Capítulo 5 - Descobertas.

Acordei com um cheiro que eu não me recordava, não pressentia nenhuma ameaça então sentei calmamente e olhei ao redor para localizar a origem do cheiro.

- Elas devem estar famintas. – o rapaz disse – Andaram por muito tempo, e nenhuma reclamou, é como se não sentissem nada. – ele continuava falando baixo com a prima que segurava duas latas em suas mãos – E aquela mulher? Deve estar sentindo uma dor danada e ainda carrega a menina como se não fosse nada.

Eles não notaram que eu estava olhando para eles, estavam imersos na conversa.

- Isso aqui! – ele apontou para o olho, que somente agora eu reparei o roxo. Deve ter sido um chute, conclui. – Dói pra caramba! – Seria maldade da minha parte querer rir do que ele estava falando?

- Vocês apanhavam muito lá? – ela quis saber.

- Eu? Umas duas ou três vezes na semana, às vezes mais, onde não pudesse ser visto. Perto das visitas eles diminuíam um pouco para que vocês não pudessem perceber.

- Eu sinto muito! – ela parecia ser sincera, estava vulnerável. Primeira vez que a vejo assim. – Só descobrimos mais coisas depois que você já estava lá dentro, por causa da mini câmera remota que foi com você.

- Não precisa se desculpar. – ele deu mais duas latas a ela – Foi eu quem me voluntariei e não deixaria que você fosse para aquele lugar.

Ele merece meu respeito, ir para aquele lugar, sem saber o que o esperava, para tentar salvar crianças que eles nem sabiam se estavam vivas. Foi muito corajoso.

Me mexi para chamar atenção deles como se eu tivesse acabado de acordar, não é legal ficar ouvindo a conversa deles sem que eles saibam que estou ouvindo.

- Que bom que acordou! – disse ele sorridente. – Trouxemos algumas latas de feijão com a gente e água, tivemos de mandar o restante com os outros, eles estavam em maior numero.

Feijão, então é esse o cheiro que eu sentia.

- Água, por favor! – pedi a ele que começou a vasculhar a mochila a procura.

- Aqui! – me estendeu um cantil.

Tomei um gole e joguem um pouco em minha perna para amolecer a atadura que estava grudada no sangue. "Preciso dar uma olhada."

Durante minhas varreduras encontrei algumas ervas que me lembrava de ter lido que são boas para a cicatrização, me levantei e fui em direção a onde estavam, levei o cantil comigo.

Não estavam muito longe, joguei um pouco da água sobre uma pedra para limpa-la e coloquei as pequenas folhas ali e fui espremendo com minhas mãos mesmo, até  virar uma pasta.

Retirei a atadura e o que sobrava da minha calça, joguei mais um pouco da água ali. Aparentava estar tudo certo, coloquei a pasta em cima e ao redor do ferimento.

Lavei o melhor que pude a atadura, rasguei mais a calça para que não pegasse no ferimento e a recoloquei. O restante da pasta passei em meus tornozelos, quando estava terminando notei o rapaz se aproximando.

- Tá tudo bem ai? – perguntou hesitando.

- Sim! - passei minha mão suja na calça e torci mais um pouco a atadura. – Já acabei. – disse caminhando em sua direção.

- Está com dor? – ele perguntou olhando o emplasto na minha perna.

- Não! Se não pensar não dói! – continuei andando – Mas quero que sare logo.

- Logo, logo, chegaremos à cidade e então vai ter gente para ver e ajudar a curar. – olhei para ele desconfiada – Não na cidade, será um dos nossos que vai olhar vocês. – ele se apressou.

- Vou pensar nessa possibilidade, Carter? – falei.

- Isso! E você? – sua curiosidade era quase palpável.

- Vamos fazer isso direito. – disse ao me aproximar de todas – Me chamo Aurora, ela - apontei para a pequena que ainda dormia. – Isabel e ela – apontei para a loira do nosso grupo. – Ayla, as outras duas eu não sei. – "Não tivemos muito tempo para jogar papo fora," pensei em completar mais achei melhor não – Teremos de esperar acordar.

- Priscila esquentou nossa comida, você quer agora? – olhei para ele e pensei em recusar, mais isso não nos faria nenhum bem.

Olhei Isabel e arrumei seus cabelos que estavam sempre cobrindo seus olhos, isso a fez abrir vagarosamente os olhos, meu sangue gelou, eu já tinha visto aqueles olhos, ela levantou a mão e os coçou, um gesto infantil que só me fez ter certeza do que eu via.

- Era você o bebe! – sussurrei quase inaudível. – Como isso pode ser possível?

- Oi! – ela abriu um sorriso tão fofo.

- Oi querida! – passei a mão em seu rosto. – Venha vamos comer. – tentei tirar aquilo da minha cabeça, ao menos por enquanto.

A ajudei se levantar e fomos para onde a Priscila estava.

- Temos de acordar os outros. – ela falou enquanto soltava as latas.

- Isabel? – olhei para ela que entendeu e rugiu.

Todas levantaram no mesmo instante.

- Isso foi maldade! – Priscila me olhava acusadora e assustada.

- Não quando o método é eficaz e elas já o conhecem. – olhei se aproximarem sem nenhuma sombra de medo ou irritação em seus olhares.

A ouvi bufar, parecia uma criança frustrada porque não ganhou o que queria. Como eu queria rir disso, porem me segurei.

Peguei uma lata, das que estavam quentes, muito quentes por sinal. Coloquei a frente de Isabel que ia pegar se não a tivesse impedido.

- Tenha calma, está quente! – ela me olhou ansiosa, como impedir uma criança faminta de comer. "Isso sim é maldade!"

Não tinha nada que eu pudesse fazer para esfriar, assim que ela colocasse a mão ali se queimaria, ou eu poderia...

Apanhei a lata e comecei a assopra-la. "Isso é inútil!" Assoprei o feijão que estava por cima e coloquei minha mão ali, a camada de baixo estava bem quente ainda, assoprei ligeiramente mais um bocado para não queimar meus dedos, e estendi para ela que foi pegar com a mão mais sem saber como.

- Abra a boca. – sugeri – Não esta mais quente.

E assim fiquei tratando dela, até a lata esvaziar, e ela se dar por satisfeita, os outros comiam em silencio, apanhei minha lata que já estava morna e comecei a comer, eu definitivamente não me lembrava do quanto isso era bom, mas o sono que veio depois fez com que todos ficassem lentos.

E novamente me rendi ao mundo dos sonhos.

                          🐾

- Corre! – ele me mandava, mas eu não aguentava mais. – Você vai se arrepender de não obedecer. – ele continuava gritando. "Minhas pernas estão doendo, quero ir pro quarto." Queria pedir.

- Ela é apenas uma criança! Se ela cair agora vai se machucar feio e vocês vão ter que esperar que sare para retomar. Do zero! – titio tentava convencê-los, eu não podia chamar ele assim, mais eu queria o seu colo.

A esteira começou a diminuir e eu cai deixando que ela me levasse. Titio me pegaria. Ele sempre pegava.

Escutava os dois discutindo ao fundo, têm algo errado comigo e uma hora eles se cansariam de mim, por eu não conseguir fazer o que querem, mas eu só quero dormir, estou tão cansada.

Senti meu corpo sendo levantado do chão e me acolhi nos braços dele.

- Bom trabalho minha criança! – titio parecia triste. – Um dia eu vou conseguir tirar você daqui e nesse dia você vai correr pelos campos porque você quer e não por que te obrigaram. – segurei sua camisa, seria bom correr livre com ele. – Eu conheço um lindo campo, espero que ele esteja ainda mais lindo nesse dia.

Titio continuava falando, sua voz me ninando...

    🐾

Acordei com um peso em mim, porem eu reconhecia aquela forma. "Como foi que ela subiu em mim e eu não percebi?" Realmente me acostumei com a presença dessa criança.

A apertei em meus braços e comecei a pensar, aquele sonho não era meu. Será que ela estava sonhando isso e de alguma forma eu estava vendo junto com ela? Ou eu estava tendo vislumbres do passado dela? Era como se eu o estivesse vivendo.

Mas porque só com ela? Será que foi por eu a ter salvado que eu criei essa ligação inexplicável? Uma mistura de tudo ao fato de ela ser apenas uma criança? Ainda mais nova que eu quando fui mandada para aquele lugar.

"Questões sem respostas. Espero que tudo se acerte um dia."

As respirações estáveis me diziam que todos ainda dormiam. Como será a sensação de pertencer a um lugar? Eu sempre me senti diferente, só me sentia em total conforto quando estava na natureza, será que aquele velho casebre de madeira em que morei ainda estava de pé?

Nada, nada, são dezoito anos que não o vejo. Em que estação será que estamos? Eu me lembro de uma antiga folha gasta na parede que dizia essas coisas, mas nunca dei atenção, fui à escola por pouco tempo.

Como pode? Enquanto eu estava na escola improvisada da vila onde uma das mães das crianças nos ensinava o que sabia, minha mãe ficava mal pensando que eu sumi, morri, ou não sei mais o que poderia passar pela cabeça dela.

No entanto me deixou naquele lugar por todo esse tempo e me visitando por menos de cinco minutos as vezes que ia. Que logica irracional será essa?

Deixei que o ar saísse bem lentamente de meus pulmões. "Dezoito anos!"

Eu poderia ter aprendido tanta coisa nesse tempo.

Quem será que cuidava da Isabel? E porque nunca deu um jeito de tira-la de lá? Ou melhor, porque a levou para lá? Ha quanto tempo ela estava lá? "São perguntas de mais, não da pra elaborar apenas uma resposta ao invés de tantas perguntas?" Me repreendi.

No entanto não adianta porque  só tenho perguntas e ninguém poderia me responder à maioria delas. Como eu descobriria tudo isso eu ainda não sei, mas vou tentar.

"Como será essa cidade na qual vivem?" Espero não ter tomado à decisão errada, entretanto se tiver morrerei tentando concertar. Esperei tanto para sair de lá, não posso cai sem lutar. Mesmo meus medos sendo muito mais reais agora, precisei de tempo para entender e me aceitar. Apesar de saber que tinha sido abandonada tinha medo que cumprissem as promessas que fizeram.

Minha mãe pode ter deixado de me amar, mas eu nunca deixei de ama-la, e nunca desejaria que fizessem com ela o que faziam comigo. Apertei mais aquela criança em meus braços, será que tinham desistido dela também ou ainda tinha alguém que lutava por ela?

A brisa tocou meu corpo, deixei minha mente vagar, leve, sem limitações, eu me sentia em casa, livre em minha casa, na natureza. Livre na nossa grande mãe, acolhedora e protetora.

E se...

Aquela calmaria acolhedora me deu uma ideia, quem sabe se eu expandir minha mente eu não consiga entender o que aconteceu aquele dia? Olhando para cima pude ver as nuvens do amanhecer levemente amarelas se movendo vagarosamente, imaginei naquela leveza seguindo o fluxo da brisa um suave e carinhoso empurrão. Meu corpo é nuvem, minha mente é vento, meu coração o sol.

A sinfonia de meus batimentos enchiam meus ouvidos, como os raios de sol enchiam o céu, tocando delicadamente e aquecendo cada centímetro por onde passava.

Senti a brisa em minhas costas assim que ela se afastou do chão e tentei me manter calma, eu sentia meu corpo tão leve quanto quando Ayla usa seus poderes. Cada elemento uma chave a ser virada.

Talvez com a prática eu não precise me esforçar, se bem que eu não deveria me esforçar, tem que ser natural. Uma parte de mim, eu sou a natureza de meu ser. Imprevisível. Instável. Mutável. Adaptável.

Segurei Isabel e endireitei meu corpo, a pequena totalmente ignorante ao que eu fazia. "Eu estou no controle!"

Olhei para cima e acompanhei as nuvens ficar mais perto, olhei para baixo e quase perdi o equilíbrio, o frio no meu estomago me dizia que eu não queria cair, porem o calor do meu coração me dava motivos para continuar subindo.

"Você consegue Aurora, tenha fé em você!"

"Qual será o gosto das nuvens? Será que são felpudas como algodão?"

Eu poderia subir até lá, entretanto a cidade a frente chamou minha atenção, podia ver construções caídas e pilastras as sustentando, não queriam abrir mão daquela arquitetura passada, mais se o fizesse o que seria feito de todo aquele entulho? Não é como a madeira que queima e vira cinzas que se tornam nutrientes para a terra, não se decompõem como a madeira, são entulhos.

Apenas entulhos que levariam anos e mais anos para a natureza arrastar suas raízes para lá e os cobrir.

"Melhor descer e acordar os outros." Olhei por mais alguns segundos aquela paisagem. Era uma confusão! O sol se levantando em seu esplendor, as construções desafiando a gravidade, torcidas em diferentes ângulos e as arvores como se nada tivesse acontecendo, dançando livres com a brisa.

Descer! Respirei e tentei, nada aconteceu, tive um pequeno sobressalto. "Sem pânico! Sem pânico! Vamos lá! Eu posso fazer isso! Preciso de peso, rocha, eu sou uma rocha pesada." Meu corpo pesou e comecei a cair.

- Não, não, não, não! – meu pânico crescia cada vez mais a medida que o chão se aproximava.

Virei o corpo para receber todo o impacto da queda e apertei Isabel desejando que ela não se machucasse. "O que eu tinha na cabeça?" Senti meu corpo tocar o chão e esperei a dor chegar. Meus olhos estavam tão espremidos que quando os abri não enxerguei nada.

"Cadê a dor?" Ainda não sentia nada. "Será que eu estou inconsciente e isso é um sonho? Cadê a dor?" Assim que meus olhos voltaram a ter foco olhei para os lados e me sentei fazendo com que a pequena se mexesse mais não acordasse, eu estava no chão. "Não faz sentido." Devo ter desacelerado nos últimos segundos para não ter sentido nada. Suspirei aliviada.

Encolhi a perna que estava melhor joguei meu peso todo nela e me levantei, olhei a todos que estavam encolhidos pelo chão, exceto pelo Carter que estava todo esparramado, sorri com a cena e caminhei para perto da Ayla.

- Ei! – coloquei minha mão em seu ombro – Acorda.

Ela se espreguiçou e sentou.

- Aconteceu algo?

- Não só quero conversar, vou acordar as outras. – ela assentiu e coçou os olhos enquanto eu acordava as outras duas.

Me sentei e olhei para todas.

- Sei que não tivemos muito tempo para isso, a cidade esta próxima e eu queria conhecer vocês melhor, não sei o que nos aguarda lá e tenho medo que o pior possa acontecer, então devemos estar em harmonia.

- Do que exatamente tem medo?- olhei para Ayla.

- De tudo! Não era muito bonito antes e tenho certeza que continua igual, hoje eu percebo coisas que não notava antes, apesar de saber que sou mais forte hoje, isso não diminui meu medo do que pode nos esperar. – todas prestavam atenção ao que eu dizia – Então, quero saber o que vocês pensam? O que imaginam? O que sabem? Porque essa pode ser nossa ultima chance de conversar.

- Realmente esse mundo não é nada bonito, lembro muito bem dele antes de ir para aquele lugar e posso dizer que onde eu vivia não era muito diferente. – Ayla olhava para o chão fazendo riscos com os dedos – Eu morava na rua, meus pais morrerem por alguma doença, eu só tinha eles, então sem saber qual seria meu destino agia como se nada tivesse acontecido, quando os vizinhos notaram a ausência de meus pais, acharam que eu os tinha matado, então fugi, me escondi por muito tempo.

- Quantos anos tinha? – quis saber

- Doze, consegui me esconder por mais dois, até que me acharam. – ela me olhou – Ai me levaram para aquele lugar, ninguém tem dó de ninguém. Mas quando você me tirou daquele lugar, e logo seguiu para a outra cela eu sabia que te acompanharia pra onde fosse, não tivemos a oportunidade antes, mas quero te agradecer por isso.

- Eu fiz o que achei certo, e fico muito feliz por ter feito. – sorri para ela e segurei sua mão – No que depender de mim vou sempre ajudar você, todas vocês. – olhei para as demais.

- Sabe quantos anos passou lá?

- Seis.

- E vocês? – perguntei e fique olhando elas se encararem como se decidindo quem começaria, só então notei a semelhança entre elas.

- Nós nascemos com uma doença rara, – a mais alta começou a falar – não sentimos dor, mas isso não impede que nos machuquemos ou que sangremos até morrer.

- Mas junto disso descobrimos algumas peculiaridades que nos ajudava para que isso não acontecesse. – a outra continuo – Eu constantemente me colocava em perigo e a Stella sempre me salvava, – ela olhou para a irmã – tivemos medo que nos evitasse e estávamos tomando coragem para dizer e nos desculpar.

- Com o que? – eu não estava entendendo aquele rumo.

- Licença. – Stella pediu e se aproximou de mim, colocou sua mão em cima da minha atadura e eu comecei a sentir o local aquecer, olhei para o rosto dela que estava concentrado, eu sentia meus músculos se esticando e se ligando, o calor dominou meu corpo todo.

Eu sentia cada pedaço do meu ser se modificando e era difícil acreditar naquilo, sentia ferimentos há muito tempo esquecidos sendo moldados, como se ela encaixasse corretamente cada parte do quebra cabeça que era feito o meu corpo. Senti aquele calor passar de mim para a pequena, como se ela fosse uma extensão do meu corpo, eu o senti vasculhar, mas não encontrar nada e então retornar para a mão de Stella.

- Posso ver ela? – Stella me olhou e desceu seu olhar para Isabel.

- Você já fez isso! – abri um grande sorriso – Não tem nada errado com ela. – retirei os cabelos rebeldes de seu rosto e ela se mexeu - Senti seu poder percorrer o corpo da Isabel.

Os olhos dela se arregalaram em surpresa, no entanto ela não questionou, foi ver Ayla enquanto a irmã continuava.

- Stella tem o dom de curar, reparar e ate realocar qualquer coisa que tenha de errado no seu corpo. – isso explicava o que eu senti. – Eu por outro lado só curo a mim mesma. – ela suspirou – O quão egoísta isso pode ser não é, fiquei tão decepcionada comigo quando descobri isso, mas foi útil quando viemos parar lá, pelo menos sabíamos que a outra ficaria viva até o dia que pudéssemos nos encontrar novamente. E devemos isso a você, e nunca poderemos quitar essa divida que temos com você. – elas se olharam – Passaremos todos os dias que tivermos tentando.

- Isso não é preciso. – eu estava ficando com vergonha.

- Eu tinha doze anos e Selena dez, – Stella já tinha voltado para o lado da irmã – quando nossos pais me viram curar meu joelho e Selena seu cotovelo, então eles nos mandaram para o instituto.

- Vocês sabem o porquê do nome Grace? – perguntei.

- Se eu não me engano eles disseram que era para controle, algo do tipo. – Stella se manifestou.

- Posso dizer que é mais uma forma de manipulação. – falei baixo.

- Eu também diria que sim, passar a assumir outra personalidade mesmo que só um nome desestrutura a gente, nos faz duvidar de nossa própria existência. – Stella segurava a mão da irmã em um gesto protetor – E isso por dez anos, quase vivemos mais lá dentro do que fora, – ela olhou a irmã – ainda mais você.

Eu sou a mais velha desse grupo, não consigo definir se isso me trás conforto ou não.

Na verdade me faz querer entender o porquê me acomodei com aquilo? Meu medo sempre foi maior do minha vontade de lutar por minha vida e eu já tinha tentado antes e fracassado miseravelmente, esse fracasso me marcou, me mostrou o quão fraca eu era, foi quando parei de me importar com o que acontecia comigo, aceitei meu destino. Aceitei minhas falhas.

Apesar de me apegar as minhas lembranças, me movimentava constantemente naquele buraco, não deixei meu corpo morrer por dentro e ser consumido por fora, apesar de constantemente levar injeção que me faziam querer morrer, minha vontade silenciosa de viver era maior. Eu queria lutar mesmo tendo desistido, eu tinha esperanças mesmo sem ter fé que sairia de lá.

Meus sentimentos eram uma luta árdua sem sessar, sem ganhadores, um emaranhado de emoções querendo uma brecha pra escapar, a oportunidade para ganhar seu lugar e reinar, mas o que seria de mim se esse mar de emoções rompesse? Eu posso sentir a paz, entretanto o receio e o medo não me abandonam em nenhum segundo.

Tenho medo de nunca me sentir eu mesma, nunca descobrir quem sou ou pra que estou aqui, tenho medo das respostas que posso encontrar pelo caminho, medo de me tornar algo ruim e irremediável. Essas coisas me corroem e não é porque minha mentalidade é de uma criança ou algo do tipo, eu amadureci e cresci o suficiente para ter medo de mim.

Para temer o dia de amanhã, torço para que seja bom. Só que isso não vai me garantir que ele seja. Não me trás nenhum conforto...

- Aurora? – uma mão passou diante de meus olhos, então voltei a ouvir o que diziam – Você esta me ouvindo?

- Oi, sim. – respondi no automático.

- Você de repente ficou quieta. – Ayla me olhava curiosa.

- Desculpa. – me levantei – Obrigada por curar meus ferimentos, – olhei para Stella – vou acordar os outros para seguirmos viagem.

Minha mente um turbilhão, mas não focava em nada só segui o caminho em frente, acordei os primos e esperei que fizessem a frente.

Pé direito, pé esquerdo, um após o outro e repete, de novo e de novo, sem parar, olha os obstáculos. Meu corpo agia e minha mente repetia cada ação, porque eu estava fazendo isso? Talvez para mascarar os outros sentimentos que me corroíam.

A cada passo é um a menos, a cidade se aproximava, o mover de coisas, as passadas de cada um as crianças brincando os animais se alimentando e alguns escassos veículos circulando como a Priscila havia dito, tôdas as vibrações vinham até mim.

Respirei fundo e ergui a cabeça. "Vamos lá!Deixar cada preocupação tomar o seu lugar quando a hora chegar e resolver isso da melhor forma que consegui."

- Espera ai! – parei abruptamente Isabel acordou e a coloquei em minhas costas – Vocês vão nos separar! – os acusei – E eu burra estava caindo no plano de vocês.

- O que? Não! – o garoto se manifestou – Isso não é verdade.

- A não é! – o olhei friamente – Assim que chagarmos pegaremos uma locomoção e vamos ate o nosso acampamento isolado. – como fui tão estupida. – É claro que vocês saberiam em quantos éramos, era só contar as celas. Confesso que foram bem comoventes.

- Eu não estou entendendo. – a garota tomou a frente.

- Eu é que estou pasma! Acreditando no que diziam. Cheguei a pensar que mereciam meu respeito, no entanto é tudo armação para nos enganar! – como me deixei levar. Até aquele manto eles carregavam bem de baixo do meu nariz.

- Você não esta sendo justa. – o garoto quis vir em nossa direção, meu corpo agiu por si me pondo a frente dos outros, algums torrões de terra se levantaram ao meu redor. Um aviso mudo.

- Claro! A culpa é minha. Sempre foi! A culpa é minha por ser fraca, por não atender as expectativas, mas agora eu estou bem acordada, vocês não vão nos separar para diminuir nossa força. Ela – apontei para a garota – nós sabemos o que faz e mesmo assim pode ter mais coisas escondidas e você o que faz? – eu tinha que estar preparada, mas aquilo estava se encaixando muito certo, logo eles vão mostrar sua verdadeira face.

- Eu desapareço só isso! – ele falou e em instantes sumiu de nossa frente, mas eu o sentia no mesmo lugar e ele logo reapareceu – Nada espetacular, não há porque nos temer, se realmente quiséssemos fazer mal a vocês teríamos feito enquanto dormiam não acha?

"O que ele diz faz sentido, mas até que ponto  posso estar enganada?"

Por que essa insegurança me dominava, será que algo ruim iria acontecer futuramente e eu estava descontando neles? Isso já aconteceu lá atrás. Seria possível.

- Eu estou insegura. – falei abertamente – Não tenho culpa, mas tenho muitos motivos, algo esta gritando em mim que não devemos nos separar, e nós não vamos!

- Você não confia na gente? – Priscila falou.

- Eu não confio nem em mim, então não! Eu posso acreditar em suas palavras, mas isso não é o bastante. – falei para ela – Eu acreditei em minha mãe e olha onde fui parar.

- Se isso ti deixa mais tranquila podemos seguir caminhando, mas isso vai levar mais tempo. – Carter tentou me convencer, aquela ideia me deixava mais confortável, no entanto o sentimento permanecia.

- Você tem certeza disso? – Ayla colocou sua mão em mim.

- Eu não sei! Esse sentimento não me abandona, posso estar paranoica, mas até agora meus instintos não falharam uma só vez. – coloquei minhas mãos na cabeça e apertei, os torrões caíram. – Isso não sai daqui!

- Quer parar? Conversar? O que quer? – Carter me olhava – Nós só queremos a segurança de vocês e pra isso temos que ir para nosso "acampamento." – ele fez aspas no ar ao dizer a ultima palavra, a que eu havia usado há poucos minutos.

Nada disso é fácil de associar ainda mais quando minha decisão define o destino de mais quatro pessoas.

- Vamos a pé, qualquer gracinha, ou se esse sentimento se tornar mais forte eu não hesitarei. – falei para eles – Tenha isso em mente, eu tenho motivos para desconfiar.

- Okay, continuaremos na frente de vocês. – Carter falou – Faça o que o seu coração mandar.

Assenti e esperei que retomassem a caminhada, meus sentidos mais aguçados do que nunca, nada vai me pegar desprevenida, ao menos é o que eu espero.

A trilha a nossa frente se tornava cada vez mais íngreme, minhas panturrilhas queimavam com o esforço, engraçado como agora eu sentia essas pequenas dores que antes eu ignorava por haver outras mais sérias e mais fortes. Não que isso fosse me impedir de alguma coisa só é curioso poder senti-las e decidir se quero ou não ignora-las.

Um leve estralo me fez parar, olhei ao redor mais não sentia nada, absolutamente nada, mas esse pequeno estalo foi o suficiente para deixar todos os meus sentidos em alerta. Conferi a posição da Isabel e ela estava bem firme. O que me agradou, porem qualquer coisa que acontecesse comigo eu a levaria junto.

Os cabelos em minha nuca se eriçaram levando um forte calafrio que sacudiu meu corpo, mais eu não conseguia ver a origem disso. Era como se fosse uma força fantasma me vigiando.

Fantasma! Me lembrei do sonho com Isabel, seria possível existir fantasmas que realmente nos fazem mal? Ou era tudo fruto de uma mente perturbada?

A segunda opção me parecia mais agradável, não que fosse algo bom. De maneira alguma isso seria.

Mas aquela sensação de estar sendo vigiada estava me corroendo por dentro, isso não terminaria bem. "Como nos defenderíamos de algo que não vemos?"

Minha mente estava a todo vapor, diria que poucos segundos se passaram. Os primos continuavam andando como se nada os afetasse, retornei a caminhada e olhei para as demais, elas parecia não se dar conta de nenhum perigo.

Estariam confiando demasiadamente em mim? Será que sou eu a pessoa de mente perturbada?

Será que isso...

Senti meus pés perderem o contato com o chão. Meu corpo caia e à medida que eu caia o buraco ia se fechando e a escuridão nos engolindo.

- Não! – trinquei meus dentes, Isabel estava tremendo. – NÃO! – gritei a plenos pulmões.

Como se crescesse em mim e se expandisse para além de mim senti meu corpo se aquecer e deixei que minha ira dominasse. Minha queda sessou. Minhas mãos em punhos deixavam as marcas das unhas na carne.

Como se estivesse com os pés no chão simulei um salto, como uma pessoa submersa na água e havida por ar.

Senti todas as paredes ao meu redor vibrar e se despedaçar a medida que eu subia, porem novas eram erguidas e quanto mais avança mais tentavam me derrubar, até que em um impulso de força senti todas as paredes se romperem e eu estava na claridade novamente.

Olhei para baixo e pude ver os olhos surpresos dos meus companheiros, olhei tudo a minha volta e vi a mata se movimentando.

Aquilo não poderia ser real, como eu não sentia nenhuma vida humana? E todas as coisas ao meu redor parecia se agitar e se contorcer apenas para mim, como se eu fosse à ameaça aquele lugar.

Ouvi o fervilhar das folhas e por instinto me impulsionei para a direita, um cipó muito veloz passou roçando meus cabelos. Deixei que meus instintos me dominassem e comecei a me mover o mais rápido que podia conforme os ataques seguintes começaram.

Como se a natureza quisesse me punir por algo. Talvez por existir.

Senti um ramo envolver meu tornozelo e gritei quanto à ponta perfurou minha pele, meu sangue começou a escorrer por entre os ramos, quanto mais eu me debatia pior a sensação se tornava, sem que percebesse outros ramos se envolveram em mim e me atiraram no chão, me fazendo bater com toda força.

Todo o ar de meus pulmões saiu e eu só conseguia pensar se Isabel estava bem. Senti uma camada de terra nos cobrir e ir se solidificando, se expandindo, afrouxando o aperto daquela planta, podia ouvir ela estalar a medida em que era esticada ate se romper.

Nossas respirações irregulares, meu corpo sentia novas investidas em minha pequena proteção, tenho que sair dali antes que as investidas sejam por baixo, ai eu estaria completamente perdida.

Olhei para a pequena parede e vi um bonequinho. Parecia uma maça com corpinho só que de terra de uns 5 centímetros se mexendo, como se estivesse querendo me contar algo, devo estar ficando louca. As investidas diminuíram e o bonequinho continuava se agitando e pulando.

"O que esta acontecendo?" Meu cérebro não conseguia definir até que ponto isso era fruto da minha mente, o pequeno bonequinho se aproximou e colocou a mão em meu nariz.

Como em um curto eu não estava mais ali, eu estava longe, minha mente estava sendo revirada pelo pequeno bonequinho e à medida que isso acontecia ele ia deixando rastros de uma imagem que me era familiar.

Arfei quando me dei conta do porque, era aquele mesmo garotinho sentado no chão de olhos fechados e o rapaz atrás dele como se vigiando, talvez o protegendo, era isso o que seus olhos mostravam a determinação em proteger o garoto, era palpável o amor que ele sentia por aquela criança.

Será esse o significado de amar? Proteger o outro com sua própria vida, porque sem aquela pessoa a vida não é nada. É se sacrificar. Eu conseguia entender o sentimento daquele rapaz, poderia dizer que sinto o mesmo pela pequena agarrada a mim, como se sua vida também dependesse de mim.

Aquele calor se espalhou pelo meu corpo e senti todas as minhas barreiras vir ao chão. O sopro do vento varria os pequenos grãos de terra a minha volta, eu poderia jurar que via um sorriso naquele bonequinho, como se tivesse encontrado algo que procurava há anos e nunca encontrou.

Coloquei minhas mãos no chão para me levantar e aproveitei e peguei aquele pequeno bonequinho e o coloquei em meu ombro, seu corpo curiosamente quentinho.

Deixei aquela confusão de lado, algo dentro de mim dizia que na hora certa eu entenderia tudo, e que estava segura.

Assim que fiquei em pé senti o ferimento em meu tornozelo e olhei bem para ele, um pequeno sorriso brotou em meus lábios. Eu realmente estou louca pensei comigo, e puxei a pequena para que ficasse diante de meus olhos.

A ergui e inspecionei cada centímetro de seu corpo, ela estava bem, mais uma trilha de lagrimas descia por seu rosto.

- Agora tudo vai melhorar. – sussurrei para ela enquanto a puxava para um abraço – Desculpa por ter ti posto em perigo comigo. – ela sacudiu a cabeça e me apertou ainda mais em seus diminutos braços.

Isso me trouxe um conforto inexplicável, suspirei a apertando.

- Aurora? – ouvi alguém me chamando, mas não queria dar atenção, mesmo sabendo que precisava – Aurora? – a voz insistiu então olhei para sua dona.

Ayla tinha os olhos arregalados como se fosse saltar a qualquer momento, a cara de espanto dos outros não eram muito diferente.

- O que acabou de acontecer aqui? – ela perguntou como se temesse a resposta.

- Eu realmente não faça nenhuma ideia. – ela parecia realmente preocupada comigo.

- Você sumiu e depois apareceu e depois aquilo. – ela tentava explicar – Eu tentei te alcançar, mas alguma coisa impedia que eu te localizasse, era como se você fosse apenas fruto da minha mente, como se não existisse, eu sentia todos menos você. – seus olhos me mostravam o quanto ela ficou angustiada.

Livrei um braço e no mesmo instante ela se chocou contra mim, a abracei de volta, esse gesto tão pequeno e com tanto significado.

- Eu estou bem! – a confortei – Algo me diz que essa foi nossa ultima surpresa.

- Nunca mais me assuste assim! – ela tentou me repreender, como se eu fosse uma criança traquina.

- Não posso prometer, mas posso tentar. – falei – Agora vamos!



Oieeee! Uma pequena surpresa não? hahahah

Espero que estejam gostando❤ até o próximo capitulo❤
Um forte abraço de urso, fiquem bem❤
ʕっ•ᴥ•ʔっ❤

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