(0) it was there
[P O V P A R K J I M I N}
Há memórias que nós nunca queremos esquecer, mas também há as que queremos. Há memórias que sonhamos poder lembrar-nos para sempre, mas o tempo passa tão rápido, naquele único piscar de olhos, que acabamos por deixar essas memórias irem com o vento. Mas há memórias que não conseguimos esquecer, porque não dão para esquecer.
A relevância não é sobre a importância, porque nunca houve ninguém que me falasse da experiência que foi ver a mãe ou o pai pela primeira vez, e mesmo que importante ninguém se lembra. Provavelmente a culpa é do nosso cérebro, daquele habitual tamanho de um feijão preto, ou vermelho, ou branco, porque com feijões não cabe racismo.
E há dois dias que eu vou recordar, de trás para a frente, na minha cabeça, até que eu não os possa recordar mais. O dia em que Yang Mi esteve nos meus braços pela primeira vez, desde o que eu tinha vestido ao que ela tinha vestido, desde o trânsito que eu apanhei até ao centro ou à dificuldade que foi comprar fraldas naquele dia. Todas essas coisas, na minha cabeça, memoráveis para não esquecer.
E Jungkook, o dia que eu o conheci corre pela minha memória sempre que eu olho em seus olhos, sempre que eu me deito no seu peito como se fosse a primeira vez, sempre que eu fecho os olhos e sinto que posso respirar.
Respirar longe de Jungkook ainda é respirar, mas eu não preciso de respirar longe dele. Não.
E no dia que eu conheci Jeon Jungkook eu não estava respirando, de todo.
''Taemin, eu te liguei há meia hora e...''
Era o que eu estava dizendo, ao celular, enquanto atravessava o hall daquele hotel até ao bar da entrada, à procura de algum snack que pudesse enganar o meu estômago até à hora de jantar, quando eu o vi, de costas, com a camisa bem passada e esticada ao longo de suas costas, solta até quase tocar no banco onde se sentava, em frente do balcão, com os braços para o lado, semi abertos, o queixo no balcão, e eu quis rir, porque era um miúdo a meio da tarde em um bar, com algum tipo de álcool entre os dedos.
''Como eu estava dizendo, Taemin, nós já falamos sobre isso, os meus pais já veem você como meu namorado, nós não precisamos formalizar nada disso.'' Eu acabei resmungando, na altura, porque Taemin vinha insistindo que combinássemos algum tipo de jantar entre os nossos pais, como se estivéssemos indo casar e eles já não se conhecessem desde o tempo da faculdade. ''Eu te ligo depois, tchau.'' Eu disse então, assim que alcancei aquele balcão e atendente chegou perto. E eu, distraído, olhei a vitrina pequena, procurando alguma coisa que fosse me agradar, mas não havia nada. ''Qualquer bolo.'' Eu disse-lhe então, sorrindo triste para mim mesmo antes de ocupar um dos bancos.
E Jungkook ainda estava lá quando eu olhei para o lado, com um banco vazio entre nós, levando o copo dele aos lábios, engolindo com esforço e fazendo uma careta logo depois.
Uma risada escapou da minha boca, é verdade, eu ri dele forte e feio, até que ele me encarou, chateado, sabendo que era dele que eu ria, pousando então o copo com calma no balcão, muito adulto.
''O que foi?'' Perguntou-me, com o ar todo julgador, pronto para entrar no soco comigo se precisasse.
''Perdão.'' Foi o que eu respondi, porque não era minha intenção ser mal educado.
E ele virou a cara, olhando a tv pequena presa na parede enquanto eu recebia o meu bolo.
Um queque de chocolate, nem foi muito mau.
E a primeira vez que eu ouvi a voz dele foi daquele modo, a achar que ele era um puto estúpido tentando se embebedar no bar de snacks do hall de um hotel.
Até que ele ficou de pé, enquanto eu penicava o meu bolo com a ponta dos dedos, como um pintainho. E só pela minha visão periférica, vendo-o se erguer, eu fui obrigado a o encarar, percebendo a figura alta, que me soou muito mais por eu estar sentado, e todo o corpo dele, mesmo entre a camisa larga e a calça justa, era definido para ele, como feito à medida para encaixar ali.
''O que foi?'' Ele perguntou mais uma vez, me olhando semicerrado, incomodado pelo peso do meu olhar sobre si enquanto esfregava as mãos na calça.
''Me desculpe, não é costume meu encarar as pessoas deste modo.'' Eu disse-lhe então, incomodado comigo mesmo por ter sido apanhado.
''De qual modo, então?'' Ele perguntou-me e se eu soubesse eu teria rido em antecedência, enquanto ele pegava o casaco fino da beira do banco.
''Nenhum modo.'' Corrigi-me, sabendo que não ia a tempo. ''Não costumo encarar as pessoas.''
''Mas está me encarando.''
''Porque,,,''
''Porquê?'' Ele insistiu, sem saber que aquele tom de garganta grave arrepiava os meus pelos dos braços por baixo da camisa azul bebê que eu usava.
''Porque você é jovem, são cinco da tarde e você está bebendo.'' Eu disse, numa mentira inventada à pressa. ''Mas não é da minha conta, me perdoe.''
''Cinco e meia.'' Ele corrigiu, astuto, e eu não precisei de olhar para o relógio para verificar. Era como se já confiasse nele de olhos fechados. ''Mas se eu vou te contar a história, então eu vou precisar de outro.''
E então ele voltou a sentar-se, dessa vez ao meu lado, pousando o casaco no outro banco vazio e depois puxando o copo vazio para si, o empurrando para a ponta do balcão, num pedido silencioso de que o enchessem de novo.
''Não precisa de fazer isso.'' Eu murmurei, enquanto o seu olhar caía sobre o meu bolo de chocolate e depois em mim. ''Quer um pouco?'' Eu ofereci.
''Não.''
Foi o que ele me respondeu na altura, mas eu soube lá e sei agora que ele queria aquele bolo e provavelmente Jungkook ainda se arrepende daquela resposta ainda hoje. Era um bolo bastante bom.
''Você pode trazer outro, por favor?'' Eu intervim assim que a atendente trouxe o copo dele, e eu nem estava afim de beber, até porque aquela era uma verdadeira viagem a trabalho, mas eu estava tão cansado da semana que se tinha passado que eu acabei o fazendo. E quando eu olhei Jungkook de novo, ele tinha aqueles olhos dele esbugalhados, me encarando, com o braço esticado pelo balcão, segurando o seu copo e esparramando-se como encosto.
''Pelo que você está bebendo?''
''Para fazer companhia a você.'' Eu menti na altura, porque falar com estranhos sobre a minha vida pessoal nunca foi plano algum. ''E você? Aliás, você tem idade?''
''Eu me casei há dois dias.''
Foi ali, naquele preciso momento, que eu passei vergonha em frente de Jeon Jungkook pela primeira vez, deixando algum do álcool ingerido cair pelos meus lábios na medida em que o copo escorregou dentre eles. Mas ele não se riu, ele manteve aquele olhar sobre mim, fechando os olhos enquanto bebia mais um pouco, como se soubesse que aquela vergonha não se comparava ao quão miserável ele se sentia naquele momento.
''Você... Você é casado?''
''Lua de mel.'' Ele disse, um sorriso cínico enquanto erguia a sua mão com uma aliança do que parecia ser ouro.
''Cara, você...'' E eu acabei brincando, empurrando o meu copo para ele também. ''Pode pegar.''
''Você babou para aí.''
Jungkook não sabia naquele momento que a minha saliva estaria por muitos mais lugares nele dali a umas horas, por isso ele recusou e voltou a empurrar o copo com whisky para mim.
E dali em diante, o Jungkook que ainda vestia camisas por fora das calças e usava uns ténis pretos começou a contar-me partes da sua vida, mais concretamente do dia do seu casamento, dois dias antes, sobre como ele escreveu votos bonitos e sinceros e a sua noiva, esposa, improvisou de cabeça, com três palavras tão fúteis quando usadas. Falou-me sobre como não se sentiu bem no próprio dia do casamento, sobre como até achou que o padre estava o julgando enquanto a sua noiva, esposa, caminhava até ao altar com um vestido curto. Falou-me sobre como ia o cabelo dela, cachos e um grande travessão prateado e branco, e sobre como ela usou maquilhagem demais mas também sobre como ele não disse nada.
Jungkook falou-me de tudo daquele dia e ali eu pude saber metade da personalidade de Sori Na, mas também da de Jungkook. Sobre como casar não era o que ele entendia ser e só tinham passado dois dias. Sobre como estava na sua lua de mel à dois dias igualmente e ainda só tinha estado duas mísera horas com a sua esposa.
E vi-o irritado, a bater o punho no balcão, sem muita força, a ser homem, a não gostar daquilo, a ver a sua vida andar para trás como uma coisa má, como se isso não fosse o que ele queria fazer e ter.
E vi-o engolir com desgosto cinco copos de whisky, cada vez mais miserável, cada vez com menos esforço.
Até que ele disse, após duas horas de conversa:
''E você, Jimin?''
E ele sabia o meu nome, eu não sabia como, porque eu não tinha lhe dito, mas eu sabia o dele, porque ele citou para mim as palavras do padre quando lhe foi concebido o matrimónio.
Jeon Jungkook, a primeira vez que ouvi seu nome.
''Eu?'' Foi o que murmurei antes de unir as minhas sobrancelhas para ele, já virados um para o outro, de lado no balcão.
E com o olhar, ele soube apontar para cima, para a tv pequena, e inocente eu olhei, olhei para o maior desgosto da minha vida, maior do que o meu casamento agora sabido falho.
''Porque desistiu, Park Jimin?'' Ele proferiu, no tom grave mais uma vez, e eu encarei-o, sem saber porquê que gostava tanto de ouvir o meu nome deslizar pela sua língua.
E agora sabia-o tão bem.
''Não desisti, precisei criar prioridades.'' Eu disse, agora eu com desgosto, observando o meu copo intocável e pegando-o, querendo beber agora, mas antes que ele tocasse os meus lábios, Jungkook pegou-o e até o levou aos seus lábios, antes de me olhar e decidir não o fazer.
''Pelo que eu estou vendo, você tinha chances de ganhar e se tornar profissional, ter umas boas saídas no mercado.''
E eu estranhei ouvi-lo assim, como um homem de negócios para alguém que me parecia, de início, uma criança a beber no bar de snacks.
E, pela primeira vez, eu disse em voz alta:
''O meu namorado, eu... Eu perderia ele se eu fosse.'' Declarei, com mágoa. ''Se eu fosse e ganhasse. E é como estão dizendo, eu tinha chances.''
''Gosta de caras?'' Foi o que ele perguntou e eu ri, naquele momento.
''Gosto.''
''Achei estranho ser bailarino e gostar de mulher, mesmo.''
''Isso é ofensivo.'' Eu instruí, mesmo que não estivesse ofendido. ''Achei estranho ser uma criança e ser casado.''
''Não sou uma criança, Park Jimin.'' Assegurou-me, com o tom grave mais uma vez. ''Giro uma empresa multimilhão.''
Eu sabia lá o quê que aquilo queria dizer, só sabia que gritava dinheiro.
''Isso explica o seu casamento.''
Então ele riu.
A sua primeira risada, foi ali que eu a ouvi.
''Eu também sou bonito, não sou?'' Questionou, de forma séria, um sorriso de canto e eu revirei o olhar. ''Você gosta de caras. Eu não sou bonito?''
''É.''
''Não faço o seu tipo?''
E eu ri, ficando de pé, deixando algumas libras em cima do balcão, o suficiente para pagar as minhas coisas e as dele, pelo menos eu esperei que desse, porque eu não sabia o quanto é que ele tinha bebido antes de eu chegar ali.
''Você está dentro do género.'' Eu brinquei, deixando aquilo a pairar em seu ouvido antes de enfiar as mãos nos bolsos da minha calça e sair dali, afinal eu já estava atrasado para a palestra que eu devia assistir.
Só devia, como incompleto, porque eu e Jungkook devíamos ter ficado por ali, mas não ficamos.
Não ficamos porque Jungkook ainda não sabia de nada, ainda não sabia como é que o mundo funcionava.
Ele sabia foder, mas ainda não chegámos lá.
Era inconsequente e veio comigo, tirou a minha mão do bolso e segurou-a para que eu parasse de caminhar e o olhasse, quase incrédulo pelo gesto carinhoso.
''Me ensina a gostar de caras.'' Ele pediu, e pela segunda vez eu ri dele na sua frente, o levando a fazer a mesma expressão, mas sem me largar.
''Não tem como, baby.'' Eu disse, brincalhão, largando a mão dele e acariciando a ponta da sua bochecha, depois rindo e voltando a virar costas.
Mas ele era insistente, e daremos graças por isso mais tarde.
Por isso, veio, tocou o final das minhas costas e segredou-me:
''Como eu sei se gosto de um cara?''
''Você não é gay só porque conheceu um homem qualquer em um bar que é.'' Eu expliquei.
''E atração sexual?''
Eu devia ter rido daquilo também, mas ele soava tão em dúvida que eu não ri, só sorri de canto e, tão inconsequente quanto o julgava, segurei a sua mão e levei-o para o corredor das escadas, deixando-nos menos expostos do que no hall do hotel.
E, aproveitando que a minha mão estava na sua, eu segurei-a até a levar até à minha traseira, descendo-a pelo meu cóxis até estar sobre a minha bunda, o fazendo apertar, e ele arregalou o olhar em frente do meu.
''O que você sente?''
''Mulheres tem bundas.'' Foi o que ele disse, agora menos ciente daquilo, e eu larguei a sua mão, embora ele a mantivesse lá, apenas repousada sobre a minha bunda. ''Eu estou falando de atração.''
''Homens podem achar outros homens bonitos sem serem gays.''
''Mais do que isso.'' Explicitou e eu acabei me encostando na parede, a sua mão se esmagando entre ela e a minha calça.
''O quê?''
''Foder.''
''Qual homem você quer foder?''
Jungkook já era galanteador na altura e apesar de eu estar encostado na parede, Jungkook soube me colar a ela, com a sua testa pressionada sobre a minha, e ele estava deveras quente, e entre o sussurro que escapou dos seus lábios e a proximidade eu não o que foi que o fez me ter ali.
''Você.''
Um beijo, a primeira vez que Jungkook e eu nos beijamos, junto das escadas, e ainda não era um segredo, ainda não era nada nem era para ser.
No entanto, não fora só um beijo, porque era um beijo entre um homem casado e um homem enamorado. Era um beijo errado, não, era para ser um beijo errado, mas não fora, porque por toda a minha vida aquilo era ao que sabia o certo, o certo que eu achava que provava todos os dias não era certo, aquilo era.
Foi certo até enquanto nos enrolamos um no outro até dois pisos acima, pela escadaria vazia, mesmo até quando ele parou para procurar a chave nos seus bolsos e nos olhámos, fasquiando por todo o lado, como um tipo de energia sobrenatural.
Ali, sobre a cama que Jungkook devia estar fodendo uma mulher, eu e ele nos envolvemos pela primeira vez, da forma mais casual e errada.
Eu sabia na altura, e sei agora, que aquilo fazia de mim uma pessoa má, um filho da puta dito cujo, mas isso não tornou aquilo menos bom.
E depois, ciente de que Jungkook era sim, independentemente da idade, ou independentemente do que tínhamos feito, casado, eu encontrei forças para me sentar naquele colchão, arrastar os cabelos para trás e olhar em volta, procurando as minhas roupas.
Mas se houve coisa pela qual Jungkook nunca me tratou foi por uma foda barata.
Assim, mal a ponta do dedo do meu pé pisou o tapete do quarto, Jungkook estava segurando a minha cintura, me puxando para trás, até estarmos juntos de novo e ele me fazer rir pela facilidade que tivera em me arrastar.
Soube que Jungkook era forte ali, mas também já tinha suspeitado minutos antes.
Ficamos calados por algum tempo, mexemo-nos algumas vezes, até assentarmos naquela posição, debaixo dos lençóis, nus, com ele deitado de barriga para cima, um braço atrás da cabeça e o outro perdido, e eu estava ali, sendo eu mesmo, com a cabeça em cima do seu abdómen e o corpo encolhido para o lado, sem qualquer culpa sobre os meus ombros, sem qualquer remorso, nem por mim nem por ele.
''É bom.'' Ele disse então, como a sua apreciação crítica. ''É diferente, mas eu gosto mais.''
''Só transou com a sua mulher?'' Eu suspeitei, olhando de rés vez.
''E você.''
''Então não é melhor.'' Eu murmurei, cansado, fechando os olhos a tempo de não os arregalar quando ele acariciou o meu couro cabeludo. ''Eu só não estou me envolvendo com você por dinheiro.''
''Isso é cruel.'' Disse-me, mas quando eu abri um olho ele estava rindo em silêncio.
''Cruel é escolher centros de mesa amarelos para um casamento.''
''Eu disse isso?''
''Disse.'' Eu acabei rindo, inconscientemente esticando a minha mão para beliscar a pele do braço dele e brincar com ela.
E estávamos prontos para ficarmos em silêncio mais uma vez, mesmo que ali ele já estivesse mexendo nos meus cabelos e eu na sua pele.
''Não devia desistir.''
''Não desisti, c-''
''Criou prioridades, eu ouvi.'' Ele completou, e soava errado até na boca dele.
Mesmo que eu quisesse ficar ali, e talvez Jungkook tivesse querido também, nós nos levantámos minutos depois, vestindo as nossas roupas de antes, mesmo que a camisa de Jungkook não estivesse mais tão bem passada e lisa, e descemos para o hall mais uma vez, pelo mesmo caminho que fizemos.
Jungkook deixou-me naquele dia com um beijo na bochecha, antes de chegarmos ao hall, e quando chegámos, prontos para nos separar-mos, os dois vimos Sori Na, procurando por ele.
Foi ali, sim.
No entanto, claro que aquela não foi a última vez que eu vi Jungkook, mas também não foi a última vez que eu vi Jungkook na minha estadia ali.
Não.
Porque Jungkook, insistente como era, e sempre tão honesto, duas noites depois, no mesmo bar, chegou perto do meu ouvido, como se não nos conhecêssemos, e confessou:
''Eu não consigo parar de pensar em você.''
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