Capítulo 6 - Onde estamos?

Os muros caídos de algumas casas começaram a aparecer quando o sol começou a cair e nossa jornada continuava. A cada passada que dava é possível notar as construções, algumas ainda com um pouco de charme mais outras completamente destruídas, aos poucos a humanidade ia se reerguendo, mas para mim era um senário normal da minha infância.

Carter ia à frente assoviando feliz da vida, uma melodia muito peculiar e falhada, mas ele nem ligava para isso, parece que sua animação é por que estávamos cada vez mais próximos de sua casa.

- Vamos dormir na casa da vovó Efigênia. – ele disse olhando pra mim por sobre o ombro – É uma senhorinha que troca pouso por uma ajudinha aqui e ali.

Concordei e continuei seguindo as construções com os olhos. Será que isso um dia seria semelhante às casas das fotos velhas e desbotadas, dos livros?

A rua é de terra batida em alguns pontos havia calçada, em outros amontoados de entulhos, mas aparentemente o lixo é cuidadosamente separado, um cheiro me tirou de todos os focos, meu corpo se virou ao encontro dele, como se fosse guiado pelo cheiro. Nem que eu vivesse 80 anos naquele lugar jamais esquecia esse aroma.

- Pão! – Carter falou e olhei para ele, o garoto faltava salivar – Senhor? Você troca comida por trabalho?

Eu nem tinha reparado no senhor corpulento que estava ali próximo, fiquei surpresa com isso e minha barriga roncou, protestando pela ausência de alimento.

O senhor nos olhou como se questionasse se aguantaríamos com algo, eu não o culpo.

- Se vocês conseguirem limpar meu terreno enquanto há luz, posso dar alguns pães a vocês.

Olhei por sobre os ombros dele e quase tive um colapso, o sorriso no rosto dele nos desafiava a aceitar.

- Tenho algumas ferramentas ali, vocês podem usa-las. – ele apontou para uma parte mais afastada e pude ver algumas foices.

- Até o fim do dia estará impecável! – disse Carter confiante, eu não teria tanta certeza. Em no máximo 3 horas ficaríamos sem luz solar.

E aquele terreno é uma selva, mas talvez pudesse adiantar algo com meus poderes. Seguimos para aquele matagal que quase me cobria por inteira, não tinha como esconder nada do que eu pudesse fazer ali, era arriscado de mais. Suspirei e peguei dois facões e comecei a abrir espaço por onde passarmos os outros vinha logo atrás. Seria impossível deixar aquele mato baixo. Coloquei Isabel no chão para que ela pudesse nos ajudar.

- Pegue somente o que for leve, não se esforce, fique longe das facas! – disse olhando em seus olhos – E em hipótese alguma mostre o seu poder.

- Entendi! – ela disse balançando a cabeça como se reforçasse o que disse.

Sorri e deixei que ela seguisse pegando alguns fechos do mato que cortávamos. Um braço após o outro e eu ia cortando o mais rente ao chão que eu podia, o que infelizmente ainda deixava uns bons centímetros para trás. Quando meu corpo aqueceu pelos movimentos eu sentia as gotículas de suor escorrendo por ele, passei a mão na testa e olhei para cima. O sol estava cada vez mais baixo, olhei ao redor e pude ver cada um ajudando de uma forma.

Isabel ajudava o Carter a empurrar um latão todo enferrujado, podia ver ele fingindo que precisava dela pra fazer aquilo e sorri com a cena.

As irmãs cada uma com um tesourão recortando o mato que eu desbastava, a Priscila estava no outro canto tentando amontoar todo aquele mato em uma espécie caixote, e Ayla ai rastelando o que as irmãs cortavam e ajudava a Priscila à por no caixote.

Tudo ia bem ate eu sentir algo se mexendo em mim e meu corpo inteiro gelou.

- Fica ai! – sussurrei, não tinha ideia se ele me ouvia, mas pude sentir que ele parou. – Ninguém pode te ver, se mantenha escondido.

Pude sentir ele se esconder novamente em meu cabelo e suspirei aliviada voltando a trabalhar. Cada minuto fazia minha garganta secar mais e mais. Me mantive trabalhando o máximo que consegui, o sol abaixava cada vez mais rápido, fui obrigada a parar, minha garganta queimava.

Assim que tirei meus olhos da tarefa pude ver que faltava apenas um pequeno quadrado para terminar, isso me motivou a acabar com aquilo antes de ir em busca de água.

Meus braços estavam moles e eu sentia os músculos se repuxando conforme caminhava.

- Tem água? – perguntei ao Carter que tinha a pequena em seus ombros, ela tentava pendurar um regador num prego que tinha na parede.

- Tem sim! – disse ele – Eu já ass...- sua voz morreu quando ele olho atrás de mim – Você cortou tudo! – ele estava espantado.

- Sim! - respondi o obvio enquanto retirava a pequena dos ombros dele – Você precisa se hidratar. - falei para ela que assim que veio para meu colo me apertou com seus bracinhos. – Também senti sua falta. – acariciei seus cabelos.

- Vocês tem algum parentesco? – ele parecia realmente curioso.

- Não. – olhei para a pequena que sorria para mim. – Fomos ligadas por aquele lugar, mas nada vai tirar ela de perto de mim! – falei convicta.

- Que linda a sua atitude. – ele disse me entregando um cantil que nem o vi pegar.

- Eu a consideraria egoísta também. – olhei para ele que levantou uma sobrancelha - Afinal hoje a coloquei em risco por duas vezes. – expliquei.

- O amor às vezes é egoísta, mas você sabe disso, você se importa realmente, se tivesse ideia do que aconteceria tenho certeza que a deixaria longe de você. – ele me olhava, seu semblante sereno – Você cuida como se fosse sua filha, e muitas mães não fazem isso, as nossas não fizeram isso. – ele estava certo.

"Qual será a historia dele?"

Destampei o cantil e entreguei a pequena que tomava com voracidade.

- Devagar se não você pode se afogar. – falei suavemente e ela diminuiu as goladas – Isso, assim mesmo.

Olhei satisfeita todo o nosso trabalho praticamente finalizado, e me pus a pensar em nossa recompensa, podia sentir o gosto daqueles pães apenas me lembrando de seu cheiro, conseguia imaginar a sua textura se dissolvendo em minha boca, minha barriga protestou. Assim que Isabel terminou peguei o cantil para beber a água e quem sabe aliviar aquele vazio.

Me sentei e acomodei a pequena melhor em meu colo, estou exausta.

- Você trabalhou muito hoje. – passei as mãos em seus cabelos – Deve estar cansada.

- Um pouquinho. – ela me respondeu aproximando dois dedinhos e fechando um olho como se tentasse medir aquela pequena distancia.

Comecei a rir do seu jeitinho.

Ela teria um lindo futuro e com toda certeza se esqueceria daquele lugar.

- Vamos pegar nossa recompensa e vamos dormir um pouco. – ela se espreguiçou toda – Ainda não! – fiz cóceguinha em sua cintura ela se contorcia enquanto gargalhava.

- Estou esgotada. – Ayla disse se sentando ao meu lado.

Parei a brincadeira para olhar pra ela e estendi o cantil com água.

- Beba um pouco. – ela aceitou sem pestanejar.

-Hoje de manhã. O que foi aquilo? – ela disse baixo, só ouvi porque estava ao seu lado. – Você ficou estranha, como se perdida em pensamentos e depois aquela planta. – ela gesticulava com suas mãos sem saber ao certo como dizer, mas entendi onde ela queria chegar.

- Nem eu sei ao certo o que foi que aconteceu. – soltei todo o ar de meus pulmões e os enchi novamente. – Fui mandada muito nova para aquele lugar e passei duas vezes a quantia de anos que vivi aqui fora lá dentro. – olhei para ela que tinha os olhos fixos em mim – Eu queria entender o que me fez aceitar tudo, – desviei o olhar. – mesmo me recusando a cair eu tinha medo de tentar sair de novo.

- Então você já havia tentado uma vez? – podia sentir a tensão dela, mas me recusei a olha-la.

- Sim e isso me quebrou de mais, não sei até que ponto o que me disseram na época é verdade, no entanto o medo que senti foi indescritível, e a punição também me impossibilitou de qualquer coisa por muito tempo.

Não queria ver o espanto nos olhos dela, por isso mantive meus olhos em Isabel que brincava de desenhar no chão sem prestar atenção ao que falávamos ali.

- Por quanto tempo ficou lá? – pensei se deveria ou não responder, mas se não respondesse seria injusto com ela, que sempre me respondeu tudo.

- Mais tempo do que qualquer uma de vocês. Fiquei lá por 18 anos. – minha voz era baixa.

Isabel se virou para mim com um sorriso no rosto, qualquer pensamento que passava pela minha cabeça sumiu com aquele sorriso.

- Olha, olha! – ela apontava o desenho. – Você e eu. – até que dava para entender aqueles rabiscos era uma pessoa e um...

- Você é o gatinho? – perguntei curiosa olhando para ela.

- Sim, sim! – seu sorriso ficou ainda maior. – Foi quando você não fugiu de mim, você me abraçou. – dito isso ela jogou seus bracinhos no meu pescoço me abraçando, sem nem pensar retribui aquele gesto.

- Nunca vou fugir de você pequena. – afaguei seus cabelos. – Nem mesmo quando você me deu um baita susto com aquele rugido.

- Desculpa! – ela escondeu seu rosto no meu pescoço.

- Não precisa se desculpar por isso. – olhei novamente aquele desenho – Ficou muito lindo.

Fiquei ali abraçada a ela aproveitando o momento, não olhei para Ayla e ela também não falou mais nada, mas eu ouvia o coração dela agitado, podia perceber como ela queria continuar com a conversa, mas tinha receio em fazê-la, e eu agradecia por isso. Fiquei olhando os outros terminar.

Carter foi conversar com o Senhor e pegar nosso pagamento, somente quando ele se aproximou com uma grande sacola de pães na mão foi que eu me levantei e puxei Ayla logo em seguida.

- Vamos para a casa da vovó Efigênia para nos lavarmos e comer. – disse ele levantando a sacola.

- É só nos guiar. – falei prontamente.

- Eu acredito que aquele senhor duvidou de todo nós. – ele começou a andar – Ele disse que até que para pessoas franzinas trabalhamos muito mais do que ele podia imaginar e por isso ele nos daria alguns pães doces além dos salgados já prometido. – ele tinha um sorriso enorme no rosto – Eu é claro agradeci a gentileza.

- Fez bem! - disse Priscila feliz – Estou faminta e morta de cansaço.

Todos estavam! Eu ainda não tinha parado para pensar e absorver tudo o que tinha acontecido, olhei para meus pés e arfei quando vi meu tornozelo, o barulho deve ter sido auto, pois assim que fui me abaixar senti braços me segurando, olhei para cima e encontrei os olhos castanhos e preocupados do Carter.

- Eu estou bem! – falei para ele – Só... – olhei novamente para baixo.

- Você tem certeza? – ele ainda estava preocupado.

- Sim. Só, olha isso! – me segurei nele para ter apoio, ainda estava com Isabel em meus braços e levantei o tornozelo que deveria estar ferido.

- Mas como? – ele estava tão surpreso quanto eu.

- Não tenho ideia de como isso aconteceu. A não ser que... – lembrei do mini ser de barro que eu estava escondendo.

- A não ser? – ele me questionou.

Olhei para todos que nos encarava e soltei meu pé, dei leves batidinhas no chão e não sentia absolutamente nenhuma dor, quando foi que eu parei de ignorar porque não havia mais dor?

- Quando chegarmos eu digo. – falei e dei um leve empurrão em Carter para ele voltar a andar.

Curiosamente ele começou a caminhar mais rápido e quando percebi já estava rindo dele.

- O que foi? – ele me questionava com uma cara que era impossível não rir até porque ele tropeçou logo em seguida e ficou vermelho.

- Olha pra frente ou vai cair de verdade. – o alertei enquanto tentava conter meu riso.

Como aquilo podia ser estranho e tão bom ao mesmo tempo, será que isso é efeito dessa calmaria que estou sentindo? "Se for espero que dure por muito tempo."

Rapidamente chegamos a uma pequena casa com a fachada cheia de trepadeiras que escondia os buracos e trincas, ela estava tão bem cuidada que deixava tudo lindo, algumas pequenas flores querendo desabrochar já deixava um cheirinho no ar.

A simplicidade dominava ali e tornava tudo belo, tudo estava muito limpo, olhei para o pequeno corredor e uma senhorinha vestida de verde se aproximava da gente, deveria ter seus 60 anos.

- No que posso ajudar meus queridos? – ela tinha um sorriso simpático.

- Gostaríamos de um quarto vovó, podemos paga-la com trabalho. – Carter falava com carinho – Não temos nada melhor a oferecer, a não ser nosso trabalho braçal.

- A meu querido podem ficar, me acompanhem, – ela voltou a ir para o corredor. – amanhã podem me ajudar a fazer algumas tortas para que eu possa trocar por outros suprimentos na vila.

- Claro com todo o prazer, seremos os melhores ajudantes que a senhora já teve. – ele estufou o peito ao dizer isso e fez a senhorinha gargalhar da sua atitude.

- Tenho certeza que sim meu querido. – ela entrou na brincadeira. – É aqui! – ela abriu uma porta e o quarto tinha varias camas algumas em cima das outras – Fiquem a vontade o banheiro é logo ali. – ela apontou outra porta e se retirou.

Coloquei minha mão sobre um daqueles colchões tão macio, podia imaginar me afundando naquela espuma.

- Auroraaaa! – olhei assustada para o lado – Você me ouviu agora.

- Nunca mais faça isso! – o repreendi, meu coração estava acelerado.

- Eu falei para decidirmos quem vai se lavar primeiro para podermos comer e conversar – Carter estava sentado em um banquinho.

- Porque não foi ao invés de me assustar? – acusei – Quando me desse conta eu iria.

- Não seria justo. – ele tentou se defender.

- E enquanto estamos nessa, duas poderiam ter se lavado. – levantei minha sobrancelha queria o ver contestar agora.

- Mas...

- Sem, mas, nem nada! Stella e Selena vão. – olhei para elas que foram rapidamente se levantando e saindo do quarto – Viu só, e só pedir.

- Você não pediu. – ele abriu um sorriso maroto.

- A não? O que te faz pensar nisso? – Queria ouvir a sua resposta.

- Você mandou. Você é mandona! Não pergunta, age ou manda agir. – ele falava de vagar, como se ponderando o que dizia.

Eu tive muitos anos sozinha para aprender a ser assim, anos de mais. Escutei a porta e as meninas entraram o mais limpas possível e em pouco tempo, sorri orgulhosa.

- Pelo jeito funcionou. – dei um sorriso debochado para ele. – Ayla, vamos.

Me levantei e peguei Isabel, mas antes de sair olhei para Carter e mostrei a língua pra ele, um ato super infantil que o fez rir.

O porquê decidi fazer isso eu não tenho ideia. Segui para a portinha, é bem apertado ali, tinha algumas prateleiras com alguns potes que não me dei ao trabalho de saber o que era, uma pequena pia, uma cortina caída em algumas partes nos separava da banheira que tinha ali.

Peguei um pedaço da pano que tinha ali ao lado, e passei na roupa de Isabel e em seguida na de Ayla, que me olhou curiosa quando passei a fazer em mim.

- Não entendi! – ela sorria – Não devemos nos limpar e não nossas roupas?

- Sim! Mas do que adianta estar limpa se sua roupa e onde você vai se deitar estiver sujo? – comecei a esfregar o pano e o ensaboei para limpar Isabel.

- Não tinha parado para pensar nisso. – ela disse se encaminhando para a pia e começou a se limpar.

- Esta limpinha – sorri para Isabel enquanto colocava seu cabelo para trás e me deparava com aqueles olhos.

Lavei o pano novamente e me esfreguei, assim que terminei o lavei e entreguei para que Ayla se secasse. Agora estamos prontas para comer e dormir, mas antes disso eu teria que mostrar a eles o que encontrei.

Saímos dali e voltamos para o quarto.

- Já podem ir, se assim desejarem. – falei amenizando minha voz, a deixando ainda mais suave.

- Ela bateu com a cabeça? – Carter perguntou olhando para Ayla que ficou sem entender.

- Não! Por quê? – ela continuava confusa.

- Porque eu sou mandona. – olhei para ela que tentava entender a situação toda – Já que ser cordial não deu, eu sugiro que você vá logo antes que eu te ponha para fora. – cheguei bem perto dele e sussurrei – Caso não tenha percebido tem varias plantas aqui que eu poderia usar facilmente.

O garoto deu um salto e saiu indo puxar a prima, sorri pelo seu jeito e me deitei no colchão mais próximo à porta, o teto tinha algumas madeiras faltando na forração e outros buracos perdidos, coloquei meus braços em baixo da minha cabeça e fechei os olhos. Não demorou muito para eu sentir a pequena se acomodando ali também.

- E então, esta cansada? – perguntei baixinho.

- Eu estou com fome! – sua voz estava manhosa e sonolenta.

- Mais alguns minutinhos, apenas alguns minutinhos.

Por alguns instantes eu me permiti relaxar, estiquei todo meu corpo ficando em uma posição muito confortável, podia escutar as garotas conversando, mas não prestei nenhuma atenção ao que diziam, era estranhamente confortante depois de tantos anos aquela pequena bagunça.

- Cheguei! – abri um olho e Carter estava parado na porta de braços abertos fechei o olho novamente– Nossa que recepção, – disse ele em num muxoxo – a Priscila já vem. Ganhei dela no dois ou um, deu sete. – ele se explicou.

- Está totalmente errado! – falei ainda de olhos fechados – Se é dois ou um é impossível dar sete, você ganhou no impar, par. – conclui. – Mas ela poderia facilmente ter te passado a perna, eu diria que foi você quem jogou o cinco. – olhei para ele para confirmar o que dizia.

- Mas como? Você nos vigiou? – ele estava surpreso.

- Não, mas pelo que você disse foi fácil deduzir.

As meninas começaram a rir e ele foi ficando envergonhado.

- Digamos que você mosqueou nessa, – sorri – não se preocupe acontece e agora você já sabe.

- Podemos mudar de assunto? – ele estava envergonhado de verdade o que chegava a ser fofo.

- Claro que sim logo sua prima chega. – falei.

- Já cheguei! – disse ela desviando de Carter que ainda estava no mesmo lugar. – Qual é o assunto?

- Isso! – me ajeitei para sentar e tirei as mãos da nuca trazendo em uma delas o boneco que no momento é apenas uma maça.

- Que interessante uma maça de barro. Super útil! – disse ela de forma rude.

- Sim, é mesmo eu poderia atirar em você! – respondi com o mesmo tom e estreitei os olhos. "O que ela pensa que eu sou?"

O clima no quarto ficou pesado, mas não deixaria ela falar assim comigo.

- Vamos lá! – abri minha mão e toquei na maça que estava lá. – Eu sei que pode me ouvir. – fiz um leve carinho, e senti aquele toque quente, uma mini mão segurava meu dedo, mas só eu vi ela – Ei! Temos que conversar. – voltei a fazer carinho e ele se desenrolou e levantou com as duas mãozinhas segurando meu dedo – Olha só! Ai esta você.

Todos a minha volta arfaram com a surpresa.

- Você consegue falar? – perguntei

Ele chacoalhou a cabeça e correu da minha mão para meu ombro e tocou minha têmpora. Senti aquele calor percorrer meu corpo e meu coração acelerou dando uma batida mais forte e dolorida. Levei minha mão por instinto até o local.

"Não da forma que você espera e conhece." Ouvi uma voz rouca e meio infantil dizer na minha mente. Isso me deixou surpresa.

- Eu tenho que falar pra você ouvir? –" ou se eu apenas pensar você também entende?"

Minha curiosidade gritava pra entender isso. Abaixei minha mão novamente.

"A maneira que quiser, mas apenas você pode me ouvir e eu a você dessa forma." ele começou a voltar para minha mão. "Os outros apenas se eu quiser mais o que você sentiu é dez vezes ou mais, pior para eles".

Me lembrei da dor daquela batida e tentei imaginar a proporção que ele falava, mas não era nada animador o que me vinha a mente. "É suportável ninguém morreria por isso."

"Eu não teria tanta certeza." Olhei para ele. "Vocês são mais fortes que os demais, a possibilidade de parar o coração de alguém é muito grande." Ele continuou.

- Por que você não disse nada antes? – questionei.

"Não era necessário." Ele deu de ombros.

- E agora é? – eu estava confusa de mais.

"Não, porem você disse que queria conversar".

- Você pode falar para todos nós, por favor? – olhei para Carter.

- Ele não pode. – respondi – Mas vamos lá. Como isso apareceu aqui? – apontei para o meu tornozelo que tinha nitidamente a imagem de um cervo feito em raízes, em seus chifres algumas flores já abertas.

"A floresta te marcou e lhe reconheceu, simples". Seu tom era como se isso fosse obvio.

- A floresta me marcou? Por quê? O que eu fiz a ela?

"Você não fez nada, você é, ela te reconheceu como Herdeira".

- Eu não estou conseguindo acompanhar você. Se sou herdeira da floresta, porque ela me atacou?

"Ela não lhe atacou ela estava querendo te levar para o lugar sagrado, para conhecer a sua casa".

- Bela forma a que ela encontrou de me abordar. – fui um tanto sarcástica.

"Não a culpe por estar eufórica por te encontrar, você dificultou um pouco e ela teve alguns problemas para tentar te segurar, eu tive que prometer cuidar de você pra ela se acalmar, já que você não sedia".

- O que você é?

"Sou seu guardião, seu guia, sou o seu saber, sua fonte de conhecimento. Sou tudo aquilo que você possa precisar". Ele começou a se olhar, como se faltasse algo ou sei lá. "Já fui maior, mas a floresta vem sofrendo sem a ajuda e proteção do Criador, e todos nós sofremos juntos sem a força dele".

- E o que eu tenho haver com isso?

"Você é a Herdeira do criador, cria da sua cria, sangue do seu sangue, descendente da força e determinação. Você é a nossa salvadora, que chegou em momento de terror e apreensão."

- Você deve estar muito enganado. – falei.

- Posso brincar? – Isabel olhou para o boneco.

- Clar...- lembrei da dor em meu peito – Melhor não querida ao menos não agora.

"Eu não estou enganado, essa conversa não seria possível se não fosse verdade!" Disse ele e se enrolou virando uma maça novamente.

Me deixando ainda mais confusa. "Eu estava falando com um boneco de barro, o quão lógico isso pode ser?" Olhei para os demais que me encaravam pedindo explicação.

- Aparentemente a floresta queria me levar para dar um passeio, conhecer a minha casa ou algo do tipo e eu me rebelei ao tentar fugir do que para mim era uma ameaça. – expliquei resumidamente.

- Mas porque ela te feriu? – Carter se manifestou.

- De acordo com o boneco, ela me marcou.

- Qual o sentido disso? – Ayla se sentou ao meu lado.

- Não faço ideia, mas deve ter algo errado, – olhei para ela – ele disse algo a respeito de eu ser cria do criador, a salvadora. – levantei as sobrancelhas. – Isso esta longe de ser verdade.

- Para mim esta mais perto do que você pensa. Você nos salvou – disse ela – e isso pra mim faz parte de você, qualquer outro teria saído sem olhar pra trás.

- Mas eu não teria feito nada se eles não tivessem dado a oportunidade. – olhei para os primos.

- Eles deram a oportunidade e você tomou a frente de tudo, nos guiando e cuidando de cada uma de nós.

"Será que isso é possível? Será que as coisas poderiam ser diferentes do que eu havia vivido?" Não tinha tanta certeza disso, parece que sempre que começo a me sentir livre algo vem e me abala.

Dei de ombros e me levantei para apanhar alguns pães, dei a Isabel e a Ayla e me sentei novamente, olhei o boneco que mais parecia uma bolinha que eu tinha deixado ali ao lado, eu o escutava suspirando em minha mente, um ronco melodioso e suave. "Até onde isso seria verdade? Nunca conheci meu pai, talvez isso seja algo dele."

Assim que acabei de comer me deitei, aproveitando o conforto daquele colchão e logo senti meus olhos pesando.

                                      🐾

"As flores estão murchas," pensei enquanto olhava o vazo a minha frente. "Devo rega-las, mas onde será que mamãe colocou o regador?" Olho ao meu redor e a vejo distante com as mãos em sua cabeça falando alguma coisa que eu não conseguia ouvir.

- SAI DAQUI! – ela gritou me assustando e sai correndo dali, não queria que ela gritasse mais.

Só que ela continuava brigando e falando. "O que ela esta vendo? Será que eu fiz algo errado de novo?"

Comecei a andar de vagar para perto da plantinha e segurei o vazo para levar perto da bacia de Água.

- AURORA! – parei no mesmo instante e olhei para trás. – QUANTAS VEZES JÁ DISSE, VÁ PARA DENTRO! – larguei o vazo e corri para dentro de casa, eu só queria aguar aqueles dentes de leão, os achava tão lindos, aquelas bolinhas felpudas esperando o vento soprar para soltar suas sementes livres no ar.

Olhei para fora e pude ver uma garotinha saltitante, parecia que eu a conhecia de algum lugar, a terra rachada e batida sem vida foi substituída por um quarto branco.

A garotinha dava voltas saltitando pelo local e então parou fazendo careta, mostrando todos os seus dentinhos, deve ter uns quatro aninhos.

- Gatinho! – ela disse batendo palminhas – Coelho! – disse ainda mais animada e voltou a pular.

Segui seu olhar e encontrei um rapaz com varias fotos de animais, ele estava devidamente vestido todo em branco, seus olhos castanhos brilhavam a cada resposta que a criança dava, seus sorriso aumentou ainda mais quando ele ergueu um desenho infantil e a criança gritou "TITIO".

- Esta certa minha criança. – ele apanhou um embrulho e entregou a ela, um coelhinho feito a mão, seus olhos de botões. – Não deixa que ninguém veja.

- Obrigada titio! – ela se jogou em seus braços. – Vou cuidar bem do Pompom.

- Tenho certeza que vai, agora eu preciso ir. – ele disse acariciando seu rostinho e arrumando o cabelo dela que insistia em ficar nos olhos, revelando a coloração deles.

Arfei quando entendi do que se tratava, como não percebi antes, talvez por eles estarem longe, mas quando ele afastou o cabelo e deixou o rosto a mostra não tinha como não identificar Isabel.

- Titio ama a cor dos seus olhos. – ele beijou sua testa – Vou tentar lembrar de cortar um franjinha para deixar eles amostra.

Ela apenas sorriu e foi se deitar com o novo brinquedo, sua roupinha cheia de bichinhos era a única cor que tinha naquele quarto.

Acompanhei a saída daquele homem e o vi hesitar quando foi fechar a porta, ele parecia triste por ter que deixar ela ali.

- Ainda vou conseguir te tirar daqui minha criança. – escutei ele sussurrando e então saiu.

                                        🐾

Abri meus olhos me dando conta de onde estava. Isabel dormia tranquila em meus braços, afastei os cabelos de seu rosto, ela emagreceu muito nesse tempo, será que faziam com ela o mesmo que faziam conosco? Quem era aquele homem?

Esses sonhos estão se tornando mais frequentes, mas não consigo entender a relação deles comigo.

"Você esta acordado?" quem sebe ele poderia me ajudar.

"Sim! O que deseja?" Senti ele se mexendo em cima da minha cabeça.

"Você sabe o que significa esses sonhos?" deixei que ele visse todos os sonhos que tive nesses dias.

E pude sentir que ele ficou desconfortável com alguma coisa que viu, eu precisava saber.

"Não me esconda nada." Fui firme.

"São memorias passadas." ele começou a dizer, esse detalhe eu já havia notado, mas esperei que continuasse. "Essa é a criança de seus sonhos." Ele disse pensando em Isabel e a imagem dela em minha mente ficou nítida.

"Você poderia dizer alguma coisa que eu não sei?" Não queria ser rude, entretanto eu necessitava de respostas.

"Tem algumas coisas que ainda não posso dizer, não cabe a mim." Ele parecia ponderar tudo o que dizia. "Mas posso notar que o destino de vocês duas estão ligados de uma forma única e indestrutível".

"Que você não pode me dizer eu presumo." Cadê aquele papo de ser minha fonte de informações?

"Pra ser sincero eu posso te dar lições do passado, do que eu vivi e o que me foi ensinado." Ele se mexeu se enrolando nos meus cabelos. "Não posso prever o futuro, e nem dar informações que desconheço." É justo. "Se caso eu perceber algo que você não veja eu lhe informo, mas agora volte a dormir".

"Obrigada." Ele não respondeu mais nada e logo pude escutar sua respiração em minha mente.

"O que será que ele não pode me contar? Porque eu não senti aquela planta igual eu sinto as outras?"

"Porque ela é protegida." Escutei sua voz sonolenta. "O criador conseguiu nos manter protegidos e isolados dos de mau coração".

"Faz sentido, mas como?" queria entender.

"Usando a natureza e o universo, ele criou um encantamento e depositou nele todo o seu amor e sua vitalidade, deveria ser inquebrável, mas algo esta abalando essa energia pura".

"Sabe me dizer o que é?"

"Algo que está relacionado ao seu passado, antes de você existir algo que não posso revelar".

"Não cabe a você já entendi, então cabe a quem?"

"A nossa 'abelha rainha' nossa guardiã. Nat. Na hora certa você vai conhecê-la." ele estava convicto disso.

"Mas isso não vai ser logo?" quis saber.

"O futuro não me pertence, sei que essa jornada será importante para o seu crescimento, e quando você estiver preparada te levarei até Nat".

"E como sabe que vai ser importante?"

"Por anos perdemos você, e agora você reaparece com essas pessoas." Ele falava como se fosse lógico aquilo. "Tenha certeza que essa jornada é importante".

"Me perderam?"

"Passamos anos procurando pelo herdeiro do criador, você sempre foi discreta quando usava seu dom. Você aprendeu a esconder o rastro dele e a manipular as coisas ao seu redor." Ele parecia orgulhoso. "Acredite muitos não conseguem, e você uma criança conseguiu e sem nenhum treinamento".

"Não estou entendendo".

"Você é especial, diferente de todos os outros. Você usa seu coração." Talvez seja isso usar o coração, deixar acontecer, não pensar. "Agora volte a dormir, você precisa descansar".

As vezes que não pensei e agi por instinto consegui fazer o que não faria se estivesse pensando em cada ação. Suspirei e me levantei para ir ao banheiro precisava molhar meu rosto.

Assim que fechei a porta pude escutar barulhos pela casa, fui em direção a eles e encontrei a senhorinha preparando alguma coisa no fogão, estava tão distraída que não notou minha presença, cogitei em voltar para o quarto, mas estava sem sono e isso não me parecia nada justo.

- A senhora precisa de ajuda? – perguntei gentilmente para não assusta-la.

- Ô querida é cedo de mais para você estar acordada. – ela disse abrindo um sorriso acolhedor – A cama não estava boa?

- Não, não! – me aprecei em dizer. – Estava ótima! Mas acabei por perder o sono.

- E resolveu levantar de uma vez. – apenas sorri em resposta – Pode apanhar aquela vasilha ali e moer o trigo? – ela apontou para os objetos.

- Claro! – Lembrava vagamente de ver a vovó fazendo isso, não deve ser difícil.

Qualquer coisa ela me corrigiria, eu espero que sim. Coloquei o trigo seco e comecei a girar a manivela, e na bacia foi caindo o trigo junto com a casca, repeti o processo até a vasilha encher.

- Isso mesmo querida. – ela parecia satisfeita – Agora com cuidado você vai peneirar aqui, precisamos tirar essas cascas. – ela apontou para a bancada limpa.

Achei estranho mais sem questionar fiz o que ela me pedia. Quando acabei ela fez um buraco no meio do monte e colocou ali todos os ingredientes para só então começar a amassar.

Que curioso isso, ela parecia manter um roteiro de como fazer e eu olhava curiosa seu jeito de lidar com a massa.

- Foi assim que aprendi querida, estou mantendo a tradição. – seu rosto já estava sujo da farinha.

- Lembro de ver minha avó moer o trigo, mas ela nunca fez nada além de pão. – ela me olhava, mas suas mãos continuavam o trabalho. – Então isso pra mim é novo.

- E sua mãe não aprendeu? – olhei para o outro lado tentando disfarçar meu incomodo.

- Não! Ela não gostava dessas coisas.

- Ah! É uma pena querida, posso ensina-la se quiser. – ela ofereceu.

- Mas é claro! – aceitei prontamente a mudança de assunto.

Já estava ficando com medo de dizer algo errado.

Com isso a senhorinha desatou a me contar a historia de cada coisa, para que cada talher e vasilha servem, o que pode e o que não pode misturar, quando dei por mim já tinha assado 2 fornadas de tortas e tinha mais 2 esperando as que estavam assando para ir para o forno.

- Vinte tortas por hoje já é o suficiente minha queria, obrigada pela ajuda, volte a se deitar mais um pouco. – ela sugeriu e eu aceitei a oferta agradecendo com um aceno.

Voltei para o quarto e todos dormiam tranquilamente, me deitei ao lado de Isabel que se mexeu para me abraçar e assim adormeci.











Espero que estejam  gostando☺
Um forte abraço de urso, fiquem bem ❤

ʕっ•ᴥ•ʔっ❤️

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