Para August, alguém ler os seus escritos, principalmente em voz alta, era como se estivessem lhe despindo em praça pública. E era exatamente assim que estava se sentindo, mas quando seus olhos encararam os de Hugo outra vez, bem mais de perto, pensou que não teria problema nenhum se ele o levasse para algum lugar e o despisse.

800 palavras

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