5. Festa estranha com gente esquisita
Duas da manhã de sexta para sábado e ao invés de estar com Kadu, Dinha segurava os cabelinhos de sua amiguinha Laís, que colocava para fora toda tequila bebida há pouco. Eu só estava ali para conferir o momento deplorável porque tinha "marcado" de fazer o margarido aparecer com os amigos naquele apartamento fedido que uma conhecida de ambos dividia com o namorado.
A última vez que Laís bebera assim foi quando o fulaninho com quem ela costumava sair a trocou pela menina "que fazia muito bronzeamento artificial e ficava igual um oompa-loompa", em suas palavras. Eu não ficava exatamente triste por vê-la entrando de furada em furada (seu primeiro namorado colocou tantos chifres nela que eu me perguntei por muito tempo como era humanamente possível). Tanto ela quanto Dinha eram muito azaradas em relacionamentos; tem gente que mesmo quando não encontra um par designado por mim, acaba achando alguém legal — o que não era o caso de ambas.
Às vezes eu até torcia para que as duas colocassem uma venda, desse jeito se passassem por um cara babaca, não o veriam e a vida seguiria. Mesmo se quisesse, não poderia interferir: sou o mero deus do amor e não da vida amorosa falida. De todo modo, Laís vomitando.
Enquanto ela despejava o álcool e suas tristezas na privada e em Dinha, respectivamente, Kadu, Conrado, Luiz, Nando e Theuzin chegavam na festinha de arromba. Esperei — eles se arranjando com bebidas diversas, elas sentadas no chão do banheiro, esperando que o enjoo passasse de vez. De todos os milênios que vivi, haviam alguns momentos que o tempo parecia não passar. E aquele foi um deles. Não sei quanto esperei para que algo de fato acontecesse, mas logo que perdi as esperanças, lá estava ela.
Braços dados com Laís, que a usava como seu apoio até um espacinho vazio do sofá. Foi um timing ideal: no instante em que sua amiga se jogou no sofá, Dinha ergueu o olhar em direção a cozinha americana abarrotada de gente. Poderia ter cruzado com qualquer um, contudo, aqui a gente não brinca em serviço, certo?
Kadu e Dinha, Dinha e Kadu.
Por um instante, no meio daquela fixação quase obscena, não houve mais nada. Ela esqueceu o status de relacionamento tanto quanto ele esquecera a garota (incrível, devo admitir) que tinha. Era lindo e perturbador ao mesmo tempo o efeito que o olhar de um tinha no outro; ainda que fosse a prova concreta, me deixava um pouco preocupado. Olhares como aquele eram capazes de causar destruição massiva quando não eram refreados — causariam. Era um reconhecimento bizarro, por mais que fizesse meu trabalho parecer ter algum sentido, vez ou outra.
Mas não era só isso que me ocupava a mente de uma forma ruim. Mais uma vez Conrado, incapaz de perceber seu lugar no mundo também prestava atenção até demais em Dinha, sem notar que não era o alvo de sua atração quase tátil. Isso algum dia o impedira de qualquer coisa? Conrado era sem noção assim desde sempre e era esse fato o que me frustrava. Ele era um cara bonito (talvez até mais que Kadu para alguns padrões de beleza), legal, carismático e um bocado insistente. Se colocasse na cabeça que queria Dinha, o que o impediria? Infelizmente, nada: não havia empecilhos, não namorava ninguém e não se interessava por nenhuma garota há algum tempo.
O caminho estava mais livre para ele do que para seu amigo. Aonde estão os tetos caindo quando precisamos deles?
E ainda assim, estava ficando cada vez mais difícil para Kadu, isso era fato já. Se lhe doeu só por Dinha cair na real e desviar o olhar quando lembrou da verdade dura, imaginava como se sentiria caso percebesse que Conrado pretendia algo — agora eu já tinha certeza disso. Kaduzinho poderia até não ter direito nenhum, por mais que de certa forma, tivesse. Não pôde evitar questionar se seria uma boa ir até lá saber como estava, embora não tivessem tido contato nenhum desde que ela o aceitara no Shell. Se ela não queria papo, seria justo ir até lá?
No meio de toda a constante de pensamentos doidos que lhe vinham a mente, havia gente mais decidida e menos comprometida.
— Tão vendo a loirinha de vestido verde que tá parada perto do sofá? — quando Conrado perguntou aquilo, todas as atenções dos amigos migraram para Dinha, menos Kadu. Ah, Kadu tomou um susto e olhou foi para o próprio Conrado, que nem notou a expressão dele. — Algum de vocês conhece ela?
Ele hesitou em responder quando todos negaram. Entretanto, não iria mentir, alguma hora saberiam que os dois já se conheciam. Doeu cada palavra dita, principalmente quando já começava a pescar as intenções do rapaz parado ao seu lado: — É a Dinha. Eu conheço ela.
— De onde?
— Livraria, depois a gente se encontrou em outros lugares. A gente vive se topando por aí. Ela desenha super bem — era tão engraçado ver Kadu fingindo uma casualidade quando deu de ombros e bebeu mais um gole da misturinha que havia se servido há pouco. Se por fora, parecia tranquilo, por dentro pilhava cada vez mais. Só não sabia guardar por muito tempo. — Por que a pergunta?
Quem disse que Conrado o respondera com palavras? Sua única ação foi dar um sorriso e ir até a garota, que nem imaginava o que estava por vir. Kadu prestou atenção enquanto o sem noção falava com Dinha de uma forma que fazia parecer que os dois já se conheciam há tempos. Também prendeu a respiração no minuto em que ele apontou para onde estavam os amigos, o que fez com que a pobrezinha o encarasse diretamente. Uma expressão de surpresa a tomou e ela logo se voltou para o garoto alto na sua frente.
Só que o que Kadu não sabia era o que eu tinha plena noção: Dinha achou que ele a "arranjara" para Conrado. Que havia mostrado a menina que conheceu e tão pouco era seu interesse que logo repassou para um dos seus amigos. Aquilo a magoaria, isso se aquele com quem então falava não fosse tão bonito. Kadu havia mexido com ela de alguma forma, não poderia negar que a atraia muito. Mas Conrado não era de se jogar fora, muito pelo contrário: era muito gato e Lurdinha jamais negaria uma esmola tão generosa de um santo bondoso; quem era ela para desconfiar? Até porque, se alguma vez na vida tivesse desconfiado, não teria se envolvido com tanto cara ruim.
Foi por isso que bateram papo por um bom tempo, tudo sob a atenção restrita de Kadu. Ele esperou o momento em que Conrado finalmente largou do pé dela e voltou para o grupinho; não tomou nem um minuto para ir até onde Dinha estava com Laís, que naquela altura já tirava um merecido cochilo no sofá. Se fosse um cara atento, teria notado que sua futura namorada parou de respirar quando reparou nele ao seu lado.
Estava ficando difícil cuidar deles dois.
— E aí? —e aí? e aí?!, Carlos Eduardo merecia umas boas porradas para voltar a funcionar. — Mais uma vez nos encontramos.
Suspirei e por um segundo desejei que pudesse tomar todas para aguentar o que estava sendo aquela noite.
— Oi, Kadu — ela ajeitou o cacho que caia em seu rosto. Havia uma energia muito ruim emanando dela: soava como despeito. — Amigo seu, né? Gente boa. Bem falante. — Era aquilo, tudo ia por água abaixo. Se Kadu não percebeu o que vinha dela e o que eu sentia com tanta clareza que imaginei estar olhando para um cristal, então ele era uma anta; muito provável que fosse. Mas foi só quando ela disse as palavras que senti como se levasse uma bolada na cara. — E sua namorada? Não veio?
Sabe a bolada na cara? Não fui só eu quem levei.
Numa situação comum, esse sentimento seria a última coisa a vir para Kadu. Ele não sentiria a farpa, o ressentimento, a decepção. Dinha poderia não ser nada e de certa forma, era tudo. Tudo o que precisava para fazer com que a palavra saísse da boca de Kadu, sem que ele nem ao menos pudesse contê-la: — Desculpa.
Se arrependimento matasse, estaríamos todos mortos. Bem, talvez não Lurdinha. Porque foi assim que ela percebeu que não era uma idiota que tinha uma crush (em suas palavras) por um cara comprometido. Ela era uma garota que queria um cara comprometido que também a queria. E por mais que magoasse saber a real de toda aquela situação, Dinha foi incapaz de se conter. Quando deu por si, estava buscando a mão dele com a sua. A pior parte era Kadu não negar, ser mais forte que ela. Se nem ele conseguia, como a coitada seria capaz?
Enquanto todos os sentimentos que eles vinham tendo um pelo outro pareciam se amplificar com um simples gesto e ninguém naquele lugar notava, eu dava um passo para trás de repensava todas as minhas decisões até aquele estranho momento. Destruir algo bom a fim de construir algo supostamente melhor em cima daquilo não mudaria o fato de que as pessoas se machucariam e sairiam quebradas. Tudo tinha seu preço e eu estava começando a ver qual seria ele, tão caro.
Se a destruição fosse tão arrebatadora como o modo que Kadu e Dinha se olhavam, eu ficaria triste pela Branca de Neve, e por mim. Tudo por não ter percebido que havia acabado de armar uma bomba atômica e que ela explodiria, mesmo se eu quisesse ou não.
Tic, tac.
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