6
Diego não se lembrou daquele rosto, porque provavelmente não o esqueceu. Seria mentira dizer que não teve sonhos que começavam como pesadelos quando seu corpo caía na água e sentia as ondas o abraçarem para longe do seu conforto e, depois os olhos de uma tonalidade marrom que o resgatavam. Podia ter deixado sua boca expelir palavras de tonalidades cinzentas como seus olhos com o objetivo de a repelir para longe de sua visibilidade. Até tinha surtido efeito, porque eram água e óleo e não se misturavam.
Contudo, havia um pesar que se abatia sobre ele naquele instante. Mesmo que jurasse toda sua impessoalidade em afirmar que não era obrigado a sentir gratidão, existiam sentimentos que atropelam certas pessoas mesmo que elas não queiram. Aquela jovem tinha salvado sua vida e por tudo que Diego contrariava, era claro que o peso de consciência por não ter retribuído a altura, o iria perseguir como uma nuvem tenebrosa por cima de sua cabeça.
─ Não conheço. ─ Então respondeu a Charmila, procurando pelas mãos finas e delicadas de quem passa creme especial antes de dormir, para as entrelaçar com as suas e sentir o conforto de um sentimento que não seria perturbado.
Dior viu quando Diego baixou os olhos e segurou na mão da namorada. Não deixou de pensar como era uma mulher bonita, com cabelos loiros e brilhantes e uma roupa de marca que muito bem lhe assentava. Não era vulgar como pensou que seria uma namorada dele, pelo contrário! Era singela e com um sorriso tímido no rosto. Viu quando Carlo mordeu o lábio inferior com força e se levantou como se almejasse ir até si. O coração dela falhou uma batida, tratou de recolher o balde e a vassoura e correu com as sapatilhas brancas de pano para a área de serviço.
Atravessou as portas brancas que tinha o desenho de duas grandes raquetes de ténis, passou apressada e com a respiração eufórica e finalmente chegou ao banheiro dos empregados, onde conseguiu parar para respirar com calma. Sentou num dos bancos de madeira perto dos cacifos e apoiou os cotovelos nos joelhos enquanto deixava a cara repousar nas mãos.
De uma coisa Diego não falhara, eram de mundos a parte e que nunca iriam se interligar, porém tinham-se encontrado apenas para deixar ainda mais claro como as diferenças seriam notáveis. Não que esperasse algo dele, só não sabia ainda o que fazer para lidar com o aperto que sentia quando se lembrava dele. Ou a maldita razão que lhe levara a pintar o rosto perfeito e quando encontrava seu corpo no mar. Era uma idiota!
─ Brown! ─ Uma jovem de estatura média entrou apressada. O uniforme de vestido branco acima do joelho, não ficava tão apertado como na colega. Tinha os cabelos castanhos cor chocolate e uns grandes olhos escuros. ─ O senhor Gabes chama por ti.
─ Mas está na minha hora de saída. ─ Protestou se levantando e começou a trocar de roupa quase ao mesmo tempo que Trina. O turno delas acabava de terminar.
─ Alguma reclamação de cliente. ─ Deitou-lhe um olhar pesaroso, pois sabia bem como Gabes costumava ser implacável. Era mesquinho e geria uma pequena rede de acompanhantes de luxo que passavam muito tempo no Court de ténis a conquistar clientes mais velhos e podres de ricos.
Dior se lembrava bem de como ele a tinha olhado no dia que a contratou, olhos gulosos de um predador sexual, mas o homem nunca a tinha assediado ou tratado com terceiras intenções, talvez porque fora uma amiga de Paul que a tinha recomendado a pedido do irmão.
─ Tudo bem. ─ Terminou de usar o vestido comprido azul e com alças que se amarravam no pescoço. Calçou as sandálias agradecendo por poder se livrar das sapatilhas com aquele calor e carregou a bolsa antes de despedir a colega e sair em passos lentos.
Não acreditou quando viu a mulher cheia de colares de ouro junto do senhor Gabes e tentou se segurar para não explodir a qualquer momento. Os dois conversavam baixo e se calaram quando a viram se aproximar.
─ Boa tarde. ─ Tentou ser educada e olhou de um para outro.
─ Fiquei a par de algum inconveniente na porta da entrada. Já lhe disse que deve deixar as placas de avisos visíveis. ─ Era um homem dos seus quarenta anos, forte e com o cabelo grisalho nas têmporas. Usava um terno caro e um anel no dedo anelar, indicando que era casado.
─ Eu pedi desculpas. ─ Dior olhou para a senhora de esguelha e se perguntou se realmente uma pessoa daquelas não tinha mais nada para fazer.
─ Depois que insisti! Nunca fui tratada desse jeito antes. Este lugar já foi melhor, Gabes. ─ Ela tinha a pele do rosto intacta quase esticada, porém o pescoço e as mãos enrugadas denunciavam bastante.
─ Menina Brown, vai ter que... ─ Calou-se quando viu Carlo se aproximar.
─ Desculpe me intrometer, estava apenas a passar e ouvi a conversa. ─ Disse e coçou a barba que estava há dias por fazer. Não podia aderir a nova moda do amigo. ─ A vossa funcionária colocou a placa de aviso, eu creio que a senhora estava distraída e por isso o mal entendido.
─ Senhor Davis! ─ Gabes pareceu ter a alma acesa por vê-lo tão perto. Sabia muito bem que era o responsável de uma empresa de segurança muito bem cotada e que cuidavam especialmente do Court, assim como que era a sombra de Saltzman. Um cliente a preservar. ─ Tem a certeza disso?
─ É claro! ─ Confirmou. Seu ar era bastante sério e credível, principalmente quando olhou para a senhora em um desafio para que o desmentisse.
─ Está tudo bem. ─ Gabes não quis desmerecer nenhum dos clientes. ─ Por esta vez deixaremos passar. Pode ir, Brown!
A mulher dilatou as narinas em clara irritação, mas mordeu a língua e foi acompanhada pelo gerente que provavelmente iria oferecer alguma bebida por conta da casa apenas para a acalmar. Dior olhou para Carlo.
─ Obrigada.
─ Não precisa me agradecer. Tu salvaste o meu melhor amigo e é uma dívida enorme.
─ Não é uma dívida. ─ Ela deixou claro. ─ Tenho que ir.
─ Fica bem, Dior. ─ Carlo despediu com as mãos por trás das costas e se ressentiu por não poder fazer o amigo mudar de ideias.
∞
Dior chegou a sua casa já impaciente por saber que a iria encontrar desarrumada. Paul tinha voltado da viagem misteriosa há dois meses, embora passasse mais tempo fora, quando aparecia era para colocar tudo de pernas para o ar. Com um suspiro abriu a porta e logo descalçou, atirando as sandálias para qualquer lado. Ouvia Pitty ladrar do outro lado, parecia feliz e então ela foi até a cozinha pegar um copo com água para beber e saiu até a varanda. Seu irmão corria com o cão e uma pequena bola, se divertiam nas areias que estavam quentes. Com aquele calor viver perto do mar chegava a ser uma verdadeira bênção.
─ Então, como foi o dia de trabalho? ─ Ele subiu com seu sorriso matreiro nos lábios. Não era muito alto e tinha os cabelos com pequenos cachos cheios de gel, o nariz era longo e bonito e os lábios grossos.
─ Quase matei uma senhora que implicou comigo. ─ Respondeu e passou a contar o que aconteceu. Apertou a mão do irmão quando este a puxou para dentro de casa, deixando Pitty de cauda a abanar do lado de fora.
─ Tem muitos outros trabalhos que podes fazer. ─ Reclamou no seu jeito rápido de falar. Na maioria das vezes parecia engolir as palavras. ─ O teu problema é querer seguir os passos da nossa mãe e trabalhar na Saltzman Corporate.
─ Nunca mais coloco os pés naquele lugar. Eu percebi que não a mandaram embora por causa do número reduzido de vagas, e sim porque estavam a evacuar todos os negros. Pensei muito nos últimos tempos e vejo o quanto faz sentido, só não entendo por que ela ficou tão deprimida depois. ─ O seguiu até a sala ainda descalça e agradeceu por sua casa estar fresca mesmo sem ter um ar condicionado.
─ Aquele lugar não é para ti. ─ Repetiu o que já tinha dito pela primeira vez que fora a entrevista. ─ Mas limpezas também não. És inteligente demais para isso.
─ Tentei trabalhar como comercial de vendas e não sei lidar com pessoas sem contar que é a base de comissões e iria morrer de fome por isso. ─ Mordeu o lábio inferior com força. ─ Depois fiquei uma semana num Call Center e foi horrível, pressão psicológica e atender mil chamadas por minuto para poder vender o que fosse. Pelo menos nas limpezas eu tenho mais controlo.
─ Vê. Limpei a casa. ─ Paul mostrou todo orgulhoso. Estava cansado de ouvir a mais nova reclamar sempre que chegava. ─ E te trouxe um presente.
Dior viu a caixa de veludo preta que estava em cima da pequena mesa de madeira e sorriu para Paul, antes de segurar e desamarrar o laço vermelho. Seus olhos se abriram ao ver um belo colar com pedras brilhantes vermelho sangue.
─ Meu Deus! ─ Exclamou. ─ São Rubis?
Paul riu.
─ Quem dera! ─ Gracejou. ─ É uma réplica, mas achei perfeita demais para deixar para trás. Vai ficar bem em ti, nunca agradeci o quanto me ajudou quando me meti em problemas.
─ És meu irmão. ─ Dior disse com certa ironia. ─ Mesmo assim, muito obrigada. Vou guardá-lo para uma ocasião especial, vai que pensam que é verdadeiro e me assaltam na rua?
─ É verdade! Quando vi cheguei a pensar que eram pedras preciosas de verdade. ─ Lhe deu um beijo no rosto e parecia empolgado, com um ar revigorado.
─ Essa alegria toda é por causa da nova namorada? ─ Ela levantou o sobrolho devagar e deixou um sorriso traquina preso nos lábios.
─ A Vanessa é apenas uma amiga. Gosto muito dela, porém nada de relacionamentos.
─ Mesmo assim estão quase sempre juntos e ela até me ajudou a arranjar esse emprego no Court. Nem a conheço para agradecer. ─ Dior se sentou no sofá e ficou a apreciar o belo presente. As pedras brilhavam muito.
─ Ela é independente, tem a vida toda feita. Devo ser apenas um bom passatempo. ─ Paul tentou disfarçar que não se importava e era o mesmo que fazia quando estava com Vanessa, não queria parecer um apaixonado desesperado. ─ Ela tem uma Galeria de Arte e pedi para colocar um quadro teu lá.
Dior arregalou os olhos.
─ Quanta estupidez! ─ Riu da ideia. ─ São apenas pinturas banais que faço para me distrair. Achas que iria para uma Galeria de Arte?
─ E por que não? Olha, eu pedi para a Vanessa dar uma olhada. Não mata a ninguém. ─ Andou até a parede onde várias telas estavam cobertas por cima dos apoios de madeira clara. ─ Não vai estar a venda no meio das obras mais famosas. Apenas num canto, para quem quiser apreciar. Quem sabe se alguém tem interesse?
─ Isso é muita bondade da parte dela.
─ Não perde nada. ─ Paul descobriu um dos quadros. ─ Gosto deste que pintaste a nós com nossa mãe. É tão bonito.
─ Esse é muito pessoal. ─ Dior negou prontamente e se levantou. ─ Leve este, é um quadro de tábua de xadrez. Lembra o nosso pai.
Os dois olharam para a tela quando esta ficou livre da capa que a cobria. Tinha um fundo cor de vinho e um tabuleiro de xadrez à preto e branco, mas as peças tinham sido redesenhadas como membros de família, os peões eram crianças, as torres os avôs, a rainha e o rei os pais, entre mais.
─ Pintas muito bem. ─ Paul fingiu uma lágrima de emoção e depois riu.
─ És meu irmão. A tua opinião não conta. ─ Não deixou de pensar como a da mãe era sempre positiva e sorriu por dentro, porém aquilo lhe lembrou Diego que também dissera o mesmo. Fechou os lábios.
─ Então vou levar. Se Vanessa gostar fica lá apenas como amostra. ─ Voltou a cobrir. ─ Sem pressões. Todos sabemos que queres trabalhar com farmácias.
─ Bioquímicos não trabalham em farmácias, Paul. ─ Tirou a língua de fora, pois estava cansada de explicar e lhe deu um abraço em agradecimento. O irmão tinha tido momentos maus quando se juntou aos grupos de arruaceiros do bairro, mas agora estava mudado e sempre ao seu lado.
─ Tenho que ir. ─ Se despediu e correu para o quarto vestir. Quando terminou levou o quadro em baixo do braço e saiu apressado para ir ao encontro de Vanessa. Dior sabia que ele podia não admitir, mas estava apaixonado.
Ela precisava descansar, estava desde às seis da manhã a trabalhar. Foi tomar um banho demorado e depois comeu qualquer coisa na companhia de Pitty. Depois deitou no seu quarto e nem demorou a adormecer. Mais uma vez teve o mesmo sonho, estava de um longo vestido prateado e muito feliz a subir uma longa escadaria de pedra. Desta vez ao alto conseguiu ver um homem que a esperava de olhos cinzentos hipnotizadores, seu coração batia com força, no entanto vários risos encheram o lugar fazendo com que se sentisse humilhada e exposta.
O teu amor virá pelo mar...
Dior despertou assustada. Estava tudo silêncio e tinha o peito a palpitar, estava escuro e olhou para os lados até reconhecer seu quarto. Saiu da cama e vestiu apenas uma camiseta grande, acendeu as luzes da sala e preparou um chá. Conhecia bem aqueles olhos, teria sido porque o tinha visto naquele dia no Court? Sacudiu a cabeça em negação e voltou para a sala, afastando as telas e procurando as duas que estavam atrás. Descobriu e as colocou em cima da grande mesa se perguntando por que diabo tinha pintado aquilo?
A primeira era de um mar revolto, com areia branca que dali parecia brilhante. Um cão estava no meio e um corpo flutuava na beira da praia. Era tão realístico que podia reviver aquele dia só de olhar para aquilo. O outro era do rosto perfeito de Diego, com os mesmos olhos inexpressivos e penetrantes, os lábios finos cerrados e a barba por fazer. Podia vê-lo com clareza só de olhar para os dois quadros.
Bateram a porta e ela quase saltou no lugar, como se a tivessem apanhado a cometer alguma infracção. Sabia que só podia ser Pops, pois sempre inventava alguma coisa para comentar. Na verdade as duas não passam de solteironas sem ninguém para aquecer seus pés.
─ Já vai. ─ Dior correu até a porta sem se importar com o seu aspecto e quando abriu se arrependeu em seguida. Pela forma como Diego a olhou de cima a baixo se demorando nas pernas, se perguntou se teria demorado com sua depilação. Ele estava bonito, com uma blusa branca que fazia um V na gola e revelava alguns pelos suaves, umas calças beges de caqui e por cima um casaco castanho mais escuro da mesma cor dos ténis de marca.
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