4
Dona Gilda desatou a chorar pela quarta vez naquela semana.
─ Meu neto querido. ─ Se lamentou e apenas de pijama se levantou da mesa. ─ A culpa é tua.
Charmila revirou os olhos, indignada. Se não fosse por Diego não aguentaria aturar aquilo nem mais um segundo. Soltou um suspiro resignado na mesa de jantar e olhou para Irene que lhe deitou um olhar de quem pedia desculpa.
─ Não, dona Gilda. ─ A cuidadora disse com toda paciência de quem estava acostumada. ─ Foi um assalto. Em breve o vão encontrar, venha descansar.
─ Eu não gosto dela. Nem um pouco, não me cheira bem. ─ Dona Gilda continuou a falar enquanto era guiada pelo braço por Irene. Não escondia a falta de afeição que sentia e nem disfarçava. ─ O meu filho também se casou com uma mulher promíscua e eu avisei sempre para não o fazer.
─ Disso a senhora lembra, não é? ─ Irene a repreendeu e depois as duas desapareceram pelo corredor.
Charmila afastou o prato de salada de endívias para o lado. Comer já estava difícil e ainda mais ser acusada por algo que não fez deixava tudo pior. Sem contar com Melina que a encarava sem pestanejar com um sorriso que de tão estranho chegava a ser assustador.
─ Como eu queria entender o que o Diego viu em ti. ─ O tom de voz cheio de sotaque inglês só aumentava o sarcasmo da pergunta.
─ Por ser algo que só ele pode sentir, talvez nunca o entendas. ─ Ripostou sem paciência alguma, aquelas duas pareciam se unir para lhe infernizar. Não suportava mais aquilo.
─ És mais velha que ele, pois não?
─ Dois anos apenas. Isso não é algo que se traga ao caso.
Melina comia uma salada de frutas devagar, observando cada mudança na expressão facial da mulher a sua frente.
─ Como não tem uma mãe por perto deve se consolar em ti. Porque os homens gostam de mulheres mais velhas por serem mais maduras e mais compreensivas, afinal deves fazer de tudo para manter um pedaço como o Diego. ─ Os olhos grandes denotavam uma mistura de serenidade e ansiedade.
─ Aprendi muito com o Diego também e acredito que não seja o momento para tais assuntos. Estamos a passar por uma situação delicada. ─ Dobrou o guardanapo de linho e o colocou em cima da mesa num gesto que indicava que tinha finalizado, porém Melina continuou.
─ Será pelo sexo? ─ Indagou. ─ Sempre ouvi dizer que o Diego era como um predador sexual, todas que entraram na cama dele juraram ter visto o céu. Então deves ser mesmo muito boa para o segurar.
Charmila deixou um riso fragilizado escapar de seus lábios. Não iria contar para aquela jovem mimada, mas tinha conhecido Diego no meio de sua maior fragilidade, quando sua auto-estima estava em baixo e acabava de sair de um noivado fracassado. Ele dizia as coisas que ninguém tinha coragem e que fizeram com que se reerguesse para o estado no qual se encontrava hoje, fazendo com que os dois desenvolvessem uma afinidade.
─ Com licença. ─ Tentou ser educada, sabia que se reagisse então a outra iria se queixar ao primo como uma vítima.
─ Imaginas o que pode acontecer se ele encontrar outra mulher mais jovem e que o desafie? Quem é que haveria de te querer depois?
─ Escuta bem! ─ Charmila bateu com as duas mãos na mesa e sentiu a raiva a consumir quando o sorriso encheu a cara da outra. Não era possível que tentasse lhe fazer a vida um inferno se nunca a tinha feito nada para isso. ─ Melina, tenho muito respeito por ti e por isso me retiro. ─ Pensou direito. ─ Boa noite.
─ Quando é que vais embora? O Diego não está cá!
Ela continuou a andar até descer três pisos abaixo onde tinha a outra sala e curvou por um dos corredores para subir o elevador que a levaria para o quarto principal. Estava com os punhos tão cerrados que podia sentir as unhas cravarem sua pele e soltou um grito irritado assim que entrou na enorme suite. Odiava aquela pirralha e não sabia até quando iria se segurar.
Tirou o vestido de tecido leve, encheu água na banheira redonda e jogou lá dentro os sabonetes coloridos e fluorescentes que borbulharam sem parar. Procurou se servir de uma taça de vinho, levou o celular e então mergulhou na água quente. Seus músculos estavam tensos e sua cabeça doía quando telefonou para Vanessa.
─ Mila meu amor, como estás? ─ A amiga atendeu toda empolgada.
─ Mais ou menos. Esta chuva que não para e a falta que sinto do Diego. ─ A voz embargou e pela primeira vez se deu conta do quanto estava afectada.
─ Sinto tanto. Queria estar por perto, mas a viagem com o Carlo e depois tive que voltar para colocar as coisas em dia na minha Galeria. Venho dar-te um abraço assim que puder. ─ Vanessa trabalhava com artes, possuía um Galeria de exposição para pinturas de artistas famosos ou emergentes.
─ Eu sei que sim. Apenas preciso me distrair, me conta sobre o Carlo. Pelo que parece as coisas não correram bem de todo.
─ Olha, Mila: Alguns homens não estão acostumados com mulheres independentes e donas do próprio nariz. Não compreendem que podemos querer sexo e não ter nenhum compromisso. Isso os assusta e com o Carlo não foi diferente porque é tão conservador que até me causa arrepios. ─ Explicou e Charmila riu de sua amiga. ─ Ele é uma pessoa carente e sinceramente estou num período que só quero me divertir, não ser babá de um matulão.
─ Afugentaste o homem.
─ Por ventura esta manhã conheci um rapaz negro e belíssimo quando ia ao café antes do trabalho. Se chama Paul.
─ Negro, Vanessa?
─ Pois, não me venhas com a tua opinião formada pelo Diego. Nem todos são iguais. ─ Pigarreou. ─ Ainda assim quero te ver feliz novamente e espero que tudo fique bem.
─ Obrigada. ─ Charmila concluiu a chamada e se deixou afundar na banheira. Estava tão acostumada em tê-lo por perto que a provocação de Melina começou a fazer efeito. O que faria se Diego a deixasse por outra mulher?
∞
─ Que regras são essas? ─ Diego levantou as sobrancelhas grossas para o alto e viu quando Dior colocou um relógio perto do tabuleiro que tinha sido todo arrumado.
─ Meu pai foi campeão e um dos melhores do Xadrez. Da minha mãe tenho o amor pela pintura porque ela sempre me incentivou e do meu pai pela lógica. ─ Mordeu a língua por achar que estava a partilhar informação demais.
─ Então ele te passou informações erradas. Preciso estar completamente concentrado para jogar e pensar.
Dior negou com a cabeça.
─ Ele dizia que para se ser mesmo bom em algo deve se estar preparado para as adversidades. Conseguir planear uma jogada mesmo quando temos uma distracção a frente e ser bem sucedido, é algo apenas para os melhores. ─ Apontou o dedo para a testa. ─ Quem devorar uma peça do outro tem direito a fazer uma pergunta e o outro deve responder ao mesmo tempo em que prepara a sua próxima jogada antes do tempo terminar. ─ Apontou para o relógio.
─ Isso não é sequer válido. ─ Rebateu com queixo apoiado em ambas mãos.
─ É um desafio. Ser polivalente é uma dádiva! ─ Ela foi a primeira a mover um peão para frente e logo colocou o relógio para funcionar. Diego fixou as peças no tabuleiro e depois nela, para a seguir voltar a olhar para o jogo e iniciar o seu movimento. Bateu no relógio.
Aquilo se arrastou por longos cinco minutos até que Dior conseguiu tirar um peão dele.
─ Pergunta: Qual é a tua fruta favorita? ─ Foi o que lhe ocorreu de momento e apertou os lábios quando viu o rosto dele se contorcer em desdém.
─ Detesto fruta. ─ Respondeu rápido apenas para se concentrar em seguida. Não gostava nada daquela distracção e foi rápido a jogar, levando consigo um dos peões também.
Ficaram em silêncio, lá fora se ouvia a chuva forte e ali dentro o tiquetaquear do relógio e Pitty que andava de um lado para o outro.
─ Faz uma pergunta! ─ Ela se impacientou.
─ Não tenho.
─ Qualquer coisa.
─ Argh! ─ Vociferou e tamborilou os dedos na mesa. ─ Quando começaste a pintar?
─ Bem... ─ Enquanto falava, os olhos dela estavam fixos no tabuleiro e se a testa fosse transparente poderia projectar a mente que corria a mil. ─ Meu professor de desenho chamou atenção para o meu dom de desenhar. Disse que era bastante boa para a minha idade e sugeriu que praticasse aulas de pintura.
─ Eu perguntei quando e não como.
─ Certo. Aos treze anos. ─ Moveu outra peça e atacou outro peão. Diego estreitou os olhos pela rapidez. ─ Tua cor favorita?
─ Preto ─ Respondeu rápido. Queria poder se fixar na sua estratégia ou então iria perder. Ele era um mau perdedor. Jogou com a sua torre e se deu bem.
Os olhos cinzentos fitaram a mulher a sua frente. Parecia menos nervosa desde que se tinham conhecido.
─ Qual é o teu sonho? ─ A pergunta escorregou da boca dele sem nem ao menos saber a razão, apenas quis entender melhor as pretensões que ela poderia ter.
Dior olhou para cima como se lá estivessem as respostas.
─ Eu queria desenvolver projectos grandes na área de Bioquímica e fazer descobertas incríveis. Quem sabe ganhar um prémio Nobel. ─ Foi sincera e não gostou quando escutou o riso cínico vindo dele. ─ Qual é a piada?
─ Sonhas alto. ─ O riso morreu na hora quando ela deitou a torre dele abaixo sem alguma dificuldade. Os lábios se transformaram numa única linha e os olhos faiscaram.
─ Já que as perguntas não são mais banais, gostava de saber se com esse teu jeito esnobe se tens uma namorada? Alguém que realmente possa gostar de ti assim como és? ─ O ar ligeiro tinha desaparecido e pareciam ter voltado ao pé de guerra. Diego estava irritado, o sentimento de vingança por conta da sua torre, assim como a afronta pela pergunta íntima lhe deixaram possesso.
Queria jogar e lhe dar uma resposta nada satisfatória ao mesmo tempo.
─ Achas mesmo que um homem como eu não teria alguém? É claro que tenho. ─ Fez uma jogada precipitada, pois não se dera ao trabalho de pensar direito e se crucificou por dentro. Ou era centrado ou não! As duas coisas ao mesmo tempo o confundiam.
─ Coitada. ─ Dior poupou o Bispo dele.
─ Nem vou perguntar se tens, está claro que não. ─ Ele foi ríspido. ─ E não preciso da tua pena em jogo. Mostra o que podes!
─ Me subestimas? Por que não teria alguém? Só a vossa majestade é que é digna de ter quem o queira? ─ Redarguiu com o cenho franzido. As perguntas já soavam sem esperar por vez e o jogo decorria numa exibição de guerra declarada. Um movia a sua peça e o outro ia em seguida.
─ Estou cá há uns dias. Ninguém te telefonou ou apareceu aqui e nem tu ficaste com um ar preocupado. Todas as mulheres ficam quando não tem como falar com o namorado. É explícito que não tens ninguém a não ser o vira lata e a vizinha fofoqueira.
─ Tenho um irmão.
─ Isso, eu percebi pelas roupas. Ninguém empresta roupas de outro homem com tanta facilidade se a ligação não for fraterna. ─ Tirou a rainha do lugar.
─ Psicanalista? ─ Havia um fervor entre os dois. Os olhos se chocavam a cada minuto e cada um tentava decifrar o que ia no outro. Diego nunca se sentira assim, raramente alguém o desestabilizava.
─ Pensas que tenho paciência para ouvir quem quer que seja?
─ Então escuta bem isto ─ Piscou-lhe o olho. ─ Xeque-Mate!
Ele baixou os olhos para o tabuleiro e ficou sem reacção por alguns segundos. Seu peito subia e descia com pressa enquanto analisava todas as suas possibilidades e se descobriu completamente encurralado. Bateu com a mão em cima da mesa e se levantou sem dizer nada, indo sentar no sofá irritado com a derrota.
Dior riu e o perseguiu.
─ Mau perdedor. ─ Acusou, mas Diego sequer a olhou. Ela andou até os armários da estante e tirou de lá uma garrafa de vodka barata. ─ Para comemorar!
─ Podias ter começado pela bebida, bem melhor que jogar e ter que ouvir as perguntas chatas. Não gosto de falar sobre mim, ainda mais com quem pouco conheço. ─ Retaliou enquanto a via servir doses generosas em copos e se sentar ao seu lado no sofá. Recebeu o seu copo e não brindaram, apenas viraram o líquido forte e transparente pela boca.
─ Tu és... Muito irritante. ─ Dior disse depois do terceiro copo cheio em que beberam em silêncio. A garrafa estava na metade. ─ Pobres das pessoas que convivem contigo. Devia ter dado um pontapé na tua bunda e te deixar morrer afogado.
─ Para a tua alegria, não nos veremos mais. ─ Garantiu e pensou no que ela diria se soubesse que era um Saltzman. Tinha lembrado de a ver gritar no meio do saguão principal de entrada, não que recordasse o rosto, mas a voz afrontosa e cheia de atitude era única.
─ Vamos brindar a isso! ─ Ela levantou o copo e o chocou contra o dele. Os dois beberam mais um pouco. Não havia nada melhor que vodka em dia de chuva. Diego não ficava bêbado facilmente, porém a qualidade duvidosa daquela vodka parecia tomar conta do seu corpo. Os olhos começaram a pesar mais do que gostaria e o embalo do som do choro do céu só serviu para que cedesse para o sono mais profundo.
Despertou ao sentir um forte raio de sol que atravessava a fresta do cortinado e abrilhantava seu rosto. Sentiu o sabor forte na sua boca e a vista turva de forma abismal, sem contar com um peso em cima de si. Pestanejou até conseguir ver direito e encontrou a cara de Dior que repousava na curva do seu pescoço. Dormia de boca semiaberta e o tufo de cabelos fazia cócegas no rosto dele.
Tinha uma cara que lembrava uma criança, imitava um coração virado para baixo e tinha uns lábios cheios para a boca pequena. Os cílios eram longos e quase tocavam nas pálpebras e o nariz era redondo e engraçado.
Diego se demorou a olhar cada traço do rosto dela e percebeu que era uma mulher bonita sim, mas que não fazia parte daquilo que acreditava ser para si. Muito fora dos padrões e por mais que a pele fosse tão aveludada e possivelmente macia, ainda era escura demais.
─ Acorda. ─ Sacudiu o ombro com pressa. A queria distante de si.
─ O que...? ─ Dior se afastou num salto e quase caiu antes de se equilibrar em pé. Olhou para os lados, viu a garrafa quase vazia e a mesa de jantar ainda com as peças de xadrez. Passou a mão no rosto e foi abrir as cortinas, vendo o sol que brilhava no céu limpo. Correu para acender a luz apenas para se certificar e então colocou o celular para carregar. Sentiu que ele a observava com atenção e por isso evitou olhar completamente constrangida.
─ Achas que já posso telefonar? ─ A voz grave soou tão perto que fez ela tomar um susto e se virar só para se esbarrar nele.
Diego recuou.
─ Sim. ─ Apontou para o celular ligado e se afastou para arrumar a mesa. Nem podia acreditar que depois de tanta chuva, o dia iria amanhecer tão bonito.
─ Alô, Carlo? Sim, aqui é o Diego. ─ Ele fez uma pausa. ─ Está tudo bem. Deixa-me falar!
Pelos vistos não era só azedo com ela.
─ Eu estou... ─ Voltou o pescoço para trás e Dior lhe ditou o endereço. ─ Venha sozinho, não quero atenção de ninguém nisto. Até já.
O rosto dele expressava certo alívio, estava ansioso por partir e voltar para sua vida normal. Contudo, percebeu que ela parecia absorta enquanto apanhava a garrafa e os copos.
─ Finalmente vais te ver livre de mim. ─ Comentou.
─ Aleluia! ─ Ela esboçou um sorriso que lhe foi retribuído de igual forma.
Quando Carlo bateu na porta da casa pacata, Diego estava no banho e o segurança arregalou os olhos quando viu a mulher que o recebeu. Trazia um saco da Armani com roupas e Dior o conduziu para que entregasse ao outro. Ninguém disse nada para além de cumprimentos cordiais e educados, embora Carlo tivesse olhado ao redor para pesquisar a casa como um hábito da profissão. Não viu ali nada de errado apenas se resguardou para questionar ao amigo.
Diego saiu vestido de um terno caro que lhe acentuava perfeitamente, tanto que por alguns segundos Dior podia não o ter reconhecido não fosse o mesmo ar intimidador que as suas feições faciais sempre apresentavam.
─ Está tudo bem? ─ Carlo perguntou.
─ Está. ─ Ele respondeu e se virou para a dona da casa. ─ Até um dia.
─ Até nunca mais! ─ Abriu a porta e esperou que os dois homens saíssem. Viu o grande carro de luxo e fingiu não se importar quando Diego sequer olhou para trás.
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Olá meninas! Como estão? Andei mal-humorada estes dias e por isso não atualizei.
Só eu que imaginei o riso do GIF quando a Dior fala para o Diego que queria ganhar o prémio nobel? Uhauhauahu.
Bom, esta história não vai seguir apenas a linha comum: Cara ogro que se apaixona e muda por amor. Non, non. Eu não gosto de repetir fórmulas, pelo menos não desse jeito. Diego tem um problema (A partir do capítulo 11 vamos saber de que se trata mais ou menos) que o leva a ser assim tão grosso. Ele vai continuar rude e seco até certo ponto, quando perceber aquilo que o afecta e se está disposto a mudar. Dior é guerreira, batalhadora, não leva desaforo para casa, mas terá suas falhas e fragilidades.
A linha do ódio e do amor é muito fina e nem dá para perceber quando se misturam.
Espero que continuem a gostar. Até já.
Beijos de amor.
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