Capítulo 8 - Escolhas.
Aquele era mais um dia de treinamento, onde tínhamos de nos defender do que quer que fosse, nem parecia que estávamos ali há duas semanas já.
Os habitantes não nos foram muito hospitaleiros, talvez por nossa culpa por ter receio de todo mundo, ou talvez por influencia daquele senhor. Eram poucos os que nos dirigiam a palavra.
Porem ao contrario do que os primos pensavam, estávamos bem assim, tínhamos a nossa volta quem confiávamos e isso sem duvida era tudo o que precisamos.
De onde eu estava podia ver os dois brincando na parte mais abaixo de nós, Priscila sempre acertava ele. Estava chegando à conclusão que ela o via mesmo invisível, assim como eu sentia seus movimentos.
- Aurora? – Ayla me chamou.
- Oi!
- Eu tentei fazer o que você disse, com calma, sentindo cada ponto se expandindo! – ela estava animada.
- E então? – perguntei cheia de expectativa.
- Eu consegui! – o sorriso em seu rosto era de puro contentamento. – Posso ir para onde eu quiser. – disse baixo para que os outros não ouvissem. – Quer ver?
Olhei para o lado oposto onde ela estava e vi Isabel brincando com as três garotinhas, elas pareciam muito entrosadas, olhei as duas irmãs ao meu lado perto de Ayla. Porque não?
- Isabel? – chamei e a criança veio correndo pro meu lado, era sempre assim.
Assim que ela chegou olhei para Ayla que entendeu e segurou nossas mãos. Aquela sensação era sempre boa, o friozinho na barriga, isso parecia aumentar a expectativa.
Chegamos a um deserto cheio de dunas, era areia para onde quer que olhássemos.
- O que era pra gente ver aqui? – eu estava curiosa.
- Que se eu tiver um ponto definido na cabeça eu consigo ir. – ela disse satisfeita.
- E você pensou em areia? Ainda bem que não foi em água. – Stella segurava o riso.
- Para onde quer ir? – o olhar desafiador de Ayla era algo curioso de se ver.
- Quero ir ao passado, ver minha mãe. – ela respondeu.
Em silencio eu desejava a mesma coisa, mas eu não teria coragem de pedir.
E aquela leveza me dominou. Minha vista se focou em um pequeno casebre de madeira, olhei para as garotas que estavam espantadas.
- Nos tira daqui agora! – disseram juntas.
Mas não era o que queriam?
Dessa vez eu não sei onde estávamos, porem me fez querer recuar para a proteção de algum lugar.
Olhei a minha volta e uma casa estava com a porta no chão, era a única coisa naquele senário, o que quer que esteja lá dentro é melhor do que ficar aqui fora.
- Vão ali para dentro. – agarrei Isabel para protegê-la e avancei em direção a casa.
O lugar estava totalmente devastado, a escuridão do céu deixava tudo ainda mais arrepiante. Meus ouvidos aguçados tentava escutar algo lá fora, mas tudo que eu ouvia eram os nossos passos.
- O que aconteceu para virmos para cá? – perguntei tentando obter o máximo de informações daquele local estranho.
- Eu não sei! Acho que me assustei com elas... – ela olhava para os lados – Mas que lugar é esse? Me da arrepios.
- Não faço ideia! – dei uma olhada em tudo.
Um tampão de passagem estava quebrado e jogado de qualquer maneira pelo chão, eu sentia varias passagens secretas naquele local, inclusive abaixo de nós.
- Quem quer que tenha construído isto, foi uma pessoa muito inteligente. – constatei – Um fugitivo, ou um maníaco que queria despistar alguém. Não sei qual me parece mais reconfortante.
- Não vamos ficar aqui para descobrir? Né! – Selena estava agarrada a irmã.
- Não! – Ayla e eu respondemos juntas.
Nos agrupamos novamente e a leveza dessa vez foi ainda mais bem vinda. Estávamos novamente no esconderijo, no mesmo lugar de onde saímos. No entanto aquela imagem devastada não saia da minha cabeça, será que fomos parar lá por puro acaso ou tinha algo por trás disso?
Talvez Pan saiba de alguma coisa. Quem sabe!
- Porque se assustaram daquela forma? – questionou Ayla olhando as irmãs.
- Não sei explicar, ver aquela casa me deu uma dor no peito, lembrar que nossos pais nos deixaram naquele lugar horrível.
- Mas eles não sabiam que era horrível. – sussurrei me lembrando e cortando Stella – No começo era diferente, exceto pelo teste. Depois é que virou o pesadelo.
Ayla me olhava apreensiva, como se ela pudesse sentir o turbilhão que estava minha mente.
- Acabamos por esquecer esse fato, e se tudo não passou de mentira em cima de mentira? – olhei para elas, mas sem realmente ver, meus olhos estavam perdidos não focavam em nada. Estranhamente as coisas pareciam fazer sentido. – E se tudo aquilo fosse uma grande encenação? Para que nos mantinham ali? E por que não nos lembramos de tudo? – olhei para elas mais decidida – Alguma de vocês se lembra de todo o tempo naquele lugar? – tinha esperanças que pudesse ser só eu a não lembrar.
- Não. – sussurraram – Agora que você falou, eu lembro apenas de fragmentos. – completou Ayla.
- Foram muitos anos e como não nos lembramos? – Selena estava espantada.
- Por mais que fossem sempre as mesmas coisas algo está faltando. – minha mente trabalhava frenética por respostas – Teste. Ameaça. Surra. Fuga... – apenas sussurrava tentando encaixar – Fuga! Eu me lembro de fugir e falhar, e apanhar muito, mas não lembro como fugi ou o que aconteceu depois da surra.
- Você pode ter atacado alguém! – Stella me encarava quando a olhei, todas elas na verdade.
- Pode ser. – sua ideia parecia valida – Mas as celas eram abertas... – deixei meu raciocínio morrer por falta de informações.
- Mas as correntes não! – Ayla estava certa.
- Temos de conversar com eles. – Stella disse. Segui o seu olhar que estava fixos nos primos.
Realmente precisamos conversar com eles.
Passei meus pés sentindo as camadas da terra e imaginei um túnel ali embaixo, descendo aquele pequeno morro até onde os primos estavam, e habilidosamente fechei ambos com paredes grossas de terra e os empurrei para que viessem em nossa direção. Assim que os dois emergiram, coisa de segundos depois, desfiz tudo deixando como era antes. Seus rostos estavam espantados.
- Ataque surpresa, o treinamento acabou. – me pronunciei – Precisamos conversar.
Minhas palavras não davam brecha para questionamento, sai à frente de todos, pegando o túnel que lavava para um cedro frondoso, aquele lugar por algum motivo me acalmava.
- Aconteceu alguma coisa? – Carter foi o primeiro a dizer.
- Sim e não! – essa resposta cabia perfeitamente à ocasião.
- Não compreendo. – Priscila estava com o semblante sério.
- Aconteceu sem acontecer. – Selena foi ainda mais confusa com sua resposta, mas mesmo assim para mim tinha fundamento.
- Assim não chegaremos a lugar nenhum. – Priscila disse com um leve sorriso pelo nosso embaraço em tentar achar palavras que coubesse a situação.
Respirei fundo para tentar clarear a mente, e só então comecei.
- Uma pequena excursão nos fez pensar em coisas que não havíamos pensado antes. – falei devagar, organizando as palavras conforme elas passavam pela minha cabeça. – Coisas que nos aconteceram e não temos conhecimento delas.
- Excursão? – Carter mantinha sua calma como sempre.
- Descobri o que me faz controlar meu poder e fomos testar minha teoria. – Ayla respondeu.
- Agora eu entendi, mas o que viram que as deixou assim? – Priscila foi mais rápida que o primo.
- Fomos para o passado! – todas nós respondemos.
Os olhos dos primos mostravam extrema surpresa, eles não sabiam a extensão do poder de Ayla.
- Isso é maravilhoso! – Priscila estava eufórica – Vocês tem ideia de quantas crianças podemos salvar assim?
- Na verdade nenhuma! – a respondi. – Porque as tirar de surpresa e tentar as inserir aqui vai ser traumatizante ou estressante, sem contar que podem descobrir e isso vai alterar muita coisa, mas podemos pensar em formas para fazer isso, sem que prejudique nenhuma, e nem levante nenhuma suspeita.
- Claro! Você tem toda razão, isso pode ser um grande choque e não queremos isso. No entanto isso pode ser muitíssimo útil para a gente. - Priscila tinha um sorriso sincero estampado em seu rosto, àquilo era um ato inédito para nós. – Mas continue. – ela me incentivou.
- Queremos saber tudo o que vocês sabem sobre aquele lugar e os detalhes da missão do Carter. – fui direto ao ponto.
- Por mais que alguns sejam iguais à gente, tem muitos aqui que não aderem a essa mesma causa. – Priscila falava em tom pensativo como se estivesse pensando em lugar melhor.
- Eu gosto desse lugar! – falei para ela – E eu posso fazer isso... – deixei minha frase no ar e comecei alevantar paredes expeças ao nosso redor nos fechando totalmente ali.
Priscila fez uma bola de fogo em sua mão, me fazendo lembrar que o nosso ar acabaria rapidamente assim.
Moldei um túnel a nossa frente e comecei a andar, desci mais alguns metros até que paramos longe daquele ponto, e mesmo assim sentia o conforto daquele lugar, talvez seja porque é silencioso e longe de todos. Fechei o lugar por onde passamos e deixei apenas uma pequena janela acima de nós e averiguei se havia alguém próximo. Não sentia nada por ali.
Olhei aos arredores daquela saleta em que estávamos, moldei alguns bancos e me encaminhei para o mais próximo. Os demais repetiram meu ato.
- Prontinho! Agora somos apenas nós. – falei olhando as sombras que se projetavam na parede.
- Alguns aqui acreditam que estamos inventando coisas, poucos aderiram a nossa causa. – Priscila parecia decepcionada. – Tivemos mais ajuda de fora do que dos daqui.
- Não sei se vocês perceberam mais aqui somos mistos, alguns nos aceitam e outros nos aturam porque somos necessários. – Carter acaba de confirmar minhas suspeitas.
- E são em menor numero eu suponho. – não queria ser grosseira, mas tínhamos que saber.
- Mesmo com vocês ainda sim somos em menor numero. – a decepção de Carter era quase palpável. – Mas podemos ser nós mesmos e isso é o que nos conforta no fim.
Talvez! Mas ainda sim não é o melhor.
- Porque se escondem ao invés de tentar se misturar?
- Ha um tempo atrás uma boa alma mudou o caos em que vivíamos. – Priscila começou a explicar – E diferente do que pensávamos ele lutou por nós, parecia saber de nossa existência, de certa forma sabia, pois ele era igual a nós. No entanto uma fatalidade aconteceu a ele. Sua filha foi sequestrada. Um pobre e indefeso bebê, não muito depois disso sua esposa foi assassinada misteriosamente.
Ela olhou para nós e mudou sua posição.
- Ele continuou por aqui, aparecendo vez ou outra até que sumiu e nunca mais voltou. Depois disso o reino mergulhou no caos quando um novo e autointitulado rei se apossou do trono de nosso salvador. – sua voz mostrava amargura – Ele tinha algumas alegações que foi difícil não acreditar. Só que assim que ele subiu ao trono as coisas voltaram a ser como no passado. Caos para todos os lados. Injustiça onde for! – a forma como ela falava parecia que tinha vivenciado tudo. – Eles oprimem o povo para ter poder e quem fica contra o Rei deve pagar por isso, muitas vezes com a vida. – quanto mais ela falava, mais chocada eu ficava com tudo.
- Então sem nem ter saído direito daqui, voltamos a nos esconder para nossa segurança. – ela concluiu.
- Como você sabe de tudo isso? – questionei.
- Eu leio bastante e gosto de saber de onde vim e o que já aconteceu para as coisas estarem como estão hoje. – ela respondeu como se fosse algo natural e eu entendo bem isso.
- Você disse que teve mais ajuda de fora do que daqui, quem foi? – minha curiosidade falava mais alto.
- Apenas uma pessoa que também foi manipulada e agora está nas garras desses tiranos. – Priscila olhava sua mão em chamas. – Não sabemos seu nome, pois o nome da poder aos outros e ele pode ser descoberto assim.
Eles têm razão, mas ainda sim faltam informações.
- Vocês sabem por que somos assim? – essa era uma das perguntas que mais me intrigava.
- Essa é fácil! Nossa genética foi modificada por si só. Porém em nós houve umas ligações da cadeia principal com as proteções. – Priscila falava encurvada para frente como se aquilo fosse a coisa mais fácil desse mundo. – Como posso explicar mais simplificado? É como se fosse uma anomalia.
Ela se levantou e começou a andar pela sala, até que parou se abaixou e com o dedo foi riscando o chão, fazendo um desenho estranho, mas o mais estranho é que eu o reconhecia de algum lugar.
- Essa é a estrutura do nosso DNA, e aqui estão as ligações. – conforme ela desenhava, ia explicando – De alguma forma essas pequenas ligações deram origem aos nossos poderes.
Assenti em concordância.
- Sabem para que nos mantinham lá?
- Isso ainda são especulações, mas o que eu acredito é que eles tentavam de alguma forma controlar a mente de vocês para que fizessem o que eles queriam. – isso fazia sentido. – Trabalhar para eles e oprimir ainda mais as pessoas, porem Carter ficou em um lugar diferente do de vocês, pelo que percebemos isso não aconteceu com ele, apesar de eles fazerem ameaças e mexer com o psicológico, não passou disso. – ela parecia pensativa – Talvez eles só comecem com isso quando mentem para os familiares forjando as mortes, assim não precisam dar explicações.
Essa informação me assustou, mas se encaixava perfeitamente em uma das falhas desse imenso quebra cabeça.
- Quer dizer que esse Rei esta por trás disso?
- Todos os caminhos levam a ele, estamos coletando mais informações naquela instituição, mas são muitos documentos e eles têm muitos outros esconderijos, isso dificulta muito o nosso avanço.
- Mas agora vocês têm mais quatro aliadas. – falei com convicção. – Queremos saber tudo o que acontecia naquele lugar, entender o porquê não nos lembramos de determinados períodos e evitar que mais crianças vá para lá e sofram o que sofremos.
- Vocês não se lembram do que acontecia lá? – Priscila estava espantada e Carter tinha um semblante indecifrável.
- Não nos lembramos de exatamente tudo o que acontecia lá, é como se tivéssemos dormido por um período muito longo deixando a memoria conturbada e desconexa. Apenas borrões. – esclareci.
- Isso está ficando cada vez mais estranho. – pude sentir amargura na voz de Carter – Precisamos avançar logo com as pesquisas, colocar vocês a par de tudo o que sabemos e quem sabe vocês não notem algo que deixamos passar. Seu poder Ayla vai ser muito útil nisso tudo. – ele levantou seu olhar que estava no chão – Você tem pleno controle dele?
- Acredito que sim, se eu tiver a informação certa eu encontro o lugar. – ela estava receosa, mas eu confiava totalmente na capacidade de Ayla.
- Mesmo sem conhecer o lugar?
- A questão não é conhecer é sentir! É difícil explicar, mas eu sinto o local, é como se eu olhasse um monte de pedras brancas e de repente... – ela levantou a mão como se demonstrasse o que estava em sua cabeça. – Uma se destaca e eu sei que é aquela que vai me levar para onde eu quero.
Curioso, talvez por isso acabamos parando naquele local estranho, ela não teve tempo de pensar apenas “abriu a primeira porta” e nos levou por ela.
Senti leves puxões na minha camiseta que me fizeram desviar meus pensamentos para a criança no meu colo, ela estava tão quieta que tinha até esquecido que ela estava ali.
- Você vai me deixar? – seus olhinhos estavam marejados.
- Não! Nunca. O que ti fez pensar nisso minha pequena? – minha voz estava carregada com todo amor que sentia por aquela criança, ver ela dessa forma quebrava meu coração.
- Você vai com eles e não vai me levar! Eu não quero ficar sozinha. – a primeira lágrima escorreu de seus olhos dando sequencia a outras.
- É perigoso. – passei a mão em seu rosto limpando as lágrimas que desciam a vontade – Não posso ti colocar em perigo, não vou me perdoar se algo acontecer a você.
- Não me deixa sozinha. Eu tenho medo! – ela se agarrou em mim da melhor forma que pode e isso acabou comigo.
Eu não poderia colocar ela em perigo dessa forma, mas deixar ela para trás com um bando de pessoas que eu não conheço e não confio também está fora de cogitação. Eu não posso ficar de fora disso para ficar com ela, eu preciso entender, preciso de respostas.
Mas qual vai ser o preço que vou ter que pagar por isso?
O coração momentaneamente partido de Isabel? Ou arriscar que ela se ferisse?
E se com isso ela não confiar mais em mim? Não posso correr esse risco. É egoísta da minha parte, no entanto não suportaria ver esse olhar triste no seu rosto cada vez que ela olhar para mim.
- Daremos um jeito! – a apertei forte. – Sempre damos, não fica assim, por favor!
Ela concorda com seu rosto colado na minha blusa, eu sentia a angustia que ela estava sentindo nesse momento, sentia suas lágrimas molhando minha blusa e tudo o que eu podia fazer no momento era a abraçar e me socar mentalmente por ter deixado ela desse jeito.
- Está tudo bem? – levantei meus olhos para ver Ayla que nos olhava preocupada, éramos o centro da atenção no momento.
Fiz que sim e voltei a ignorar todos, ajeitei Isabel para que ela ficasse mais confortável no abraço e comecei a sussurrar uma melodia tranquila para ela. Quando senti que ela finalmente havia dormido voltei a olhar para os outros que nos olhavam em silencio, respeitando nosso tempo.
- Ela é uma criança determinada. – Ayla disse baixo. – Se parece muito com você.
Dei um meio sorriso para ela. Meus pensamentos novamente estavam em um mar de confusão.
- Nos diga como entrou lá e como fez para sair? – perguntei indo direto ao ponto.
Carter começou a explicar os detalhes do plano que eles dividiram em duas fases, infiltrar e libertar. O que ele teve que fazer. Como teve que se concentrar no teste para não por tudo a perder, a primeira surra, a destruição da câmera do quarto para fugir e executar a segunda parte do plano, a sala de controle, os crápulas que trabalhavam lá. Que compactuavam com tudo o que nos acontecia. Podia ver a raiva em seus olhos.
- Então as celas eram mesmo fechadas? – sussurrei.
- Sim! Elas abriram quando mexi no painel, - Carter coçou a nuca. – quase dei curto nele, porem a Priscila chegou a tempo e conseguiu salvar para que pudéssemos ter mais informações.
- E o que conseguiram até agora?
- Nada muito relevante e que já não soubéssemos, entretanto tem algumas lacunas em aberto que não entendemos. – olhei para ela curiosa. – São alguns exames de sangue, monitoramento cardíaco.
- Ainda não sabemos, mas vamos descobrir. – ele estava pensativo. – Não é daquela corja, estavam em arquivos separados e com numeração ao invés de nomes.
Isso não fazia sentido algum, será que estavam fazendo algum tipo de experiência com a gente nesse tempo em que não nos lembrávamos?
Minha mente gritava que era exatamente isso o que acontecia, mas o que é que acontecia? Será que eu ia querer me lembrar disso? Viver sem respostas não é uma boa opção, nunca foi e o que quer que tenha acontecido já passou, não tem como evitar que aconteça. Quem sabe assim não é um ensinamento para evitarmos que aconteça com outras pessoas.
Como em um estalo minha mente me levou para outro lugar, sem nenhum aviso ou instrução.
Eu estava em um quarto extremamente branco e sem janelas.
- Peciso hoje? – escutei aquela voz infantil manhosa que hoje era um pouco diferente.
- Sim minha criança é PRECISO. – ele falou devagar a corrigindo.
- Mas dói. – ela reclamou.
- Me desculpe por isso minha criança, você vai se esquecer rapidinho. – ele abriu um sorriso triste na esperança de confortar a pequena que não estava nada satisfeita.
Ele levantou a manga de sua blusinha e aplicou uma injeção no braço dela, logo retirou o coelhinho de seu outro braço e a levou para fora da porta. Arfei com o que vi ali, eu estava do outro lado presa a parede, Isabel se aproximava curiosa.
- Ela veio brinca? Porque está presa? – seus olhinhos curiosos me avaliavam até que parou no sangue de meus punhos que desciam pelos braços deixando sua marca. – Solta ela! – ela entrou em desespero e deu um grito repentino, seu corpinho tremulo mudou para um tigre branco.
Ela parecia perdida naquela forma, como se não fosse ela, mas sim o animal, seu rugido despertou meu eu preso na parede, era espantoso me ver dessa forma, sem saber o que se passa na minha própria cabeça.
O tigre avança com uma fúria bestial para cima de mim, não movo nenhum músculo, provavelmente já tinha aceitado meu destino.
Em pleno salto ela deu uma patada que para minha dupla surpresa tinha por destino as correntes, assim que suas patas tocaram o chão ela se levanta e abocanha a outra me fazendo cair fraca no chão.
Sua forma começou a tremer e sons estranhos saia da sua boca, meu eu olhou atordoada e confusa aquela cena a sua frente, meu semblante deveria estar o mesmo agora, Isabel tinha a cabeça entre as patas como se lutasse contra uma dor de cabeça ou algo em sua cabeça.
- Você tem que ataca-la! - ouvi outra voz dizer e olhei para encontrar seu dono.
Ele estava borrado, não conseguia ver seu rosto, mas podia ouvir sua voz.
Isabel ficou ainda mais inquieta com o comando, porém não fez o que ele pedia. Aos poucos sua tremedeira aumentou e ela voltou a ser criança. Ela segurava a cabeça entre as mãos em posição fetal no chão. Era doloroso ver minha pequena dessa forma.
- Essa criança é inútil! E esses medicamentos eram para me deixar com total controle sobre ela. O instinto animal e sua força deveriam prevalecer, era isso que deveria ter acontecido. Me obedeça! - esbravejou o homem.
Isabel gemeu no chão, queria amparar minha menina, mas era impossível eu não estava de fato ali, apesar de estar, não era eu em meu comando.
Vi aquele homem se aproximar com uma irá indomada para perto da minha menina, meu coração se espedaçou com o que eu poderia presenciar ali. Foi o ponto de ele chegar e se preparar para atingir minha menina que uma parede se fez a minha frente o atingindo, olhei para trás me vendo ali, meus olhos estavam quase negros, minhas pupilas tão dilatadas que era quase impossível ver os verdes.
Isabel gritou em agonia, o que quer que tenham aplicado nela a estava machucando, me vi dividida entre olhar minha pobre e doce menina que sofria ali sem que eu pudesse fazer nada e meu eu avançando. Saído de algum lugar um dardo me atingiu, quase como em câmera lenta vi meu corpo cair de joelhos e tentar a todo custo se reerguer, vi a parede ir ao chão e vi aquele homem que por alguma razão eu não conseguia ver seu rosto avançado em minha direção.
O tigre branco saltou em sua direção antes que ele pudesse me atingir, mas foi absurdamente rápido a transformação de Isabel antes que ela o atingisse, sua forma era de uma garotinha novamente a qual ele se aproveitando da situação a atingiu, tornando ainda mais dolorosa a queda dela.
Em sintonia eu e meu eu gritamos e fomos ao encontro daquele monstro, minhas mãos atravessavam seu corpo, mas fiquei feliz ao perceber que a outra de mim conseguiu desferir alguns golpes, deixando aquela besta suja com seu próprio sangue.
Algo atormentou meu eu que por uma fração de segundos abriu uma brecha e foi atingida em cheio por um soco, me vi cair desmaiada.
- Levem essas imprestáveis daqui, atire esta junto em uma cela qualquer. Vocês sabem as regras.
- Não! Não faça isso ela é apenas uma criança. - o outro rapaz que eu conhecia dos sonhos de Isabel tentou interceder por ela.
- Isso não é uma criança é uma aberração, um experimento que deu errado. - ele passou a mão em sua boca para limpar o sangue que havia ali - Façam o mínimo para que ela permaneça viva, quem sabe no futuro ela possa servir para alguma coisa.
- Você não pode... - o pobre foi atingido por um soco que o deixou inconsciente no chão.
- Andem logo! O que estão esperando.
Rapidamente mais homens apareceram e nos tiravam dali.
- AURORA! - senti meu corpo ser chacoalhado fortemente, eu escutava um choro distante.
Espera! Minha menina estava chorando, pisquei várias vezes olhando todos ao meu redor com olhos assustados e demostrando muita preocupação. Ela não estava mais em meu colo.
A encontrei agarrada a Ayla, me levantei de onde estava sentada quase derrubando todos no processo e apanhei minha menina que assim que percebeu a mudança de colo e que era eu, me agarrou soltando um soluço sofrido.
- Shiiiii, calma minha pequena eu estou aqui, nada vai ti acontecer. - eu tentei acalenta-la - Eu vou ti proteger sempre.
- Fiquei com medo. - ela sussurrou em meio ao choro.
Eu não sabia o que tinha acontecido, mas pelo seu estado tinha certeza que eu era a causa, eles devem ter se assustado com a minha inércia e assim assustaram minha menina. Passei a mão em suas costas.
- Me perdoe pelo susto. - falei o mais doce e suave que pude. - Tudo o que eu menos queria era assustar você.
Olhei para todos ali que me olhavam surpresos.
- Eu quero voltar lá, ter acesso a todos esses documentos, quero tirar minhas próprias conclusões.
- Tudo bem podemos ir quando você quiser.
- Ayla você se importa em nós levar para lá? - perguntei, não queria deixar ela em uma posição ruim, mas eu tinha que perguntar.
- Claro! Onde você for eu vou. - ela respondeu sem nem piscar.
- Nós também! - as irmãs se pronunciaram.
Senti meu coração se aquecer com isso, eu tenho uma nova família, aquelas pessoas que há poucos dias eram totalmente desconhecidas por mim, se tornaram minha família. E eu não consigo mais imaginar minha vida sem eles.
- Eu também vou mamãe. - Isabel disse em uma fungada me surpreendendo.
Era a primeira vez que ela me chamava assim e eu me sentia confortável com isso, não pude evitar sorrir para a minha doce menininha. A apertei ainda mais em meus braços, queria parar o tempo, eternizar esse momento e essa sensação de lar, de pertencer a uma família e ser amada pelo que sou.
- Vamos então? - Ayla perguntou sorridente e eu concordei.
Deixei que aquela sala voltasse a ser como antes conforme sentia a leveza do meu corpo sendo transportado para outro lugar.
Voltar a aquele lugar me causava arrepios, Isabel estava grudada a mim seu rosto colado em meu peito seus olhos bem fechados, eu sentia o desconforto dela, o medo dela. Odiava ter que levar ela para aquele local, mas não confiava em ninguém para ficar com ela, e nem mesmo ela aceitaria isso facilmente.
Nos encaminhamos para a porta da frente, Priscila nos guiava, ela parecia conhecer bem aquele local, pude ver algumas pessoas andando por ali e até mesmo um grupo de crianças seguindo um rapaz.
- O que está acontecendo aqui? - perguntei baixo.
- Essas crianças são as da fuga, os pais as levaram e há pouco tempo às trouxeram pra cá de novo. Eles estão introduzindo nossa história a elas, agora é o intervalo. - Priscila explicou.
Eles já estavam cuidando para acolher essas crianças, a rapidez dos primos me surpreendeu de maneira muito agradável.
- Aqui! Chegamos a sala de controle. - Priscila abriu a porta nos mostrando uma sala cheia de computadores enfileirados e telas cheias de imagens.
- Não mudou nada! - Carter disse olhando o lugar - Mas agora está sob as mãos de pessoas boas.
Priscila se afastou para conversar com alguém e logo nos chamou.
Ela falava os dados e parâmetros de cada arquivo que tinha ali, minha mente fazia o melhor para acompanhar o raciocínio dela até que um arquivo chamou minha atenção, no começo eu não sabia o porquê, mas logo as peças começaram a se encaixar.
Aquela documentação era da minha menina, Priscila foi passar para o próximo, mas eu a impedi, seu olhar estava curioso para mim, eu apenas continue a analisar as informações que tinha ali.
Seu nascimento, as capacidades, uma infinidade de cronômetros, as sessões logo a seguir de cada número, um nome estranho se repetia várias vezes, minha mente gritava que era a injeção que aplicavam nela, aquela mesma que recordei como se fosse uma visão.
Mas outra coisa chamou minha atenção, o número que estava logo após a "identificação" dela.
- Abra a fixa G.1/E.00-1 - pedi.
Priscila digitou alguma coisa e logo a fixa foi aberta. O silêncio na sala era total. Meus olhos correram aquele documento sem acreditar.
- Não pode ser! - minha voz quase não saiu.
- O que foi? - todos me olhavam, não distingui quem tinha perguntado.
- Tem mais alguma fixa com essa numeração? - olhei para Priscila que voltou a digitar rapidamente.
- Não! - ela digitou mais um pouco - Nada. O que você viu que nós não percebemos?
- Você é minha filha! - ajeitei Isabel para que ela olhasse para mim.
Seus olhinhos brilhavam e ela concordou, na sua inocência infantil.
Eu não conseguia acreditar que isso era verdade, eu a amava, mas fui privada de tudo, eu nem mesmo sei como isso aconteceu.
Eles colocaram ela pra me ferir! Isso é ainda mais abominável do que todas as outras coisas e ela sem nem saber tentou me defender, me livrou das correntes.
- Você é minha filha! - repeti, mas dessa vez deixei que a alegria ganhasse dos meus outros pensamentos.
- Como assim? - Ayla nos olhava.
Eu apenas sorria para minha menina, dessa vez notando meus traços nela, seu olho verde era igual aos meus, seu queixo, seu sorriso, o jeito de franzir a testa, como não notei isso antes? Estava tão imersa em outras coisas que não notei a verdade que estava debaixo do meu nariz.
- Aurora? - ouvi me chamando novamente.
- Eu sou a G.1/E.00-1 - falei ainda olhando para Isabel que tinha seus dentinhos todos amostra no sorriso que ela me dava. - A fixa anterior é de Isabel.
- Como você pode ter tanta certeza? - Carter perguntou.
- Eu tive uns sonhos, vislumbres de memorias! Pelas lembranças de Isabel e minhas eu sei que a E.00-1/F.1 é ela, e essa sou eu. - apontei para a fixa ainda aberta. - Não foi muito difícil associar uma a outra.
- Mas isso é crueldade. - Carter se alterou.
- E você vem dizer isso pra mim? São quase 6 anos que eu perdi, não me lembro nem sequer de carregar ela em meu ventre! - eu estava ficando com raiva, mas ele não era o culpado - Quem fez isso vai pagar. - falei ríspida e virei às costas para os demais e fui me sentar.
- Você está brava? - Isabel falou com certo receio.
- Estou, mas não é com você minha menina, com nenhum de vocês.
- É com o homem mau?
- Sim. - por um momento pensei que ela pudesse se lembrar dele, mas tratei de afastar esses pensamentos da cabeça. - Estou muito zangada com o homem mau.
- Por que ele prendeu a gente naquela sala e nos machucou?
Meu sangue gelou.
- Que sala Isabel? - perguntei temerosa.
- A que o titio tentou nos ajudar. - arfei com sua resposta.
- Você se lembra?
- Antes não, mas agora sim, ele cuidou de mim, - ela falava, mas eu não via nenhuma sombra de dor em seus olhos - eu não gostei do novo lugar, eu fiquei sozinha, mas eu lembrei que ele disse que um dia eu ia sair de lá, que iriam me resgatar e era pra eu esquecer tudo e ser feliz. - fiquei impressionada com o que ela disse - E agora eu estou. - seus bracinhos me apertaram.
- Porque você nunca me disse nada? - perguntei curiosa.
- Porque eu queria esquecer, então eu só segui e aproveitei meu tempo com você mamãe. - suas palavras deixavam aquilo parecer tão simples, eu havia notado que ela não tinha nenhuma marca.
- Eles não ti batiam não né? - aquela pergunta saiu duvidosa como uma afirmação.
- Não! Titio cuidava de mim, depois só fiquei sozinha, nem o pompom eu pude levar. - me lembrei do seu coelhinho e da felicidade dela ao ganha-lo.
- Agora está tudo bem minha pequena. - falei acariciando seu rosto - De agora em diante vamos ficar bem e não vamos mais ficar sozinhas, sabe por quê? - ela negou com a cabeça - Porque eu nunca mais vou sair do seu lado, você é minha! Minha doce menininha.
Meu sorriso era grande, ao menos uma coisa boa saiu daquele lugar tenebroso. Quando olhei para os demais para voltar a ler as fixas vários pares de olhos marejados nos olhavam, minha pequena com sua cabeça na curva do meu pescoço respirava tranquila, e a tranquilidade dela me deixava tranquila.
- Temos que voltar ao trabalho. - minha voz saiu suave e risonha, todos tentaram disfarçar suas expressões e eu apenas sorri, meu humor estava leve.
Olhei fixa por fixa e algumas coisas se destacavam até que eu pude notar o que queriam dizer.
- Olha são intervalos de tempo. - apontei para eles - E tem esse mesmo medicamento, acredito que seja ele que nos fez perder a memória nesses períodos. Isso explica, volta na minha fixa, por favor.
Assim que Priscila voltou olhei com mais atenção eram prazos de 3 meses, 7 dias, e assim ia variando provavelmente conforme suas pesquisas iam se estendendo. O maior tempo foi 9 meses, antes dele, vários curtos períodos com poucos intervalos. Foi aí!
- Aqui! - apontei na tela para eles - O maior período e as datas batem com a idade da Isabel, os demais são sempre curtos períodos, por isso foi sútil essa perda da nossa memoria. Eu quero saber como foi isso, e se nesses períodos maiores não foram tentativas fracassadas, tem mais documentos aqui?
- Não. - Priscila falou triste.
- Sem problemas. Estão preparados para causar o maior alvoroço da vida de vocês? - perguntei.
Seus olhos curiosos demoraram entender o que eu queria dizer, Ayla foi a primeira e sorriu para mim.
- É isso mesmo que estou pensando? - ela disse atraindo a atenção de todos.
- Vamos fazer todos eles pagarem, e vamos resgatar essas crianças. Por um fim a essa monstruosidade.
- Vamos libertar o que tivemos que prender. Vamos lutar! - Ayla estava com um sorriso de canto, seus olhos brilhavam.
Sorri de volta e todos se levantaram.
- Precisamos de armas! - Carter mal falou e saiu correndo à procura.
- Isso vai ser divertido. - Priscila tentou esconder seu sorriso maroto, mas era impossível, todos estavam confiantes e determinados a por um fim nessa história.
Assim que Carter voltou suas mãos estavam cheias de armas.
- Tem um arsenal de tortura aqui. Hoje o jogo vai virar! - todos se aproximaram para ver e pegar as armas que melhor sabiam lidar.
Um a um todos armados, menos eu e Isabel. A coloquei no chão e apanhei dois facões eu tinha aprendido a lidar muito bem com eles no dia da limpa do terreno, queria o que me passava confiança, peguei um chicote de vinha. Seria bem útil.
- Querida, eu quero que você se segure em mim e não solte, e fique de olhos fechados. - falei para Isabel que concordou. - Tem algum pano por aqui que eu possa usar para ajudar ela a se segurar e não cansar?
Carter rapidamente se prontificou em achar e logo veio me ajudar a prender Isabel em minhas costas. Me mexi um pouco me certificando que não machucaria ela e se meus movimentos teriam de ser moderados, fiquei feliz com o resultado.
- Prontos? - perguntei.
- Sim! - todos responderam juntos.
- Precisamos fazer um teste antes, quero que todos pensem em ir para onde eu vou. - todos concordaram e nos agrupamos para que Ayla pudesse nos transportar. - Fiquem preparados se der certo já chegaremos causando espanto e lembrem-se, eles sabem do que somos capazes! Então teremos que dar nosso máximo.
É chegada a hora, hora de por um fim a isso, hora de nos mostrarmos e salvar os indefesos. É hora de lutar.
Pensei no quarto que Isabel ficava, pensei na sala que nos encontramos e pensei na sala onde aquele ser desprezível ficava a nos observar, e era para lá que nos iríamos. Senti aquele frio na barriga e meu corpo ficando leve. Que os bons ventos nos leve a vitória.
Minha visão começou a focar naquela sala, tinha apenas duas pessoas ali o que foi ótimo. Peguei meu chicote e o atirei em direção ao mais perto, senti suas fibras e as ajustei para que deixasse aquele homem inconsciente. Precisaríamos de informações que eles poderiam nós passar, já o outro foi atingido por uma cerâmica da parede.
Vi os dois caindo no chão praticamente junto, puxei meu chicote e avancei ampliando todos os meus sentidos ao máximo, meus pés descalços eram mais sensíveis às vibrações do chão.
- Elemento surpresa! É bom ter você do nosso lado. - ouvi Carter dizer.
Poderia afirmar que ele estava sorrindo pelo timbre da sua voz, mas não falei nada, apenas continuei averiguando.
- Tem várias salas aqui, com no máximo 5 pessoas em cada uma, exceto por um outro local...
- Aqui! Veja. - Priscila me interrompeu e olhei para o computador que ela digitava freneticamente.
Eram imagens de câmeras, isso nos ajudaria muito. Assim Ayla poderia nos levar sem nenhum problema.
- Excelente! - não pude conter meu sorriso.
Todos olhavam para mim em expectativa então apontei nosso próximo destino, tínhamos que aproveitar o elemento surpresa, eles não esperavam ser atacados e nós não mediríamos esforços para acabar com isso de uma vez por todas, não era ingênua para achar que essa era a única sede, mais vamos dar um passo de cada vez.
Meus olhos se ajustaram a aquele ambiente branco rapidamente, e logo entrei em ação, nocauteando o mais próximo e prendendo o pé de outro que tentou fugir, rapidamente os 4 estavam imobilizados e inconscientes.
Nosso avanço estava sendo rápido e isso me deixava apreensiva, como eles poderiam estar tão desprevenidos assim? Não fazia muito sentido, um calafrio percorreu minha coluna e senti Isabel estremecer, eu conheço essa presença.
- A garotinha prodígio se juntou a nós! - minha cabeça se virou ao som daquela voz - Pude ver que meus esforços no fim trouxeram você até mim, esperava que você fosse no mínimo diferente. Hope! Que nome mais tosco, não sabem que a esperança sempre morre.
- A esperança nunca morre. É ela que nos mantém de pé! - falei convicta. - E eu não sou minha mãe.
A senhora macabra me olhava avaliativa, eu queria saber o que ela de fato é. Um fantasma, espectro, que criatura será isso?
- É tola e petulante igual aos outros, mas deixe eu te contar um segredinho. Todos eles caíram! - seu sorriso mostrava todos os podres do que deveria ser seus dentes - Eu tive o prazer de ver cada uma dessas derrotas. Devo admitir que sua mãe me surpreendeu ao esconder você, mas no fim eu venci novamente.
Como assim me esconder?
- Não estou entendendo aonde quer chegar.
- Simples minha cara. Isso tudo que você vê é meu e eu vou usar tudo para acabar com todos que se colocarem no meu caminho, a começar por você que nem deveria existir.
Meus sentidos estavam gritando que algo ruim estava prestes a acontecer, aquela criatura putrefata me olhava com um sorriso e logo sua risada macabra tomou conta do local. Ela tremeluzia no ar e pude ver quando ela se projetou a minha frente, meus instintos agiram criando uma barreira com o piso, mas ela a transpassou sem nenhum problema.
Em um salto me afastei de seu alcance, tentando entender como eu poderia impedi-la, mas nada surgia em minha mente. O silêncio a minha volta dava a impressão que eu estava sozinha, somente aquela risada era ouvida, Isabel se apertava ainda mais como se assim pudesse sumir dali.
Novamente eu havia a colocado em perigo desnecessário, eu poderia ter deixado ela com o pai daquelas garotinhas, pelo menos assim ela estaria segura agora. Fui mais uma vez egoísta.
Levantei a cabeça e encarei aquela criatura que ameaçava a segurança da minha menininha. Como em sincronia a criatura avançou novamente e eu a desviei com uma rajada de vento. Ao menos o vento a segura. interessante.
Os outros parecem ter superado o susto inicial e tentavam me ajudar, mas era quase como nada, senti Carter se atirar em direção à criatura e para surpresa de todos menos a minha ele caiu estirado no chão.
A criatura macabra tentou ir para o lado dele, mas a empurrei com toda força com outra rajada de vento, isso a fez desaparecer pela parede. Não é porque não conseguimos atingir ela que significa que o contrário não pode acontecer, e algo me dizia que isso poderia ser terrível se ela encostasse em nós.
- Você está bem? - perguntei para Carter que ainda estava surpreso.
- Sim! O que era aquilo? Você a conhece? - todos olhavam para mim.
Eu podia entender sua confusão, afinal eu conversei com aquilo.
- Somente em um son...
Não consegui terminar minha resposta, pois a imagem de minha mãe tomou conta da minha mente.
Ela gritava para eu entrar e dessa vez pude ver uma mancha preta se materializando a sua frente, enquanto eu corria para dentro de casa.
Mamãe colocou as mãos na cabeça e começou a murmurar palavras desconexas, ao menos de onde eu estava eu não entendia nada, me aproximei dela para entender o que estava acontecendo ali.
Ela parecia falar em outra língua, quando finalmente abriu seus olhos à criatura macabra estava em frente a ela.
- Respira fundo, logo passa, isso é fruto da sua cabeça, essas coisas não existem. - mamãe falava para si mesma aos sussurros.
- Você ainda acredita nisso, mas que tolice! - a criatura estava flutuando a poucos centímetros de mamãe que tentava a todo custo manter a calma. - Seu dia está chegando minha querida, o que eu não consegui fazer quando você era um bebê eu farei agora, meu plano está quase pronto e seu querido pai está morto. É só questão de tempo.
Assim como ela apareceu ela sumiu no ar, mamãe estava desconcertada, vi sua expressão mudar para pânico e ela saiu correndo em direção a casa, assim que entrou gritou por mim, sem esperar resposta ela já vasculha a casa a minha procura, assim que apareci de cabeça baixa em seu campo de visão, ela correu para mim me apertando em um forte abraço.
- Graças a Deus você está aqui! - ela avaliava meu rosto e corpo com preocupação - Ah minha menina, você não imagina meu susto quando não ti encontrei.
Seu pequeno sorriso de covinhas mostrava o imenso alívio de mamãe ao me ver bem. Eu nunca poderia imaginar isso! Ela estava sempre me protegendo e eu nunca percebi, achava que ela era doida.
Me perdoe mamãe! Eu deveria ter visto os seus esforços para me proteger.
A cena mudou a minha frente lá estava à criatura rondando mamãe que tentava continuar suas tarefas. Mas sempre olhava com apreensão ao redor como se procurando algo ou alguém. Vi um pequeno vulto saltitante, mamãe ficou tensa no mesmo instante.
Dessa vez a criatura só a rondava, não dizia nada, até que seu sorriso ficou ainda mais perverso e mamãe que estava dividindo sua atenção em mim e em afofar a terra fez um movimento brusco e fora de rota, acertando em cheio seu punho deixando um grande corte ali. Não fora ela e sim a criatura que a fez se machucar.
Ela soltou um gemido abafado, vi meu vulto parando, no mesmo instante mamãe se levantou com rapidez com a ferramenta em punho e apontou para a criatura que apenas desapareceu gargalhando.
Mamãe largou a ferramenta ali mesmo e saiu em disparada gritando por mim, assim que eu saí das poucas árvores que tinha ali, ela me tomou em seus braços e me levou para dentro de casa, ignorando o grande e profundo corte que ia do seu pulso ate o meio da palma.
Entrei em desespero quando ela foi passar a mão em meu rosto e eu vi o corte, me lembrava vagamente desse dia. A pequena Aurora ali saiu correndo desesperada tentando achar algo que estancasse o sangue.
Mamãe me seguia deixando a casa cheia de pingos de sangue, mas ela não se importava com nada ela só queria garantir que me manteria em seu campo de visão.
- Mamãe! - aquela voz chorosa não era a minha, era da minha garotinha.
Passei a mão em meus olhos e apertei minha cabeça tentando aliviar a confusão que eu estava.
- Mamãe? - Isabel tentava chamar minha atenção.
Assim que abri novamente meus olhos me dei conta de onde eu estava e o que estava acontecendo, estávamos cercados.
Meus amigos faziam um círculo ao meu redor me deixando protegida no meio deles enquanto atacavam e bloqueavam os ataques que eram direcionados a mim.
Levei a mão para trás para acariciar a bochecha da minha pequena a tranquilizando. Deixei que minha frustração se libertasse, eu quero respostas e eu vou tê-las.
Rajadas de vento se fizeram ao meu redor me levantando, estiquei meus braços e a terra agiu ao meu comando afundando todos que estavam ali, raízes prendiam suas mãos pra que não nos atacasse, eu sentia suas tentativas frustradas de se libertar, sentia que alguns aceitavam sem questionar, não querendo nos ferir.
Com um gesto de mão empurrei a todos os maldosos que bateram de encontro à parede e as coisas que estavam por ali, antes que seus corpos estivessem no chão os fechei em um caixote de terra e os prendi novamente ao chão, impossibilitando qualquer tentativa de fuga.
Olhei para os outros.
- Se tentarem qualquer coisa eu voltarei e farei o mesmo que fiz a eles. - disse apontando o caixote e descendo ao chão.
Meus pés em contato com o piso me diziam para ter urgência e tomar a frente antes que eles pudessem chegar a seu destino.
Comecei a correr, sentia varias movimentações em caminhos abaixo de nós, tranquei as passagens os prendendo separadamente em três saletas, depois iria até lá.
Travei assim que vi 20 soldados dessa vez armados e a criatura a frente de todos.
- Quanta petulância! É uma pena que não valha de nada. - aquele sorriso me embrulhava o estômago.
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