Isobel - *POP* esse é o som da sua bolha estourando
Em frente à sua pia, Isobel Morgan olhava para a lista no seu celular com uma expressão séria, os dedos sapateavam pela tela touch-screen, enquanto ela anotava lembretes.
Ainda faltavam três meses para o casamento, e embora ela houvesse feito tudo dentro de seu alcance para deixar tudo simples, mesmo com o organizador contratado e uma lista de afazeres meticulosamente preparada para manter em seus planos, ainda havia muito a fazer.
Revisão do plano de mesas– 5.0, lembrar de mandar e-mail para Nina com opinião do Kyle.
Confirmar prova do vestido.
Degustação do bolo na terça às 4 da tarde. Confirmar presenças com o Kyle e a Nina.
Ligar para irmãs sobre: Vestido madrinhas vintage – prova final e preferências de cor.
E ligar para Priya, acrescentou rapidamente, sorrindo ao se lembrar da conversa interessante que a havia despertado. Gente, fazia tanto tempo que ela não ia a Nova York para fazer uma visita. Mesmo Priya sendo a Irmã mais próxima, as duas andavam mais ocupadas nos últimos meses do que a Isobel queria pensar.
As aulas haviam acabado oficialmente. Elas atravessaram a linha de chegada, — elas mal chegavam ao fim de uma maratona para serem atiradas em outra, sem nem terem tido tempo de respirar. Esta era mais longa, aparentemente sem um final à vista, com mais obstáculos e mais altos, chamados vida e responsabilidades. Simplesmente removiam as rodinhas, e esperavam que você andasse sozinha, embora Isobel suspeitasse que ela já houvesse atirado as suas, muitos anos atrás. Não que ela tivesse alguma escolha, depois do acidente.
Alguns dias, ela acordava sentindo falta dos dias mais simples de trabalhos e provas...
"Se não é a minha garota favorita"
Isobel virou-se ao som da voz do pai. Angus Morgan titubeava cozinha adentro, seu sorriso maculado pela sombra de uma careta de desgosto. Vales profundos de dor crônica se insinuavam pelo espaço entre as suas sobrancelhas e em torno da sua boca, formando rugas e deixando-o mais velho do que os seus meros quarenta e cinco anos. Roubando a sua vitalidade.
À princípio, as rugas eram leves.
Há três anos, ele despencara de quase 10 metros, devido a andaimes defeituosos. Com o passar dos dias e das infindáveis cirurgias, ela viu os sulcos e fendas ficarem mais profundos. Isobel detestava não poder fazer nada para impedir a erosão. Uma sensação de impotência desesperadora.
Assim, Isobel fazia um esforço consciente para ser a sua fonte constante de alegria. De felicidade e esperança, já que ele sempre havia sido a sua.
"Bom dia, papai" ela respondeu, repousando o telefone para pegar o copo com a infusão de chá verde fumegante, adoçado com xarope de agave. "Dormiu bem?"
"Como um morto", Ele soltou uma gargalhada seca, e plantou um beijo na bochecha da filha. Ele dizia sempre a mesma coisa. Sempre a mesma mentira. Ela sabia que ele não dormia bem. Dava para ver na curvatura cansada das suas costas e no peso dos seus passos. Apesar dos analgésicos e dos remédios controlados, o pai não tinha uma boa noite de sono havia quase três anos.
"Aonde você está indo tão cedo num domingo", Ele fez menção de pegar a cadeira no canto do café da manhã, uma mesinha em formato de meia-lua com duas cadeiras desparelhadas de madeira onde eles se sentavam toda manhã, pelo que ela se lembrava. A cadeira se arrastou e tamborilou pelo chão com a sua pegada vacilante. Uma tarefa que deveria ser simples, para ele era um desafio.
Isobel resistiu ao impulso de socorrê-lo.
Na infância, ele parecia invencível aos seus olhos. Ombros largos e tórax em forma de barril, como um super-herói, com seus braços fortes, mãos endurecidas e um coração grande.
Eles haviam se tornado o mundo inteiro um do outro, desde que ela os abandonara. A mãe.
Ela engoliu o nó de traição e medo que se formavam na garganta. Ela não pensaria na mãe agora, com certeza não na frente dele. O dia estava bonito demais para ela ficar triste, e tal como um cão de caça, o pai farejaria a causa da tristeza. E ela também não queria aborrecê-lo.
"Eu tenho que me encontrar com o organizador para o brunch," disse por fim, com a voz mais animada pela ansiedade esperada de uma jovem noiva prestes a subir ao altar.
Angus assentiu, mal-humorado, e se sentou na cadeira, mal disfarçando uma careta de dor, ao afundar o peso na estrutura de madeira inflexível. Enquanto bebericava o chá, os olhos de Isobel foram parar na sala de estar, — na poltrona do papai reclinável surrada, ou no sofá de plush verde escuro onde eles costumavam se sentar juntos para assistir aos jogos de futebol — e tentou pensar em uma forma de levá-lo até lá sem ferir o seu ego.
Talvez se eu ligasse a TV no noticiário. Ou abrisse um jogo de Sudoku...
Ao ouvir um grunhido chiado, a atenção de Isobel se voltou para Angus, curvado e lutando para amarrar o cadarço do sapato esquerdo.
"Aqui". Ela repousa a xícara na bancada da cozinha, vai até ele correndo e o ajuda a se levantar e sentar na cadeira. Naquela manhã, ele vestira um par de jeans passados e uma camisa quadriculada. A camisa abotoada torta, pulando dois botões. Os dedos dela coçavam para abotoar certo, para alisar a camisa amassada nos ombros, mas se limitou a se ocupar com os cadarços. "Por que você não me chamou pra te ajudar mais cedo?"
"Ora essa!" Ele espantou a pergunta como se fosse uma mosca, com sua mão cheia de calos. "Eu consigo me arrumar sozinho. Não precisa se preocupar com isso". Angus Morgan sempre fora um homem orgulhoso, e ainda era. Era mais fácil ele arrancar os próprios dentes ou um olho do que pedir ajuda.
Isobel cortava as unhas dele, penteava seu cabelo, e nos dias difíceis, o ajudava a se levantar e a se deitar na cama, e a vestir a calça jeans. Ao longo do tempo, a lista das coisas que ela fazia pelo pai foi crescendo, reduzindo a independência dele proporcionalmente. E isso o sufocava.
No ano anterior, ela havia contratado um empreiteiro para modificar algumas coisas na casa — instalando mais um corrimão nas escadas, uma barra no chuveiro e em torno da banheira, para que ele pudesse se virar sozinho quando precisasse, ou se segurar quando se sentisse mais fraco. Embora os custos houvessem sido um golpe para o qual ela não economizara, saber que isso permitia a ele esse tantinho de dignidade fazia o gasto valer a pena.
Depois de terminar de amarrar os cadarços, Isabel olhou para ele, ainda agachada sobre os saltos altos. "Posso fazer alguma coisa pra você comer, antes de sair? "
"Eu estou bem, meu amor".
"Papai, você precisa comer".
"Não precisa criar caso" Ele sorriu, as rugas mais profundas em torno dos olhos. "Você sabe que, para os irlandeses, só vale a pena se preocupar com duas coisas na vida. Ou você está bem, ou você está doente. Se estiver bem—" ele gesticulou. "—não tem que se preocupar com nada, mas se estiver doente, ou você melhora ou morre".
"Credo..."
"E se você morrer", ele continuou abrindo mais ainda o sorriso, "resta saber se vai para o paraíso ou pro inferno. E se for para o inferno, não vai ter tempo pra se preocupar com nada, já que vai estar ocupado cumprimentando todos os amigos".
Isobel sorriu, contrariada, sabendo que o pai esperava que ela risse. "Nem fala isso perto do Padre Roy."
Ele piscou um dos olhos acinzentados. "Quem você acha que me ensinou isso? "
Agora ela riu com vontade. "Deus que nos perdoe", sussurrou ela afetuosamente, e se levantou, com as mãos nos quadris. "Então tá, eu só vou ficar fora por algumas horas"
"Uma garota como você deveria sair e aproveitar, não se preocupar em voltar pra casa correndo pra ter trabalho com um inválido".
Isobel se abaixou para dar um beijo estalado na bochecha do pai. "Não é trabalho nenhum cuidar de alguém que eu amo. Aliás, o dia está lindo. Quem sabe não dá pra sair e esticar as pernas um pouco no parque? O Dr. Gora disse que você precisa se levantar e caminhar mais. Fortalecer os músculos com os exercícios leves que o fisioterapeuta prescreveu, pra podermos começar a fazer Ioga."
Angus franziu o nariz. "Eu detesto fazer caminhada."
"Não precisa ser longa," ela prometeu com gentileza, sem no entanto recuar. Quer ele gostasse ou não, ela seguiria as ordens médicas ao pé da letra. Mas apelaria para o suborno, se e quando fosse necessário. "Se você se comportar direitinho, eu te levo ao pub pra comer um peixe com batata frita."
Ele se animou na mesma hora. "E uma cervejinha? "
Isobel abriu um meio sorriso, irônico. "Você pode me convencer, se fizer tudo que eu pedir sem reclamar nem resmungar"
Angus então fechou a cara, mas ainda sorria com os olhos. "Onde foi que você aprendeu a ser tão durona? "
Isobel deu outro beijo estalado na sua bochecha. "Com o meu pai, é claro." Ele soltou uma risada seca, enquanto o celular da filha vibrava com uma ligação da Nina Singh, a organizadora.
"Eu preciso atender. Até mais tarde " Ela pediu licença para atender, saindo com suas botas de salto. "Bom dia, Nina, já estou a caminho. Eu vou chegar no restaurante a tempo do... "
"Isobel," Nina interrompeu, com a voz estranha. "Querida...você já olhou o seu email? "
"Olhei há uns 15 minutos."
"Eu acabei de te mandar uma coisa. É melhor você dar uma olhada, e eu acho que nós deveríamos... remarcar a data"
"Alguma coisa aconteceu? " Um nó de preocupação cresceu na garganta. Por favor, o local não. Nem o buffet. Nem o meu vestido...
Havia um número limitado de locais na cidade durante o verão que pudessem atender às suas exigências de perspectiva ambientalmente adequada e o estilo de vida vegano. E o vestido! Meu Deus, o vestido era perfeito. Uma jóia vintage, dos anos 1950's adquirida em um leilão particular na semana anterior. Se tivesse acontecido alguma coisa com o vestido, ela nunca encontraria outro igual a tempo...
"De certa forma..." O silêncio tomou conta. "Olha o seu e-mail. Me liga quando puder."
Com as mãos tremendo, Isobel correu os dedos pelo celular, passando da tela de chamadas para onde os ícones dançavam na tela de início do Iphone. Ela se abaixou com cuidado para o canto do degrau. O polegar tremia sobre a caixa de entrada, um segundo antes de pressionar o ícone, e lá estava. O e-mail da coordenadora, à sua espera. Ele chegara havia um minuto, com duas palavras no assunto. Palavras que sozinhas não significariam muita coisa, mas juntas, tinham o poder de deixar seus nervos em frangalhos.
Se prepare...
9h
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