2. Manuela
Manuela estava no lugar errado, na hora errada.
Na verdade, ela estava no lugar certo e na hora certa, como tinha de ser. Se as coisas tivessem ido bem no dia anterior, Kadu nem olharia duas vezes para ela, muito menos iria puxar assunto. Sua cabeça já estaria em Dinha, meio avoado, fora desse mundo, como acontece com a maioria das pessoas que encontram a pessoa certa. Porém, nesse caso isso não. Meu plano estava falhando miseravelmente e eu estava a um passo de ter mais uma "Letícia" como pedra no caminho.
Se tivesse que esperar mais dois anos, coisas ruins aconteceriam e a linha do destino seria mudada de vez. Eu ainda tinha uma chance de fazer aquilo certo, mas como poderia se Kadu não sabia manter a bunda sossegada por dez minutinhos sequer?
Não pude fazer muito além de observar meu longo planejamento indo para o ralo por causa de uma outra garota aleatória. Outra garota que por sinal, estava em um ótimo dia. Lembro que Manuela tinha acabado de cortar o cabelo e estava esperando o irmão mais velho terminar também. Adivinha quem estava sentado ao lado dela?
Eu não culpo Carlos Eduardo, afinal, a praga da minha vida realmente tinha ficado muito bonita com o cabelo curto. Estava parecendo a Branca de Neve com sua pele alva, madeixas bem negras, olhos de botão; a síntese da beleza clássica, praticamente. Pena que eu não poderia fazer o papel da Bruxa Má e dar uma maçã envenenada para ela. Até porque em alguns planos futuros, minha sina atual passaria de estorvo a protagonista — uma bela reviravolta que não precisaria ser discutida no momento.
De todo modo, Kadu prestou atenção nela o suficiente para reparar. Quando a cabeleireira terminou com Manuela, lhe entregou os fios cortados de uma vez só. Estes foram presos com um elástico e guardados delicadamente dentro de uma bolsinha. Aquilo era no mínimo curioso para quem não sabia qual destino teriam.
Infelizmente, eu sabia.
Quando Manuela estava folheando uma Caras, finalmente Kaduzinho decidiu tomar uma atitude e saciar a curiosidade.
Para meu total desprazer.
— Licença, eu sei que vou soar intrometido, mas... Por que você guardou o cabelo cortado? — ele de fato estava curioso, só que eu sabia que era muito mais do que isso. Ser o Cupido me possibilitava decifrar os sentimentos que as pessoas transmitiam; vinham como ondas. E nas ondas de Kadu, havia interesse, atração. Pelo histórico do infeliz, tinha total noção de que tudo poderia ir por água abaixo.
— Eu vou doar. Vai virar peruca — por um momento, quando Manuela respondeu aquilo, pensei em me demitir. Mas como poderia me demitir de um trabalho que era eu? Além de bonita, a praga ainda era boa e doava os cabelos para instituições do câncer.
Só que eu já sabia disso porque foi em um dos trabalhos voluntários dela que a juntei com seu primeiro namorado, em meados de 2013. Eles ficaram juntos por cerca de três anos e quatro meses, tempo suficiente para um ensinar ao outro que não precisavam se contentar com menos. Claro que cumpriram sua missão conjunta: foram as peças chaves em um protesto de meses que impediu o fechamento de uma unidade do CAPS.
Ela e Felipe eram um dos meus muitos casos bem sucedidos, só não foram feitos para durar eternamente. Lembro como se fosse há dois minutos quando arquitetei todo meu esquema que o levou até Manuela, contudo isso é passado. A vida acabou por guiá-los em direções diferentes e ainda que houvesse amor, nem sempre ele é o bastante para manter duas pessoas em um relacionamento.
De todo modo, Manuela ser o anjo que era só a fez mais interessante aos olhos de Kadu. O meu maior problema era que para criar qualquer situação que levasse Dinha até ele, eu precisaria de um pouco de tempo. Jogar com as linhas do destino é um trabalho árduo e trabalhoso. Dois meses seriam o mínimo, numa perspectiva muito da positiva de minha parte. Cinco talvez fosse uma média mais realista, eu me contentaria com cinco.
Ao longo dos meses que se passaram de planejamento, o desespero em mim passou a crescer mais ainda. Primeiro, eles começaram a se ver umas duas vezes por semana. Depois, quatro; até que estavam se vendo quase todos os dias.
Ela gostava de segurar a mão dele e ele gostava de mirar as iris negras e profundas dela. Ambos gostavam da boca um do outro. E eu odiava tudo aquilo.
Não foi espanto algum quando Kadu a pediu em namoro, quase dois meses depois de terem se conhecido. E o pior de tudo, o que mais me incomodava, era que os dois realmente tinham uma química ótima. Havia paixão, mas havia um pouco mais que isso também: eles realmente se gostavam, apreciavam a companhia um do outro. Estar junto os fazia felizes de uma forma que eu não esperava e nem desejava.
Por um momento, tive medo. Medo real. Meu tempo estava passando muito rápido e os caminhos de Kadu e Dinha ainda não haviam se cruzado nem uma vez sequer. O pavor que sentia dizia respeito a duas coisas: a primeira era a de que em algum momento eles poderiam passar um pelo outro e não acontecer absolutamente nada, ao menos da parte dele; a segunda, era a de que se eu cruzasse os seus caminhos e algo ocorresse, o resultado poderia ser desastroso. Além de interferir no presente, também iria mexer com o futuro de Manuela. Mas eu precisava me arriscar em algum momento: a prioridade era juntar eles, com a Branca de Neve do Inferno eu me resolveria depois.
Eu vi os dias correndo, virando semanas, meses... O tempo que ia e Manuela continuava firme como um carvalho. Já conhecia toda a família e amigos de Kadu, assim como ele também conhecia as dela. Aquilo estava virando um namoro sério demais e quando eu percebi que talvez toda uma linha de destino se perdesse por isso, tive que tomar atitudes drásticas demais.
Lamentei um pouco por Manuela, ainda que soubesse que tinha coisa melhor guardada. Me agarrei a ideia de que aquilo não iria muito pra frente e então, decidi colocar o plano de uma vida em ação.
Incisivamente.
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