Capítulo 2
Estava um dia tão esplêndido, o sol reinava majestoso no céu azul sem nenhuma nuvem para obscurecer sua luz. Encontrei-me parada em um jardim encantador, as flores exalavam um aroma doce e as cores vibrantes dançavam ao ritmo do vento suave, observando uma menininha correr entre as flores, sua risada alegre ecoando enquanto um homem, presumivelmente seu pai, tentava alcançá-la. Ele era alto, vestido com um elegante terno preto, e uma borboleta de asas verdes dançava sobre os cabelos loiros da criança. Fascinada, ela parou de correr para admirar o delicado inseto que repousava em sua mão esquerda. O homem, ao perceber minha presença, parou abruptamente, seus olhos arregalados de surpresa ao me notar.
"Serena?" – questionou, fixando o olhar nos meus olhos, enquanto outra borboleta pousava graciosamente em seu ombro. – "Como isso é possível?"
Antes que eu pudesse articular uma resposta, um enxame de borboletas apareceu, obscurecendo minha visão como uma tempestade de areia, só que feita de asas coloridas. Tentei recuar para entender o que se desenrolava, mas meu corpo pareceu congelar, impossibilitando qualquer movimento ou grito. Num piscar de olhos, tudo desapareceu, e uma luz brilhante emanou das mãos do homem. A garotinha e as borboletas se dissiparam, deixando apenas ele e eu.
"Eu..." – comecei a dizer, mas uma súbita dor em meu ombro me fez parar. Confusa, olhei para o local, surpreendida ao encontrar uma borboleta agora aderida a ele. Uma dor intensa, como brasas a queimarem, irradiava do meu ombro, e a escuridão fechou ao meu redor com uma sensação sufocante de incerteza dominando meus pensamentos, mas antes que eu mergulhasse na inconsciência, consegui ouvir suas últimas palavras:
"Prometo que irei encontrá-la."
Acordei em meu quarto com meu pijama grudado ao meu corpo, tentando desesperadamente respirar normalmente. Uma sensação ardente tomou conta do meu ombro, e ao tocá-lo, um grito involuntário escapou da minha garganta. Uma onda de dor pulsante irradiava por todo o meu corpo, como se cada veia estivesse sendo preenchida por uma chama voraz. Percebendo o quarto envolto na escuridão, liguei o abajur em busca de clareza, ansiando por uma explicação para a dor que sentia. Despercebido, um par de asas adornava meu ombro. Uma tatuagem que parecia brincadeira, mas o estranho era sua textura sutil, sem o relevo usual, apenas o desenho em uma tonalidade branca quase cinza, adornado por um leve toque de glitter.
A confusão sobre o que estava acontecendo me atormentava enquanto eu tentava compreender o que havia se manifestado em minha pele. Meus olhos, uma vez verdes e sem vida, agora brilhavam com uma intensidade sobrenatural. A dor persistente, acompanhada por uma explosão de energia em cada fibra do meu ser, fez-me questionar a realidade da situação. Cada toque parecia desencadear uma reação, como se doses de uma força misteriosa estivessem sendo injetadas em minhas veias. Meus cabelos, agora radiantes, pareciam refletir uma transformação mais profunda, enquanto um suave aroma floral preenchia o ar ao meu redor.
A ideia de que tudo isso era um sonho tentava se instalar em minha mente. Fixando meu olhar nos próprios olhos, lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto, tornando a respiração ainda mais difícil, enquanto as batidas aceleradas do meu coração ecoavam. Eles compartilhavam a mesma cor dos olhos do homem do meu sonho, uma simetria perturbadora. Certa de que enlouqueceria, corri de volta para a cama, fechando os olhos na esperança de acordar e descobrir que tudo não passava de um pesadelo. No entanto, o tão desejado sono não veio, sendo substituído por lágrimas incessantes.
- Alynn! Acorda, preguiçosa! – a voz de alguém ecoou enquanto batia impiedosamente na minha porta.
Com um suspiro, me revirei na cama, sentindo o peso do cansaço. Respondi com um nítido "não" e puxei a coberta sobre minha cabeça para escapar da luz solar que insistia em invadir pela janela.
- É seu aniversário! – anunciou a pessoa ao abrir a porta. Identifiquei imediatamente Megan quando ela pulou e se sentou ao meu lado na cama. – Levanta, vai.
- Me deixe dormir, Megan. Meu desejo de aniversário hoje é apenas dormir até tarde.
- Isso é jogar sujo. – bufou enquanto se levantava. – Duas horas, Alynn. Depois, vou invadir seu quarto e só sair daqui quando você me contar tudo que aconteceu na noite passada. Vestidos de festa e maquiagem não aparecem do nada.
Um calafrio percorreu minha espinha ao ouvir as palavras "noite passada", e minha mente voltou ao estranho sonho que tive. Puxei a coberta para cobrir meu rosto, tentando controlar a respiração para que Megan não percebesse que algo estava errado.
- Eu já disse que vou explicar, agora saia por favor.
Megan suspirou alto e fechou a porta do quarto, deixando-me sozinha com meus pensamentos acelerados. Sem esperar um minuto, corri até o espelho em frente ao meu armário.
Não foi um sonho. A tatuagem permanecia lá, meus olhos exibiam uma intensidade verde que nunca vi antes, e meu corpo e cabelo passaram por uma transformação notável. A pele mais clara, sem espinhas ou marcas antigas, exibia um brilho perfeito. Os fios de cabelo, que outrora eram castanhos e sem vida, agora exibiam um tom loiro escuro, radiantes e compridos. Comprimidos! Parecia que eu tinha dormido por anos para atingir esse comprimento, até meus cílios pareciam mais longos.
Apoiei-me no espelho quando minhas pernas vacilaram e respirei fundo. Precisava entender o que estava acontecendo, mas como? Mil teorias estranhas permeavam minha mente, desde um acidente grave anos atrás até a ideia de reviver o mesmo dia repetidamente. Uma teoria lógica dentro das possibilidades seria ter perdido a memória após um acidente, mas isso não explicava a mudança na cor dos meus olhos. A única solução era enfrentar essa confusão e descobrir a verdade. Limpei as lágrimas que haviam caído e firmei minhas pernas. Eu iria fingir que tudo estava tranquilo.
Depois de um banho revigorante, prendi meu novo cabelo em um coque alto e vesti um body de mangas compridas para esconder a tatuagem. Respirei fundo e abri a porta do meu quarto, deparando-me com Megan, distraída em seu celular, trocando mensagens repletas de emojis com suas amigas da escola.
- Finalmente, Alynn, já estava... – ela parou de falar assim que seus olhos encontraram os meus. – Que diabos?
Ao perceber sua mão se aproximando do meu rosto, dei um passo para trás e comecei a descer as escadas.
- É meu aniversário de dezoito anos, quis fazer algumas mudanças no visual.
- O que está acontecendo com você? – Megan perguntou, correndo para me seguir. – Ontem à noite no show foi o vestido e aquela maquiagem elaborada, agora hoje você parece com o rosto diferente e essas mudanças estranhas. Não que eu não tenha gostado, mas a minha irmã nunca teria tingido o cabelo e usado lentes...
Ao ouvir suas palavras, meu pensamento ficou confuso, misturando o estranho sonho, as mudanças físicas e o encontro inesperado com Jason.
- Por que você estava surtando com suas amigas no celular? – perguntei, tentando mudar de assunto. Megan, com apenas quinze anos, já tinha aprendido que, para conseguir informações, a forma mais fácil era não parar de falar sobre aquilo, até a pessoa se cansar e acabar respondendo apenas para ficar quieta.
- Jason! – ela gritou, e parei de andar na mesma hora. Olhei ao redor assustada e puxei minha jaqueta para esconder meu rosto. Como ele tinha me encontrado? Estaria bravo por eu ter fugido? Afinal, o que será que ele queria comigo, me forçando a esperar o show acabar para falar?
- Alynn – minha irmã falou, chacoalhando meus ombros. Olhei ao redor e percebi que não havia ninguém ali além da minha irmã. – Ouviu o que eu disse?
- Desculpa. Acabei me distraindo, pode repetir?
- Jason decidiu ficar mais uns dias na cidade. Ele publicou há dez minutos no Facebook que ficou encantado com nossa cidade e que decidiu ficar mais uns dias para poder conhecer nossos pontos turísticos.
- Mas nós não temos pontos turísticos.
- Para algumas pessoas, essa cidade é o paraíso, Aly. - Megan disse, revirando os olhos.
Então era por isso que ela exibia um sorriso radiante, ansiosa pela oportunidade de encontrar seu ídolo enquanto ele explorava a cidade. No entanto, uma preocupação me invadiu ao perceber que ele havia decidido permanecer na cidade. Seria por minha causa? Refleti sobre uma possível relação com a insistência em não me deixar ir embora do show. Enquanto as lembranças do beijo que ele me deu ecoavam em minha mente, uma sensação única tomava conta de mim. Nunca antes havia experimentado algo tão intenso ao beijar alguém. Mais uma vez, me vi dividida entre a curiosidade sobre o que ele queria comigo e a cautela em relação aos meus próprios sentimentos.
- Agora venha aqui e me deixe te dar um abraço - falou, e no mesmo momento, puxei-a para meus braços. - Feliz aniversário!
Agradeci, e enquanto sentia o calor do abraço, uma lágrima escapou. A decisão de ir para a faculdade em outra cidade, que parecia tão distante quando a tomei, finalmente se tornava realidade. Recordando que o show da noite anterior marcava o fim das minhas férias e o início da mudança, percebi que teria que enfrentar uma nova fase da vida. Sabia que precisaria manter a força diante dessa transição, mas também antecipava a saudade que sentiria da família, especialmente das loucuras de Megan e de suas conversas intermináveis.
- Onde estão nossos pais?
- Papai teve que ir até o hospital, parece que surgiu uma cirurgia de emergência, e mamãe foi até a padaria comprar pão para tomarmos café, já deve estar chegando.
Antes que eu pudesse responder, a campainha tocou, e lancei um olhar questionador para minha irmã. Quando Megan deu de ombros, resolvi ir descobrir quem era.
- Kate?
- Surpresa! – a morena à minha frente gritou e me abraçou em seguida.
Tinha conhecido Kate quatro anos atrás, quando a brasileira decidiu fazer um intercâmbio em outro país e escolheu minha cidade. Estava trabalhando na livraria da senhora Gibson quando ela entrou e me pediu ajuda. Disse que era nova na cidade e não estava conseguindo achar um lugar para tomar um café decente. Ela chamava atenção por onde passava; todos na cidade sussurravam sobre a nova garota que tinha traços de beleza únicos. No começo, ela ia ficar apenas um ano, mas com o passar do tempo, nossa amizade ficou forte, e consegui convencê-la a ficar mais tempo. Depois da formatura, Kate voltou para o Brasil, e eu ganhei uma bolsa de estudos para a Universidade de Slann, uma das melhores faculdades do país e a sete horas de distância da minha cidade natal.
- Não acredito que está aqui. É incrível! – falei animada. – Acabou de chegar?
Esperei sua resposta enquanto fechava a porta, mas ela não veio. Kate permaneceu quieta, olhando para meu rosto e depois percorrendo meu corpo em busca de algo, com uma leve expressão de desconfiança.
- Kate?
- Mudou a cor do cabelo? - sussurrou meio perplexa, mas a senti se recompor e acrescentar com um sorriso: - Essa cor combinou demais com você, arrasou.
- Decidi fazer umas mudanças para começar a faculdade – respondi, desviando o olhar. Kate me conhecia muito bem; deve estar desconfiada dessa mudança repentina. Resolvi mudar de assunto para evitar ter que pensar numa explicação para tudo isso agora, já que nem eu sabia o que estava acontecendo – Senti saudades. Quantos dias vai ficar?
- Eu também, Aly. Então, sobre isso... – ela parou de falar e fez um suspense. – Tenho novidades.
- Estou sentindo que é algo muito bom, desembucha.
- Estou indo a faculdade com você – ela falou, e eu logo gritei de emoção.
- Como assim? E seus pais? Não ia ficar no Brasil?
- Consegui convencer meus pais de que uma faculdade em outro país seria melhor para meu currículo.
-Isso é incrível, Kate! - Respondi, cheia de empolgação, abraçando-a mais uma vez.
- Bom dia, meninas – minha mãe falou enquanto entrava na sala. – Como foi de viagem, Kate?
- Tudo tranquilo, tia Serena. – respondeu Kate, dando um beijo na bochecha de minha mãe.
- Filha, venha aqui me dar um abraço está... – Minha mãe começou a falar mas se interrompeu soltando a sala de sua mão – Oh. Não!
- Mãe?
- Desculpe, querida, preciso de um minuto. – ela disse e correu para as escadas.
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