Capítulo 3
Meu dia começa maravilhosamente bem, por saber que passarei a semana toda em função de jovens em formação.
Acho tão gostoso trabalhar com gente nova e que está louca para absorver tudo. Eu já estive no lugar deles, então farei o meu melhor. Porque se não fosse o Dante e a Marcela, eu não saberia de muita coisa podre deste meio e poderia estar em sérios apuros. Então não custa nada passar o pouco que aprendi e os ajudar a não se meterem em problemas.
As pessoas costumam achar que modelos são metidos, cheios de manias e essas coisas, mas não conhecem fotógrafos famosos. Deus! Dá vontade de sumir! Nada do que fazemos está bom e eles começam a nos humilhar, com indiretas ou comparações com outros modelos.
Já mandei uns dois irem procurar a turma deles, para não falar coisa mais feia. Outros simplesmente ignorei e saí do estúdio. Não sou dada ao estrelismo. Então por que tenho que aturar o dos outros?
Um carro para a minha frente e me tira de meus pensamentos. A janela desce lentamente e um sorriso largo termina de iluminar meu dia. Só eu sei o quanto amo essa menina.
Camila me salvou da fome diversas vezes. A família dela sempre foi tão pobre quanto a nossa, mas a mãe dela tinha emprego fixo e isso garantia a comida mensalmente. Nós dependíamos muito do peso dos recicláveis que pegávamos em lixões, festas e essas coisas. Era isso que rendia aquele pão doce maroto, ou uma fatia de bolo confeitado de vez em quando.
Era uma festa toda vez que víamos coisas boas... ter todo esse dinheiro, hoje em dia, me tirou a satisfação da conquista.
— Bom dia, Ninha. — As palavras dela me fazem sorrir. Me sinto criança novamente, quando ela me chamava de Ireninha, ou apenas Ninha, como me chamou agora. — Que cara é essa, não dormiu bem?
Sua preocupação nunca mudou e o meu amor e gratidão a ela também não. Levaria ela para onde quer que eu fosse. Espero que ela saiba disso.
— Bom dia, Camilinha. Na verdade, não. As fotos de ontem, com aqueles saltos imensos e roupas super apertadas, me deixaram quebradinha.
Entro no carro, recebo meu café da manhã e a encaro com uma feição debochada.
— Virei sua faz-tudo para essa empreitada. — Seu sorriso provava que ela não estava infeliz com essa função. — Vê se me paga um almoço legal, porque só recebi quinze reais diários.
— Combinadíssimo e credo! Gente pão dura.
Sorvo uma boa quantia daquele café doce e cheio de creme, enquanto comia uma deliciosa rosquinha recheada com chocolate e salpicada com açúcar de confeiteiro.
Quê? A imaginação é quem manda, amores.
Não é porque estou comendo bolinhas de mamão, duas torradas integrais e bebendo um suco verde horroroso, que minha mente é obrigada a aceitar...
Lutarei sempre contra esta dor de só comer coisas sem graça!
Passei fome por anos, por não ter dinheiro para comprar. Agora que tenho rios de dinheiro, passo uma fome diferenciada porque não posso engordar. A vida é justa, mesmo sendo injusta em sua justiça. Ai, me confundi.
Percebo que dormi quando chegamos ao nosso destino e a música do carro para de tocar. Não sei vocês, mas se o barulho some, meu sono vai com ele. Sou capaz de dormir na Sapucaí, mas não dormiria em um mosteiro.
Saímos do carro e o aroma de verde sendo pisado entra em minhas narinas, causando uma reação imediata em meus lábios. Como amo o interior.
Caminho me sentindo livre e fico paralisada ao me deparar com um garoto... não, acho que já é um homem, mas com traços joviais. Um pouco mais alto que eu, com cabelos ruivos caindo em seus olhos e um sorriso surpreso. Não tô sabendo lidar com as pintinhas fofas em seu rosto.
— Olá! Sejam bem-vindas e muito obrigado por nos ajudar. Ficamos chocados ao saber que a modelo seria você... A senhora... Como devo chamá-la?
— De: meu amor? — Sorrio gradativamente, vendo-o ficar completamente sem jeito. Ainda tenho o poder de deixar um rapaz vermelho? Opa! Não envelheci tanto assim... — Já que acabou o clima: "Ela é famosa! Ai, meu Deus!". Me chame de Irene, Irina, você, ei, coisinha... Espera um pouco, coisinha, não. Esse é apelação, né?
Não olhava para o garoto, mesmo sabendo que seus olhos ainda brilhavam... Ow, só para constar, não era para mim que ele olhava, viu? Camilinha chama muito mais atenção que eu. Nem sei por que a famosa sou eu.
O lugar que estamos é tão lindo, que estava deslumbrada. Por isso falei mais besteira que o normal. Geralmente não sou boa em falar se estou focada em outra coisa. Acho que ninguém é. Espero.
— Ela é legal, né? — O estudante fala com Camila, que confirma sorridente. — Preparamos uma sala para vocês, mas não recebemos suas exigências para terminar de arrumá-la. Não quer nada de especial?
Volto minha atenção ao ruivinho, sentindo uma doce brisa geladinha e acabo fechando os olhos para guardar aquele delicioso momento em minha memória. Estou apaixonada por este lugar.
Como nunca vim aqui antes?
Queria muito ter terminado meus estudos, mas alimentar minha família era mais importante. Não é tão fácil ter a oportunidade que tive, então não seria inteligente se recusar.
— Sim... água. Muita! Como faz calor aqui, né? — Saio maravilhada, porque achei que estaríamos na faculdade do centro de Vila Esperança, mas não, estávamos em Recanto da Paz, um bairro rural de Nova Esperança. — Cami, quanto tempo eu dormi?
— Cerca de uma hora. — Camila também não me olhava, porque estava tentando lidar com os olhares do estudante. Esse menino acabou de ganhar o meu coração. — Teremos hospedagem?
Olho para os dois, vendo-a totalmente sem graça, mas acabo sorrindo. Ser capaz de chamar a atenção de um rapaz bonito como esse anima qualquer uma. Camila precisa entender que é linda e que não existe só o Anderson neste mundo.
— Esse é um dos problemas...
O estudante me olha com tanta apreensão, que perco o meu sorriso e acabo ficando angustiada.
— Esperávamos uma modelo iniciante, porque o camarim seria o quarto dela... Mas, a modelo que viria tem casa aqui perto, então precisamos arquitetar tudo para você de última hora e foi montamos um quarto em uma sala de aula. Vocês precisarão tomar banho na sala dos professores, que tem um banheiro privativo. Não sei se você aceitaria algo tão improvisado assim...
Ele prende os dentes e força um sorriso preocupado, que me faz rir.
Ainda sou a menina que comia frutas amassadas que as quitandas jogavam fora. A criança que usava materiais escolares que as outras jogavam no lixo, provavelmente porque não conseguiam usar cotoquinhos de lápis. A garota que encapava seus cadernos com fotos de revistas, para reaproveitar o que não usava no ano anterior.
Mas quem vê o meu exterior, jamais conhecerá o meu interior...
Não gosto de luxo, jamais gostei e tenho uma equipe inteira para provar.
— Se tem um banheiro com porta e uma coberta bem macia... A coberta eu trouxe, porque gosto da minha de ursinhos pandas. — Dou meu melhor sorriso infantil e ele acaba rindo. — Então se tem o banheiro, formou! — Paro de olhar sua feição engraçada, porque vejo um cabritinho sendo levado pelo homem da minha vida... eu me apaixono rápido, foi mal — Ei!? Deixa eu passar a mão nele?
E em você também. Ops!
Enquanto corria, escuto Camila rir e explicar ao estudante que sou assim mesmo. A segunda frase que mais escuto: "A Irene é assim... não ligue."
Eles ainda não conseguem aceitar o fato de eu nunca ficar em suítes presidenciais, odiar voar de primeira classe e gostar de comer em lanchonetes de bairro. A última parte me foi proibida, porque não posso perder minha silhueta, mas ainda como em padarias de bairro.... segredo nosso. Xiuu!
Sério. O dinheiro que esse povo paga em quarto de hotel, alimentaria uma família humilde por meses. Quantas pessoas eles não poderiam ajudar se dormissem em camas menores e cagassem em banheiros normais? Não faz diferença nenhuma, minha gente! Vai tudo para o mesmo esgoto e vamos todos para a mesma terra de cemitério.
— Ah, meu Deus! — Seus olhos estavam tão arregalados, que pude ver quão perfeito seu tom amendoado era.
Me aproximo do estudante e fico tão abobada de ver aqueles lindos olhos, que quase caio de cara no chão.
Quem colocou aquela pedra ali? Estão armando contra minha pessoa!
Aham... só que não! Disse a minha desastreza interior. Essa palavra existe? Sei lá! Agora existe e vai ter que me ajudar a recuperar a minha dignidade.
Ajeito o meu cabelo. Jogando-o para trás lentamente e sorrio, para dar todo aquele ar de mulher linda — desesperada e com vergonha — e maravilhosa.
— Quero brincar com essa fofurinha. — Sorrio e me aproximo do cabritinho lentamente. Não quero assustá-lo. — O modeusu! Que nininu lindinhu. Deixa a titia te pegar no colinhu?
Como era o nome do que eu queria recuperar mesmo? Dignidade? Nunca nem vi!
— Preciso alimentá-lo para participar de algumas fotos. — O homem que carregava o cabritinho olha para mim novamente e esqueço até o meu nome.
Por que ele está tão nervoso em me ver? Menino, me ajuda a te ajudar! Eu tô quase te oferecendo minha mão em casamento e você aí, com essa cara de quem vai morrer a qualquer momento.
— O quê, viu um fantasma? — Olho para os lados, fingindo procurar o que tinha de tão maravilhoso ali.
— Sim. — Sua voz sai em um misto de sussurro e esforço. — você.
— Eu!? — Toco em meu peito, com a feição mais chocada que consigo fazer. — O que tem eu? Menino, eu tô vivinha, olha aqui!
Começo a me puxar e ele sorri. Pego a mão dele e faço tocar na minha, fazendo ele ri ainda mais.
É... a Irene é assim. Fazer o quê?
— Você é a moça do Outdoor de Lingerie, não é? Da loja Marisa?
Na verdade, foi para a coleção da Victoria Secret, mas... ele é muito lindo, não precisa saber de tantos detalhes para ser interessante. Nossa, que coisa mais fútil de se dizer, dona Irene!
— Ah... Sim, mas vou te contar um segredo. — Me aproximo de seu ouvido, podendo vê-lo engolir em seco. — É tudo Photoshop.
O encaro com seriedade, o vendo rir e negar com a cabeça.
— Duvido!
Se olhar arrancasse pedaço. Gente do céu! Eu estava era sem muitos pedacinhos do meu corpinho. Mentira, estou me iludindo. Ele nem me olhou. Credo, gente... deveria, né?
Mulher! Seja menos contraditória e volta a conquistar o boy.
— Camila, o menino do cabrito quer ver meu corpo nu! — Olho para trás, apontando para ele, que tentava segurar meu dedo e negava desesperadamente. — Ele duvidou que o corpo da campanha da Marisa era editado.
O ruivinho tentava não rir, mas estava difícil não rir do desespero do menino cabrito.
— Sei como é... também acho injusto nunca ter te visto nua. Vamos resolver isso? Aí conto a ele se é edição ou não. — Camila ri e bate na mão que levantei para comemorar sua capacidade de entrar em minhas piadinhas.
Agora o ruivo ria ainda mais, apontando para o cabritoboy.
— Max, a Irene... Cara! É muito... Nossa! — O estudante que nos recebeu, nem conseguia falar.
Fiquei até com pena dele, mas passou rápido. Estava ocupada admirando o outro... Max, descobri o nome. Obrigada ruivinho por me dar vários motivos para sorrir em um só dia.
— A Irene é meio doida, mas, no fundo, é gente boa. — Respondo, porque meu guia estava em dificuldades. — O futuro genro da minha mãe se chama Max e você? — Escuto o crush rir, o cabritinho berrar e a Camila tentar segurar uma gargalhada sem muito sucesso... Tava parecendo um bicho preso.
Ela me conhece, fazer o quê?
— Sou o Nícolas... Max, não se anima, não. Ela falou que eu podia chamá-la de meu amor.
— Ok... — Max sorri e abraça o cabrito em seu colo.
Não se anima não, cabritinho. O Max pode estar te beijando, mas é para mim que aquelas írises cor de âmbar estão mirando.
Em breve tudo será meu. Muahahha!
Acho que fiquei eufórica.
— Vou levá-lo para tomar a mamadeira. Te vejo na festa de abertura, né, Irene?
— Claaaaro! — Tento dar o meu melhor sorrisosexy, me imaginando com uma cara de bêbada, mas não vem ao caso. — Vou te esperar... Max.
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